Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
107/19.0PJAMD-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
DOCUMENTO PARTICULAR
RETRATAÇÃO
CONFISSÃO
Apenso:
Data do Acordão: 01/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Não são “novos factos”, para efeitos de revisão da condenação, aqueles que a defesa alegou, nomeadamente na contestação e depois em recurso, mas que os tribunais decidiram julgar provados.

II - Se a retratação de testemunha, declarante ou coarguido vertida em declaração escrita, com assinatura reconhecida notarialmente, fosse relevante, o legislador teria criado uma norma própria que, prescindindo de decisão judicial, conferiria à retratação “falsário” valor bastante para fundamentar a rescisão de uma decisão judicial (condenatória ou absolutória).

III - Ao invés, nos termos da lei - art. 449.º, n.º 1, al. a), do CPP - a falsidade de um meio de prova que tenha sido determinante para a decisão, somente pode fundamentar que se autorize a revisão da condenação quando “uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falso” esse mesmo meio de prova.

IV - Inexistindo tal sentença o recurso extraordinário de revisão está votado ao insucesso.

V - Também a confissão por outrem de ter sido ele o único agente do um crime pelo qual o arguido foi acusado, julgado e condenado com trânsito em julgado, não tem o efeito imediato de fundamentar a rescisão da condenação.

VI - Exige-se que a facticidade confessada, constitutiva do crime pelo qual o arguido foi condenado obtenha comprovação em outra sentença / acórdão e da oposição entre os factos provados em uma e os factos provados na outra decisão judicial resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação – art. 449.º, n.º 1, al c), do CPP.

Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção Criminal, em conferência, acorda:


A - RELATÓRIO:

a) a condenação:

No Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., no processo em epigrafe, mediante acusação do Ministério Público, foi o arguido:

- AA, com os demais sinais dos autos,

julgado e, por acórdão de 18 de dezembro de 2020, confirmado pelo acórdão de 9 de setembro de 2021 do Tribunal da Relação ..., transitado em julgado em 13 de outubro de 2021, condenado pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n.º 1 do DL. n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-B, anexa ao mesmo diploma, na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

b) o recurso:

O arguido, aqui recorrente veio, em 18 de outubro de 2021, interpor recurso extraordinário de revisão daquela decisão condenatória, invocando o disposto nos artigos 449.º, n.º 1, al. d), do CPP.  

Alega, com relevância (e em síntese) que:

25. foi surpreendido em …/10/2021, pela testemunha BB que o contactou pessoalmente, em choros convulsivos, pedindo-lhe perdão e dizendo-lhe que tinha feito o maior erro da sua vida, por ter engendrado todo o esquema para o incriminar e que estava disposta a ir ao Tribunal contar a verdade para reverter a situação.

26. Não era nenhuma surpresa para o recorrente que tinha sido vítima de um estratagema da BB para o incriminar e, embora a arguida [?] sempre tenha tido este tipo de comportamentos de enorme instabilidade emocional e lhe tenha prometido por diversas vezes vingança, a surpresa estava na sua nova postura, que depois de ter feito tudo para mentir ao Tribunal, vinha agora conversar com o arguido, predispondo-se a contar a verdade e a alterar toda esta situação.

27. Foi então que a testemunha BB, contou ao recorrente que, nas vésperas do dia ... de Outubro de 2019, comprou o pacote de estupefaciente (cocaína) a um ..., chamado «CC», pessoa com quem habitualmente se encontrava num Hotel, em ... pelo preço de €5000, tendo pago com dinheiro resultante da venda da casa e de outras coisas que também tinha vendido, ao mesmo tempo que, completamente desequilibrada, chorava e pedia ao ora recorrente, que a perdoasse.

28. A BB contou ainda que pegou no referido pacote e o colocou no bolso do casaco que o arguido tinha deixado na sua residência para o incriminar, pois estava "perdida" de raiva, lhe ter jurado vingança e por o arguido a ter deixado sozinha, depois de tudo o que "tinham passado juntos".

29. O recorrente perguntou então à BB, se estaria disposta a ir à polícia, ou a assinar um papel que narrasse o que acabava de lhe declarar, ao que a testemunha respondeu afirmativamente.

30. Então no dia …/10/2021, a testemunha BB ter-se-á dirigido a um cartório notarial de ..., onde emitiu, pelo seu próprio punho, a declaração constante do doc. n° 1 que se junta e se dá como integralmente reproduzida.

31. Depois, ter-se-á dirigido à Esquadra da PSP de ..., onde, pelo que foi por si narrado, não lhe aceitaram as declarações.

32. Até ao dia ... de Outubro de 2021, o recorrente desconhecia totalmente que a testemunha BB:

- tinha dinheiro consigo e qual o montante que ainda tinha disponível, após as vendas que tinha realizado.

- conhecia e se encontrava com um traficante ... chamado «CC», pessoa cuja identidade o ora recorrente desconhece completamente;

- tinha comprado ao tal de «CC», um pacote de cocaína.

33. Até ao dia … de Outubro de 2021, o ora recorrente sabia apenas que:

- nunca tinha visto o estupefaciente encontrado no bolso do seu casaco;

- o referido estupefaciente não tinha sido adquirido por si;

- o referido estupefaciente não era nem nunca foi seu;

- não tinha sido ele a colocar o estupefaciente no seu casaco e

- mais recentemente, logo após trânsito em julgado da sentença, se encontra prestes a cumprir pena de 5 anos de prisão efetiva por um crime que não cometeu.

34. O recorrente, sabendo-se inocente, tinha as mais fortes suspeitas de ter sido a testemunha BB a adquirir e a colocar o pacote de estupefaciente no bolso do seu casaco, todavia não tinha as informações sobre os factos que obteve no dia … de Outubro de 2021, por comunicação da própria.

35. Caso no desenrolar do processo, o ora recorrente e até o Ministério Público e/ou o Tribunal, tivessem conhecimento desses factos, como agora têm e naturalmente se fazem chegar aos autos através do presente recurso extraordinário de revisão, naturalmente que dependendo da fase do processo, se procuraria investigar os factos e confrontar melhor a testemunha sobre o sucedido.

36. E caso tais factos se tivessem confirmado, ou pelo menos levantado dúvida séria de que tivessem ocorrido, naturalmente que o arguido jamais seria condenado pela prática do crime.

Já que:

37. As regras da vida e da experiência comum que nortearam a convicção do Tribunal, cuja justeza foi confirmada pelo Tribunal da Relação ... que confirmou a deliberação do Tribunal de Primeira Instância, ver-se-iam fortemente abaladas pela prova dos factos que só agora se dão a conhecer aos autos, por, só agora, terem chegado ao conhecimento do recorrente.

48. O artigo 449° n° 1 alínea d) exige ainda para a admissibilidade do presente recurso que o recorrente tenha descoberto novos factos ou meios de prova que. de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

49. Os novos factos descobertos são os seguintes:

 - Nas vésperas do dia … de Outubro de 2019, a testemunha BB comprou um pacote de estupefaciente (cocaína) a um ..., chamado «CC». pessoa com quem habitualmente se encontrava num Hotel, em ... pelo preço de €5000, tendo pago com dinheiro resultante da venda da casa e de outras coisas que também tinha vendido, tendo colocado o referido pacote no bolso do casaco que o arguido tinha deixado na sua residência.

50. Tais factos são novos, só tendo o ora recorrente conhecimento dos mesmos, após o trânsito em julgado da sentença, por iniciativa da própria testemunha que, pelo seu próprio punho, redigiu um documento que se junta como documento n° 1 e de cujo teor se dá como integralmente reproduzido.

51. Documento que foi assinado pela testemunha BB, com a sua assinatura reconhecida, nos termos do n° 1 do artigo 8º do DL 26/2004 de 4 de Fevereiro, pela ajudante do Cartório, DD, com competência para o acto, conferida pela Notária EE, cédula profissional n° ..., da Sociedade Cartório S… - Notária SP, Unipessoal Lda, registada na Ordem dos Notários sob o n° ….

52. O Recorrente não ignora que o valor probatório do depoimento prestado pela BB em Tribunal, que foi considerado isento e credível pelo coletivo de juízes é incomparavelmente superior ao mero documento autenticado apresentado no presente recurso.

No entanto,

53. Não parece suscitar dúvidas que o documento:

- foi assinado pela testemunha BB:

- apresenta factos novos que eram desconhecidos do processo e que a verificarem-se, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

55. São novos factos, conhecidos pelo arguido após o trânsito em julgado da sentença que o condenou, que não são meras contradições ao depoimento antes prestado pela testemunha BB, mas são novos factos que eram desconhecidos dos demais intervenientes, nomeadamente do condenado, do Ministério Público e dos Juízes que formaram o colectivo, impedindo-os de confrontar a testemunha com os referidos factos e que colocam seriamente em causa a decisão de condenação do arguido, pois a verificarem-se, dúvidas não restam que o recorrente deverá ser absolvido, para que possa ser alcançada a Justiça!

