Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
79/10.7TDLSB.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: MAIA COSTA
Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
PLURIOCASIONALIDADE
TENDÊNCIA PARA A PRÁTICA DE CRIMES
Data do Acordão: 02/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :


I - Nos termos do art. 77.°, n.º 1, do CP, a pena do concurso atenderá a uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto e não como mero somatório de factos desligados, e da personalidade do agente. Nessa apreciação indagar-se-á se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de carácter fortuito, não imputável a essa personalidade, sendo naturalmente circunstância agravante a identificação de uma tendência do agente para a prática reiterada de crimes.
II - De ter em conta ainda que a moldura da pena do concurso tem como limite mínimo a pena parcelar mais grave e como máximo a soma das diversas penas parcelares (n.º 2 do mesmo artigo). No caso dos autos, a moldura da pena conjunta varia entre o mínimo de 8 anos e o máximo de 10 anos e 2 meses de prisão.
III - A seu favor o arguido invoca a primo delinquência e a sua personalidade. Mas não se retira daí qualquer atenuação. Na verdade, o arguido permaneceu em Portugal um escasso período de ano e meio antes de ser preso, durante o qual se dedicou exclusivamente, e intensamente, ao tráfico de estupefacientes, nomeadamente organizando e financiando a importação de cocaína da América do Sul, por meio de “correios” por ele contratados. Por outro lado, os crimes de falsificação por que foi condenado estão instrumentalmente conexionados com o tráfico ilícito de estupefacientes.
IV - O conjunto dos factos revela uma personalidade desviante, indiferente aos comandos da lei penal, inteiramente direcionada para a prática reiterada de uma atividade ilícita, e com intenção puramente lucrativa: o tráfico de estupefacientes. Na verdade, a dedicação exclusiva a essa atividade, a intensidade com que o fez, o grau de “profissionalismo” com que atuou, tudo isso confirma que a prática criminosa não foi ocasional ou fortuita, antes determinada e calculada, traduzindo uma tendência deliberada para o crime.
V - Nestas circunstâncias, a pena de 9 anos de prisão mostra-se completamente ajustada.



Decisão Texto Integral:

                Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

            I. RELATÓRIO

            AA, cidadão nigeriano, com os sinais dos autos, foi condenado na 2ª Vara Criminal de Lisboa, por acórdão de 19.5.2011, como autor de:

            - um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21º e 24º, c), do DL nº 15/93, de 22-1, na pena de 9 anos de prisão;

            - três crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, e) e f), e 3, com referência ao art. 255º, c), ambos do Código Penal (CP), nas penas de 12 meses de prisão, 10 meses de prisão e 7 meses de prisão.

            Em cúmulo das penas parcelares, foi o arguido condenado em 10 anos de prisão e na pena acessória de expulsão do território nacional por 10 anos.[1]

            Desta decisão recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa o Ministério Público e o arguido.[2] Por acórdão de 27.10.2011, a Relação concedeu provimento parcial aos recursos do Ministério Público e do arguido, nos seguintes termos:

            - alterou a matéria de facto nos termos adiante indicados;  

- declarou perdidos a favor do Estado os telemóveis e cartões a eles associados apreendidos nos autos;

            - alterou a qualificação jurídica dos factos relativos ao cartão Lisboa Viva e a pena a ele imposta, condenando o arguido pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nº 1, e) e f), com referência ao art. 255º, c), ambos do CP, na pena de 4 meses de prisão;

            - reduziu a pena correspondente ao crime de tráfico de estupefacientes para 8 anos de prisão;

            - condenou o arguido na pena única de 9 anos de prisão.

            Deste acórdão interpôs o arguido recurso para este Supremo Tribunal, assim concluindo:

Emerge o presente recurso da discordância em relação ao acórdão, douto aliás, com que o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu condenar o arguido

- na pena de 8 anos de prisão, pela prática de um crime p. e p. pelo art° 21°, n° 1 e 24°, al. c), do Decreto Lei n° 15/93 de 22/01; e

- na pena de 12 meses de prisão pela prática de um crime de falsificação (passaporte), p. e p. art° 256°, n° 1, al. e) e f) e n° 3, com referência ao art° 255°, al. c), ambos do CP;

- na pena de 10 meses de prisão pela prática de um crime de falsificação (vistos indonésios), p. e p. art° 256°, n° 1, al. e) e f) e n° 3, com referência ao art° 255°, al. c), ambos do CP; e

- na pena de 4 meses de prisão pela prática de um crime de falsificação (título de transporte), p. e p. art° 256°, n° 1, al. e) e f) do CP;

- em cúmulo na pena única de 9 anos de prisão.

As razões de discordância com a douta decisão sob recurso, sem prejuízo da nulidade do acórdão recorrido que abaixo se argui, prendem-se exclusivamente com a medida das penas parcelares e única aplicadas, as quais, salvo melhor opinião, se mostram exageradas.

a) Muito embora o recorrente esteja consciente da forte necessidade de se punir com rigor e uniformidade o tráfico de estupefacientes, numa tentativa de se pôr travão a quem já delinquiu e evitar que novos traficantes apareçam no circuito, entende que a pena de 8 anos de prisão aplicada quanto ao crime p. e p. art° 21°, n° 1 e 24° al. c) do D.L. 15/93, de 26/01, se mostra demasiado severa.

b) E que a pena concreta tem como finalidade principal ser um remédio que, não pondo entre parêntesis a censura do facto, potencie a ressocialização da delinquente, principalmente quando primário, como é o caso

c) Portanto, o desiderato da ressocialização, que tendo de ser avaliado em concreto, não pode deixar de ter como parâmetro o inconveniente maléfico de uma longa separação do delinquente da comunidade natal que em nada contribui para a respectiva reintegração social posterior.

d) Não obstante, a final o TRL veio a reduzir a condenação do arguido sofrida em 1ª instância fixando-a em 8 anos de prisão pela prática do crime de tráfico (p. e p. art° 21°, n° 1 e 24° al. c) do DL 15/93).

e) A verdade é que, sem querer minimizar a gravidade dos factos, a mesma mostra-se excepcionalmente exagerada devendo a pena a aplicar, in casu pela pratica do crime de tráfico, aproximar-se mais dos limites mínimos da moldura penal abstractamente aplicável e não exceder em circunstância alguma os 7 anos de prisão.

f) Tal, é o que resulta de uma correcta apreciação da prova e interpretação do art°. 21°, n° 1 e 24° do DL 15/93 e 71° do Código Penal, coisa que o douto Tribunal a quo não fez.

g) Por outro lado, são também exageradas as penas de 12 e 10 meses de prisão, respectivamente, por cada um dos dois crimes e falsificação p. e p. art° 256°, n° 1, al. e) e f) e n° 3, com referência ao art° 255°, al. c), ambos do CP.

h) A moldura penal abstractamente aplicável aos mesmos é de prisão de 6 meses a 5 anos, ou multa de 60 a 600 dias.

