Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
249/11.0PECBR.C1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: ACORDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
VÍCIOS DO ART. 410º Nº 2 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
IN DUBIO PRO REO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
REFORMATIO IN PEJUS
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
TENTATIVA
CRIME DE MERA ACTIVIDADE
CRIME DE RESULTADO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
CRIMES DE PERIGO
AUTORIA
CO-AUTORIA
ACTOS DE EXECUÇÃO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE CRIMES IMPRÓPRIO OU IMPURO
ILÍCITO DOMINANTE
ILÍCITO DOMINADO
APROVEITAMENTO DO RECURSO AOS NÃO RECORRENTES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
NOTIFICAÇÃO
ARGUIDO
Data do Acordão: 11/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS.
Doutrina:
- Conceição Valdágua, Início da tentativa do co-autor, Lisboa: Ed. Danúbio, 1986, pp. 216-7.
- Eduardo Correia, A teoria do concurso em direito criminal, Coimbra: Almedina, 1983, p. 153 e ss.; Direito Criminal, vol. II, Coimbra: Almedina, 1993 (reimpressão), p. 207 e ss..
- Figueiredo Dias, “Crime Preterintencional, causalidade adequada e questão-de-facto”, RDES, ano XVII (1970), p. 34 (separata); Direito Penal Português (As consequências jurídicas do crime), Lisboa: Ed. Notícias/Aequitas, 1993, 28/ § 67; 31/ § 87, 42/ § 9, 43/ §§ § 28, 34 e 36, § 268 e ss.; Direito Penal- Parte Geral, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, 11/ § 56; Direito Processual Penal, lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, p. 149 (nm. 235).
- Jescheck/Weigend, Tratado de Derecho Penal — Parte General, Granada: Comares, 2002, p. 563.
- Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 40.
- Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II, anotação ao art. 358.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 402.º, N.º 2, AL. A) E N.º 3, 403.º, N,º 3, 410.º, N.º 2, 424.º, N.º 3, 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 22.º, 23.º, 26.º, 40.º, 50.º, 53.º, 54.º, N.º3, 70.º, 71.º, N.ºS 1 E 2, 73.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 31.10.2007, PROCESSO N.º 07P3271, SUMÁRIO EM
HTTP://WWW.DGSI.PT/JSTJ.NSF/954F0CE6AD9DD8B980256B5F003FA814/9C6FD4D2D3809B25802573DA0055C3C8?OPENDOCUMENT ;
-DE 22-01-2013, PROC. N.º 184/11.2GCMTJ.L1.S1 - 3.ª SECÇÃO;
-DE 06-02-2013, PROC. N.º 593/09.7TBBGC.P1.S1 - 3.ª SECÇÃO;
-DE 29-05-2013, PROC. N.º 344/11.6JALRA.E1.S1 - 3.ª SECÇÃO.
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ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 4/95, DE 7 DE JUNHO (DR, I SÉRIE-A, DE 06.07.1995, P. 4298).
Sumário :