Requereu que fossem tomadas novamente declarações à testemunha BB, sobre os factos supra referidos, nomeadamente se:

- nas vésperas do dia … de Outubro de 2019, se encontrou num Hotel de ..., com um senhor ... chamado «CC», a quem comprou um pacote de estupefaciente (cocaína) pelo valor de €5000 (?); e na sequência do mesmo e em caso afirmativo, se

- colocou o referido pacote de estupefaciente no bolso de um casaco que o arguido tinha deixado na sua residência para o incriminar, por razões de raiva e desejo de vingança (?); e por fim, se

- comprou o referido estupefaciente com o remanescente do dinheiro que havia resultado da venda da sua casa e de alguns objetos que lhe pertenciam (?).

Requereu também, nos termos e para efeitos do n° 3 do artigo 451° que seja admitida a junção aos autos:

- da declaração autenticada, emitida pela testemunha BB, junto do Cartório Notarial da Dra EE, junta como doc. n° 1;

e que sejam emitidas certidões eletrónicas, para para instrução do pedido:

- do Acórdão do Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., proferido no processo n° 107/19...., que condenou o ora recorrente na pena de cinco anos,

- do Acórdão do Tribunal da Relação ... que confirmou aquela decisão do Juízo Central Criminal ... - Juiz ...:

- do trânsito em julgado da sentença; e

- da Acta da Ia Sessão de Audiência de discussão e julgamento, realizada em 18/11/2020, onde constam da mesma apenas dois Juízes a formar o colectivo, assinada pela Juiz-Presidente.

Peticiona que se autorize a revisão com as legais consequências.

JUNTA: Um documento.

3. resposta do Ministério Público:

A Digna Procuradora da República no Tribunal recorrido respondeu, pugnando pela não autorização da revisão.

Escorando-se em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que abundantemente cita, conclui, em síntese:

13  ̶  Os factos invocados pelo recorrente são efetivamente factos novos nos termos e para os efeitos do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, sendo supervenientes à condenação e de que, nem o Tribunal, nem o arguido, tinham conhecimento.

14 ̶  Todavia, não são suscetíveis de revogar a condenação, porquanto a sua credibilidade não é de molde a por em causa a justiça da decisão, não constituindo motivo para por em crise a fundamentação da condenação.

15  ̶   e de assim suscitarem dúvidas sobre a justiça da condenação, não sendo fundamento suficiente para a revisão da decisão.

16  ̶  mantendo-se plenamente válidos os doutos fundamentos de facto e de direito no qual a condenação do Tribuna a quo se baseou.

4.       informação do tribunal:

O Tribunal da condenação, não reputando necessárias para a descoberta da verdade a realização de quaisquer diligências instrutórias/probatórias, observando o disposto no artigo 454.º do CPP, informa (em síntese):

Inexistirem, sem prejuízo de melhor entendimento, quaisquer fundamentos válidos para que a revisão seja autorizada.

II - Atentos os fundamentos do presente recurso, no referido acórdão foi dado como provado:

“(Da acusação)

1. No dia … de outubro de 2019, pelas 20 horas, na residência da sua ex-companheira, BB, sita na Rua..., ..., ... esquerdo, na ..., encontrava-se um casaco da marca..., pertença do arguido AA, contendo, no interior do respetivo bolso, um saco transparente com cocaína, sob a forma de cloridrato, com o peso líquido de 201,564 gramas e o grau de pureza de 93,1%, equivalente a 938 doses médias diárias individuais.

2. Tal casaco havia sido ali deixado pelo próprio arguido, juntamente com outros bens pessoais, em data anterior ao dia … de outubro de 2019, nos termos que adiante serão concretizados.

3. No dia … de outubro de 2019, cerca das 19h30m, encontrava-se também na referida residência, no interior do armário do quarto (local onde estavam guardados os bens pertença do arguido), uma balança digital e uma arma de ar comprimido.

4. Nas circunstâncias descritas, o arguido AA detinha a mencionada quantidade de substância estupefaciente, cuja natureza e características bem conhecia, não a destinando exclusivamente ao seu próprio consumo, mas sim à cedência a terceiros, embora em termos não concretamente determinados.

5. Agiu o arguido AA de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

(Da contestação, com relevância para a decisão da causa)

6. A residência onde foi apreendida a cocaína já não se encontrava a ser habitada pelo arguido AA desde cerca do dia … de setembro de 2019.

7. A apreensão do produto estupefaciente, da balança digital e da arma de ar comprimido tiveram lugar numa altura em que a relação do arguido com a denunciante BB se encontrava extremamente tumultuosa.

8. O arguido e a sua ex-companheira tiveram uma vida em comum durante cerca de 16 anos, tendo vivido juntos, em casa desta última, durante os últimos anos, e têm dois filhos em comum, atualmente com 16 e 3 anos de idade.

9. A denunciante teve sérios problemas com o jogo, que a levaram a contrair várias dívidas, algumas das quais foram pagas pelo arguido.

10. Tal situação, além do mais, levou ao desgaste do relacionamento entre ambos e levou o arguido a sair de casa na data referida em 6), indo residir para casa de uma das suas irmãs.

11. A separação foi difícil de aceitar pela denunciante BB, que por diversas vezes tentou que o arguido voltasse para casa, chegando a referir, por diversas vezes, que iria estragar-lhe a vida.

12. O arguido dirigiu-se a casa da sua ex-companheira no dia … de outubro de 2019, com a sua mãe, alegadamente para ir buscar um papel médico de que necessitava, mas não chegou a ali entrar, já que aquela não lhe abriu a porta.

13. A discussão sobre as responsabilidades parentais dos filhos menores foi igualmente muito conturbada, sendo que apenas recentemente foi possível obter o respetivo acordo, celebrado no passado mês de outubro de 2020.

(Condições pessoais do arguido)

14. O arguido AA tem origem numa família de modesta condição social, tendo duas irmãs mais velhas. Cresceu num ambiente familiar positivo, regrado e com sustentabilidade económica, uma vez que ambos os progenitores tinham uma condição profissional estável.

15. A família residia num bairro de habitação social, onde o arguido desenvolveu relações de convivialidade com grupos de pares, na rede de vizinhança. Neste contexto, iniciou-se nos consumos de haxixe a partir dos 15/16 anos, hábito que manteve durante largos anos, sem valorizar os eventuais impactos negativos para a sua saúde.

16. O arguido identifica uma fase de rebeldia própria da adolescência, a que esteve associada uma maior proximidade com alguns amigos do bairro, e que foi ultrapassada com a assunção de responsabilidades e hábitos de trabalho junto do progenitor.

17. O arguido frequentou a escola até ao 9º ano de escolaridade, sem dificuldades de aprendizagem, mas também sem motivação para o prosseguimento dos estudos. Posteriormente, e já a trabalhar, retomou os estudos para concluir o 12º ano, através do programa das Novas Oportunidades.

18. Desde cedo começou a colaborar no negócio do pai, na ..., assumindo igualmente tarefas na …. Quando o progenitor se reformou desta atividade, o arguido ainda manteve o negócio durante sensivelmente seis anos, mas acabou por encerrá-lo, por deixar de ser economicamente rentável.

19. Após um ano à procura de alternativas e com ofertas casuísticas de pequenos trabalhos de remodelações, o arguido conseguiu trabalho como ... na Câmara Municipal ..., primeiro com recibos verdes e atualmente com vínculo contratual.

20. O arguido foi pai ainda muito jovem, tendo firmado um relacionamento afetivo com BB, com quem constituiu família e tem dois filhos, um com 16 anos e outro com 3 anos de idade.

21. Os problemas conjugais intensificaram-se há sensivelmente dois anos, estando associados, além do mais, a uma dependência de jogos de apostas por parte da sua companheira, que passou a comprometer a estabilidade familiar e financeira do casal, conduzindo à perda do apartamento que constituía a morada de família, propriedade da mesma.

22. A separação veio a ocorrer em setembro de 2019, com a saída do arguido da casa onde o agregado então residia, nos termos ante referenciados.

23. Aquando da separação conjugal o arguido foi acolhido na casa de uma das suas irmãs, situação residencial e familiar que mantém. Fazem parte deste agregado, para além do arguido, a irmã, o cunhado e duas sobrinhas gémeas, de … anos de idade. Trata-se de uma habitação de tipologia T3, integrada num bairro de habitação social, onde o arguido possui quarto próprio.