i) Como tal, não se justifica a imposição das penas, 12 e 10 meses, respectivamente.

j) Com efeito, fundamentando e melhor apreciando, em circunstância alguma se justifica a imposição de pena superior a 10 meses de prisão relativamente à falsificação do passaporte e de 8 meses relativamente à falsificação relativa aos vistos da Indonésia.

k) Estas são as que resultam de uma correcta interpretação e aplicação dos comandos dos artigos 70° e 71°, 256°, n° 1, al. e) e f) e n° 3, com referência ao art° 255°, al. c), todos do CP., coisa que o douto Tribunal a quo não fez.

l) Já quanto à pena única, considerados os factos, a primodelinquência e a personalidade do arguido, a mesma não deverá exceder os 7 anos e 6 meses de prisão, pois tal é o que resulta de uma correcta interpretação dos art°s. citados e bem assim dos comandos do art° 77° do Código Penal, coisa que o douto Tribunal a quo não fez, sendo certo que a culpa do recorrente, segundo o texto sentencial, não suscita reacção penal de outra monta.

O sr. Procurador-Geral Adjunto na Relação respondeu, sustentando a confirmação do acórdão recorrido.

Neste Supremo Tribunal, a sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte parecer:

Do douto acórdão proferido em recurso no Tribunal da Relação de Lisboa em 27/10/2011 que deu parcialmente provimento ao recurso interposto pelo arguido AA alterando as medidas de duas das penas que haviam sido aplicadas na 1º instância, recorre novamente o arguido agora para o Supremo Tribunal de Justiça.

O acórdão da Relação de Lisboa ao apreciar o recurso interposto do acórdão condenatório do arguido AA que havia sido proferido na 2ª Vara criminal de Lisboa, alterou matéria de facto (a utilização de um cartão telefónico, apenas) sem a especificar na decisão final, desqualificou um dos crimes de falsificação, mantendo a condenação por autoria de um crime de tráfico agravado (artºs 21º, nº 1 e 24º al. c) do dec-lei 15/93) alterando a medida da pena para 8 anos de prisão e por um dos crimes de falsificação que deixou de ser qualificado (artºs 256º nº 1 al. e) e f) e artº 255º al. a) e c) do CP) modificou a pena para 4 meses de prisão; do cúmulo de todas as parcelares resultou a pena única de 9 anos de prisão.

O arguido AA havia sido condenado na 2ª Vara criminal de Lisboa pelo colectivo por autoria de um crime de tráfico de estupefaciente agravado dos artºs 21º, nº 1 e 24º al. c) do dec-lei 15/93 e três crimes de falsificação de documento do artº 256º nº 1 als e) e f) e nº 3 do CP, nas penas de 9 anos, 12 meses, 10 meses e 7 meses de prisão, e em cúmulo na pena de 10 anos de prisão.

1- O arguido/recorrente nas conclusões da sua motivação pretende impugnar a medida das penas parcelares e a pena única, tentando demonstrar que se mostram exageradas, não devendo exceder a pena de 7 anos de prisão no crime de tráfico agravado, por ser mais próximo do limite mínimo, e as duas penas pelo crime de falsificação não devem ser superior a 10 meses e 8 meses; devido à sua personalidade defende que o ser primodeliquente a pena única mais correcta não dever exceder 7 anos e 6 meses. 

I- Questão prévia sobre inadmissibilidade parcial do recurso do arguido.

O recurso interposto pelo arguido/recorrente AA do acórdão da relação que manteve a sua condenação pela autoria dos crimes de tráfico de estupefaciente agravado (artºs 21º nº1 e 24º al. a) do dec-lei 15/93), alterando apenas a medida da pena de prisão fixando-a em 8 anos e manteve dois dos crimes de falsificação de documento (artº 156º nº 1 al. e) e f) e nº 3 do CP) mantendo as penas de prisão de 12 meses e 10 meses, parece-nos não poder ser admissível (artº 432º al. c) e 400º nº 1 al. f) do CPP) e o douto despacho que o incluiu na admissão de todo o recurso no tribunal recorrido não vincula o tribunal superior (artº 414º nº 3).

Independentemente dos fundamentos invocados pelo recorrente quanto às penas de prisão, parece-nos que deverá ser apreciada como questão prévia, a possibilidade ou impossibilidade de o acórdão proferido em recurso pelo tribunal da Relação de Lisboa quanto as esta condenações /medida das penas, ser irrecorrível.

Para o Supremo Tribunal de Justiça não se recorre das decisões finais proferidas em recurso quando, havendo condenação por um ou mais crimes cuja pena aplicada não é superior a 8 anos, pois sendo confirmada a decisão da primeira instância, haverá dupla conforme que “inclui a confirmação in melius”.

Tendo havido duplo grau de jurisdição ao ter sido apreciada a medida da pena aplicada ao arguido quanto aos crimes de falsificação de documento e de tráfico agravado, não é reconhecido um segundo grau de recurso, pois entramos numa terceira jurisdição, sobre a mesma questão.

Havendo confirmação “in melius” da decisão da 1ª instância pelo tribunal da relação ao condenar o recorrente a uma pena parcelar não superior a 8 anos de prisão e mantendo as penas de 12 meses e 10 meses de prisão e considerando-se que não é admissível recurso para o Supremo Tribunal do acórdão da relação quanto às penas aplicadas por este crime, conforme dispõe a al. f) do nº 1 do artº 400º do CPP, não se verifica nenhuma violação dos direitos constitucionais.

Houve duplo grau de jurisdição ao ter sido apreciado e decidido o recurso do arguido/recorrente no tribunal da relação tal como está consagrado nos artºs 20º nº 2 e 215º nºs 2 e 3 da Constituição, e por isso não haverá violação das suas garantias de defesa previstas quer no artº 32º nº 1 da Constituição, quer no artº 2º do Protocolo e 7º da Convenção para Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (Ac. do STJ de 21/5/09, p. 17/07, entre outros), se for rejeitado parcialmente o o recurso interposto pelo arguido.

Os recursos dos acórdãos das relações interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça além de só poderem ter por finalidade o reexame da matéria de direito sobre as decisões recorríveis, também só podem visar decisões que não confirmem acórdãos da 1ª instância e apliquem penas superiores a 5 anos e/ou confirmem ou não penas superiores a 8 anos (arts. 432º, nº 1, b) e c) e 400º, nº 1, al. f) – nesse sentido, entre muitos o ac. do STJ de 19/01/2010, p. 421/07.8PCAMD.L12.S1 e de 13/7/2011, p. 758/09.1SABRG.S1). 

No caso concreto as medidas das penas aplicadas por autoria dos crimes de tráfico agravado e dos três crimes de falsificação de documentos não são superiores a 8 anos – 8 anos, 12 meses, 10 meses e 4 meses de prisão, o arguido/recorrente não pode interpor recurso para o Supremo Tribunal, porque a decisão (acórdão) da Relação de Lisboa é irrecorrível, nos termos da al. f) do nº 1 do artº 400º e 432º nº 1 al. b) do CPP.

