Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
85/13.0PJLRS.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: JOÃO SILVA MIGUEL
Descritores: MOTIVAÇÃO DO RECURSO
REPETIÇÃO DA MOTIVAÇÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
Data do Acordão: 02/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, 227 e ss..
- Maria João Antunes, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, 41-45, e bibliografia citada.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.ºS 1 E 2, 71.º, N.ºS 1 E 2.
D.L. N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGO 21.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 9 DE SETEMBRO DE 2012, PROCESSO N.º 16/09.1GBBRG.G3.S1.
-DE 2 DE FEVEREIRO DE 2012, PROCESSO N.º 1375/07.6PBMTS.P1.S2, E DE 17 DE JANEIRO DE 2013, PROCESSO N.º 1202/10.7PILRS.L1.S1.
-DE 29 DE ABRIL DE 2015, PROCESSO N.º 791/12.6GAALQ.L2.S1.
-DE 28 DE OUTUBRO DE 2015, PROCESSO N.º 411/14.4PFVNG.P1.S1.
-DE 15 DE DEZEMBRO DE 2011, PROCESSO N.º 706/10.6PHLSB.S1.
Sumário :

I - Sendo o recurso apresentado uma repetição do recurso interposto para a Relação, a recorrente não está a impugnar o acórdão da Relação, esquecendo-se que a decisão em causa é esta e não a da 1.ª instância. Tal repetição não equivale, contudo, à falta de motivação, não estando prevista a possibilidade de rejeição de recurso para tais casos, pelo que, não obstante a referida repetição, apreciar-se-á o recurso interposto.
II -Nos termos do n.º 1 do art. 71.º do CP, a pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo como limite inultrapassável a medida da culpa (n.º 2 do art. 40.º do CP). Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (art. 71.º, n.º 2, do CP).
III - A pena de 9 anos de prisão aplicada pelas instâncias ao recorrente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, mostra-se adequada, atentas as elevadas culpa e ilicitude no ilícito na introdução no país e detenção de 14,6 kg de heroína, bem como os traços de personalidade do recorrente, onde está presente a ausência de auto-análise, e uma postura de vitimização, bem como a minimização dos danos da sua conduta e desinteresse por qualquer tipo de reparação, além da persistência dos comportamentos desviantes, tendo-se presente que o crime foi cometido menos de 1 ano depois do termo da liberdade condicional e pouco mais de 1 mês depois de ter sido condenado por crime de violência doméstica, em pena de prisão cuja execução ficara suspensa.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório
1. Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, com a referência 85/13.0PJLRS da Comarca de Lisboa Norte – Loures – Instância Central – Secção criminal – J3, AA e outros foram submetidos a julgamento, tendo aquele sido condenado, como autor material, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela anexa ao mesmo diploma, e 75.º e 76.º do Código Penal (CP), na pena de 9 (nove) anos de prisão.
2. Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 15 de setembro de 2015 (fls 3039-3042), o julgou improcedente, mantendo a decisão recorrida.
3. De novo inconformado, vem agora recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça (fls 3052-3066), formulando, a final, as seguintes conclusões[1]:
«1º O presente recurso resulta da discordância do recorrente quanto à decisão do Tribunal da Relação de Lisboa em não dar provimento ao seu pedido de alteração relativamente à pena que lhe foi aplicada.
2º Na verdade o tribunal de 1º Instância aplicou ao recorrente uma pena de 9 (nove) anos pelo cometimento de um crime de tráfico de estupefaciente p.p. pelo artº 21.º n.º 1 do dec-lei 15/93.
3º Ora, o tribunal “a quo” voltou a não ser sensível à colaboração e confissão tida pelo arguido em sede de julgamento.
4º É certo que a mesma ocorreu perto do fim do julgamento, mas não o é menos que a mesma contribuiu para a descoberta da verdade e mostrou que o arguido se encontrava arrependido.
5º Devia ainda ter tido em atenção que o Tribunal de 1ª Instância havia considerado os factos em termos estritamente objetivos e imediatos, sem ponderar as consequências – nefastas – sociais e pessoais que inevitavelmente advirão para o arguido e para a sociedade, se este for condenado numa pena de prisão efetiva tão longa.
6º Reitera-se assim que houve violação dos artigos 71.º, 72.º, 73.º e 74.º C.P.
7º Entendendo-se que uma pena justa deveria ser de 7 anos».
4. Na resposta à motivação (fls 3075-3079), o Senhor Procurador-Geral Adjunto no tribunal recorrido pronuncia-se pela improcedência integral do recurso, porquanto o «Acórdão recorrido não merece qualquer censura, pelo que deve ser mantido e confirmado nos seus precisos termos», concluindo como segue:
«1.- A lei mostra-se aplicada e a prova foi valorada em conformidade.
2.- O Acórdão não padece de falta de fundamentação, insuficiências, erro de apreciação ou qualquer nulidade/irregularidade.
3.- O Tribunal a quo deu cumprimento integral ao preceituado no art.º 127.º do CPP e não violou o disposto nos artºs 410.º/2 e 374.º, ambos do Código de Processo Penal.
4.- A pena imposta situa-se dentro da gravidade do crime 3e da culpa - ponderada a personalidade do agente e do seu cadastro anterior (com 2 condenações em penas de prisão, pela prática do mesmo crime) - e foi graduada de harmonia com as necessidades punitivas (ressocialização e prevenção, conforme os artºs 40.º, 70.º e 71.º do CP).
(…)».
5. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer (fls 3086) no sentido de que, «atendendo ao “modus operandi”, ao tipo de estupefaciente envolvido e sua muito elevada quantidade, (…) uma pena de nove anos de prisão não coloca em causa os limites que a culpa constitui, sendo adequada a salvaguardar as exigências de prevenção que são muitíssimo elevadas».
6. Dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o recorrente veio dizer (fls 3089), que «mantém na íntegra o teor da sua motivação».
7. O recurso é apreciado em conferência por não ter sido requerida audiência de julgamento [artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP].
8. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

