Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | OLINDO GERALDES | ||
Descritores: | RECURSO PARTE VENCIDA PEDIDO PRINCIPAL PEDIDO SUBSIDIÁRIO LEGITIMIDADE PARA RECORRER ADMISSIBILIDADE DE RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 06/29/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS. | ||
Doutrina: | - ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, 1946, 139. - J. LEBRE DE FREITAS, “Código de Processo Civil” Anotado, Volume 2.º, 2001, 232 e 233; “Código de Processo Civil” Anotado, Volume 3.º, 2003, 19 e 20. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 39.º, 554.º, N.º 1, 631.º, N.º 1. | ||
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Sumário : | I. Com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, o autor declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder. II. A parte considera-se vencida, para efeitos de recurso, quando a sua pretensão jurisdicional é afetada ou prejudicada pela decisão judicial. III. As autoras têm legitimidade para recorrer da sentença que, julgando improcedente o pedido formulado a título principal, absolveu a ré do pedido, não obstante a procedência do pedido, formulado a título subsidiário, contra o réu. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO AA, S.A., e BB - Comércio de Veículos, Lda., instauraram, em 9 de março de 2015, nos Juízos Centrais Cíveis de Leiria, Comarca de Leiria, contra CC - Companhia de Seguros, S.A., e DD, ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que a Ré CC fosse condenada a pagar à Autora AA a quantia de € 119 815,09 e à Autora BB a quantia de € 129 031,24, ambas as quantias acrescidas de juros, à taxa legal de 4 %, desde a citação e até integral pagamento, ou, no caso dessa improcedência, que o Réu fosse condenado no mesmo pedido. Para tanto, alegaram, em síntese, que, por contrato de locação financeira são locatária e sublocatária do prédio urbano sito na Rua dos …, …, freguesia de Marrazes, concelho de Leiria; no dia 6 de abril de 2012, deu-se um desmoronamento parcial de um dos pavilhões do prédio em consequência do aluimento de terras do terreno do R., resultante da movimentação de terras e da forte pluviosidade; a R. CC, não obstante o contrato de seguro multirrisco, incluindo o aluimento de terras, recusou a sua responsabilidade; a A. AA reparou os danos e A. BB sofreu danos em peças e acessórios para automóveis. Contestaram ambos os RR. Prosseguindo o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 28 de abril de 2016, a sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou o Réu a pagar à A. AA a quantia de € 119 815,09, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, e à A. BB a quantia que se vier a liquidar quanto ao ressarcimento do dano respeitante às peças e acessórios descritos em 39. dos factos provados, até ao limite de € 109 267,25, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, e absolveu a Ré CC do pedido. Inconformados, recorreram, para o Tribunal da Relação de Coimbra, as Autoras e o Réu, mas, por acórdão maioritário de 4 de abril de 2017, não foi admitido o recurso das Autoras, nos termos dos arts. 652.º, n.º 1, alínea b), e 655.º, n.º 1, do CPC. Inconformadas com esse acórdão, as Autoras recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formularam como conclusões: a) O acórdão recorrido enferma de nulidade, face ao disposto no art. 666.º, n.º 1, do CPC. b) Por violação do disposto nos arts. 631.º, n.º 1, 627.º e 629.º, n.º 1, do CPC, e de conformidade com o art. 668.º, n.º 1, do CPC, deve anular-se o acórdão recorrido, ordenando-se a respetiva reforma, no sentido de ser substituído por outro que admita a apelação interposta pelas AA. Contra-alegou a R. CC, nomeadamente no sentido da improcedência do recurso. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Nesta revista, está essencialmente em discussão a não admissão da apelação contra ré absolvida do pedido, quando o réu, também demandado na ação, foi condenado praticamente no pedido. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Descrita a dinâmica processual relevante, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões e relativo à legitimidade para recorrer de sentença absolutória, quando outro demandado na ação foi condenado na quase totalidade do pedido. O acórdão recorrido assenta a sua fundamentação na interpretação de um único e mesmo pedido na ação, ao contrário da posição das Autoras, que alegam ter formulado um pedido principal contra a Ré e um pedido subsidiário contra o Réu. Esquematizadas as duas posições, interessa saber qual o direito aplicável. Na verdade, as Autoras formularam na ação o pedido, em primeiro lugar, contra a R. e, “na hipótese, que apenas se admite por mera cautela e dever de patrocínio, se entender e considerar pela improcedência do pedido formulado” relativamente à R., pediram, em segundo lugar, a condenação do R., no mesmo pedido. A título principal, as AA. pretendem a condenação da R. no pedido. A título subsidiário, as AA. pretendem a condenação do R. no pedido. Esta formulação configura uma coligação subsidiária passiva, porquanto são demandados dois réus, um, a título principal, com fundamento no contrato de seguro, outro, a título subsidiário, com justificação no direito de propriedade de prédio vizinho, sendo o pedido o mesmo – art. 39.