Só poderá ser apreciado, por ser recorrível, o recurso quanto à medida da pena única – 9 anos, resultante do cúmulo de todas as quatro penas de prisão.       

Parece-nos pois que será irrecorrível o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que quanto à medida da pena por autoria do crime de tráfico agravado, concedeu parcial provimento ao recurso do arguido, ao fixar em 8 anos de prisão e 4 meses de prisão por um crime de falsificação e mantendo as outras duas penas parcelares (reformatio in melius), devendo por isso ser parcialmente rejeitado o recurso do arguido AA.

II- A medida da pena única fixada parece-nos que não deverá ser alterada  devido apenas aos fundamentos suscitados pelo arguido.

A pena de prisão aplicada ao arguido/recorrente tem como limite máximo 10 anos e 2 meses e limite mínimo de 8 anos de prisão (artº 77º nº 2 do CP).

A fixação da pena do concurso depende da consideração do conjunto dos factos e da personalidade do agente nos termos dos nºs 1 e 2 do artº 77º, pois o critério para a pena unitária dele resultante tem de assumir-se como um critério especial.

A pena única, tem de socorrer-se dos parâmetros da fixação das penas parcelares, podendo funcionar como “guias” na fixação da medida da pena do concurso (As Consequências Jurídicas do Crime, Figueiredo Dias, fls. 420).

A sua fixação, tal como resulta da lei, não se determina com a soma dos crimes cometidos e das penas respectivas, mas da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do arguido, pois tem de ser considerado e ponderado um conjunto dos factos e a sua personalidade “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado” (Figueiredo Dias, cit. pag. 290,292).

Na pena conjunta a aplicar ao arguido/recorrente AA terá de relevar a medida da pena de prisão determinada em concreto para cada um dos crimes de tráfico agravado e de falsificação de documentos.

Todas as circunstâncias, que expressamente foram dadas como provadas e não sendo possível alterar as penas parcelares não nos parece poder levar a que a medida da pena seja fixada próxima dos 7 anos, como o arguido/recorrente defende ou mesmo próximo dos 8 anos que é a moldura penal mínima aplicável.

A única circunstância favorável ao arguido será o de ser primário, em Portugal pelo menos, o que já não terá grande relevo na dosimetria da pena única a encontrar conjugada com os factos e a sua personalidade – a actividade como traficante a identificar-se e a servir-se de diversa identidade através de documentação falsificada.

Quanto à sua personalidade parece-nos que nenhuma circunstância favorável surge e por isso a pena única não poderá ser alterada.

Por isso em função da exigência da prevenção geral que são mais elevadas que as da prevenção especial, parece-nos que a medida da pena a aplicar ao arguido AA, deverá manter-se fixada nos 9 anos de prisão.

Assim e por tudo isto parece-nos que o recurso do arguido AA não deverá obter provimento quanto à medida da pena única aplicada e deverá ser rejeitado por ser irrecorrível o acórdão da Relação, quanto à medida das penas parcelares por autoria do crime de tráfico agravado e dos três crimes de falsificação de documento (artºs 400º nº 1 al. f) e 432º nº 1 al. b) e 420º nº 1 al. b) do CPP).    

 

            Notificado nos termos do art. 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada disse.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

            Importa, antes de mais, delimitar o âmbito do recurso.

O recorrente impugna o acórdão recorrido quanto à medida das penas, quer das parcelares, quer da pena única.

Contudo, face à actual redacção do art. 400º, nº 1, al. f), do CPP, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal quando se esteja perante decisão da Relação confirmativa de condenação proferida na 1ª instância que tenha aplicado penas de prisão não superiores a 8 anos.

No caso dos autos, nenhuma das penas parcelares excede 8 anos de prisão.

Por isso, o presente recurso é admissível somente em relação à pena conjunta (única), que é, essa sim, superior a 8 anos de prisão.

Reduzido assim o âmbito do recurso ao conhecimento da pena única, importa apreciar a matéria de facto apurada, que é a seguinte, na parte pertinente para a decisão do recurso (texto da 1ª instância):

1. Factos provados:

1- O arguido AA utilizou, também, a identificação como BB e CC e é conhecido pelas alcunhas de “Brother”, “Bro”;

2- O arguido AA, em inícios do ano de 2009, fixou-se em Portugal e, em Março de 2009, passou a residir na casa, sita na Rua ...;

3- Para além desta residência, o arguido pernoitava, por vezes na residência da testemunha DD, sita na Rua ..., com quem mantinha uma relação amorosa;

4- Em Maio de 2009, o arguido AA conheceu o arguido EE;

5- Em Novembro de 2009, o arguido FF conheceu o arguido EE e este, por sua vez, apresentou-o ao arguido AA;

6- Por ter ouvido dizer que oEE e o AA se dedicavam ao tráfico de estupefacientes, o arguido FF procurou o AA e disponibilizou-se para realizar um transporte, desde o Brasil até Lisboa, de estupefaciente como forma de obter proventos económicos;

7- Pela realização do transporte, o arguido FF iria auferir a quantia de 400€ por cada 100 gramas de cocaína que conseguisse introduzir, através do organismo, em Portugal;

8- Para a realização da viagem, o arguido FF necessitava de obter o passaporte tendo, para o efeito, recebido 80€ do arguido AA;

9- O arguido FF obteve o passaporte na loja do cidadão dos Restauradores, em Lisboa;

10- Uma vez na posse do passaporte, o arguido FF, por receio, desistiu de realizar a viagem ao Brasil e disso deu conhecimento ao arguido AA;

11- O arguido AA não fala a língua portuguesa sendo o arguido EE, nos contactos com pessoas que não dominavam a língua inglesa, utilizado como intérprete;

12- O arguido AA perante os indivíduos que contratava para consigo colaborarem na actividade de tráfico de estupefacientes identificava-se pelas alcunhas de “Brother”, “Bro”;

13- Para realizarem alguns dos contactos relacionados com a actividade de transporte de estupefaciente os arguidos recorriam ao uso de telemóveis;

14- O arguido AA utilizou, pelo menos, os seguintes cartões telefónicos ..., ..., ..., ..., ..., ..., ...;

15- O arguido EE utilizou os cartões n.º ... e ... e o arguido FF o n.º ...;

16- Através destes telefones os arguidos EE e AA mantinham contactos entre si e com terceiros para tratarem dos assuntos relacionados com a actividade a que se dedicavam;

17- Em dia não apurado de Dezembro de 2009, a pedido do arguido AA, o arguido FF propôs a GG, seu conhecido, o transporte de cocaína do Brasil para Portugal, a qual entregaria ao arguido AA, tendo o arguido GG aceite, por para tanto lhe ser prometida a quantia de 4.000€;