II. Fundamentação
a. Enquadramento, competência do Supremo Tribunal de Justiça e questão a apreciar
9. Constitui jurisprudência assente que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, relativas aos vícios da decisão quanto à matéria de facto, a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP, e às nulidades, a que alude o n.º 3 do mesmo preceito, é pelo teor das conclusões apresentadas pelo recorrente, onde resume as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se define e delimita o objeto do recurso.
O objeto do recurso, tal como já o fora o que interpusera para o tribunal da relação, é o reexame da medida da pena, que o recorrente pretende ver fixada em 7 (sete) anos de prisão.
10. Na sua motivação, o recorrente, apesar de recorrer do acórdão do Tribunal da Relação, reproduz integralmente a motivação e conclusões que formulou no recurso que interpôs do acórdão da primeira instância, acrescentando ex-novo, apenas, as conclusões, que antes se deixaram transcritas.
O Senhor Procurador-Geral Adjunto no tribunal recorrido sublinha esse facto, referindo que o mesmo «constitui um verdadeiro Nihil Novi Sub Sole», concluindo, após citar jurisprudência deste Supremo Tribunal, que, apesar de «o atual recurso se(ja)r uma reprodução “ipsis verbis” da sua anterior impugnação (para a Relação), sem que tenha sido aduzida qualquer nova argumentação às questões que mereceram completa e exaustiva apreciação do Tribunal da Relação (a pena e os factos provados a ela subjacentes), certamente que o mesmo deve ainda ser avaliado e decidido».
11. Não é uniforme a jurisprudência deste Supremo Tribunal sobre a questão.
Segundo uma perspetiva, afirma-se que «o sistema do duplo grau de recurso, terceiro de jurisdição, tal como está desenhado no nosso direito processual penal, da decisão da 1.ª instância é interposto recurso para a Relação e da decisão da Relação é interposto recurso (quando admissível) para o STJ. É, portanto, o acórdão da Relação a decisão de que é admissível recurso para o STJ, ou seja, é ele que constitui a decisão que pode ser impugnada no recurso interposto para o STJ e, por ser assim, a impugnação tem de conter-se no âmbito da decisão recorrida, (…) o que significa que, num recurso interposto para o STJ de um acórdão da Relação, o recorrente já não pode retomar a impugnação da decisão da 1.ª instância como se a Relação não tivesse decidido um recurso, justamente, com esse âmbito e objeto. Julgado, pela Relação, o recurso interposto da decisão proferida em 1.ª instância, o recorrente, inconformado com a decisão da Relação, e por isso mesmo – porque do que se trata é da inconformação com a decisão da Relação em recurso –, já só pode impugnar a decisão da Relação. E não (re)introduzir no recurso para o STJ a impugnação da decisão da 1.ª instância» posto que o «recurso só pode ter por objeto a reapreciação, em outro grau, de questões decididas pela instância inferior»[2].
Noutra perspetiva, se «[n]o recurso interposto para o STJ, o arguido repristina as mesmas questões suscitadas no recurso interposto para o Tribunal da Relação (…), não aduzindo (…) discordância específica relativamente ao acórdão da Relação, que infirme os fundamentos apresentados, no conhecimento e decisão da mesma questão já suscitada no recurso interposto da decisão da 1.ª instância, há manifesta improcedência do recurso assim interposto para o STJ», mas, se nos distanciarmos desta «perspetiva um tanto redutora ou restritiva, de ordem processual formal, poderá dizer-se que embora o recorrente reedite no presente recurso para o STJ, as mesmas conclusões apresentadas no recurso interposto para a Relação, não significa que fique excluída a apreciação dessas mesmas questões, mas agora relativamente à dimensão constante do acórdão da Relação, no que for legalmente possível em reexame da matéria de direito perante o objeto do recurso interposto», com a ressalva de que, «se nada houver, de novo a acrescentar relativamente aos fundamentos já aduzidos pela Relação na fundamentação utilizada para o julgamento dessas mesmas questões, e que justifique a alteração das mesmas, é de concluir por manifesta improcedência do recurso, pois que caso concorde com a fundamentação da Relação, não incumbe ao STJ que justifique essa fundamentação com nova argumentação»[3].
12. Em recente acórdão deste Supremo Tribunal[4], relativo a situação de contornos semelhantes aos aqui em apreciação nesta específica dimensão, em que o relator foi adjunto, foi decidido que «[e]m termos globais, o (…) recurso mais não é do que a mera repetição do recurso interposto para a Relação», sendo «os argumentos agora utilizados, na sua totalidade, exatamente os mesmos que foram dirigidos ao acórdão da 1.ª instância», o que «significa que, em rigor, a recorrente não impugna o acórdão da Relação, esquecendo-se que a decisão agora em reexame é esta e não a da 1.ª instância». No entanto, «a repetição/renovação de motivação não deve ser equiparada à sua falta, e por não estar prevista a possibilidade de rejeição de recurso para os casos em que o recorrente se limita a repetir a argumentação já apresentada no recurso interposto para o Tribunal da Relação, entende-se não ser de rejeitar o recurso por essa razão».
Conhecer-se-á, assim, do mesmo.
b. Matéria de facto
13. A 1.ª instância deu como provada a matéria de facto que, a seguir, se transcreve, na parte relativa ao recorrente:

«(…)

2    - No dia 01.03.2014, indivíduos não identificados, sofreram um acidente de viação, sendo auxiliados tanto por AA, como por BB e CC (Apenso 22 - Sessão 579, Fls. 15 e 55., RVS fls. 965 e 55., RVS 970 e 55.).

3    - Na madrugada do dia 20.03.2014 os referidos INI's(*) abandonaram o Território Nacional em direção à Holanda, tendo sido transportados no veículo com a matrícula ...EC... pelo arguido DD, conforme fora combinado entre estes e AA (Apenso 12 - Sessão 3008 - AT. a fls.125, Apenso 28 - Sessão 130 - AT. a fls.3, doe. de fls. 1237 e 55.)

4    - Tendo ficado acordado entre todos, igualmente, que AA se iria reunir com estes, na Holanda, no dia 27.03.2014 (Apenso 12 - Sessão 3075, 3077, 3123, 3125, 3149, Fls. 126 a 135, Apenso 29 - Sessão 7683, Fls. 2 e ss., Apenso 12 - Sessão 3149).

5    - No dia 27.03.2014, AA viajou para a Holanda, pelas 13hOO, por via aérea, com destino à Holanda - Roterdão onde, o arguido DD foi buscá-lo ao aeroporto (R. V. 1230 e S5., Apenso 29 - Sessão 8260 - AT. a fls. 6 a 9, Apenso 26 - Sessão 5362 - AT. a fls. 40, 41 e 42).

6    - AA transportou, pelo menos, cerca de 14,621 quilogramas de heroína da Holanda para Portugal, tendo entrado em Território Nacional em 31.03.2014, ao volante do veículo com a matrícula ...EC..., em troca de uma quantia monetária não apurada (R. V. 1230 e ss., RVS 1247 a 1255, doc. fls. 1237 e ss.).

7    - Utilizando a referida viatura e transportando o referido produto estupefaciente, AA, acompanhado de DD chegou a Território Nacional, junto da sua residência sita no ...., em Lisboa cerca das 18h40 do dia 31.03.2014.

8    - Uma vez em Território Nacional e numa segunda fase do processo de circulação do produto estupefaciente, o arguido AA procedeu ao resgate da droga que transportou dissimulada na viatura em que entrou em Território Nacional, no interior da oficina sita na Rua.....

Assim,

9    - No dia 01.04.2014, cerca das 13h53 AA estacionou a viatura com a matrícula ...EC... no interior da oficina arrendada por si, sita na Rua ...., fechando o portão (cfr. contrato de arrendamento de fls. 1282 e segs).

10 - No interior da referida oficina, AA procedeu à retirada dos vários pacotes contendo heroína do interior do depósito de combustível do veículo com a matrícula ...EC... (Doc. de fls. 1306/1308).

11 - Após ter terminado de extrair os referidos pacotes de heroína do interior do veículo, cerca das 15h40, AA saiu do interior da mencionada oficina, altura em que o mesmo foi detido no âmbito dos presentes autos.