I - O STJ, como tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito, tal como dispõe o art. 434.º do CPP. Poderá também conhecer oficiosamente dos vícios constantes do art. 410.º do CPP, quando estes vícios se possam retirar do próprio texto da decisão recorrida.
II - Constituindo o princípio in dubio pro reo um princípio em matéria de prova, todavia a análise da sua violação (ou não) constitui matéria de direito, ou questão de direito enquanto juízo de valor ou ato de avaliação da violação (ou não) daquele princípio, portanto no âmbito de competência do STJ.
III - O STJ pode analisar, e eventualmente alterar, a qualificação jurídica dada aos factos provados, mesmo que não a questão não tenha sido suscitada pelo recorrente, mas sempre com respeito pelo princípio da reformatio in pejus.
IV - Na dicotomia entre crime de mera atividade e crime de resultado, isto é, entre os casos em que a conduta é logo punida independentemente da verificação (ou não) de um resultado, e os casos em que só é punida a conduta que produza um resultado espaço-temporalmente distinto da ação. Podemos concluir que, tendo em conta a abrangência de condutas típicas do crime de tráfico de estupefacientes, haverá casos em que se pode entender que existe um resultado distinto da simples conduta – como no ato de cultivar a planta, em que da conduta, cultivar, surge um resultado, a planta, distinto quer no tempo, quer no espaço, daquela – e outros em que o tipo pune a conduta independentemente da verificação do resultado e, por isto, se tem entendido que se trata de um crime de mera atividade.
V -Quanto ao bem jurídico, e considerando que o crime protege primariamente o bem jurídico da saúde pública (e em segundo plano protege diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores), tem sido este classificado como um crime de perigo abstrato, considerando-se que daquelas atividades descritas no tipo há já um perigo de lesão daquele bem jurídico.
VI - Sendo um crime de perigo abstrato e um crime de mera atividade surgem todos os problemas relativos à admissibilidade (ou não) da tentativa neste tipo de crimes.
VII - A autoria pode assumir diversas formas, tal como estabelece o nosso art. 26.º do CP, e uma delas é a co-autoria – para tanto é necessário que exista uma decisão conjunta e uma execução conjunta entre todos os comparticipantes.
VIII - Foi entendido que todos os arguidos teriam atuado em co-autoria após uma decisão conjunta e uma execução conjunta. Todavia, os arguidos reclusos, ainda que tivessem orientado os atos que era necessário realizar fora do EP para que a droga chegasse até eles, ainda que tenham orientado a realização de tais atos, nomeadamente convencendo as suas companheiras a obterem e transportarem a droga até ao EP, o certo é que nada mais fizeram. Isto é, não venderam qualquer produto estupefaciente no interior do EP, dado que este nem sequer chegou até eles, pelo que parece terem praticado apenas uma tentativa deste crime.
IX- Quanto à admissibilidade da punição do co-autor na tentativa, e segue-se o entendimento de que a partir do momento em que um co-autor pratica, de acordo com a decisão conjunta, o primeiro ato de execução, devem todos os outros co-autores ser punidos por tentativa, mesmo que ainda não tenham levado a cabo qualquer ato de execução.
X – Relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes na modalidade de venda daqueles no EP apenas ocorreu uma tentativa; pelo contrário, aqueles que detiveram e transportaram o produto estupefaciente consumaram o crime.
XI- Ocorrendo um caso de concurso de crimes impróprio, impuro ou aparente não justifica a punição por ambos os crimes, mas apenas pelo ilícito dominante, levando para a determinação da medida da pena o ilícito dominado, dado que a conduta globalmente analisada é portadora de uma pluralidade de sentidos de ilícitos autónomos: um ilícito subjacente ao tráfico de estupefacientes e outro ilícito derivado da tentativa agravada pelo facto de aquele tráfico ocorrer dentro do EP, havendo uma conexão quase total entre ambos os ilícitos a determinar que se analise o comportamento a partir do sentido de desvalor jurídico-social dominante.
XII – Havendo um concurso entre circunstâncias modificativas atenuantes e agravantes segue-se o modelo de funcionamento sucessivo começando por funcionar as agravantes e depois as atenuantes.
XIII - Assim, relativamente aos arguidos AM, JF, MR e MG,porque cometeram em concurso de crimes impróprio ou impuro os crimes de tráfico de estupefacientes agravado na forma tentada, e o crime de tráfico de estupefacientes consumado, deverão ser punidos pelo ilícito dominante, levando em consideração na pena concreta o ilícito dominado; porém, a moldura do ilícito dominante é de pena de prisão de 1 a 10 anos, enquanto que a moldura do ilícito dominado é de 4 a 12 anos de prisão. Assim, tendo em conta a distonia entre a moldura aplicada ao ilícito dominante e ao ilícito dominado, e porque se tivessem praticado apenas o tráfico de estupefacientes por detenção de droga «o ilícito dominado seria mais severamente punível do que aquele que, para além do ilícito dominado, realizou também o dominante», então «resta trazer para este contexto a cisão teorética entre norma de comportamento e norma de sanção», pelo que «o ilícito socialmente dominante continua a oferecer o sentido do facto global», mas em termos de sanção, a pena deverá ser determinada em função da moldura abstrata do ilícito dominado, ou seja, a de pena de prisão entre 4 e 12 anos.
XIV – Deve-se, nos termos do art. 402.º, n.ºs 2, al. a), e 3, e art. 403.º, n.º 3, todos do CPP, retirar-se as devidas consequências para os outros dois co-arguidos que também tinham participado no acordo, que foram condenados pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


I

Relatório


1. Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, mediante acórdão proferido pela 2.ª Secção da Vara de Competência Mista de Coimbra foi, entre outros, condenado o arguido AA, pela prática, como co-autor, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro (com referencia à tabela I-C, anexa ao diploma), na pena de prisão de 9 (nove) anos.