24. O arguido avalia de forma muito positiva o suporte familiar de que dispõe neste contexto e pretende aí permanecer até conseguir uma solução habitacional autónoma.

25. A irmã assume um papel protetor e de proximidade afetiva com o arguido e realça a sua postura responsável e participativa na dinâmica familiar e na economia doméstica.

26. O arguido AA mantém alguns contactos com os filhos, sobretudo com o filho mais velho, reconhecendo a necessidade de uma regulação das responsabilidades parentais para poder retomar o contacto com o filho mais novo, com maior regularidade, o que já sucedeu.

27. O arguido mantém atividade profissional como ... na Câmara Municipal ..., num quadro de estabilidade, tendo, no último ano, registado uma valorização profissional, com diferenciação de funções e maior responsabilidade, mostrando-se satisfeito com as atuais condições de trabalho.

28. Entretanto, o arguido fez uma formação e obteve certificação de ..., de forma a poder complementar a sua atividade profissional nesta área, quando estiver ultrapassada a crise sanitária associada à pandemia causada pela doença Covid-19.

29. Possui uma situação económica equilibrada, tendo por base um salário mensal líquido no montante de € 1.050, a que deduz a prestação relativa ao crédito automóvel, no valor de € 140 mensais, a contribuição para as despesas domésticas, no valor de € 200 por mês, e a mensalidade da creche do filho mais novo, no valor de € 74.

30. O arguido cessou definitivamente os consumos de haxixe no ano de 2016.

31. O arguido AA foi anteriormente condenado no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 36/15...., do Juízo Central Criminal ..., por acórdão datado de 28 de maio de 2018, transitado em julgado a 27 de junho de 2018, pela prática, no ano de 2015, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25º, al. a) do D.L. n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova.

32. No âmbito deste acompanhamento o arguido tem mantido contacto regular com os serviços de reinserção social, adotando uma postura ajustada, que revela capacidade e juízo crítico, e mostra-se consciente das exigências do regime probatório, com estabilização da sua situação profissional.

33. O arguido não assumiu a prática dos factos que lhe vinham imputados, nem demonstrou arrependimento”.

III - No que se refere àquela que foi a convicção do Tribunal relativamente aos meios de prova produzidos, foi referido, em sede de acórdão:

“O Tribunal fundou a sua convicção, no que diz respeito à matéria de facto dada como provada e não provada, na análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência de julgamento, bem como na prova documental e pericial, todas constantes dos autos e consideradas igualmente analisadas naquela sede, com apelo ainda às regras da vida e da experiência comum, em obediência ao princípio da livre apreciação da prova ínsito no art. 127º do Código de Processo Penal.

O arguido AA prestou declarações, negando os factos que lhe vinham imputados, relativamente aos quais apresentou uma versão que, pelo menos em parte, foi corroborada pelo depoimento das testemunhas de defesa FF, GG e HH, respetivamente, a sua mãe e irmãs.

Com efeito, pelo arguido foi referido ter saído da casa onde residia com a sua então companheira BB e com os filhos, sita na Rua..., ..., ... esquerdo, na ..., nos dias … ou … de setembro de 2019, ficando cerca de dois ou três dias a dormir no interior do respetivo veículo automóvel, e que apenas quando a sua família soube do sucedido, através daquela, foi viver para casa de uma das irmãs.

Confirmou, depois, que após a referida data apenas voltou àquela residência no dia … de outubro, acompanhado pela mãe, com o intuito de ali ir buscar um papel de que necessitava para uma consulta médica, mas não chegou a ali entrar, em virtude de não possuir a chave e de a BB não lhe ter aberto a porta.

Nesta sequência, e embora tenha assumido que o casaco da marca... lhe pertencia, tendo-o deixado, assim como a todos os seus bens pessoais, naquela casa (incluindo a arma e a balança que foram igualmente apreendidas, sendo que esta última estaria com o ouro que havia anteriormente desaparecido), o arguido AA negou que a cocaína apreendida – que nunca viu e não sabe do que se trata - fosse sua, atribuindo a denúncia efetuada pela ex-companheira BB apenas aos declarados sentimentos de raiva e vingança que a mesma nutria por si, por não ter aceitado o fim do relacionamento. E, para alicerçar esta sua versão/convicção, referiu o arguido os problemas de adição ao jogo da denunciante, que a levaram a contrair várias dívidas, algumas pagas por si, conforme documentos juntos a fls. 157 e 158 dos autos, e a “perder” a casa onde anteriormente viviam, sita no ...º andar do mesmo prédio, que era propriedade daquela. Por fim, e de modo a corroborar o anteriormente descrito, relatou ainda toda a problemática existente entre ambos, relativa à regulação das responsabilidades parentais dos filhos menores, recentemente ultrapassada com a celebração do acordo que igualmente juntou aos autos (fls. 212 e seguintes).

Por sua vez, as testemunhas FF, GG e HH, mãe e irmãs do arguido, conforme já se referiu, relataram, de forma exaustiva (ainda que, por vezes, com algumas discrepâncias de pormenor), as circunstâncias em que aquele deixou a casa onde morava com a então companheira e os filhos, levando consigo apenas algumas peças de vestuário, a adição ao jogo de que aquela padecia e as dificuldades da mesma em aceitar o fim do relacionamento, descrevendo a BB como uma pessoa possessiva e transtornada, características que a levaram, inclusivamente, a ameaçar que “estragaria a vida” do AA, na medida em que sabia que ele tinha sido condenado numa “pena suspensa”.

Ora, se dos meios probatórios anteriormente explicitados resultou clara a deterioração do relacionamento entre o arguido AA e a sua ex-companheira, ora denunciante, BB, bem como, de certo modo, a não aceitação pacífica do termo dessa mesma relação, que perdurava há cerca de 16/17 anos, e ainda as circunstâncias temporais em que se verificou a saída daquele da casa de morada de família, a verdade é que no entender do Tribunal não lograram infirmar os depoimentos das testemunhas de acusação, maxime das testemunhas BB e II.

Com efeito, para além de ter assumido a sua adição ao jogo e as consequências financeiras que daí lhe advieram – factualidade introduzida pela contestação, mas que é absolutamente colateral ao objeto essencial da presente ação penal –, e de ter igualmente corroborado que à data de … de outubro de 2019 o arguido AA, seu então companheiro, havia já deixado a residência comum, a testemunha BB relatou de forma isenta e credível as circunstâncias em que nesse dia encontrou o saco com o produto estupefaciente no bolso de um casaco daquele, que se encontrava guardado no roupeiro, juntamente com os seus outros bens pessoais. Suspeitando e receando do que pudesse ser, comunicou, via telefónica, às autoridades policiais, e entregou o referido saco ao pai, a testemunha II, que o guardou até à respetiva entrega aos elementos da P.S.P. que no dia seguinte os contactaram para o efeito, conforme, aliás, resulta do teor do auto de notícia de fls. 7 a 9 e do auto de apreensão de fls. 10 e 11, integralmente confirmados pelo depoimento da testemunha JJ.

Questionada sobre a motivação que a levou a efetuar tal denúncia, a testemunha BB referiu que uns anos antes a casa onde então residiam havia sido já alvo de buscas (certamente realizadas no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 36/15...., do Juízo Central Criminal ..., no qual o arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade), o que, conjugadamente com o facto de ter um filho com 16 anos de idade, fez aumentar os seus receios.

Finalmente, e de forma ainda relevante, referiu que no dia 7 de outubro de 2019 o arguido AA não esteve no interior da residência.

Por sua vez, a testemunha II confirmou, outrossim, que a filha lhe entregou o saco contendo o produto estupefaciente, para que o guardasse até à respetiva entrega às autoridades policiais no dia seguinte, conforme sucedeu, relatando ainda, de forma relevante, ter encontrado o arguido AA no mesmo dia, que lhe disse “ela já me tramou” (sic). De forma colateral, relatou ainda a situação financeira da filha, motivada pelas dívidas contraídas com o jogo, que a levaram a vender a casa que possuía e a arrendar uma outra no mesmo prédio, arrendamento, no entanto, que foi celebrado em seu nome, referindo-se ainda à ajuda financeira que pessoalmente lhe prestou.

Por fim, e no que respeita à prova testemunhal arrolada pela acusação, mais atendeu o Tribunal aos depoimentos das testemunhas JJ e KK, Agente Principal e Chefe da P.S.P., respetivamente, responsáveis pela apreensão da cocaína e pela realização da busca domiciliária e subsequente apreensão da balança e da arma de ar comprimido, conforme resulta, para além do anteriormente referido, do teor do auto de busca e apreensão de fls. 31 e 32.