18- Na sequência desta conversa com o arguido FF, GG, em data não apurada, deslocou-se a Lisboa, na companhia daquele, a um dos cafés existentes zona dos Restauradores, onde se encontrou com os arguidos AA e EE;

19- Nesse encontro o arguido AA, com o auxílio do arguido EE, que traduzia a conversa de Inglês para Português, prometeu-lhe a quantia monetária de €4000 (quatro mil euros), para este transportar cocaína no interior do organismo de S. Paulo para Lisboa;

20- Como GG aceitou, nessa altura, o arguido EE, entregou-lhe uma “bolota” que no seu interior continha farinha e a seguir deslocaram-se à casa de banho para verificarem se o GG seria capaz de a engolir, a fim de poder concretizar o transporte da cocaína através de ingestão das bolotas;

21- Por o GG não ter conseguido ingerir a bolota o arguido AA acabou por lhe propor fazer o transporte de cocaína dentro de uma mala, tendo GG aceite proceder ao transporte nessa modalidade;

22- No dia 12 e Dezembro de 2009, GG e o FF encontraram-se com o arguido AA tendo este entregue quantia de 90€ para a obtenção do passaporte;

23- Em seguida o GG, juntamente com o arguido FF, dirigiu-se à loja do Cidadão onde solicitou um passaporte em seu nome, que lhe veio a ser entregue no dia 15 de Dezembro de 2009;

24- No dia 15 de Dezembro de 2009, depois de estar na posse do seu passaporte, GG, juntamente com o arguido AA, deslocou-se a lojas da zona da baixa de Lisboa onde este lhe comprou roupa e a mala de viagem;

25- O arguido EE deslocou-se à Agencia de Viagens El Corte Inglês, onde adquiriu uma passagem aérea, em nome de GG, a fim do mesmo viajar para o Brasil, no dia 16 de Dezembro, com regresso marcado para o dia 24 de Dezembro de 2009;

26- No dia 16/12/2009, cerca das 13h00 GG encontrou-se com o arguido EE, junto da cervejaria “Sol Mar”, sita na Rua Portas de Santo Antão e a seguir deslocaram-se para o Aeroporto de Táxi, onde aguardaram pela chegada do arguido AA, que apareceu naquele local, cerca das 15h00, trazendo consigo o bilhete de avião, previamente adquirido na agencia de viagens do El Corte Inglês pelo arguido EE;

27- Juntamente com o bilhete de avião o arguido AA entregou ao GG a quantia monetária de €300, um papel manuscrito com os números de telefone das pessoas que teria de contactar no Brasil e com a indicação do hotel onde teria de se instalar, bem como um cartão SIM de uma operadora brasileira, onde gravou os números dos telemóveis dos arguidos, com a designação de “João+od” e n.º ..., o contacto do EE, com a designação de “brother” e n.º ..., o contacto do arguido AA e com a designação “Joaoarroja”, o contacto do arguido FF;

28- Enquanto esteve no Brasil GG seguiu os procedimentos e indicações que lhe foram dadas pelo arguido AA, nomeadamente hospedou-se no Hotel Plaza onde aguardou ser contactado;

29- Na noite do dia 30/12/2009, GG recebeu de um indivíduo referido como “Tony” uma mala de computador que continha, dissimulado no seu interior, a cocaína que teria que transportar;

30- Nessa altura recebeu ainda do referido “Tony”, dinheiro para pagar o táxi que o transportou para o aeroporto e este deu-lhe ainda indicações para lhe telefonar quando passasse a alfândega no Brasil e enviasse uma mensagem para o arguido EE a informa-lo que iria embarcar, o que fez, até porque tinha combinado com este arguido que seria este a ir busca-lo à sua chegada ao aeroporto de Lisboa;

31- No dia 1 de Janeiro de 2010, cerca das 07h30 GG chegou ao Aeroporto de Lisboa, no voo número TP 198, procedente de S. Paulo.

32- Uma vez em Lisboa os funcionários dos Serviços de Alfândega, detectaram dissimuladas, no interior de uma mala própria para computador portátil, 2 (duas) embalagens contendo cocaína, com o peso total bruto de 1553,900 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 15,677 gramas e o remanescente o peso líquido de 1487,500 gramas, tendo a tara o peso de 50,600 gramas, as quais lhe foram apreendidas;

33- Por estes factos foi GG detido e acusado no âmbito processo com o Nuipc 1/10.0JELSB;

34- Em data não concretamente apurada mas anterior a Março de 2010, o arguido AA, contando com a colaboração do arguido EE, contratou o arguido HH, para proceder ao transporte de cocaína do Brasil para Lisboa, bem como para proceder ao envio de quantias monetárias para vários destinatários e para vários países, tendo este último aceite exercer tais funções a troco de quantia monetária não apurada;

35- Para o efeito, o arguido HH, depois de se ter encontrado com o arguido AA, na Praça da Figueira, em Lisboa, deslocou-se à loja do cidadão dos Restauradores, onde levantou um passaporte emitido em seu nome;

36- No dia 6 de Maio de 2010, os arguidos AA e HH deslocaram-se para o Aeroporto de Lisboa, onde o arguido HH efectuou o “check-in”, para o voo TP 193 com destino a S. Paulo e regresso no voo TP 198 para o dia 16-05-2010;

37- As Autoridades Brasileiras recusaram a entrada do arguido HH em território Brasileiro, tendo consequentemente o mesmo regressado a Lisboa onde no dia seguinte se encontrou com o arguido AA num estabelecimento comercial denominado “Companhia das Sandes”, sito no Rossio, em Lisboa;

38- O arguido HH informou o arguido AA que as Autoridades Brasileiras lhe recusaram a entrada naquele território, em virtude de não possuir reserva em nenhum hotel;

39- De forma não apurada, o arguido AA entrou na posse do passaporte do arguido HH, e em circunstâncias não concretamente apuradas, colocou uma estampilha/visto oficial da República da Indonésia, com data de 03 de Maio de 2010, por cima do carimbo onde a Polícia Federal Brasileira havia colocado o carimbo de recusa de entrada ao arguido HH, sendo aquela estampilha contrafeita;

40- A seguir e com o passaporte alterado da forma acima descrita o arguido AA, em data não apurada, devolveu-o ao arguido HH para este realizar outra viagem ao Brasil e transportar produto estupefaciente;

41- Foi adquirido um novo bilhete em nome do arguido HH, na agência “Carlson Wagonlit” para o trajecto Lisboa-Madrid-Caracas, com partida no dia 28/05/2010 do Aeroporto de Lisboa pelas 07h00 e com regresso para o dia 16/06/2010;

42- No dia 28 de Maio de 2010, por volta das 05h10, os arguidos AA e HH, chegaram de táxi à zona das partidas internacionais do aeroporto de Lisboa;

43- Depois os arguidos dirigiram-se para a zona do balcão de check- in e depois de o arguido HH fazer o check in, deslocaram-se em direcção à zona de embarque, local onde se separaram tendo o arguido HH entrado e o arguido AA abandonado o aeroporto;

44- Depois de chegar a Caracas o arguido HH utilizando a fronteira terrestre deslocou-se para S. Paulo para receber a cocaína que deveria transportar dissimulada dentro do organismo.