2. Inconformados vários arguidos, e entre eles o arguido AA, interpuseram recurso  para o Tribunal da Relação de Coimbra que, em acórdão de 10 de dezembro de 2013, decidiu: “pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos (...) AA (...) e, consequentemente, confirmar o acórdão recorrido”.

Assim, relativamente a todos os co-arguidos nestes autos foi decidido:

« a) Condenar a arguida BB, como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelos art's 210, n°1, 24° h) do DL 15/93, de 22.1 (com referência à tabela I-C, anexa àquele diploma) na pena de 5 anos de prisão.

b) Determinar a suspensão de execução da pena aplicada em a) pelo período de 5 anos, suspensão condicionada a regime de prova e, bem assim, aos deveres de a arguida se submeter a um plano individual de readaptação social a elaborar pela DGRS o qual será depois homologado pelo Tribunal, e de responder às convocatórias pelo técnico de reinserção social, disponibilizando-lhe as informações necessárias, designadamente alterações de residência (arts. 52º e 54º Código Penal).

c) Condenar o arguido CC, como co-autor de uni crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelos artºs 21°, n°1, 24° h) do DL 15193, de 22.1 (com referência à tabela I-C, anexa àquele diploma) na pena de 8 anos de prisão.

d) Condenar o arguido DD, como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelos artºs 21°, n'1, 24° h) do DL 15/93, de 22.1 (com referência à tabela I-C, anexa àquele diploma) na pena de 7 anos e 6 meses de prisão.

e) Condenar a arguida EE, corno co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes. p.p. pelos arts. 21º, n.º 1, 24º h) do DL. 15/93, de 22.1 (com referência à tabela I-C, anexa àquele diploma) na pena de 7 anos e 6 meses de prisão.

f) Condenar o arguido FF, como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelos arts. 21º, n.º1, 24º h) do DL 15/93, de 22.1 (com referência à tabela I-C, anexa àquele diploma) na pena de 9 anos de prisão.

g) Condenar o arguido AA, como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelos arts. 21º, n.º 1, 24º h) do DL 15/93, de 22.1 (com referência à tabela I-C, anexa àquele diploma) na pena de 9 anos de prisão.

h) Condenar a arguida GG, como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelos arts. 21º, n.º 1, 24º h) do DL 15/93, de 22.1 (com referência à tabela anexa àquele diploma) na pena de 6 anos de prisão.

i) Declarar perdida a favor do Estado a droga apreendida, nos termos do art. 35°, n.° 2 do mesmo diploma legal e a quantia monetária apreendida ao arguido CC, nos termos do art° 109° do Código Penal.»

3. Deste acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra interpõe agora o arguido AA recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no arts. 432.º, do Código de Processo Penal (CPP), apresentando as seguintes conclusões:

«1. O recorrente foi condenado na pena de 9 anos de prisão efectiva, como co-autor de um crime de estupefaciente.

2. O Recorrente entende que os factos dados como provados não [foram[1]] devidamente valorados, porque da prova produzida em sede de julgamento e de toda a prova documental junta aos autos (toda conjugada entre si) impõem, necessariamente, que esses factos fossem dados como não provados e, consequentemente, impunham uma decisão diversa da proferida pelo douto Tribunal de 1.ª Instância e da Relação de Coimbra, quanto ao ora Recorrente e sua companheira GG.

3. O Tribunal de recurso e de 1.ª Instância deveria ter proferido decisão que absolvesse o ora Recorrente de todos os factos de que vinha acusado, por total, ausência, ou insuficiência de prova.

4. No Acórdão de que ora se recorre existe uma confusão generalizada e absoluta quanto aos factos dados como provados.

5. Existem factos que foram dados como provados pelo Tribunal de 1.ª Instância estão em contradição com outros factos dados como provados por aquele Tribunal, tudo nos termos do art. 4100, n°2 alínea b) do CPP..

6. Existe, ainda, quanto a alguns factos dados como provados e agora impugnados pelo Recorrente contradição insanável, entre si e ainda entre si e a fundamentação da matéria de facto, uma contradição insanável que resulta do próprio texto do Acórdão, tudo nos termos do art. 4100, n°2 alínea b) do CPP.