Contrariamente ao que sucedeu relativamente ao depoimento, em audiência de julgamento, da testemunha BB (que nos pareceu estar já apaziguada com o seu ex-companheiro, quiçá por se haverem entendido quanto à regulação das responsabilidades parentais dos filhos menores), o depoimento da testemunha II foi revelador de uma maior animosidade ou hostilidade relativamente ao arguido, mas que em nada prejudicaram ou infirmaram a respetiva credibilidade.

Ora, da análise crítica e conjugada de todos os meios de prova anteriormente explicitados, ressalta, em primeiro lugar, que pese embora na grande maioria das situações respeitantes à posse e/ou tráfico de produtos estupefacientes a iniciativa da “perseguição criminal” seja das autoridades policiais, nada impede que seja um particular a efetuar a respetiva denúncia, conforme sucedeu in casu.

Depois, e no que concerne à ora denunciante BB, importa também referir que sem prejuízo do clima de tensão à data existente com o arguido, seu ex-companheiro, que havia deixado a casa de morada de família após uma vida em comum de cerca de 16/17 anos, não nos pareceu que a sua atitude tenha sido motivada por sentimentos de raiva ou de vingança, conforme por aquele sustentado, mas antes pelo receio que sentiu ao encontrar um saco contendo produto estupefaciente (maxime, cocaína), ciente das consequências que para si poderiam advir se nada fizesse.

Mas mesmo admitindo-se que tal denúncia possa ter sido impulsionada pela dor e sofrimento do momento (e bem assim que caso ainda vivessem juntos, mesmo sabendo da existência daquele produto, não o teria feito), é completamente inverosímil, no entanto, a tese igualmente sustentada pelo arguido AA, no sentido de que a referida cocaína não lhe pertence e que ali foi colocada com o único propósito de o incriminar.

Na verdade, e conforme resulta do teor do relatório de exame toxicológico elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, constante de fls. 125 e 126, trata-se de cocaína, com o peso líquido de 201,564 gramas e com o grau de pureza de 93,1%, correspondendo a 938 doses médias diárias individuais. Consabido que o preço de mercado desta substância estupefaciente é de cerca de € 50/grama, a quantidade apreendida valeria, pelo menos, a quantia de € 10.000. Ora, tendo a testemunha BB uma situação económica e financeira deficitária (conforme, aliás, alegado pelo arguido e confirmado pela própria, não esquecendo que teve de vender a casa para pagar as dívidas resultantes do jogo e de beneficiar da ajuda, além do mais, dos pais), seria credível, ou verosímil, que a mesma tivesse despendido a quantia de € 10.000 (que certamente não tinha) apenas para comprar cocaína com o fito de se vingar do ex-companheiro?! Cremos, sem quaisquer dúvidas, que não, o que resulta, além do mais, das regras da vida e da experiência comum.

E, aqui chegados, cumpre referir que o Tribunal ficou completamente convencido de que o produto estupefaciente apreendido no bolso do casaco do arguido AA (guardado no roupeiro, juntamente com outros bens pessoais), era pertença do mesmo. E embora à data de … de outubro de 2019 o arguido não tivesse a posse física ou de facto desse produto, porquanto havia deixado de residir naquela casa cerca do dia 18 de setembro, ou seja, cerca de três semanas antes, a verdade é que ele era o possuidor daquela e das demais peças de vestuário que ali se encontravam guardadas, assim como da balança e da arma igualmente apreendidas (o que, nesta última parte, pelo mesmo foi assumido).

Questão diferente é, contudo, a de saber a que título o arguido ali detinha a cocaína apreendida, designadamente, se a guardava para outrem ou se para a vender – ele próprio - a terceiros, recebendo a respetiva contrapartida monetária, o que não se logrou apurar, concordando-se nesta parte com o alegado pela defesa, quando sustentou que inexistiu qualquer investigação no âmbito dos presentes autos.

Por esse motivo, e para além do que respeita à mera detenção da referida substância estupefaciente, nada mais resultou provado, mormente a factualidade que constava dos arts. 1º, 2º e 5º (parte final) da peça acusatória.

Sem prejuízo do exposto, e apelando, uma vez mais, às regras da vida e da experiência comum, sopesando a quantidade de cocaína apreendida – cerca de 200 gramas, equivalentes a 938 doses médias diárias individuais -, é igualmente evidente que a mesma não se destinava exclusivamente ao consumo pessoal do arguido AA – o qual, aliás, nem sequer é consumidor da referida substância (tendo sido consumidor de haxixe até ao ano de 2016), mas antes à cedência a terceiros, ainda que em termos não concretamente determinados.

Por último, relativamente às condições pessoais, económicas e familiares do arguido e respetivos antecedentes criminais, tomou-se em consideração o teor do relatório social elaborado pela D.G.R.S.P., constante dos autos (fls. 172 e seguintes), conjugado com os depoimentos das testemunhas de defesa inquiridas (designadamente, e para além das anteriormente identificadas, das testemunhas LL, MM e NN, colegas de trabalho e amigo de infância do arguido) e dos documentos de fls. 159 a 161, bem como o certificado de registo criminal de fls. 197.

- O direito

De acordo com o disposto no art. 449º, n.º 1 do Código de Processo Penal, “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

(…) d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

O processo de revisão com fundamento na al. d), acima citada, visa uma nova decisão, assente num novo julgamento sobre a matéria de facto, sendo que nos factos novos se incluem todos os que deveriam constituir tema de prova.

Ora, neste caso, e salvo melhor entendimento, entendemos que se mantêm válidas todas as razões explanadas no acórdão proferido, respeitantes à credibilidade e verosimilhança do depoimento prestado pela testemunha BB, que efetivamente se revelou preponderante na formação da convicção do Tribunal, mas que não foi o único meio probatório considerado, conforme ali igualmente se referiu.

Por outro lado, e com o devido respeito, concorda-se integralmente com a Digna Procuradora da República, quando refere que “estes novos factos agora apresentados, na verdade, não são credíveis ao ponto de constituírem motivo para porem em crise a fundamentação da condenação, de forma isenta de dúvida”, sendo o novo meio de prova igualmente junto manifestamente insuficiente ou inidóneo para colocar em causa os meios probatórios sopesados pelo Tribunal a quo na sua decisão.

- Conclusão

Por todo o exposto, e em conformidade com as referidas disposições legais, o meu parecer é no sentido de que deve ser indeferida a pretensão do recorrente e negada a revisão, por manifestamente infundada, não se suscitando quaisquer dúvidas sobre a justiça da manutenção da condenação.


5. parecer do Ministério Público:

A Digna Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, na vista a que alude o artigo 455.º do CPP, emitiu douto parecer, pronuncia-se pela não autorização da revisão, argumentando (em síntese):

6 - O recorrente invoca como fundamento da revisão o previsto na al. d), do nº 1, do referido art. 449, do CPP e junta uma declaração escrita, assinada pela testemunha BB, ouvida em audiência de julgamento, na qual esta relata factos desconhecidos do arguido e do Tribunal, relativos às circunstâncias em que a cocaína foi adquirida e colocada no bolso do casaco do arguido, factos que teria omitido em audiência por desejo de vingança contra o arguido seu ex-companheiro.

Como o próprio Tribunal recorrido reconhece, o depoimento da testemunha BB foi «preponderante» para a convicção do Tribunal, diríamos, mesmo, que foi determinante para dar como provado os factos constantes dos pontos 4 e 5, da decisão de facto.

O arguido e ora recorrente sempre negou que a cocaína que foi apreendida, supostamente no bolso do seu casaco que se encontrava em casa da testemunha BB, sua ex-companheira, de quem se tinha separado cerca de 3 semanas antes, lhe não pertencia e que não fora ele quem lá a colocara.

É certo que a decisão de facto resultou da apreciação conjugada de toda a prova produzida, mas sobre aqueles factos não recaiu qualquer outra prova para além do depoimento daquela testemunha. Acresce que a cocaína apreendida foi entregue à polícia pelo pai da testemunha, a pedido desta, a quem disse que a havia encontrado no bolso do casaco do arguido que aquele deixara em sua casa, como o Tribunal consigna na fundamentação de facto, no segmento referente à análise critica do depoimento da testemunha BB:

“Com efeito, para além de ter assumido a sua adição ao jogo e as consequências financeiras que daí lhe advieram – factualidade introduzida pela contestação, mas que é absolutamente colateral ao objeto essencial da presente ação penal –, e de ter igualmente corroborado que à data de … de outubro de 2019 o arguido AA, seu então companheiro, havia já deixado a residência comum, a testemunha BB relatou de forma isenta e credível as circunstâncias em que nesse dia encontrou o saco com o produto estupefaciente no bolso de um casaco daquele, que se encontrava guardado no roupeiro, juntamente com os seus outros bens pessoais. Suspeitando e receando do que pudesse ser, comunicou, via telefónica, às autoridades policiais, e entregou o referido saco ao pai, a testemunha II, que o guardou até à respetiva entrega aos elementos da P.S.P. que no dia seguinte os contactaram para o efeito, conforme, aliás, resulta do teor do auto de notícia de fls. 7 a 9 e do auto de apreensão de fls. 10 e 11, integralmente confirmados pelo depoimento da testemunha JJ.