45- Enquanto o arguido HH se encontrava na Venezuela e Brasil, o arguido AA manteve-se sempre em contacto com ele afim de lhe dar instruções acerca do que teria que fazer, nomeadamente como deveria deslocar-se da Venezuela para o Brasil, locais onde deveria ficar hospedado nesses países;

46- No dia 8 de Junho de 2010, o arguido AA informou o arguido HH, que já se encontrava no Brasil, de que iria ser contactado por um “amigo” que lhe ia dar dinheiro para pagar a pensão e para comer, combinado que o tal “amigo” se iria encontrar com ele nas casas de banho da estação de metro de Tatuapé.

47- No dia 10 de Junho de 2010, o arguido BB, informou o arguido HH de que no dia de sábado iria regressar a Lisboa e no dia seguinte informou de que tinha feito uma transferência de dinheiro para si, em nome do arguido II, com o n.º o montante de 150 reais, destinando-se este dinheiro para custear as suas despesas até regressar a Lisboa, devendo ir levantar aquele dinheiro à Agência “Western Union”;

48- No dia 13 de Junho de 2010, o arguido HH, transportando consigo cocaína, dissimulada no interior do organismo, a qual ingerira no Brasil, embarcou no voo TP196, com partida de São Paulo/Brasil e com chegada a Lisboa às 06h55;

49- No dia 13 de Junho de 2010, cerca das 06h40, o arguido AA, acompanhado de um outro indivíduo, chegou ao aeroporto de Lisboa a fim de aguardar a chegada do arguido HH;

50- Após efectuar a recolha da sua bagagem, o arguido HH dirigiu-se para a zona da Alfândega, foi abordado pelos Inspectores da Policia Judiciária e depois de ter ser questionado para esse efeito consentiu ser transportado ao hospital para ser sujeito a exames com vista a ser detectada a presença de produto estupefaciente no interior do organismo;

51- Enquanto o arguido HH esteve sob o controlo dos Inspectores da Policia Judiciária o seu telemóvel tocava insistentemente aparecendo no visor a indicação de «Big Boss Brother»;

52- A seguir o arguido HH foi conduzido ao Hospital de São José, onde foi submetido a exame Radiológico do qual resultou que efectivamente o arguido HH transportava no interior do organismo produto estupefaciente;

53- Nesse Hospital veio o arguido a expelir o total de 63 embalagens contendo cocaína, das quais 62 continham o peso bruto de 858,000 gramas e amostra cofre o peso liquido de 23,469 gramas e a outra o peso bruto de 13,400 e amostra cofre o peso liquido de 11,527 gramas;

54- No dia 8 de Março de 2010, os arguidos AA e HH deslocaram-se à agência da “Unicâmbios”, sita na Praça da Figueira, em Lisboa, e ali realizaram uma transferência monetária para o Brasil, no valor de €1444.10, onde foi remetente o arguido HH e destinatário JJ;

55- Nos dias 24 e 26 de Maio de 2010, o arguido HH, a mando do arguido AA, remeteu, através da Agência CA Crédito Agrícola, as quantias monetária de €876,82, €2085,16 e €177,50, para outros indivíduos que se encontravam, respectivamente na Nigéria, Irlanda e Peru;

56- E em data não concretamente apurada LL chegou a Portugal onde se encontrou com o arguido AA que, no dia 7 de Junho de 2010, adquiriu um bilhete em nome de LL, para o trajecto Lisboa – Brasília – Lisboa, com data de partida a 09/06/2010 e data de regresso a 19/06/2010;

57- No 7 de Junho de 2010, o arguido AA e LL deslocaram-se à Agência de Câmbios, “Unicâmbio”, sita na Praça da Figueira, em Lisboa, tendo LL facultado os seus documentos pessoais ao arguido AA que com os mesmos enviou a quantia monetária de €83,50 para um outro individuo que se encontrava na Argentina, com a identidade de MM;

58- O arguido AA solicitou ao arguido EE que acompanhasse LL ao aeroporto;

59- No dia 09/06/2010, cerca das 22h15, o arguido EE, acompanhado do LL, chegou ao aeroporto de Lisboa, onde LL efectuou o “check-in” para o voo TP 173, com partida às 23h50 e com destino a Brasília (Brasil);

60- Seguidamente, pelas 22h30, ambos os arguidos dirigiram-se à agência “Cotacâmbios”, sita na zona das partidas do aeroporto, tendo LL, a mando do arguido AA, remetido a quantia monetária de €85,50 para MM;

61- No dia 12 de Setembro do 2010, cerca das 08h10, LL, chegou ao aeroporto de Lisboa, no voo TP170 proveniente de Brasília, transportando consigo duas malas de porão com as etiquetas nºs TP 47279570 e TP 4729569;

62- Veio a ser encontrado na sua posse, dissimulado no forro de 7 outras malas de senhora que transportava no interior da mala que ostentava a etiqueta TP 47279570, 14 (catorze) embalagens contendo cocaína (cloridrato) tendo a amostra cofre o peso liquido de 293,613 gramas enquanto que o remanescente e a tara pesavam, respectivamente, 2128,900 e 277,900 gramas;

63- Em data não concretamente apurada mas anterior a Junho de 2010, a pedido do arguido AA, o arguido EE propôs ao arguido NN, seu conhecido, para transportar cocaína do Brasil para Portugal, a qual entregaria ao arguido AA;

64- Depois de o arguido NN ter aceite realizar o transporte de estupefaciente, o arguidoEE, em data não apurada, apresentou-o ao arguido AA, tendo este ido com este à Loja do Cidadão, sita nos Restauradores tratar do obter o passaporte;

65- E cerca de uma semana antes de viajar para o Brasil o arguido NN voltou a encontrar-se com os arguidos AA e EE, tendo nesse encontro acertado os pormenores da viagem e adquirido um fato para usar na viagem;

66- Nesse mesmo dia, os arguidos EE e NN deslocaram-se ao aeroporto de Lisboa tendo aquele viajado voo com destino a S. Paulo e com data de regresso a Lisboa no dia 8 de Julho;

67- Durante o período de tempo que o arguido NN esteve no Brasil recebeu a quantia monetária de 143,50€, que o arguida OO lhe remetera a mando do arguido AA, no dia 5 de Julho de 2010, através da Agência da CA Credito Agrícola, em Lisboa;

68- Antes de regressar a Lisboa, o arguido NN recebeu de um indivíduo, 10 bolotas contendo cocaína para que as ingerisse e as transportasse para Lisboa a fim de serem entregues ao arguido AA;

69- No dia 9 de Julho de 2010, data de regresso, o arguido AA, por contacto telefónico, deu ordens ao arguido EE, para se deslocar ao aeroporto de Lisboa a fim de aguardar a chegada do arguido NN e posteriormente encontrarem-se consigo;