7. Contradição insanável da fundamentação - porquanto o que ali se deu como provado está em contradição entre si e, ainda, em oposição e contradição clara e evidente com a fundamentação da prova;

8. E tal contradição resulta, sem margem para dúvidas, do próprio texto do acórdão recorrido, daí que entendemos estar-se perante uma "contradição insanável na fundamentação", vício que se prevê no art.° 410.°, n.° 2, al. b) do CPP e que, desde já se alega para todos os efeitos legais.

9. Em consequência, o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo é NULO, pelo que se impõe ordenar o reenvio dos autos para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto dos presentes autos, com respeito pelo disposto no art. 400, alínea c) do CPP — o que desde já se requer para todos os efeitos legais.

10. Não se fez prova de que: "Todo o produto apreendido a 23/09/2010 destinava-se a ser introduzido no Estabelecimento prisional de Coimbra, para ai ser vendido, também, pelo ora Recorrente, na medida em que, mais uma vez não foi feita qualquer prova de tal facto. Este facto deveria ter sido dado como não provado.

11. Existe violação clara do princípio in dubio pro reo

12. A livre convicção do juiz não pode ser meramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável "A liberdade de apreciação da prova não pode estar mais longe das meras conjecturas e das impressões sensitivas injustificáveis e não objectiváveis"

13. Apenas se pode concluir, da análise de toda a prova produzida em sede de julgamento em conjugação séria com os restantes elementos probatórios que existem nos autos, que se o Tribunal a quo tivesse em conta toda prova carreada para os autos, e não só as declarações desta arguida EE, chegaria à conclusão que o ora Recorrente nada tem a ver com os factos em investigação nos presentes autos.

14. Isto atendendo ao princípio da igualdade e tendo em conta as diferentes penas aplicadas aos diferentes arguidos.

15. Por todo o exposto, entende o Recorrente que no seu caso é possível fazer um juízo de prognose social favorável, devendo a pena a aplicada ao Arguido Recorrente de 9 anos ser substituída por uma pena de prisão de 6 anos, por aquela se revelar manifestamente excessiva.

16. Assim e por todo o exposto, o Tribunal a quo violou claramente princípios fundamentais da nossa Lei Fundamental: O princípio do in dubio pro reo (art.32° da CRP), o principio da igualdade (art. 13° da CRP) e, ainda, fez uma apreciação da prova arbitrária, discricionária e caprichosa, de todo em todo imotivável em violação do principio da livre apreciação da prova previsto no art. 127° do CPP.

17. Ao arguido deverá ser aplicada absolvição ou caso assim não se entenda a redução da pena concretamente aplicável para 6 anos.

17.[2] Ao decidir como se decidiu, violou a douta sentença recorrida os comandos normativos previstos no art.° 71.0 e 72.° e 73.° do Código Penal, 127.° do CPP e os normativos constitucionais, previstos no artigo 13 e 20 e 32 todos da Constituição da Republica Portuguesa.»

4. O Senhor Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação de Coimbra apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, tendo formulado as seguintes conclusões:

«1 - Os vícios ora invocados pelo arguido / recorrente, incidentes sobre a matéria de facto fixada pelo tribunal coletivo, já foram apreciados pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em instância de recurso (cf. fls. 1809 v° a 1819), pelo que os mesmos vícios são insindicáveis pelo Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, nos termos do art. 434°, do CPPenal.

2 - A pena de 9 anos de prisão a que o arguido / recorrente foi condenado, pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 21°, n° 1 e 24°, ai. h), do Decreto-Lei n° 15/93, de 22/01 (com referência à tabela 1-C, anexa àquele diploma), é adequada e proporcional, tendo sido respeitados os critérios legais na sua determinação, pois que foram relevados: (i) o elevado grau de ilicitude dos factos na medida em que esteve envolvido nos três episódios em causa, assumindo uma «posição de domínio» na actividade de tráfico; (ii) as fortes necessidades de prevenção geral relacionadas com os crimes desta natureza, cometidos no desrespeito pelos objectivos de prevenção e de reinserção ínsitos necessariamente no cumprimento das penas e prosseguidos pela instituição prisional; (fifi a elevada intensidade do dolo na forma de dolo directo presente em todas as condutas do arguido; e (iv) o vasto passado criminal.

3 - A decisão constante do acórdão recorrido é correta, e não violou qualquer dispositivo legal, pelo que, não merecendo censura, deve ser mantida e confirmada nos seus precisos termos.»

4. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora Geral-Adjunta, usando a faculdade prevista no n.º 1 do art. 416.º do CPP, emitiu douto parecer nos seguintes termos:

«O arguido AA vem interpôr recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 10/12/2013, que negou provimento ao recurso que havia interposto do acórdão condenatório da Vara de Competência Mista de Coimbra confirmando a autoria do crime de tráfico e a pena de prisão que lhe havia sido aplicada.

O arguido AA havia sido condenado na 1.ª instância pelo crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelos art.s 21º, nº 1 e 24º, al. h) do Dec. lei 15/93, na pena de 9 anos de prisão, tendo esta condenação sido mantida no acórdão do recurso do tribunal da relação.

Nas conclusões do arguido/recorrente que delimitam o conhecimento do seu recurso, além de defender existir contradição entre matéria de facto e contradição insanável entre os factos e a fundamentação (art° 410°, n° 2 e b) do CPP), impugna a livre apreciação da prova, por haver violação do princípio in dubio pro reo, invoca a nulidade do acórdão pondo também em dúvida que resulte da prova produzida o seu envolvimento nos factos.

Por fim e se não obtiver provimento nesta vertente invoca violação dos princípios constitucionais do in dubio pro reo (art° 32.º, princípio da igualdade (art° 13°), por ter havido uma apreciação arbitrária, discriminatória e caprichosa e, subsidiariamente, que a pena de prisão a aplicar seja de 6 anos de prisão.

Daqui se poderá concluir que o arguido/recorrente além de impugnar a integração dos factos no art° 21° e consequente art° 24° a medida da pena, impugna ainda matéria de facto suscitando a verificação dos vícios p. no art° 410°, n° 2, o principio in dubio pro reo e a livre apreciação da prova.

O M.P. junto do tribunal da relação respondeu através do sr. Procurador Geral Adjunto defendendo a irrecorribilidade do acórdão e a confirmação do acórdão recorrido.

1- A impugnação da matéria de facto em recurso, já foi conhecida pelo Tribunal da Relação de acordo com a sua competência.

Não podemos pois deixar de suscitar a irrecorribilidade do acórdão da Relação de Coimbra no segmento da violação dos artºs 410° e 127° do CPP.

Os recursos dos acórdãos das relações interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça só podem ter por finalidade o reexame da matéria de direito sobre decisões recorríveis (art° 432°, n° 1, c) e 434° do CPP).

A violação do disposto nos art's 410° n° 2 e 127° do CPP e o principio in dubio pro reo, incluem-se na matéria de facto, sendo por isso irrecorrível o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra nessa vertente de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que como tribunal de revista só oficiosamente poderá conhecer os vícios p. no art° 410°, n° 2 do CPP se ainda não tiverem sido objecto do acórdão recorrido.

2- As outras questões que diretamente ou indiretamente o arguido/recorrente AA suscita sobre a sua condenação por autoria do crime de tráfico agravado leva-nos a tentar compreender/analisar se os factos dados como provados integram ou não os pressupostos do art° 210 do Dec. lei 15/93.

2.1 O art° 21.°, n.° 1 do dec-lei 15/93 dispõe, prevendo os pressupostos formais que, quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art° 40°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.

2.1.1 Esta disposição como diz o Conselheiro Henrique Gaspar, no Ac. do STJ de 15/7/2009, proc. 47/08.9GCLLE.E1.S1 "contém a descrição fundamental no tipo essencial relativa à previsão e ao tratamento penal de actividades de tráfico de estupefacientes, constituindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza do crime de perigo.

A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens valores (...) considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele...".

2.1.2 Da leitura atenta do n° 1 do art° 210 e da fundamentação atrás referida na linha da jurisprudência do Supremo Tribunal parece-nos muito difícil ou mesmo impossível encontrar na matéria de facto os fundamentos para atribuir a autoria ou co-autoria do crime de tráfico no arguido AA, mas apenas eventualmente a tentativa ou a cumplicidade no crime de tráfico.

2.1.2.1 É certo que foi dado como provado que o arguido DD no dia 23/9/2010, a pedido dos arguidos AA e CC, arremessou para o interior do Estabelecimento Prisional de Coimbra, um embrulho que continha 3 placas de uma substância com os pesos líquidos de 86,180 g, 96,612 g e 97,855 g e mais objectos/telemóveis.

E este embrulho foi encontrado (apreendido) por um guarda prisional.

Além de não constar da matéria de facto que a substância das 3 placas no dia 23/9/2010 era um produto estupefaciente, também posteriormente não foram diretamente classificados como tal.