Questionada sobre a motivação que a levou a efetuar tal denúncia, a testemunha BB referiu que uns anos antes a casa onde então residiam havia sido já alvo de buscas (certamente realizadas no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 36/15...., do Juízo Central Criminal ..., no qual o arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade), o que, conjugadamente com o facto de ter um filho com 16 anos de idade, fez aumentar os seus receios.”

O Tribunal de 1ª instância, na motivação da decisão de facto, analisou de forma pormenorizada e crítica o depoimento prestado por aquela testemunha e explicou por que motivo o considerou credível, face às regras da experiência e porque, pelo contrário, considerou inverosímil a suspeita aventada pelo arguido no sentido de que a testemunha tinha montado todo aquele cenário para o incriminar.

Análise essa confirmada pelo Tribunal da Relação ....

Mas se o depoimento da testemunha em audiência tivesse sido aquele que agora exarou na declaração junta aos autos, revelando os novos factos, por certo a convicção do Tribunal sobre aqueles concretos factos seria outra. E esses factos, novos, são decisivos, porque basilares, para a imputação do crime ao arguido.

E a serem verdadeiros os factos agora revelados pela testemunha causam sérias dúvidas sobre a justiça da condenação, uma vez que levariam à absolvição do arguido da prática do crime pelo qual foi condenado.

O recorrente requereu a inquirição da testemunha, diligência que o Tribunal recorrido indeferiu por não a considerar necessária.

Ao invés, afigura-se-nos imprescindível a inquirição da testemunha sobre os factos que agora revela através da declaração que subscreveu, mas também sobre as razões pelos quais os omitiu na audiência e sobre as razões por que agora os revela.

Em conformidade com o exposto, afigura-se-nos necessária à decisão do presente recurso a inquirição da testemunha indicada pelo recorrente, nos termos do disposto no art.455, nº 4, do CPP, o que se promove.


«»


O arguido aqui recorrente tem legitimidade para requerer a revisão de qualquer sentença ou despacho judicial que ponha termo ao processo e que, estando transitada/o em julgado, o condene definitivamente no processo (artigo 450.º, n.º 1, al. a), do CPP) a ter de cumprir uma consequência jurídica.

Este seu recurso encontra-se motivado e instruído (artigos 451.º, n.º 3, e 454.º do CPP).

O Supremo Tribunal de Justiça é o competente para julgar e decidir o recurso extraordinário de revisão (artigos 11.º, n.º 4, al. d), e 454.º do CPP).

Recurso extraordinário que pode ser interposto a todo o tempo, mesmo que a pena aplicada já tenha sido cumprida.

Pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso.

Dispensados os vistos, o processo foi à conferência.

Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO:

a) o caso julgado penal:

A decisão judicial[1], a partir do momento em que não pode ser impugnada através dos procedimentos ordinários legalmente previstos, torna-se firme, regulando definitivamente o caso concreto na ordem jurídica. Na expressão de Manuel de Andrade a sentença constitutiva (que julga procedente uma ação) uma vez transitada em julgado (caso julgado material) traz o direito para a evidência[2].

O Código de Processo Penal não contém qualquer normativo do qual possa extrair-se, diretamente[3], a definição do trânsito em julgado das sentenças penais. Remete-nos – art. 4º - para o direito adjetivo subsidiário, o Código de Processo Civil. Neste diploma, o art. 628º estabelece: “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”. Adaptando a parte final ao processo penal, - no qual não há reclamação – deve ler-se “ou quando já não for suscetível de arguição de nulidade”.

Nas palavras de Eduardo Correia, “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto”[4].

No entender de J. Figueiredo Dias também a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, “o que não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança em fim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser, só, no fundo, a força da tirania[5].

Para J. Alberto dos Reis, “o recurso de revisão pressupõe que o caso julgado se formou em condições anormais, que ocorreram circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa eliminar o escândalo dessa injustiça. Quer dizer, ao interesse da segurança e da certeza sobrepõe-se o interesse da justiça”[6].

Nota-se, ainda que sumariamente, que o caso julgado será formal quando a decisão recai “unicamente sobre a relação processual”, circunscrevendo-se a sua força obrigatória à questão processual concreta julgada no processo (art.º 620.º do CPC). Será material quando decida o objeto do processo penal, aprecie e julgue do mérito da acusação ou pronúncia, decida “sobre a relação material controvertida” (art.º 619.º o n.º 1 do CPC).

O instituto do caso julgado, implicitamente reconhecido no art.º 282º n.º 3 da Constituição da República, é orientado pela ideia de conseguir maior segurança e paz nas relações jurídicas, bem como maior prestígio e rendimento da atividade dos tribunais[7], impedindo que, no processo penal, se repita a mesma causa já decidida por sentença firme, que o arguido seja julgado mais que uma vez pelos mesmos factos– non bis in idem -, evitando, assim, também a contradição prática de decisões judiciais definitivas.

Conforme se expende no Acórdão n.º 194/97, do Tribunal Constitucional, “o caso julgado serve, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica (cfr. JORGE MIRANDA, 'Manual de Direito Constitucional', tomo II, 3ª edição, reimp., Coimbra, 1996, pág. 494); e que, fundando-se a protecção da segurança jurídica relativamente a actos jurisdicionais, em último caso, no princípio do Estado de Direito (GOMES CANOTILHO, 'Direito Constitucional e Teoria da Constituição', Coimbra, 1998, pág. 257), se trata, sem qualquer dúvida, de um valor constitucionalmente protegido”.

A favor do caso julgado em processo penal, invoca-se também o efeito nefasto da reabertura em relação ao coarguido e às vítimas, que seria potenciado pelas circunstâncias emergentes do distanciamento em relação ao material probatório derivado da passagem do tempo.

Todavia, como se adverte no aresto em citação, “a disposição constitucional (…), que consagra o princípio ne bis in idem, constitui, sem margem para qualquer dúvida, uma garantia do arguido, não podendo, pois, ser invocada contra ele, em manifesta violação da sua ratio”.

Dai que a firmeza ou definitividade da decisão penal, especialmente a condenatória, possa ter de ceder quando sobrevenham razões que, evidenciando patente e grave injustiça que materializa, tornam juridicamente insuportável mantê-la.

b) o recurso de revisão:

Na expressão de M. Cavaleiro de Ferreira “a irrecorribilidade das decisões judiciais irrevogáveis tem por efeito a sua definitividade e a sua exequibilidade. Quer dizer, esgotou-se no respetivo processo quanto à matéria da decisão o poder jurisdicional, e ficou autorizada a execução da decisão[8]”.

Contudo “o princípio res judicata pro veritate habetur não confere ao caso julgado, ainda que erga omnes, uma presunção juris et de jure, de que a decisão consagra justiça absoluta, perenemente irreparável, e por isso irrevogável”.

Certamente que toda a revisão, qualquer que seja a sua génese, será sempre uma violação da segurança do caso julgado que é justificada em função de razões de justiça[9].

Todavia, socorrendo-nos das justificações do Tribunal Supremo de Espanha: “o problema político-social que se produz pelo facto de que sendo as decisões judiciais um ato humano não se deve cerrar o passo definitivamente à consideração de que possam estar equivocadas. O intérprete do sistema legal tem que sopesar se num momento determinado o valor da segurança jurídica deve sobrepor-se ao valor da justiça. Um Estado democrático deve buscar saídas e soluções para resolver os problemas que afetam a liberdade e os direitos individuais[10].

O recurso extraordinário de revisão, assenta na ideia de que as sentenças judiciais condenatórias firmes, embora esmagadoramente correspondam à verdade prático-jurídica, todavia podem não ser infalíveis, mas também não podem estar permanentemente abertas a qualquer reapreciação do julgado. É, na essência, um remédio que, atentando contra o efeito preclusivo do caso julgado e a inerente segurança e paz, cuida de manter o equilibro necessário entre o valor da certeza jurídica que lhe é imanente e a justiça material.

Por isso, somente se admite a revisão quando o Supremo Tribunal se depara com um caso de condenação notoriamente equivocada, enquadrável em algumas das situações que o legislador taxativamente erigiu como podendo justificar a revogação da sentença condenatória transitada em julgado.

O recurso ordinário da sentença eleva a tramitação a outra etapa do processo penal, a fase destinada ao reexame da decisão impugnada.

