Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
825/15.2T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: RECURSO
PARTE VENCIDA
PEDIDO PRINCIPAL
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Data do Acordão: 06/29/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, 1946, 139.
- J. LEBRE DE FREITAS, “Código de Processo Civil” Anotado, Volume 2.º, 2001, 232 e 233; “Código de Processo Civil” Anotado, Volume 3.º, 2003, 19 e 20.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 39.º, 554.º, N.º 1, 631.º, N.º 1.
Sumário :
I. Com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, o autor declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder.

II. A parte considera-se vencida, para efeitos de recurso, quando a sua pretensão jurisdicional é afetada ou prejudicada pela decisão judicial.

III. As autoras têm legitimidade para recorrer da sentença que, julgando improcedente o pedido formulado a título principal, absolveu a ré do pedido, não obstante a procedência do pedido, formulado a título subsidiário, contra o réu.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – RELATÓRIO


   AA, S.A., e BB - Comércio de Veículos, Lda., instauraram, em 9 de março de 2015, nos Juízos Centrais Cíveis de Leiria, Comarca de Leiria, contra CC - Companhia de Seguros, S.A., e DD, ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que a Ré CC fosse condenada a pagar à Autora AA a quantia de € 119 815,09 e à Autora BB a quantia de € 129 031,24, ambas as quantias acrescidas de juros, à taxa legal de 4 %, desde a citação e até integral pagamento, ou, no caso dessa improcedência, que o Réu fosse condenado no mesmo pedido.

Para tanto, alegaram, em síntese, que, por contrato de locação financeira são locatária e sublocatária do prédio urbano sito na Rua dos …, …, freguesia de Marrazes, concelho de Leiria; no dia 6 de abril de 2012, deu-se um desmoronamento parcial de um dos pavilhões do prédio em consequência do aluimento de terras do terreno do R., resultante da movimentação de terras e da forte pluviosidade; a R. CC, não obstante o contrato de seguro multirrisco, incluindo o aluimento de terras, recusou a sua responsabilidade; a A. AA reparou os danos e A. BB sofreu danos em peças e acessórios para automóveis.

Contestaram ambos os RR.


Prosseguindo o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 28 de abril de 2016, a sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou o Réu a pagar à A. AA a quantia de € 119 815,09, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, e à A. BB a quantia que se vier a liquidar quanto ao ressarcimento do dano respeitante às peças e acessórios descritos em 39. dos factos provados, até ao limite de € 109 267,25, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, e absolveu a Ré CC do pedido.


Inconformados, recorreram, para o Tribunal da Relação de Coimbra, as Autoras e o Réu, mas, por acórdão maioritário de 4 de abril de 2017, não foi admitido o recurso das Autoras, nos termos dos arts. 652.º, n.º 1, alínea b), e 655.º, n.º 1, do CPC.


Inconformadas com esse acórdão, as Autoras recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam como conclusões:

a) O acórdão recorrido enferma de nulidade, face ao disposto no art. 666.º, n.º 1, do CPC.

b) Por violação do disposto nos arts. 631.º, n.º 1, 627.º e 629.º, n.º 1, do CPC, e de conformidade com o art. 668.º, n.º 1, do CPC, deve anular-se o acórdão recorrido, ordenando-se a respetiva reforma, no sentido de ser substituído por outro que admita a apelação interposta pelas AA.


Contra-alegou a R. CC, nomeadamente no sentido da improcedência do recurso.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Nesta revista, está essencialmente em discussão a não admissão da apelação contra ré absolvida do pedido, quando o réu, também demandado na ação, foi condenado praticamente no pedido.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Descrita a dinâmica processual relevante, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões e relativo à legitimidade para recorrer de sentença absolutória, quando outro demandado na ação foi condenado na quase totalidade do pedido.

O acórdão recorrido assenta a sua fundamentação na interpretação de um único e mesmo pedido na ação, ao contrário da posição das Autoras, que alegam ter formulado um pedido principal contra a Ré e um pedido subsidiário contra o Réu.

Esquematizadas as duas posições, interessa saber qual o direito aplicável.


Na verdade, as Autoras formularam na ação o pedido, em primeiro lugar, contra a R. e, “na hipótese, que apenas se admite por mera cautela e dever de patrocínio, se entender e considerar pela improcedência do pedido formulado” relativamente à R., pediram, em segundo lugar, a condenação do R., no mesmo pedido.

A título principal, as AA. pretendem a condenação da R. no pedido.