12 - No dia 01.04.2014, cerca das 15h40 na posse do arguido AA, no interior da garagem sita na Rua ...., foi-lhe apreendido:

. junto ao portão, um saco de cor preta/saco do lixo que continha no seu interior 17 invólucros de papel alumínio com resíduos de gasóleo e 30 invólucros de plástico incolor, com fita adesiva de cor castanha;

-     uma chave respeitante ao veículo VW/PASSAT de matrícula HAL 731K de cor preta, que se encontrava no interior da garagem, localizada, num dos anexos, junto a dois telemóveis e diversos papéis;

-    um  telemóvel  de  marca  nokia de  cor   preta  com  dois  cartões respeitantes às operadoras Optimus e Meo, ... (alvo ....) e .... (alvo ....) e imei's .... e .... (alvos .... .... - ....);

-    um telemóvel de marca Nokia de cor azul com o imei .... e no seu interior o cartão n.º ...., pertence à operadora Holandesa "...";

.     junto aos telemóveis foi localizada a cópia do contrato de arrendamento e fatura da EDP relativos ao espaço buscado;

.     veículo de marca VW/PASSAT de matrícula HAL 731K, ligeiro de Passageiros, propriedade do arguido AA , o qual se encontrava aparcado no interior da garagem sita na Rua ....

13 - No mesmo dia, na posse do arguido AA, no interior da sua residência sita na Rua ...., cerca das 19h20, foi-lhe apreendido:

-    No quarto onde pernoita o AA e em cima da cómoda:

.     uma mica, contendo no seu interior uma chave pertencente a viatura de marca VW, modelo Passat de cor preta, de matrícula HAL 731 K e ainda vários documentos referentes à mesma viatura;

.     dois   cartões   de   segurança,   tendo   um   o    número,   .... pertencente a rede móvel TMN, e o outro com o número .... pertencente a rede móvel "... MOBILE";

.     dois cartões de segurança com cartões telefónicos, ambos da Rede Móvel "... MOBILE", um com o número .... e outro com o numero ....;

.     uma fatura da loja The Phone House com o nº .... em nome do AA;

.     uma fatura da loja "Optimus";

.     um comprovativo de depósito em numerário na quantia de 4000C (quatro mil euros);

14 - No mesmo dia, na posse do arguido AA, foi-lhe apreendido o veículo automóvel com a matrícula ..., o qual se encontrava estacionado no interior da garagem situada na Rua .....

15 - No interior do veículo apreendido com a matrícula ..., nesse mesmo dia, hora e local, foi apreendido:

.     8 embalagens envoltas em fita cola de cor castanha que continham no seu interior uma substância que sujeita a análise LPC (exame n.o 201407553) determinou heroína com o peso de 4.916,00 grs. (33,1%), guardados num saco do "Pingo Doce", colocado no interior da mala do veículo;

.     na cave da roda suplente, em cima da mesma, foi localizado um saco do "pingo doce" que continha no seu interior 3 embalagens envoltas em fita-cola de cor castanha que continham no seu interior uma substância que sujeita a análise LPC (exame n.o 201407553) determinou heroína com o peso de 1.861,00 grs. (30,0%);

.     nesse compartimento foi localizada 1 embalagem envolta em fita cola de cor castanha que continha no seu interior uma substância que sujeita a análise LPC (exame n.o 201407553) determinou heroína com o peso de 676,00 grs.(53,0%);

.     no mesmo local foi localizado um saco do plástico branco do "Aki" que continha no seu interior 2 embalagens envoltas em fita cola de cor amarela e castanha, que continham no seu interior uma substância que sujeita a análise LPC (exame n.o 201407553) determinou heroína com o peso de 1.047,00 grs.(36,7%);

.     ainda nesse local, um saco do "pingo doce" que continha no seu interior 4 embalagens envoltas em fita cola de cor castanha que continham no seu interior uma substância que sujeita a análise determinou heroína com o peso de 2.468,00 grs.(27,7%);

-    Na mesma viatura junto ao banco de passageiros um saco do "pingo doce" que continha no seu interior 6 embalagens envoltas em fita cola de cor castanha que continham no seu interior uma substância que sujeita a análise LPC (exame n.º 201407553) determinou heroína com o peso de 3.643,00 grs.(34,7);

-    No porta luvas foi ainda localizada uma folha/A4, de inspeção/serviço, redigida em alemão e respeitante ao veículo.

16 - No mesmo dia, na posse do arguido AA, foi-lhe apreendido o veículo automóvel com a matrícula ...EC..., o qual se encontrava estacionado junto ao portão, no exterior, da garagem situada na Rua .....

17 - No interior do veículo apreendido com a matrícula ...EC... nesse mesmo dia, hora e local, foi apreendido a AA:

-    No banco do passageiro, foi localizado um casaco de tecido, de cor azul, que possuía no bolso interior, lado esquerdo, a quantia monetária fracionada em 34 notas de 10€ e 5 notas de 20€, totalizando 440€;

-    No interior do bolso exterior, lado direito, foi localizada a carteira do AA Silva, que possuía vários documentos respeitantes à sua pessoa, na qual se apreendeu 16 notas de 10€ e 2 notas de 50€, totalizando 260€;

.     um talão de depósito de 2.000C, efetuado no balcão Lisboa -Rua do Ouro, da dependência bancária do Montepio em nome de AA e,

.     um cartão de contacto de um restaurante, denominado "Lider", sito na Goudserijweg 16, Roterdão/Holanda;

-    No interior do porta-luvas, foi localizado um sistema de navegação, de marca "TomTom", modelo XXL, com o n. de série C-NO:GQ3292B01199 e respetivo cabo de alimentação e o DUA (Documento Único Automóvel) referente à viatura ...EC.... (Relatório de análise de fls. 2000 a 2006).