O recurso extraordinário de revisão não tem por objeto a reapreciação da decisão judicial transitada. Não é uma fase normal de impugnação da sentença penal. É um procedimento autónomo especialmente dirigido a obter um novo julgamento e, por essa via, rescindir uma sentença condenatória firme.

No entendimento seguido no Ac. n.º 376/2000 do Tribunal Constitucional, “no novo processo não se procura a correção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou com a decisão revidenda, porque para a correção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário”, “os factos novos do ponto de vista processual e as novas provas, aquelas que não puderam ser apresentadas e apreciadas antes, na decisão que transitou em julgado, são indício indispensável à admissibilidade de um erro judiciário carecido de correção. Por isso, se for autorizada a revisão com base em novos factos ou meios de prova, haverá lugar a novo julgamento[11].

A Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH), Protocolo 7, no artigo 3º (direito a indemnização em caso de erro judiciário) alude a “condenação penal definitiva” “ulteriormente anulada” “porque um facto novo ou recentemente revelado prova que se produziu um erro” de julgamento. E no artigo 4º estatui-se que a sentença definitiva não impede “a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afetar o resultado do julgamento”.

Nesta linha, a Constituição da República, no artigo 29º, n.º 5, “obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto[12] e (n.º 6) atribui à pessoa injustamente condenada o direito à revisão da sentença, nos termos que a lei prescrever

A violação do caso julgado, permitida pela Constituição da República, e pela CEDH, visa a salvaguarda do elementar direito à liberdade e o direito a uma condenação justa de acordo com as regras constitucionais e do processo penal.

Traço marcante do recurso de revisão é, desde logo, a sua excecionalidade, ínsita na qualificação como extraordinário[13] e no regime, substantivo e procedimental, especial. Por isso, somente os fundamentos firmados – taxativamente - pelo legislador podem legitimar a admissão da revisão da condenação transitada em julgado. Regime normativo excecional que admitindo interpretação extensiva, não comporta aplicação analógica – art.11º do Código Civil.

Como se sustenta no Ac. de 26-09-2018, deste Supremo Tribunal, “do carácter excecional deste recurso extraordinário decorre necessariamente um grau de exigência na apreciação da respetiva admissibilidade, compatível com tal incomum forma de impugnação, em ordem a evitar a vulgarização, a banalização dos recursos extraordinários”.

c) regime legal:

Em execução daquele comando constitucional (e do referido preceito da CEDH), o Código de Processo Penal, consagra, e regula o recurso extraordinário de revisão, estabelecendo no artigo 449º (fundamentos e admissibilidade da revisão) n.º 1 do CPP:

1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;

f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

No n.º 2 estatui que para efeitos de revisão à sentença equipara-se o despacho que tiver posto fim ao processo.

E, no n.º 3 estipula:

3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

Por sua vez, o art. 451º (formulação do pedido), no n.º 2 exige que do requerimento conste a exposição circunstanciada dos fundamentos da revisão.

Exige-se também que o requerimento venha instruído com cópia autenticada da decisão revidenda e a certificação do seu trânsito em julgado (n.º 3). E, fundando-se a revisão em outra decisão judicial, o requerimento tem de vir instruído com a mesma, com a definitividade devidamente certificada, por se tratar de documentos absolutamente indispensáveis à instrução do pedido  

Com o requerimento, apresentado no tribunal da condenação, inicia-se o procedimento destinado à verificação dos requisitos formais e dos pressupostos substantivos para poder ser formulado um juízo rescindente, da competência exclusiva do STJ.

O juízo rescindente só pode ser formulado e, consequentemente, autorizado novo julgamento, se proceder algum dos fundamentos constitucional ou legalmente previstos para que o caso julgado tenha de ceder perante a grave injustiça da condenação.

Não estando presentes todos os requisitos ou não existindo ou não se demonstrando os fundamentos invocados, ou se, alicerçando-se em novos factos ou novos elementos de prova, visa corrigir a medida da pena, a revisão deve ser negada –art. 456º.

Sendo autorizada, inicia-se a fase do juízo rescisório, a processar na 1ª instância territorialmente competente.

d) novos factos ou meios de prova:

Salientou-se que, com o fundamento em apreço – invocação da al.ª d) - podem sustentar a rescisão da sentença condenatória novos factos ou meios de prova que, necessariamente, infirmem ou modifiquem os factos que motivam a condenação.

Não satisfaz aquele requisito a invocação de quaisquer factos ou de outras provas nem a mera invocação de factos novos, ou tampouco basta a sua hipotética verosimilhança. Ademais da novidade, têm de estar suficientemente acreditados, isto é, resultarem convincentemente demonstrados. No processo penal, os factos adquirem-se através das provas. Aqui, a alegação de factos sem provas, diretas ou indiretas que os demonstrem, - por si só (autonomamente) ou combinados com outros que hajam sido apreciados no processo - não tem a potencialidade de elevar ao nível da crise grave (qualificada) a força da res judicata.

Do mesmo modo, não basta a apresentação de quaisquer novas provas. Somente fundamentam a rescisão da sentença firme, provas que, ademais da novidade, aportem dados que infirmem os factos que nesta se julgaram provados e que legitimam a condenação.

Para além de os factos ou meios de prova deverem ser novos é ainda necessário que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar graves e fundadas dúvidas sobre a justiça da condenação. A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada; terá de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade”, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida.

Descobrirem”, do verbo descobrir, tem o significado de por a descoberto, destapar, encontrar, tanto para o que é verdadeiramente novo como também o que já existia e de que só agora se adquiriu conhecimento.

Novos” são os factos ou elementos de prova vistos pela primeira vez, que eram inéditos, desconhecidos.

A expressão “descobrirem novos” pressupõe que os factos ou elementos de prova foram conhecidos depois da sentença e, por isso, não podiam ter sido aportados ao processo até ao julgamento, seja porque antes não existiam, seja porque, embora existindo, somente foram descobertos depois.

Como se sustenta no citado Ac. STJ de 26/09/2018:

I - Quanto à novidade dos factos e/ou dos meios de prova, o STJ entendeu, durante anos e de forma pacífica que os factos ou meios de prova deviam ter-se por novos quando não tivessem sido apreciados no processo, ainda que não fossem ignorados pelo arguido no momento em que foi julgado.

II - Porém, nos últimos tempos essa jurisprudência foi sendo abandonada e hoje em dia pode considerar-se solidificada ou, pelo menos, maioritária, uma interpretação mais restritiva do preceito, mais adequada, do nosso ponto de vista, à natureza extraordinária do recurso de revisão e, ao fim e ao cabo, à busca da verdade material e ao consequente dever de lealdade processual que impende sobre todos os sujeitos processuais. Assim, “novos” são tão só os factos e/ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal.

Por sua vez, no Ac. de 12/5/2005 do Tribunal Constitucional expende-se:

Há-de, pois, tratar-se de “novas provas” ou “novos factos” que, no concreto quadro de ato em causa, se revelem tão seguros e (ou) relevantes – seja pela patente oportunidade e originalidade na invocação, seja pela isenção, verosimilhança e credibilidade das provas, seja pelo significado inequívoco dos novos factos, seja por outros motivos aceitáveis – que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a invocação e prova de um quadro de facto “novo” ou a exibição de “novas” provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão revidenda.

Não se trata, portanto, de elementos probatórios que permitam novas argumentações a favor da inocência do condenado, mas de autênticas novas provas que desvirtuando totalmente as provas que motivaram a condenação, fazem duvidar gravemente da sua justiça material. Tampouco se trata de uma nova oportunidade para reapreciar os elementos probatórios que o tribunal de instância e/ou de recurso já tiveram em conta.

Como se sustenta-se no Ac. de 3/12/2014, deste Supremo (e secção), exigem-se “novas provas” que, no concreto quadro factual, se revelem tão seguras que o juízo rescindente que neles se venha a apoiar, não corra facilmente o risco de se apresentar como superficial, precipitado ou insensato, tudo a reclamar do requerente a prova de um quadro de facto novo ou a exibição de novas provas que, sem serem necessariamente isentos de toda a dúvida, a comportem, pelo menos, em bastante menor grau, do que aquela que conseguiram infundir à justiça da decisão[14].

Em síntese, são, dois e cumulativos os parâmetros da admissibilidade da revisão com fundamento na al.ª d) do n.º 1 do art. 449º do CPP:

- que os factos ou provas apresentados não existiam ou se, se existentes, desconheciam e, portanto, não puderam apresentar-se e, consequentemente, ser tidos em conta na sentença;

- que por si sós ou conjugados e confrontados com provas produzidas na audiência evidenciem, acima de qualquer dúvida razoável, a grave injustiça da condenação.