A título subsidiário, as AA. pretendem a condenação do R. no pedido.

Esta formulação configura uma coligação subsidiária passiva, porquanto são demandados dois réus, um, a título principal, com fundamento no contrato de seguro, outro, a título subsidiário, com justificação no direito de propriedade de prédio vizinho, sendo o pedido o mesmo – art. 39.º do Código de Processo Civil (CPC).

De harmonia com disposto no art. 554.º, n.º 1, do CPC, que admite expressamente a formulação de pedidos subsidiários, “diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente em caso de não proceder um pedido anterior”.

O pedido subsidiário ou “eventual”, com larga tradição no nosso direito, pressupõe a formulação de um pedido “principal” ou “primário” (ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, 1946, pág. 139).

Com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, o autor declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder. Sendo julgado procedente o pedido principal, o tribunal não entra sequer no conhecimento do pedido subsidiário. Com semelhante formulação de pedidos, estabelece-se uma clara “graduação das pretensões do autor”, que assim se apresentam “hierarquizadas” (J. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2001, págs. 232 e 233).


No caso vertente, as AA. começaram por pedir a condenação da R. pelos danos sofridos e, só no caso de improcedência dessa pretensão, pediram, em segundo lugar, a condenação do R. pelos mesmos danos.

O pedido formulado na ação é o mesmo contra ambos os Réus, mas está hierarquizado, preferindo as AA. a condenação da R., em primeiro lugar, e só, subsidiariamente, a condenação do R., por motivo não declarado, mas fácil de intuir, designadamente o seu diferente poder económico para garantir o cumprimento da obrigação.

Ora, como se viu, a sentença absolveu a R. do pedido principal e condenou o R. no pedido subsidiário (quase na totalidade).

Deste modo, as Autoras ficaram vencidas quanto ao pedido principal.


A parte principal na causa que tenha ficado vencida tem legitimidade para recorrer, como decorre do disposto no art. 631.º, n.º 1, do CPC.

A parte considera-se vencida, quando a sua pretensão jurisdicional é afetada ou prejudicada pela decisão judicial, podendo o critério ser material ou formal, os quais, em geral, coincidem na legitimidade ad recursum. 

No entanto, se a pretensão principal da parte não proceder, ainda que a pretensão subsidiária obtenha vencimento, pode recorrer da decisão, visto não ter obtido a decisão mais favorável, que consistia na procedência da pretensão principal (J. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 2003, págs. 19 e 20).

Na verdade, a parte, tendo um interesse primário na pretensão formulada a título principal, sofre um prejuízo na sua esfera jurídica, quando a decisão judicial lhe nega tal pretensão, constituindo, por isso, uma situação jurídica desfavorável ao seu interesse.

Dada a amplitude do conceito de vencido, para efeitos de legitimidade para o recurso, é de admitir o recurso da parte a quem foi negada a pretensão formulada a título principal, mesmo procedendo a pretensão formulada a título subsidiário contra outro demandado.

A situação tratada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de janeiro de 2004 (03B3904), citado no acórdão recorrido, é diversa da dos presentes autos, pois ali a parte (recorrente) era totalmente vencedora no acórdão de que recorrera, o que não sucede, no caso vertente, já que as ora Autoras viram o seu pedido principal contra um diferente réu improceder.

Nestas circunstâncias, as Autoras têm legitimidade para recorrer da sentença que, julgando improcedente o pedido formulado a título principal, absolveu a Ré do pedido, não obstante a procedência do pedido, formulado a título subsidiário, contra o Réu.


Consequentemente, não podendo manter-se a decisão recorrida, uma vez que deve ser admitido o recurso de apelação interposto pelas AA., justifica-se conceder a revista e revogar a decisão recorrida.


2.2. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. Com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, o autor declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder.

II. A parte considera-se vencida, para efeitos de recurso, quando a sua pretensão jurisdicional é afetada ou prejudicada pela decisão judicial.

III. As autoras têm legitimidade para recorrer da sentença que, julgando improcedente o pedido formulado a título principal, absolveu a ré do pedido, não obstante a procedência do pedido, formulado a título subsidiário, contra o réu.


2.3. A Recorrida, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Conceder a revista, revogando o acórdão recorrido.


2) Condenar a Recorrida (Ré) no pagamento das custas.



Lisboa, 29 de junho de 2017


Olindo Geraldes (Relator)

Nunes Ribeiro

Maria dos Prazeres Beleza