º do Código de Processo Civil (CPC). De harmonia com disposto no art. 554.º, n.º 1, do CPC, que admite expressamente a formulação de pedidos subsidiários, “diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente em caso de não proceder um pedido anterior”. O pedido subsidiário ou “eventual”, com larga tradição no nosso direito, pressupõe a formulação de um pedido “principal” ou “primário” (ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.º, 1946, pág. 139). Com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, o autor declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder. Sendo julgado procedente o pedido principal, o tribunal não entra sequer no conhecimento do pedido subsidiário. Com semelhante formulação de pedidos, estabelece-se uma clara “graduação das pretensões do autor”, que assim se apresentam “hierarquizadas” (J. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2001, págs. 232 e 233). No caso vertente, as AA. começaram por pedir a condenação da R. pelos danos sofridos e, só no caso de improcedência dessa pretensão, pediram, em segundo lugar, a condenação do R. pelos mesmos danos. O pedido formulado na ação é o mesmo contra ambos os Réus, mas está hierarquizado, preferindo as AA. a condenação da R., em primeiro lugar, e só, subsidiariamente, a condenação do R., por motivo não declarado, mas fácil de intuir, designadamente o seu diferente poder económico para garantir o cumprimento da obrigação. Ora, como se viu, a sentença absolveu a R. do pedido principal e condenou o R. no pedido subsidiário (quase na totalidade). Deste modo, as Autoras ficaram vencidas quanto ao pedido principal. A parte principal na causa que tenha ficado vencida tem legitimidade para recorrer, como decorre do disposto no art. 631.º, n.º 1, do CPC. A parte considera-se vencida, quando a sua pretensão jurisdicional é afetada ou prejudicada pela decisão judicial, podendo o critério ser material ou formal, os quais, em geral, coincidem na legitimidade ad recursum. No entanto, se a pretensão principal da parte não proceder, ainda que a pretensão subsidiária obtenha vencimento, pode recorrer da decisão, visto não ter obtido a decisão mais favorável, que consistia na procedência da pretensão principal (J. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 2003, págs. 19 e 20). Na verdade, a parte, tendo um interesse primário na pretensão formulada a título principal, sofre um prejuízo na sua esfera jurídica, quando a decisão judicial lhe nega tal pretensão, constituindo, por isso, uma situação jurídica desfavorável ao seu interesse. Dada a amplitude do conceito de vencido, para efeitos de legitimidade para o recurso, é de admitir o recurso da parte a quem foi negada a pretensão formulada a título principal, mesmo procedendo a pretensão formulada a título subsidiário contra outro demandado. A situação tratada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de janeiro de 2004 (03B3904), citado no acórdão recorrido, é diversa da dos presentes autos, pois ali a parte (recorrente) era totalmente vencedora no acórdão de que recorrera, o que não sucede, no caso vertente, já que as ora Autoras viram o seu pedido principal contra um diferente réu improceder. Nestas circunstâncias, as Autoras têm legitimidade para recorrer da sentença que, julgando improcedente o pedido formulado a título principal, absolveu a Ré do pedido, não obstante a procedência do pedido, formulado a título subsidiário, contra o Réu. Consequentemente, não podendo manter-se a decisão recorrida, uma vez que deve ser admitido o recurso de apelação interposto pelas AA., justifica-se conceder a revista e revogar a decisão recorrida. 2.2. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante: I. Com a formulação de um pedido principal e um pedido subsidiário, o autor declara uma preferência pelo primeiro, devendo o tribunal apreciar essa pretensão jurisdicional e apenas passar à apreciação do pedido subsidiário, no caso do pedido principal improceder. II. A parte considera-se vencida, para efeitos de recurso, quando a sua pretensão jurisdicional é afetada ou prejudicada pela decisão judicial. III. As autoras têm legitimidade para recorrer da sentença que, julgando improcedente o pedido formulado a título principal, absolveu a ré do pedido, não obstante a procedência do pedido, formulado a título subsidiário, contra o réu. 2.3. A Recorrida, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC. III – DECISÃO Pelo exposto, decide-se: 1) Conceder a revista, revogando o acórdão recorrido. 2) Condenar a Recorrida (Ré) no pagamento das custas. Lisboa, 29 de junho de 2017 Olindo Geraldes (Relator) Nunes Ribeiro Maria dos Prazeres Beleza |