70- Quando o arguido NN desembarcou, cerca das 12h30, no aeroporto de Lisboa, deslocou-se para a zona das chegadas do aeroporto, local onde se encontrou com o arguido EE que ali o aguardava;

71- Nessa altura, os Inspectores da Polícia Judiciária que os vigiavam procederam à sua abordagem;

72- Depois de os arguidos NN e EE se encontrarem sob controlo policial, o arguido AA efectuou telefonemas para o arguido EE;

73- Como o arguido EE não atendia o telefone o arguido AA contactou com o arguido NN, tendo este atendido o telefone sob controlo e indicações dadas pelos Inspectores da Polícia Judiciária;

74- No decurso da conversa que mantiveram, o arguido NN disse ao arguido AA, que não tinha visto o arguido EE e que, por essa razão, tinha decidido ir embora;

75- O arguido AA disse-lhe então para ir ter consigo à casa da Bifanas, na Praça da Figueira;

76- Com receio de que o arguido NN estivesse a ser controlado pelas autoridades policiais, o arguido AA contactou com o arguido II, a quem deu a indicação para se deslocar ao estabelecimento comercial denominado “Casa das Bifanas”, sita na Praça da Figueira e averiguar se o arguido NN, de quem forneceu a descrição física, ali se encontrava e se o mesmo estava a ser controlado pelas autoridades policiais;

77- Os arguidos II e a OO, deslocaram-se ao local indicado pelo arguido AA e a seguir informaram-no que o arguido NN não se encontrava naquele local;

78- Nessa altura o arguido AA forneceu ao arguido II o numero de telefone do arguido NN, pedindo-lhe para marcar encontro com aquele e se fossem encontrar na esplanada da Casa das Bifanas, o que o arguido II fez;

79- O arguido NN encontrou-se no local combinado com o arguido II e logo a seguir comunicou ao arguido AA;

80- Apesar de os arguidos terem permanecido cerca de 40 minutos naquele local o arguido AA, com receio, nunca ali se deslocou;

81- Entretanto o arguido NN foi transportado ao Hospital de São José, em Lisboa, onde, com o seu consentimento, foi sujeito a exames radiológico tendo ali ficado internado por se ter apurado que transportava cocaína no interior do organismo.

82- O arguido NN veio a expulsar 10 (dez) invólucros, tipo bolotas contendo cocaína, dos quais 8 (oito) dos invólucros continham o peso bruto de 90,100 gramas e o peso líquido de 78,800 gramas e os outros 2 (dois) invólucros continham o peso bruto de 22,335 gramas e o peso líquido de 19,455 gramas;

83- Ainda no dia 9 de Julho, cerca das 16h40, por contacto telefónico, o arguido AA solicitou ao arguido II que mandasse a arguida OO ter consigo ao Mc Donald´s do Rossio, a fim entregar àquela dinheiro;

84- A arguida OO deslocou-se ao Mc Donald´s.

85- Nessa altura os Inspectores da Policia Judiciária também se dirigiram para o arguido e este ao aperceber-se da presença policial de imediato tentou encetar a fuga, tendo sido interceptado logo a seguir pelos Inspectores da Policia Judiciária;

86- O arguido tinha na sua posse a quantia de 6260,00€ em notas;

87- No dia 9 de Julho de 2010, o arguido AA tinha na sua posse, na residência sita na Rua ..., 1 (um) passaporte nigeriano, com o nº ..., emitido em nome de um indivíduo com o nome BB, contendo aposta uma fotografia de um indivíduo que não corresponde ao arguido; 1 (um) cartão Viva Lisboa, emitido em nome de BB, contendo aposta a fotografia do arguido AA; 1 (um) saco de plástico transparente, contendo no seu interior Ácido Acetilsalicilico/Paracetamol, com o peso de 110.300gramas; 1 (um) saco de plástico transparente, contendo no seu interior Ácido Acetilsalicilico/Paracetamol, com o peso bruto de 503,100 gramas;1 (um) saco de plástico transparente, contendo no seu interior Ácido Fenacetina,com o peso de 259,50gramas;1 (um) saco de plástico transparente, contendo no seu interior Ácido Fenacetina, com o peso de 98,822gramas;

88- Mais foi encontrado na sua posse a quantia monetária de 1.310,00€;

89- Um visto emitido pela República da Indonésia em nome de J...V..., contrafeito;

90- Mais tinha na sua posse cocaína, com o peso o bruto de 48,172 gramas e com o peso liquido de 46,022 gramas, cocaína, com o peso o bruto de 27,397 gramas e com o peso líquido de 26,574 gramas, cocaína, com o peso o bruto de 1,010 gramas e com o peso liquido de 0,764 gramas, cocaína, com o peso o bruto de 1,010 gramas e com o peso líquido de 0,764 gramas, cocaína, com o peso o bruto de 0,752 gramas e com o peso líquido de 0,531 gramas, 1 (um) pedaço de haxixe, com o peso bruto de 1,230 gramas e com o peso líquido de 1,017 gramas;

91- No dia 25 de Julho de 2010, foi encontrado na residência, sita na Rua ..., cocaína, com o peso bruto de 6,380 gramas e com o peso líquido de 2,264 gramas, um outro saco continha cocaína, com o peso bruto de 27,118 gramas e com o peso líquido de 25,875 gramas, e quatro bolotas continham cocaína, com o peso bruto de 49,035 gramas e com o peso líquido 41,487 gramas, heroína, com o peso bruto de 22,249 gramas e com o peso líquido 21, 006 gramas;

92- Na casa sita na Rua ..., o arguido AA tinha na sua posse um passaporte da Nigéria com o nº ..., emitido em nome de CC, contendo a fotografia do arguido AA;

93- A quantia monetária de 4000,00€ encontrada na casa sita na Rua .... era propriedade de DD, namorada do arguido AA;

94- O arguido AA mais tinha na sua posse uma pasta contendo 14 folhas referentes a certificado de tradução, atestado de identidade emitido pela embaixada da Nigéria em Portugal com a identidade de CC e fotografias do arguido, um cartão emitido pela embaixada da Nigéria em Portugal com a identidade de CC e com a fotografia do arguido AA;

95- No período compreendido entre Março de 2009 a Dezembro de 2009 o arguido AA, incumbiu o arguido EE, que procedesse a várias transferências de quantias monetárias para o estrangeiro, as quais eram enviadas por este arguido, através de Agências de Câmbios, o que no seu global ascendeu pelo menos ao montante global de 45.967,49 €; 

96- Estas quantias destinavam-se a ser recebidas por outros indivíduos que colaboravam com o arguido AA;

97- O arguido EE, realizou uma viagem ao Brasil, onde esteve durante os dias 25 de Março a 5 de Abril de 2009;