Continuamos a não perceber a razão pela qual a(s) acusação (acusações) digam com frequência que só depois do "exame" é que passa a ser "um determinado tipo de estupefaciente".

Por outro lado estas três placas nunca estiveram na posse dos arguidos AA e CC e até conforme consta na matéria de facto o produto apreendido destinava-se a ser introduzido no interior do Estabelecimento Prisional, para aí ser vendido pelos referidos arguidos.

Por ter sido apreendido no interior do E.P. nem sequer foi introduzido no interior da prisão, conforme se tem de concluir e por isso não se pode considerar que os arguidos AA e CC tenham recebido por qualquer título ou ilicitamente detiveram as substâncias previstas na tabela 1-C (nem sequer ficou provado que as placas eram cannabis (resina) ou cannabis sativa L) (fls. 1773v).

Se se pudesse considerar que as placas encontradas eram do tipo cannabis, então os factos só poderiam eventualmente integrar a cumplicidade ou a tentativa do arguido/recorrente fazer introduzir cannabis no Estabelecimento Prisional, para lhe serem entregues posteriormente.

2.1.2.2 No dia 13/11/2010 o mesmo arguido DD, segundo está provado, tinha três embrulhos com telemóveis que se preparava para arremessar para o interior do Estabelecimento Prisional.

Além de não o ter feito por ter sido surpreendido pelos guardas prisionais, também só tinha consigo 2,566 g de uma substância vegetal !! que tinha o peso liquido de 2,420 g e só depois do exame toxicológico efetuado no LPC da polícia Judiciária é que passou a ser cannabis (resina) (fls. 1774).

Os três embrulhos também se destinariam aos arguidos AA e CC (fls. 1773 v.) mas não continham qualquer tipo de estupefaciente e por isso a hipotética introdução de tal produto não se verificou nesse dia àquela hora, não se podendo por isso colocar a hipótese de tentativa, só porque resultaria da interpretação das trocas de conversas via telemóvel, que a sua remessa iria acontecer.

2.3 Foi ainda dado como provado resultante do proc. 1104/09.0JACBR-F (fls. 1774) que a arguida BB no dia 17/9/2011 após o registo de entrada no Estabelecimento Prisional de Coimbra para visita ao seu companheiro CC, foi conduzida à P.J., onde depois de revista, foram-lhe apreendidas dois pedaços de uma substância prensada, com o peso bruto de 96,170 g e que a mesma dissimulara no interior da sua vagina.

Esta revista foi possível por ter havido uma denúncia na P.J. que a mesma se iria ali deslocar para entregar produtos estupefacientes ao seu companheiro CC.

Só depois do exame toxicológico dos pedaços que tinham o peso líquido de 86,460 g é que o produto passou a ser cannabis (resina), como os arguidos BB e CC sabiam.

Foram ainda encontrados na casa da mãe do arguido CC e onde a BB morava, 102,482 g de cannabis (resina) e o CC naquele mesmo dia tinha consigo 140 € dissimulado dentro da meia do pé esquerdo que era proveniente da venda de estupefaciente no interior do Estabelecimento Prisional.

E ainda sem poder resultar desta matéria de facto tão pormenorizada, foi dado como provado também que "todo o produto estupefaciente se destinava a ser introduzido no E.P. de Coimbra para, posteriormente, ser entregue ao arguido AA, para este aí o vender".

2.4 No dia 26/11/2011 a arguida EE também tentaria entregar ao arguido FF aquando a visita no mesmo E.P., um embrulho com o peso líquido de 166,708 g de cannabis que levava escondido na vagina, mas foi detida e revistada antes de entrar na sala.

Este produto conforme está provado "destinava-se a ser introduzido no interior do Estabelecimento Prisional para aí ser vendido também pelo arguido FF" quando inicialmente na matéria de facto "o haxixe escondido no seu corpo (arguida EE) era para posteriormente lho entregar (ao FF) e este posteriormente o entregar ao arguido AA".

2.4.1 A arguida GG em data não especificada, mas anterior a 17/12/2011, entregou à arguida BB, companheira do arguido CC, 2 embrulhos de haxixe de 96,170 g e 109,360 g para que esta o introduzisse no E.P., quando visitasse o CC.

Esta arguida GG em 26/11/2011 também entregou à arguida EE 168,88 g de haxixe para esta também introduzir do E.P. de Coimbra quando visitasse o FF, para este entregar ao AA.