(…)

25 - O arguido AA cumpriu pena de prisão efetiva pelo crime de tráfico de estupefacientes praticado em Junho de 2007, no âmbito do processo n.º 417/06.7JELSB, que correu termos na 8.ª Vara Criminal do Tribunal da Comarca de Lisboa, foi condenado a pena de seis anos de prisão efectiva tendo estado preso, sendo que, foi colocado em liberdade condicional até ao dia 08.06.2013.

26 - Pelo que se constata que entre a liberdade concedida ao arguido e a prática de novos factos ilícitos da mesma natureza da sua anterior condenação, pelos quais vai aqui acusado, não mediou mais de cinco anos.

27 - Voltou a praticar um crime doloso de igual natureza, ora acusado.

28 - Resulta assim que a anterior condenação não constituiu para o arguido suficiente advertência para que se deixasse de se dedicar à mesma atividade de tráfico de estupefacientes, pelo que deve ele ser considerado reincidente, nos termos do artigo 75.º, com os efeitos do artigo 76.º, ambos do Código Penal.

29 - Ao praticar os factos acima descritos os arguidos AA, EE e FF agiram com a sua vontade livremente determinada, tendo a consciência da natureza estupefaciente de tais produtos e da ilicitude das respetivas condutas.

(…)

33 - Sabiam todos os arguidos que praticavam factos proibidos e punidos por lei.

***

Mais se provou que:

O arguido AA nasceu em ...-1956, tendo 58 anos de idade à data da prática dos factos.

Tendo por base o Relatório Social elaborado pela DGRSP que, por facilidade de exposição, aqui se reproduz integralmente, mostram-se demonstrados os seguintes factos:

"I - Dados relevantes do processo de socialização

AA é filho único de um casal que subsistia com modestas condições socioeconómicas, em que o pai exercia a função de cozinheiro e a mãe de empregada de limpezas.

Descreve uma dinâmica familiar positiva, sem a existência de conflitual idade ou situações de violências entre os elementos do agregado, apesar da esposa referir que o relacionamento do arguido com a mãe foi marcado pela disfuncionalídade, sendo a mesma uma pessoa instável e agressiva, comportamentos que o mesmo mais tarde veio a reproduzir.

Após seis anos de escolaridade, interrompeu o percurso escolar e iniciou atividade profissional de torneiro, a qual manteve durante quatro anos. Posteriormente começou a trabalhar como mecânico, profissão a que desde então se dedicou.

No ano de 1996, iniciou uma relação de namoro com a atual esposa, tendo o casal contraído matrimónio três anos depois. Segundo o arguido o relacionamento entre ambos sempre foi marcado pela estabilidade e nunca assumiu comportamentos agressivos para com a mulher. Contudo, a esposa, manifesta informação contraditória no sentido em que afirma ter, desde sempre, sido vítima de maus-tratos físicos e psicológicos por parte do marido, descrevendo episódios de extrema agressividade com necessidade de internamentos hospitalares.

AA no campo profissional trabalha desde os 15 anos de idade como mecânico, tendo sido também sócio de uma empresa de transportes internacionais onde efetuava viagens de longo curso. Paralelamente explorava uma oficina mecânica, tendo trabalhado, após o cumprimento da pena de prisão, em oficinas de amigos reparando carros antigos.

Em termos criminais, o arguido foi condenado em 2007 numa pena de 6 anos de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes tendo saído em 09.11.11, aos 2/3 da pena, tendo o termo ocorrido em 08.06.13.

No decurso da medida de liberdade condicional, o arguido compareceu de forma regular às entrevistas agendadas pela equipa da DGRSP manifestando uma aparente normalidade em termos profissionais e familiares.

No entanto, embora o arguido verbalizasse um ambiente familiar positivo, foi constituído arguido na sequência de uma participação à PSP durante o cumprimento da liberdade condicional pela prática de um crime de violência doméstica agravado e ofensa à integridade física qualificada

Desde Outubro de 2012 que o casal se encontrava separado tendo a cônjuge integrado o agregado da mãe para onde foi viver com a filha do casal, encontrando-se a decorrer o processo de divórcio entre o casal.

Em 25 de Julho de 2013 veio a ser condenado numa pena de 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução par igual período e na pena acessória de proibição de contactos com a ofendida, cônjuge do arguido. O acórdão transitou em julgado em 24.02.14 e o seu termo está previsto para 24.08.16.

Apesar da proibição de contactos, a esposa refere que o mesmo violou a pena de proibição de contactos, passando o tempo a telefonar-lhe, a pressioná-la e a ameaçá-la pelo que refere que após se ter incompatibilizado com a sua mãe, decidiu retomar à habitação em inícios de 2014 e suspender o divórcio, vindo o arguido a ser preso em Abril 2014.