Discutida tem sido a aferição da novidade dos factos e dos meios de prova. Na jurisprudência deste Supremo Tribunal a corrente maioritária, - seguida entre outros, no recente Ac. de 10/02/2021 desta 3ª secção – sustenta (com sublinhado de realce): “Louvando-nos, brevitatis causa, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, processo 41/05.1 GAVLP-C.S1, de 12.03.2014,  factos novos serão «os factos e os meios de prova desconhecidos pelo recorrente ao tempo do julgamento e que não tenham podido ser apresentados e apreciados na decisão”.


e)  grave injustiça da condenação:

Ao requisito da novidade dos factos ou dos meios de prova, o legislador aditou outro, consistente na grave injustiça da condenação. Como se vincou, no recurso de revisão deve estar em causa, fundamentalmente, a antinomia entre condenação e absolvição. Grave e intoleravelmente injusta é a decisão que condenou o arguido quando deveria ter sido absolvido.

Conforme se expôs e em consonância com o sustentado no recente Ac. STJ de 19/02/2021, desta secção (acima referido): “no mesmo aresto se esclarece o que sejam graves dúvidas sobre a justiça da condenação, nos seguintes termos: «são todas aquelas que são de molde a pôr em causa, de forma séria, a condenação de determinada pessoa, que não a simples medida da pena imposta. As dúvidas têm de incidir sobre a condenação enquanto tal, a ponto de colocar fundadamente o problema de o arguido dever ter sido absolvido».

O recurso de revisão não pode servir para buscar ou fazer prevalecer, simplesmente, “uma decisão mais justa”. De outro modo, o valor do caso julgado passava a constituir a exceção e a revisão da sentença condenatória convertia-se em regra. Seria incomportável que, na sua concreta atuação, “se transformasse e em um grau de recurso ordinário encapotado», «abrindo a porta a um processo penal interminável, permitindo uma "verdadeira eternização da discussão de uma mesma causa». Na expressão de alguns autores, “somente em circunstâncias substantivas e imperiosas (substantial and compelling)” apenas em situações excepcionais e justificadas pode relativizar-se a sentença penal transitada em julgado para que não se converta o recurso de revisão em “apelação de apelação disfarçada (appeal in disguise)”.

Não será excessivo repetir que este é um procedimento excecional que pode desembocar na quebra do caso julgado, com a consequente postergação da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito e que, por isso, só clamorosas injustiças o podem legitimar. Não pode destinar-se a que o STJ conheça e autorize a reparação de erros de julgamento da decisão condenatória, tanto em matéria de facto como na aplicação do direito. Destarte, a postergação do caso julgado, constitucionalmente reconhecido, só é admissível em situações excecionalmente graves e de intolerável repercussão negativa.


f) no caso:

Vejamos se o vertente recurso satisfaz os parâmetros da pretendida revisão do acórdão que, transitado em julgado, firmou na ordem jurídica e judiciária a narrativa dos acontecimentos sobre que versou a decisão e, consequentemente, a condenação do arguido aqui recorrente nos termos inicialmente plasmados.

O recorrente ampara a pretensão rescindente alegando, em suma, que a testemunha BB, sua ex-companheira, mentiu ao tribunal de julgamento, relatando-lhe falsamente que o estupefaciente apreendido pelo órgão de polícia criminal, encontrado num saco transparente guardado no bolso de um casaco do arguido, existente em casa daquela, era deste. Alega que veio a saber posteriormente, em 10 de outubro de 2021, pela própria ter sido esta que comprou aquela quantidade de cocaína e a colocou num bolso do casado do seu ex-companheiro, para, incriminando-o, se vingar do mesmo.

Para prova do assim alegado junta declaração manuscrita que diz ter sido emitida pela referida testemunha, mostrando-se a respetiva assinatura reconhecida notarialmente.

Verifica-se que a questão da falsidade da “denúncia” efetuada e da versão dos factos relatada pela testemunha BB, foi suscitada pelo arguido na sua contestação, debatida na audiência, apreciada e decidida no acórdão revidendo.

Uma vez que a questão da “encenação” da denúncia e da falsidade do depoimento da testemunha BB, não sendo nova no processo, foi já apreciada e dilucidada no acórdão condenatório e no acórdão confirmatório, impõe-se salientar que da respetiva decisão em matéria de facto, com relevância para o vertente recurso extraordinário, consta como não provado (da contestação) que (e) a denúncia dos factos foi desencadeada pelo sentimento de raiva e vingança que BB nutre pelo arguido, ao ponto de assim proceder bem sabendo que aqueles não tinham qualquer correspondência com a realidade.

Na motivação daquela decisão enuncia-se que o arguido, nas declarações prestadas na audiência, perante o tribunal, atribuiu “a denúncia efetuada pela ex-companheira BB apenas aos declarados sentimentos de raiva e vingança que a mesma nutria por si, por não ter aceitado o fim do relacionamento. E, para alicerçar esta sua versão/convicção, referiu o arguido os problemas de adição ao jogo da denunciante, que a levaram a contrair várias dívidas, algumas pagas por si, conforme documentos juntos a fls. 157 e 158 dos autos, e a “perder” a casa onde anteriormente viviam, sita no ...º andar do mesmo prédio, que era propriedade daquela. Por fim, e de modo a corroborar o anteriormente descrito, relatou ainda toda a problemática existente entre ambos, relativa à regulação das responsabilidades parentais dos filhos menores, recentemente ultrapassada com a celebração do acordo que igualmente juntou aos autos”.

Enuncia-se ainda que “questionada sobre a motivação que a levou a efetuar tal denúncia, a testemunha BB referiu que uns anos antes a casa onde então residiam havia sido já alvo de buscas (…), o que, conjugadamente com o facto de ter um filho com 16 anos de idade, fez aumentar os seus receios.”

No acórdão revidendo, explicitando o exame crítico das provas produzidas na audiência de julgamento, fundamenta-se que, “no que concerne à ora denunciante BB, importa também referir que sem prejuízo do clima de tensão à data existente com o arguido, seu ex-companheiro, que havia deixado a casa de morada de família após uma vida em comum de cerca de 16/17 anos, não nos pareceu que a sua atitude tenha sido motivada por sentimentos de raiva ou de vingança, conforme por aquele sustentado, mas antes pelo receio que sentiu ao encontrar um saco contendo produto estupefaciente (maxime, cocaína), ciente das consequências que para si poderiam advir se nada fizesse.

Mas mesmo admitindo-se que tal denúncia possa ter sido impulsionada pela dor e sofrimento do momento (e bem assim que caso ainda vivessem juntos, mesmo sabendo da existência daquele produto, não o teria feito), é completamente inverosímil, no entanto, a tese igualmente sustentada pelo arguido AA, no sentido de que a referida cocaína não lhe pertence e que ali foi colocada com o único propósito de o incriminar.

Na verdade, e conforme resulta do teor do relatório de exame toxicológico elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, constante de fls. 125 e 126, trata-se de cocaína, com o peso líquido de 201,564 gramas e com o grau de pureza de 93,1%, correspondendo a 938 doses médias diárias individuais. Consabido que o preço de mercado desta substância estupefaciente é de cerca de €50/grama, a quantidade apreendida valeria, pelo menos, a quantia de €10.000. Ora, tendo a testemunha BB uma situação económica e financeira deficitária (conforme, aliás, alegado pelo arguido e confirmado pela própria, não esquecendo que teve de vender a casa para pagar as dívidas resultantes do jogo e de beneficiar da ajuda, além do mais, dos pais), seria credível, ou verosímil, que a mesma tivesse despendido a quantia de €10.000 (que certamente não tinha) apenas para comprar cocaína com o fito de se vingar do ex-companheiro?! Cremos, sem quaisquer dúvidas, que não, o que resulta, além do mais, das regras da vida e da experiência comum”.

Destarte, tanto a falsidade da denúncia como a falsidade do depoimento em que o recorrente insiste, não têm qualquer novidade no processo, nem para os sujeitos processuais, nem para o tribunal.

Como também não constitui qualquer novidade a reiterada alegação de ter sido a sua ex-companheira BB quem adquiriu a cocaína apreendida e a colocou no bolso do casado do arguido. Tudo isto com o escopo de o incriminar.

No acórdão revidendo, versando especificadamente sobre essa mesma facticidade alegada pela defesa, motivou-se que a dita BB, - além do mais sobre a autenticidade do seu depoimento -, que não tinha capacidade nem disponibilidade económica para adquirir aquela quantidade de cocaína (201,564 gramas com elevadíssimo grau de pureza, cujo valor de mercado seria de cerca de €10.000,00/dez mil euros).