Estes produtos de haxixe, como resulta do acórdão recorrido, ninguém os terá tentado introduzir no E.P. pois apenas se destinavam a isso, para aí serem posteriormente vendidos ou trocados por outros produtos, também pelo arguido AA.

3- Da análise de todo o resumo da matéria de facto provada nenhum "haxixe" chegou à posse dos arguidos presos AA, FF e CC, pois uma parte passou apenas o muro do E.P., dois deles não chegaram à sala de visitas e os outros três nem lá chegaram a entrar.

A doutrina e a jurisprudência têm apelidado de crime de empreendimento, entre outros, em que o resultado típico se alcança logo, com aquilo que surge por regra como realização inicial do iter criminis, tendo em conta o processo normal de actuação... A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita. (Ac. do STJ de 15/7/2008, p. 1787/08, 5a See.).

Embora nalguma doutrina tenha vindo a ser defendido, que sendo o crime de tráfico de perigo abstrato não será configurável a figura da tentativa, já a jurisprudência do STJ é no sentido contrário, conforme resulta do acórdão acima citado do Exmo. Conselheiro Souto Moura e de outros, designadamente do Acórdão do STJ de 6/11/2008, p. 2501/08, 5a sec. do Exmo. Conselheiro Arménio Sottomayor, como relator.

Mas segundo ainda o acórdão de 15/7/2008 referido "A consumação exige pois que se dê por provada, pelo menos, uma das ocorrências ali referidas, "Cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver" produto estupefaciente.

Por outro lado deter pressupõe, para o efeito em apreço, a possibilidade do exercício de um poder, ainda que só fáctico sobre a droga.

Nem o arguido/recorrente AA nem os outros arguidos reclusos, detiveram ou receberam qualquer tipo de estupefaciente no período referido no acórdão condenatório.

3.1 Ainda no caso concreto haverá que estabelecer se os factos provados integram o crime de tráfico agravado tentado ou se se poderá considerar haver tão só cumplicidade quando os co-arguidos DD, BB e EE, tentam introduzir o "Cannabis" (resina) no Estabelecimento Prisional de Coimbra a "pedido" dos arguidos AA, CC e FF.

Seguindo de perto os princípios estabelecidos no acórdão do STJ de 6/11/2008, cujos factos também estão próximos (quase meio quilo de canabis te sido colocado na horta do E.P. e dois arguidos o terem recolhido, mas o estupefaciente já havia sido substituído por outro produto pelos guardas prisionais) poderemos estar perto da tentativa ou da cumplicidade, uma vez que neste caso os arguidos presos haviam combinado com os outros arguidos em liberdade o seu lançamento ou o seu transporte.

3.1.1 Por um lado os actos de execução foram praticados separadamente pelo arguido DD que lançou para lá do muro do E.P. o embrulho com 3 placas e as arguidas levavam consigo os pedaços de cannabis, todos em dias diferentes.

E seguindo por isso o decidido neste douto acórdão (de 6/11/2008), para haver cumplicidade é necessário haver acordo ou plano entre os arguidos presos/reclusos e a pessoa que coloca o embrulho em local onde os reclusos o recolhem, ou lhos entreguem na visita, prestando os reclusos auxílio à prática do facto criminoso pelo arguido DD (se for cannabis) ou pelas arguidas EE, BB e GG, que levavam consigo cannabis.

Estas características da cumplicidade estão definidas no art° 27° do CP e a pena aplicar neste tipo de crime agravado, especialmente atenuado, será no máximo 10 anos e 4 meses de prisão e mínimo 7 meses e 25 dias de prisão (art° 73° do C.P.).

3.1.2 O arguido AA poderá, noutra interpretação dos factos provados ter cometido tão só o crime de tráfico de estupefaciente agravado na forma tentada, devendo a pena ser fixada entre o mínimo de 1 ano de prisão e o máximo de 10 anos de prisão.

3.1.3 Na tentativa segundo o disposto no art° 22° do CP, o arguido tem/tinha de praticar actos de execução do crime de tráfico de estupefaciente por ter decidido vendê-lo quando o tivesse consigo, sem que tivesse sido consumada a sua obtenção e consequentemente a sua venda.

Os actos de execução são os p. no n° 2 do art° 22° e os actos para preencherem um elemento constitutivo do crime de tráfico, têm de ser idóneos a produzir o resultado típico e de natureza a fazer esperar, segundo a experiência comum que se lhes sigam os actos constitutivos do crime e produzam resultado.