A esposa refere desconhecer o seu estilo de vida assim como o seu grupo de pares, apesar de um dos seus filhos, enteado do arguido, ser coarguido no presente processo uma vez que trabalhava na oficina do padrasto.

Em contexto de entrevista pela Técnica da DGRSP que efetuava o acompanhamento, AA quando confrontado com os aspetos menos positivos dos seus comportamentos e consumos abusivos de álcool, manifestava um comportamento impulsivo/reativo evidenciando dificuldades na gestão de determinados sentimentos/emoções.

Não reconhece consumos abusivos de álcool apesar de ter assumido, atualmente, que durante um período manteve consumos exagerados, não atribuindo aos mesmos quaisquer comportamentos agressivos desvalorizando-os. O arguido padece de graves problemas de diabetes.

II - Condições sociais e pessoais

Quando foi preso, AA vivia numa casa arrendada num bairro social com a esposa e filha do casal, numa situação socioeconómica que o próprio reconhece como precária. Fazia trabalhos esporádicos na oficina de um amigo com ganhos financeiros muito irregulares e tinha arrendado um espaço para abrir uma oficina onde também trabalhava o seu enteado, coarguido no processo.

Encontrava-se condenado numa pena de 2 anos e 6 meses pela prática de violência doméstica e apesar de também ser condenado numa pena acessória de proibição de contactos com a ofendida e sua esposa refere que esta decidiu regressar à habitação ainda que vivessem separados conjugalmente, não admitindo qualquer intimidação, contacto e/ou ameaça sobre a mesma.

No plano pessoal, o arguido mantém um discurso contraditório e evasivo evidenciando reduzida capacidade de juízo crítico e autoanálise face ao presente processo.

Face aos comportamentos agressivos, continua a manter uma postura de vitimização e um posicionamento de desvinculação, evidenciando uma atitude de desresponsabilização, manifestando um temperamento reativo e agressivo face a situações relacionais. Trata-se de um indivíduo com sinais de impulsividade e dificuldade em gerir situações de tensão emocional com passagem.

AA apresenta escassos mecanismos de autocontrolo e revela dificuldades em reconhecer e identificar os sentimentos dos outros. A minimização que o arguido tende a fazer dos danos decorrentes da sua conduta e o desinteresse em relação a qualquer tipo de reparação, bem como a persistência dos atos desviantes, são fatores de risco associados ao seu comportamento criminal.

Esta atitude demonstra que o arguido possuiu capacidades para avaliar os seus comportamentos ainda que os tente justificar com fatores externos a si.

Confrontado com uma problemática de consumo abusivo de álcool e deste poder constituir um fator condicionante dos seus comportamentos agressivos, o arguido ainda que assuma consumos de álcool não assume qualquer consumo excessivo desvalorizando qualquer problemática pelo que entende não necessitar de qualquer tratamento.

Perspetiva regressar à sua habitação e procurar trabalho dentro da sua área de mecânica de automóveis, não podendo, aparentemente, contar com o apoio da esposa, que afirma pretender vir a separar-se definitivamente do arguido, e da filha que entretanto atingiu a maioridade.

III  - Impacto da situação jurídico-penal

AA encontra-se preso no Estabelecimento Prisional de Lisboa, mantendo um comportamento adaptado às normas prisionais.

O arguido revela ausência de juízo crítico e autoanálise perante o presente processo judicial, assumindo uma atitude de vitimização. O seu anterior contacto com a justiça e cumprimento em meio prisional de pena de prisão por factos de idêntica natureza não teve repercussão sobre a sua postura pessoal, de modo a que se operasse alguma modificação relevante no seu comportamento, demonstrando ausência de consciência critica, dificuldades de descentração e fraco sentido de responsabilidade.

IV  - Conclusão

Dos dados de que dispomos, tudo indica que o modelo educativo da figura materna, marcado pela instabilidade emocional e práticas agressivas, influenciou negativamente o processo de desenvolvimento psícoemocional do arguido, o qual veio mais tarde a reproduzir tais comportamentos.

No plano pessoal, revela ausência de autoanálise, juízo crítico e descentração, adotando uma postura de vitimização. Desvaloriza os consumos abusivos de álcool, demonstrando fracas capacidades de autocontrole e dificuldade no controle da impulsividade e nas atitudes agressivas.

A sua anterior condenação por factos de idêntica natureza não surtiu efeito no desvalor da sua conduta, encontrando-se, à data da prisão, condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução pela prática de violência doméstica. A minimização que o arguido tende a fazer dos danos decorrentes da sua conduta e o desinteresse em relação a qualquer tipo de reparação, bem como a persistência dos atos desviantes, são fatores de risco associados ao seu comportamento criminal.