Conforme acima se referiu, “novos factos”, para efeito de revisão de acórdão condenatório, são aqueles que sendo completamente desconhecidos à data, não foram suscitados e apreciados no processo e que não tendo sido debatidos na audiência, o tribunal nunca examinou criticamente nem decidiu sobre a sua prova ou não prova. Não são, evidentemente “novos factos”, para tal efeito, aqueles que o arguido alegou em sua defesa, nomeadamente na contestação e depois em recurso, mas que os tribunais decidiram julgar provados.

Ciente disso mesmo, o recorrente, trocando as etiquetas, de novo acrescenta, somente a retratação daquela testemunha, a sua ex-companheira, visando sustentá-la probatoriamente com a junção de declaração manuscrita, com assinatura notarial reconhecida presencialmente, na qual a própria BB confessaria, pormenorizando, ter cometido três crimes:

- tráfico de estupefacientes previsto no art.º 21º n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro, punido com pena de 4 a 12 anos de prisão) (na primeira ação confessa ter adquirido, transportado e guardado fora das condições legais e sem permissão das autoridades competentes, uma quantidade de cocaína com o peso líquido de 201,564 gramas, com o grau de pureza de 93,1%, correspondendo a 938 doses médias diárias individuais, sem que fosse para o seu próprio consumo);

- denúncia caluniosa agravada previsto no art.º 365º n.ºs 1 e 4 do Cód. Penal, punido com pena de 1 a 8 anos de prisão (na segunda ação confessa ter denunciado a órgão de polícia criminal a prática, pelo arguido, do crime de tráfico pelo qual veio a ser investigado e acusado nos autos, estando bem ciente da falsidade dessa denúncia e da imputação dela constante);

- falsidade de depoimento agravado, previsto nos art.ºs 360º n.º 1, 361º n.º 2, punido com pena de 1 a 8 anos de prisão (na terceira ação, confessa ter prestado na audiência, perante o tribunal de julgamento, depoimento falso).

No nosso regime de recurso extraordinário de revisão, a falsidade de um meio de prova que tenha sido determinante para a decisão, designadamente a retratação na qual uma testemunha nuclear vem dizer que prestou depoimento falso perante o tribunal de julgamento, está especificamente prevista e regulada na alínea a) do n.º 1 da art.º 449º do CPP, estatuindo que somente pode autorizar-se a revisão da sentença / acórdão definitivo quando “uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falso” esse mesmo meio de prova.

Evidentemente que uma decisão judicial não pode ter a pretensão de convencer do seu acerto e mérito se estiver motivada, determinantemente, em meios de prova que outra decisão judicial definitiva julgou serem falsos. Em tal caso, a revisão da sentença /acórdão, tanto pro reo como pro societate, decorre da comprovação judicial da falsidade de meios de prova que foram determinantes para a decisão revidenda.

Manifestamente não é este o fundamento do vertente recurso. Não só o recorrente não invoca tal motivo – não obstante alegar que a sua ex-companheira prestou depoimento falso que foi determinante para julgar a matéria de facto provada -, como também não se comprava – nem sequer vem alegado - que a testemunha BB tenha sido judicialmente condenada, com trânsito em julgado, por falsidade do depoimento prestado na audiência de julgamento realizada nos autos. Dito de outra maneira, com esse fundamento, poderia autorizar-se a revisão da condenação do arguido se a falsidade do depoimento daquela testemunha estivesse certificado por outra sentença transitada em julgado – art.º 449.º n.º 1 al.ª a) CPP. Como bem se compreenderá, a falsidade do depoimento da testemunha, a existir, terá de ser declarada pelo meio próprio, numa sentença judicial transitada em julgado. Inexistindo tal sentença o vertente recurso de revisão está votado ao insucesso.

Quanto ao argumento de não ter sido o arguido, mas sim a sua ex-companheira BB a ter adquirido, transportado e guardado a cocaína e, por conseguinte, ter sido ela – e não o recorrente - quem cometeu o crime de tráfico de estupefacientes pelo qual este está condenado nos autos, também o nosso sistema tem uma norma, a da alínea c) do n.º 1 do art.º 449º do CPP, que prevê especificamente a autorização da abertura da fase rescisória da decisão condenatória, sempre e quando os factos que a fundamentam forem inconciliáveis com os julgados provados em outra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Também não é este o motivo invocado pelo recorrente e, embora utilize o termo «arguida» para se referir à testemunha BB, sua ex-companheira, não diz, nem sequer consta que contra a mesma tenha sido instaurado procedimento criminal.

A irrelevância, para este efeito, do valor probatório da declaração com a retratação de testemunha ou declarante ou coarguido é incontornavelmente certificado pelas normas adjetivas citadas. Se assim não fosse, o legislador teria criado uma norma própria que, prescindindo de qualquer decisão judicial, conferiria à retratação documentada do falsário valor bastante para fundamentar a rescisão de uma decisão judicial (condenatória ou absolutória). Ao invés e conforme referido, a falsidade de depoimento só tem relevância jurídica neste domínio extraordinário depois de contrastada e declarada por outra decisão judicial definitiva.

Também a confissão por outrem de ter sido ele o único agente do um crime pelo qual um arguido foi acusado, julgado e condenado por sentença / acórdão definitivo, não tem o efeito imediato de, só por si, fundamentar a rescisão da condenação. O legislador entendeu, justamente, ser exigível que a facticidade confessada, constitutiva do crime pelo qual o arguido foi condenado por decisão judicial transitada em julgado, obtenha comprovação em outra sentença / acórdão e da oposição entre os factos provados em uma e os factos provados na outra decisão judicial resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Deve notar-se que a confissão auto-incriminatória, mesmo que vertida em documento escrito com assinatura reconhecida presencialmente em cartório notarial, não mais é que um mero documento particular apreciado livremente pelo tribunal. Não tem, no processo penal a mesma densidade valorativa e o mesmo efeito preclusivo na produção de outras provas que a confissão integral e sem reservas do arguido prestada na audiência de julgamento. Além de que sempre o referido documento poderá ser arguido de falsidade quanto ao respetivo conteúdo.

Ora, inexistindo sentença / acórdão que tenha julgado provado que foi a testemunha BB quem, agindo sozinha, adquiriu, comprando-a, aquela quantidade de cocaína, a transportou para a sua casa e aí a guardou até que a entregou ao seu pai que, por sua vez, a entregou ao órgão de policia criminal e, assim, que a arguida é a única agente do crime de tráfico pelo qual o arguido está condenado no acórdão revivendo,  não se verifica fundamento bastante para que pudesse autorizar-se a revisão da condenação, nestes autos, do arguido ora recorrente.

Neste conspecto, não se verificando o requisito invocado – novos factos - ou qualquer outro legalmente previsto, conclui-se pela manifesta inexistência de fundamento para que pudesse autorizar-se a peticionada revisão da condenação do recorrente.

C. DECISÃO:

Termos em que o Supremo Tribunal de Justiça, em conferência da Secção Criminal, acorda em: ----

a)  Negar a revisão da condenação do recorrente nestes autos.

b) Condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 UCs.

c) Em obediência ao disposto no art. 456º do CPP, condenar o recorrente a pagar 8 UCs.


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Lisboa, 12 de janeiro de 2022


Nuno A. Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)

Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro adjunto)

António Pires da Graça (Juiz Conselheiro presidente da secção)

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[1] Nos termos do art. 449º do CPP, para efeitos de revisão “à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo”.
[2] Noções Elementares de Processo Civil, pag. 335.
[3] Referencia-se nos arts. 84º, 371º-A, quanto aos recursos extraordinários. máxime: nos art.s, 438º n.º 1, 446º n.º 1, 449º, 451º n.º 3 – e em outras da fase de execução da condenação penal (máxime: arts. , 467º n.º 1, 477º, 489º, 496º, 500º, 502º).
[4] A Teoria do Concurso em Direito Criminal (reimpressão), Almedina, 1983, pág. 302.
[5] Direito Processual Penal, 1º vol. pag 44.
[6] Código de Processo Civil Anotado, 1984 (reedição), volume V, pág. 158.
[7] Eduardo Correia, ob citada, pag. 403.
[8] Curso de Processo Penal, III, edição da AAFDL, 1963, págs. 35.
[9] J. H. Santos Cabral, “A relação entre as decisões dos tribunais internacionais e as decisões dos tribunais supremos-efeito directo e reabertura do processo”, pag. 9 e pag. 17.
[10] Sentencia de 22/11/1996.
[11] DRE II série de 13/12/2000.
[12] J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4º ed., pag. 497.
[13] Extraordinário é o que é fora do comum, raro, que sucede em circunstâncias excecionais.
[14] Proc. 798/12.3GCBNV-B.S1 in www.dgsi.pt