98- No período compreendido entre Março de 2010 e até à data da sua detenção o arguido AA incumbiu os arguidos HH, OO e II e ainda as testemunhas DD, LL e PP, e outros indivíduos, que procedessem a várias transferências de quantias monetárias para o estrangeiro, as quais lhes entregava e que estes arguidos e indivíduos, através de Agências de Câmbio, o que no seu global ascendeu pelo menos ao montante global de 71.364,39 €;

99- Estas quantias destinavam-se a ser recebidas por outros indivíduos que colaboravam com o arguido AA;

100- No dia 13 de Maio de 2010, cerca das 19h00, QQ (arguido no NUIPC 2/10.9PEBRR) encontrou-se, no entroncamento da Av. José Gomes Ferreira com a Rua Dr. Rodrigues Lapa, na Baixa da Banheira, com o arguido AA Okudo;

101- Em seguida deslocaram-se para a residência do QQ sita na Rua ...;

102- Volvidos cerca de 3 minutos, voltaram a sair da habitação, entraram no veículo de matrícula ...-LM e tomaram a direcção do terminal de barcos do Barreiro;

103- Cerca das 19h30, desde mesmo dia o arguido AA tinha na sua posse a quantia de 4.644,00€, na maioria faseada em notas de 20,00€;

104- Nesse mesmo local o QQ tinha na sua posse um saco contendo heroína, com o peso líquido de 24,694 gramas;

105- Na residência do QQ, sita na Rua ... foram apreendidas 18 bolotas contendo 261,787 gramas de cocaína, um saco contendo 1,790 gramas de cocaína, um saco contendo 96,785 gramas de heroína, 2 sacos contendo heroína em pedra, com o peso líquido de 192,608 gramas; 3 doses com o peso líquido de 0,669 gramas de cocaína, 16 doses de cocaína com o peso líquido de 0,878 gramas, 23 doses de cocaína com o peso líquido de 1,337 gramas e 22 doses de heroína, com o peso líquido de 2,861 gramas;

106- O arguido AA entrou na posse dos passaportes em nome de CC e BB em circunstâncias não concretamente apuradas, sendo que no primeiro se encontrava aposta a sua fotografia, decidindo o arguido que usaria estes passaportes para se identificar perante as autoridades, instituições e entidades Portuguesas, quer no caso de vir a ser fiscalizado, quer para solicitar vários documentos com aquelas identidades e usá-los, como sucedeu, nomeadamente com o cartão Lisboa Viva em nome de BB que o arguido tinha na sua posse e para realizar diversas transferência monetárias para o estrangeiro;

107- O impresso do passaporte com a identidade de CC é autêntico, mas a face da sua folha biográfica é contrafeita;

108- O impresso do passaporte com a identidade de AA é autêntico, mas a tarjeta de visto aposta na página 7 é contrafeita, bem como a impressão do carimbo aposta na tarjeta de visto;

109- O visto encontrado, um na residência do arguido AA e o outro colocado no passaporte do arguido HH, supostamente emitidos pela Republica da Indonésia em nome de J...V... e HH, são contrafeitos;

110- O arguido AA detinha e usava os supra referidos passaportes e vistos da República da Indonésia, para ludibriar as autoridades, instituições e entidades onde fosse necessário fornecer a sua identificação, para os fazer crer que a sua identidade era a que constava dos referidos passaportes, e para levar as autoridades Alfandegárias a crer sobre passagens de alguns dos indivíduos que lhe faziam serviço de “correios” pela República da Indonésia, ou para esconder outros carimbos dos passaportes desses indivíduos que não lhe interessava que fossem vistos por essas autoridades alfandegárias;

111- O arguido AA actuou em comunhão de esforços e união de vontades com indivíduos não identificados com vista à introdução em Portugal e posterior comercialização de cocaína e heroína;

112- Para tanto actuavam nos termos descritos, de forma conjugada e concertada entre todos;

113- O arguido EE aceitou colaborar com o arguido AA e actuou sempre, nos moldes descritos, em comunhão de esforços e união de vontades destinados à prática do crime de tráfico de estupefacientes com a finalidade comum de obter proventos económicos;

114- A cocaína transportada por GG e pelos arguidos HH e NN tinha sido obtida, na sequência do previamente acordado entre o arguido AA, tendo sido confiada àqueles arguidos para a transportarem para Portugal;

115- A cocaína, heroína e haxixe apreendida na residência do arguido AA destinava-se a ser comercializada a terceiros a troco de contrapartida monetária;

116- As substâncias redrate, acetilsalicílico, paracetamol, fenancetina e amoníaco apreendidas na residência do arguido AA destinavam-se a ser por este usadas na preparação e mistura da cocaína e heroína de forma a aumentar a quantidade daquelas substâncias e consequentemente aumentar o lucro;

117- A balança, faca e espátula, fitas adesivas eram usadas na preparação e embalamento da cocaína e heroína;

118- Os arguidos HH eEE tinham conhecimento de que transportavam consigo cocaína, assim como da natureza estupefaciente dessa substância e mesmo assim, com o único intuito de auferirem proventos pecuniários, quiseram fazê-lo e concretizaram os seus intentos;

119- Em Portugal, o arguido AA, depois de receber a cocaína dos arguidos, destinava-a à cedência a terceiros;

120- As importâncias em dinheiro apreendidas ao arguido AA foram por este obtidas na sequência de transacções de estupefacientes;

121- Os arguidos AA,EE, HH e NN conheciam a natureza dos produtos estupefacientes que detinham, transportavam ou comercializavam;

122- Os arguidos AA,EE, HH e NN actuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

123- O arguido AA é natural da Nigéria e só reside em Portugal para receber e comercializar os produtos estupefacientes que outros por si transportavam e proceder à sua comercialização;

124- O arguido não possui familiares em Portugal;

            (…)

126- O arguido AA é natural da Nigéria, frequentou o ensino secundário, no seu país de origem, e abandonou os estudos aos 16 anos de idade para trabalhar na agricultura e ajudar o agregado familiar;

127- Aos 27 anos emigrou para o Senegal e aos 33 anos emigrou para Espanha acabando por vir para Portugal onde permaneceu um ano e meio até ser preso;

128- À data dos factos o arguido vivia com a sua companheira e não possui familiares em Portugal, nem exercia nenhuma actividade laboral conhecida;

                (…)

                165- O arguido AA Okudo não tem antecedentes criminais em Portugal;

                (…)

2. Factos não provados:

1- Pelo menos em inícios do ano de 2009, o arguido AA contratou o arguido FF que consigo aceitou colaborar para o ajudar na actividade de contratação dos “correios”, servindo de intérprete, bem como colaborar nas restantes tarefas relacionadas com a actividade de tráfico de estupefacientes.