Neste contexto, consideramos que o processo de reinserção social consistente e adequado do arguido terá necessariamente de passar por um investimento do próprio na realização de uma profunda interiorização das suas fragilidades e de consciência crítica dos seus comportamentos e, consequentemente, no seu empenho na aquisição de melhores competências pessoais que compensem tais défices”.

O seu registo criminal tem averbadas as seguintes condenações:

. Foi condenado por decisão transitada em 4-02-2009, no âmbito do Proc. 417/06.7JELSB, da então 8ª Vara Criminal de Lisboa, na pena de 6 anos de prisão, pela prática, em 6-2007, de factos consubstanciadores do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22-01.

Foi-lhe concedida a liberdade condicional por decisão de 9-11-2011 até ao termo da pena, em 8-6-2013.

. Foi condenado por decisão transitada em julgado em 21-04-2009, no âmbito do Proc. 378/02.1PKLSB, do então 6º Juízo Criminal de Lisboa, na pena de única de 100 dias de multa, à taxa diária de 3,00 Euros, o que perfaz a quantia de 300,00 Euros, pela prática, em 18-03-2002, de factos consubstanciadores de dois crimes de ofensas à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143º do Código Penal; Pena declarada extinta pelo pagamento.

. Foi condenado por decisão transitada em 24-02-2014, no âmbito do Proc. 201/12.9S3LSB, da então 7.ª Vara Criminal de Lisboa, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática, em 30-10-2012, de factos consubstanciadores do crime de tráfico de estupefacientes[5], p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22-01.»
c. Medida da pena
14. Vem questionada a medida da pena.
Nos termos do n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal (CP), a pena é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo como limite inultrapassável a medida da culpa (n.º 2 do artigo 40.º do CP)[6]. Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros fatores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do CP).
Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, e a caracterização dos elementos antes assinalados, este Supremo Tribunal tem afirmado que[7]:

«Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objetivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP).

Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.

Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto ótimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.).

Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites ótimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstrata correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão atuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231).

Ora, os fatores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infração do princípio da proibição da dupla valoração.»
15. Insurge-se o recorrente, alegando que o acórdão recorrido «voltou a não ser sensível à colaboração e confissão tida pelo arguido em sede de julgamento», sendo esta «fundamentalmente», a razão da discordância, e que «o Tribunal de 1.ª Instância havia considerado os factos em termos estritamente objetivos e imediatos, sem ponderar as consequências – nefastas – sociais e pessoais que inevitavelmente advirão para o arguido e para a sociedade, se este for condenado numa pena de prisão efetiva tão longa».

O agora alegado nas conclusões 3.ª e 5.ª da motivação constava já das conclusões 3.ª e 10.ª da motivação de recurso para a 2.ª instância.

O Ministério Público junto do tribunal recorrido responde pedindo a manutenção do decidido por não merecer qualquer censura.

O acórdão recorrido, depois de declarar que o recorrente «não tem razão» ao entender violado o disposto nos artigos 71.º, 72.º, 73.º e 74.º do Código Penal (CP), afirma «especificamente quanto à alegada colaboração e confissão do arguido que o recorrente entende o tribunal não ter sido sensível, o acórdão recorrido, aborda expressamente a questão afirmando que o tribunal de 1.ª instância mencionou que «o arguido AA assumiu a sua culpa relativamente aos factos que viriam a ser dados como provados, ainda que na parte final do julgamento» mas acrescentou que «isso tem pouco peso confrontado com as circunstâncias agravantes da conduta do recorrente; menos peso ainda tem a contribuição do recorrente para a descoberta da verdade, atenta a apreensão da cocaína e a demais prova produzida.»

E sobre as alegadas consequências nefastas para o arguido e para a sociedade no caso de ser condenado em pena de prisão tão longa, o acórdão recorrido convoca os critérios normativos que orientam a determinação da medida concreta da pena, a que se referem os artigos 40.º, 70.º e 71.º do CP, bem como adotou os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação que devem dominar o direito penal próprio de um Estado de direito democrático baseado no respeito pela dignidade humana (artigos 1.º e 2.º da Constituição)», tendo ponderado o que a seguir se extrata:

«O recorrente foi condenado como autor de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelos artigos 21.º do Decreto-Lei 15/93 de 22 de janeiro, em reincidência nos termos dos 75º e 76º do Código Penal, a que corresponde a pena de prisão de 5 anos e 4 meses a 12 anos.

(…) Segundo o que está provado, em 31 de março e 1 de abril de 2014 o arguido transportou e tinha na sua posse mais de 14,6 quilos de heroína, por sua livre vontade, consciente da natureza estupefaciente desse produto e de que tal era proibido e punido por lei. Fê-lo não obstante ter sido condenado em 2007, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido (…). Tudo indica que o cumprimento da pena de prisão em que foi condenado havia menos 5 anos antes não foi suficientemente dissuasora da prática deste crime.

Os factos provados mostram que é elevado o grau da ilicitude da conduta do arguido: (…). O recorrente agiu com dolo direto de intensidade elevada, sendo, portanto, elevado o grau da sua culpa. São elevadas as necessidades da prevenção geral: (…); os correios da droga, como o parece ser o caso do recorrente, ainda que aliciados e explorados por traficantes maiores, são um meio impor[tan]te de disseminação internacional da droga. São elevadas as necessidades de prevenção especial, visto que o recorrente praticou o crime por que está a responder neste processo no decurso da suspensão da execução da pena de 2 anos e 6 meses de prisão em que tinha sido condenado por crimes de violência doméstica e ofensa à integridade física agravados e apenas 10 meses depois de terminar o cumprimento da pena de 6 anos de prisão em que foi condenado também por tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei 15/93. Além disso, está provado que o recorrente adota uma postura de vitimização e desresponsabilização, apresenta escassos mecanismos de autocontrolo, tende a minimizar os danos decorrentes da sua conduta.»

Do trecho transcrito sobressai o quadro normativo a que o julgador atendeu e a moldura penal abstrata em que se moveu, delineada, atenta a reincidência do agente, entre os 5 anos e 4 meses e os 12 anos, e os fatores para a determinação da pena, assentes nas elevadas ilicitude, culpa e necessidades de prevenção geral e especial, esta modulada pelo passado criminal de prática de crimes de idêntica natureza, sendo reincidente no tráfico de estupefacientes, e encontrando-se suspensa, à data da prática do crime a que se reportam estes autos, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão em que foi julgado e condenado pelo crime de violência doméstica.

A severidade da pena projeta as elevadas ilicitude e culpa implicadas no ilícito com a introdução no país e detenção de 14,6 quilos de heroína, bem como os traços da personalidade do recorrente, onde está presente a ausência de autoanálise, e uma postura de vitimização, bem como a minimização dos danos da sua conduta e desinteresse por qualquer tipo de reparação, além da persistência dos comportamentos desviantes, tendo-se presente que o crime foi cometido menos de um ano depois do termo da liberdade condicional e pouco mais de um mês depois de ter sido condenado por crime de  violência doméstica, em pena de prisão cuja execução ficara suspensa, tudo constituindo fatores de risco associados ao seu comportamento, além de não serem convocáveis circunstâncias mitigadoras relevantes da responsabilidade do agente.
Nesta última dimensão e contrariamente ao alegado pelo recorrente, o acórdão recorrido ponderou a alegada «colaboração e confissão», consubstanciada numa manifestação de assunção de culpa na parte final do julgamento, que não foi qualificada como confissão, nem foi relevante para a descoberta da verdade, tendo sido secundarizado o seu peso específico na medida da pena, atendendo às circunstâncias agravantes e ao escasso valor que mereceu para a descoberta da verdade atenta a apreensão da cocaína ‒ trata-se de lapso, a ser corrigido, querendo referir-se a heroína ‒ e demais prova produzida.

Em razão de todo o exposto, a pena de 9 anos de prisão aplicada ao recorrente mostra-se ajustada à ilicitude e compreende-se na medida da culpa, não merecendo reparo.

Improcede, assim, o recurso interposto pelo recorrente AA.

III. Decisão

Termos em que acordam na 3.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:
a) Julgar improcedente o recurso interposto pelo recorrente AA;
b) Tributar o recorrente em custas, com 5 (cinco) Unidades de Conta (UC’s) de taxa de justiça [artigo 513.º, n.º 1, do CPP e artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, com as alterações de que foi objeto posteriormente].

*

Supremo Tribunal de Justiça, 18 de fevereiro de 2016

(Processado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

Os Juízes Conselheiros,

João Silva Miguel

Manuel Augusto de Matos

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[1]     As transcrições respeitam o original, salvo gralhas evidentes e ortografia. A formatação é da responsabilidade do relator.
[2]     Entre outros, o acórdão de 9 de setembro de 2012, processo n.º 16/09.1GBBRG.G3.S1.
[3]     Entre outros, os acórdãos de 2 de fevereiro de 2012, processo n.º 1375/07.6PBMTS.P1.S2, e de 17 de janeiro de 2013, processo n.º 1202/10.7PILRS.L1.S1.
[4]     Acórdão de 29 de abril de 2015, processo n.º 791/12.6GAALQ.L2.S1.
(*)   INI’s – indivíduos não identificados
[5]     Trata-se de lapso manifesto do acórdão da 1.ª instância, quanto ao ilícito e norma incriminadora, que é corrigido no acórdão da relação. Como resulta do certificado do registo criminal (fls 2467) respeita ao crime de violência doméstica, p. e p. p. artigo 152.º, n.os 1, alínea a), e 3, do CP.
[6]     Recupera-se neste n.º o que se afirmou no acórdão de 28 de outubro de 2015, processo n.º 411/14.4PFVNG.P1.S1.
[7]     Segue-se o acórdão de 15 de dezembro de 2011, processo n.º 706/10.6PHLSB.S1. Na doutrina, veja-se Maria João Antunes, As consequências jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, pp. 41-45, e bibliografia citada.