2- O arguido FF veio a contratar, entre outros indivíduos, o LL e os arguidos HH, NN, II e OO, para transportarem estupefacientes e/ou para fazerem transferências internacionais de quantias monetárias para os indivíduos que o arguido AA lhe indicava;

3- Estes últimos arguidos movidos pelo lucro fácil, aceitaram colaborar com o arguido FF para procederem ao transporte de cocaína desde o Brasil até Portugal e realizarem transferência monetárias, recebendo para o efeito daqueles arguidos todas as instruções para executarem tal tarefa;

4- Os arguidos AA e EE contrataram os arguidos II e OO bem como a testemunha LL para transportarem estupefacientes;

5- Estes arguidos aceitaram realizar o transporte a troco de dinheiro; 

6- O arguido AA era um dos membros de uma organização destinada a introduzir produto estupefaciente na Europa sendo que os restantes membros dessa organização residiam em vários países, nomeadamente em Espanha, Brasil, Nigéria, Venezuela, e Bulgária, Roménia, Suécia, Holanda;

7- Pelo menos desde o início do ano de 2010 até 12 de Maio de 2010, a cocaína que o QQ adquiria para venda era maioritariamente fornecida pelo arguido AA ;

8- Após receber o produto estupefaciente do arguido AA o QQ armazenava-o em três casas sitas na Rua ..., na ... e Rua ...;

9- Em data não concretamente apurada mas anterior a Junho de 2010, indivíduos que faziam parte do mesmo grupo que o arguido AA vieram a contratar LL para proceder ao transporte de produtos estupefacientes do Brasil para a Europa.

10- Uma vez em Lisboa sob orientações do arguido AA o LL iria realizar o resto da viagem para transportar produto estupefaciente.

11- Apesar de o arguido AA ter sido detido e preso preventivamente, LL continuou a realizar viagens ao Brasil para transportar produto estupefaciente;

12- No dia 28 de Junho de 2010, o arguido EE, o arguido NN voltou a encontrar-se com os arguidos AA e EE, tendo recebido do primeiro arguido a quantia de 400€ para custear as suas despesas e a seguir juntamente com o arguido EE deslocou-se para o aeroporto de Lisboa;

13- O arguido NN aceitou realizar o transporte da cocaína por lhe ter sido prometida a quantia de 4.000€;

14-O arguido EE esteve no Brasil durante os dias 25 de Março a 5 de Abril de 2009, para tratar de assuntos relacionados com actividade de transporte de estupefacientes;

15- A organização da qual o arguido AA faz parte continuou após a detenção deste a dedicar-se ao transporte e comercialização de cocaína;

16- O produto estupefaciente transportado por LL, no dia 12 de Setembro de 2010, era destinado à mesma organização da qual o arguido AA fazia parte;

17- A quantia de 4.100,00€ apreendida na residência Rua ..., pertencia ao arguido AA e era proveniente da venda de produto estupefaciente;

18- O arguido FF, aceitou colaborar com o arguido AA e actuou sempre, em comunhão de esforços e união de vontades destinados à prática do crime de tráfico de estupefacientes com a finalidade comum de obter grandes proventos económicos;

19- Os arguidos II e OO aceitaram colaborar com o arguido AA nas várias transferências monetárias e outras actividades relacionadas com o recebimento e localização dos “correios” em Portugal, a troco de contrapartidas monetárias, bem sabendo que colaboravam com este arguido para que a sua actividade de transporte e venda de cocaína fosse bem sucedida e a actuação do mesmo não viesse a ser detectada pelas autoridades.

20- Os arguidos FF, II e OO conheciam a natureza dos produtos estupefacientes que comercializavam;

21- Os arguidos FF, II e OO actuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;

22- O MM era um colaborador do arguido AA.

                Como se referiu, a Relação modificou a matéria de facto, nos seguintes termos:

- alterou a redação do nº 14 dos factos provados, que passou a ser: “O arguido AA utilizou, pelo menos, os seguintes cartões telefónicos ..., ..., ..., ..., ... e ...”;

- considerou não provado que o arguido tivesse utilizado o cartão telefónico com o nº ...;

- e considerou provados os nºs 7 e 8 dos factos não provados.

Conhecida a matéria de facto, importa apreciar a matéria do recurso, que está circunscrita, pelas razões acima referidas, à apreciação da pena conjunta.

Importa lembrar as regras legais de determinação da pena conjunta.

Nos termos do art. 77º, nº 1, do CP, a pena do concurso atenderá a uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto e não como mero somatório de factos desligados, e da personalidade do agente. Nessa apreciação indagar-se-á se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de carácter fortuito, não imputável a essa personalidade, sendo naturalmente circunstância agravante a identificação de uma tendência do agente para a prática reiterada de crimes.

De ter em conta ainda que a moldura da pena do concurso tem como limite mínimo a pena parcelar mais grave e como máximo a soma das diversas penas parcelares (nº 2 do mesmo artigo).

No caso dos autos, a moldura da pena conjunta varia entre o mínimo de 8 anos e o máximo de 10 anos e 2 meses de prisão.

Note-se, antes de mais, que o recorrente funda a sua pretensão de redução da pena conjunta fundamentalmente na redução das penas parcelares. Ora, sendo tais penas insuscetíveis de alteração, pelas razões apontadas, a pretensão do recorrente mostra-se naturalmente inconsistente.

A seu favor o arguido invoca a primodelinquência e a sua personalidade. Mas não se retira daí qualquer atenuação. Na verdade, o arguido permaneceu em Portugal um escasso período de ano e meio antes de ser preso, durante o qual se dedicou exclusivamente, e intensamente, ao tráfico de estupefacientes, nomeadamente organizando e financiando a importação de cocaína da América do Sul, por meio de “correios” por ele contratados.

Por outro lado, os crimes de falsificação por que foi condenado estão instrumentalmente conexionados com o tráfico ilícito de estupefacientes.

O conjunto dos factos revela uma personalidade desviante, indiferente aos comandos da lei penal, inteiramente direcionada para a prática reiterada de uma atividade ilícita, e com intenção puramente lucrativa: o tráfico de estupefacientes. Na verdade, a dedicação exclusiva a essa atividade, a intensidade com que o fez, o grau de “profissionalismo” com que atuou, tudo isso confirma que a prática criminosa não foi ocasional ou fortuita, antes determinada e calculada, traduzindo uma tendência deliberada para o crime.

Nestas circunstâncias, a pena de 9 anos de prisão mostra-se completamente ajustada, pelo que o recurso deverá improceder.

III. DECISÃO

Com base no exposto, nega-se provimento ao recurso.

Vai o recorrente condenado em 5 (cinco) UC de taxa de justiça.

                                   Lisboa, 15 de fevereiro de 2012

Maia Costa (relator) **
Pires da Graça
(Acórdão e sumário redigidos de acordo com o novo Acordo Ortográfico)

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[1] Foram ainda condenados, em penas diversas, os arguidos EE, Augusto Júlio Carpinteiro dos Santos Costa e Carlos Alberto da Costa Figueiredo.
[2] Recorreu ainda o arguido João Carlos Fraco Dinis, a cujo recurso foi negado provimento.