Parece-nos pois haver alguma dificuldade em podermos dizer que resultam dos factos provados os actos de execução, já que o arguido AA apenas conseguiu levar os co-arguidos que se encontravam no exterior a cometerem cada um deles o crime de tráfico de estupefaciente, e com actos preparatórios mais se poderão enquadrar na cumplicidade (art° 27° do CP.).

4- Perante a matéria de facto provada se vier a ser afastada a autoria do crime de tráfico qualificado dos artºs 21° e 24° do Dec. lei 15/93, como nos parece, havendo convolação que leve a conduta do arguido AA ao tipo de crime qualificado tentado ou apenas de cumplicidade, esses efeitos terão de ter repercussão nos arguidos CC e FF, que também se encontravam reclusos e igualmente não conseguiram obter qualquer tipo de estupefaciente.

É certo que estes dois arguidos não puderam recorrer do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no entanto de acordo com o n° 1 do art° 402° do CPP, a extensão dos efeitos da requalificação jurídico criminal do crime de tráfico de estupefaciente agravado, terá de os fazer beneficiar indiretamente do recurso do co-arguido João Paulo.

A decisão condenatória destes dois arguidos ainda que transitada provisoriamente deverá/terá de ser modificada nestas condições — o trânsito em julgado neste caso concreto e porque o recurso do arguido AA não foi só por fundamentos pessoais, é um trânsito condicional alterável.

Assim e por tudo isto parece-nos que o recurso do arguido AA, embora deva ser rejeitado sobre a matéria de facto e vícios do art° 410°, n° 2 do CPP poderá obter provimento parcial, também pelos fundamentos que suscitamos — insuficiência da matéria de facto e eventual nulidade do acórdão recorrido, ou com os factos provados poder ser considerada preenchida a cumplicidade p. no art° 27° do CP necessariamente com alteração da medida da pena.»

5. Notificado deste parecer, o arguido nada disse.

6. Colhidos os vistos em simultâneo, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.


II

Fundamentação


A. Matéria de facto provada:

1. Matéria de facto dada como provada:

« (por ordem cronológica)

A - Proc. 818/10.6JACBR

No dia 23 de Setembro de 2010, o arguido DD, a pedido dos arguidos AA e CC, arremessou para o interior do Estabelecimento Prisional de Coimbra (EP) um embrulho o qual continha 3 placas de uma substância acastanhada, acondicionadas em película plástica transparente com o peso bruto de respectivamente de 87, 9g, 98, 3g e 99, 5g (peso líquido de, respectivamente, 86, 180 g, 96, 612, e 97, 855 g) e três telemóveis envolvidos por uma camada de película aderente, outra de papel higiénico e ainda outra de película aderente, contendo ainda um cabo de alimentação e um cartão de telemóvel da operadora Vodafone.

Tal embrulho foi encontrado junto à rede do campo de futsal, por um guarda prisional de nome HH.

No dia 13 de Novembro de 2010, e na sequência de várias vigilâncias realizadas pelos guardas prisionais, foi detectada a presença do arguido DD no exterior das imediações do Estabelecimento Prisional de Coimbra e, quando se preparava para arremessar três embrulhos para o seu interior, os quais se destinavam aos arguidos AA e CC, foi surpreendido pelos guardas prisionais.

Alertada de tal facto a Polícia Judiciária fez ali comparecer dois elementos, tendo procedido à apreensão dos referidos embrulhos, os quais continham no seu interior três aparelhos de telemóveis, um da rede Vodafone, modelo 547, com o IMEI ..., outro da operadora TM19, modelo 07002, com o IMEI … e um outro da marca "Nokia", modelo "Express Music 5220, com o IMEI …, este último tinha embrulhado num pedaço de talão multibanco, datado de 30-10-2010 de consulta de movimento de conta bancária …, um cartão SIM da operadora Vodafone e manuscrito com o dizeres "PIN …" e ainda três fichas de alimentação com um pedaço de fio condutor.

Ainda na sequência de uma revista pessoal foi encontrado na sua posse um telemóvel da marca "Nokia", modelo 2690 com o IMEI … com o cartão da Vodafone inserido com o número … e vários pedaços de uma substância vegetal prensada com o peso bruto de 2,566g (peso líquido de 2,420 g).

Em exame toxicológico efectuado no L. P. C. da Polícia Judiciária e como o arguido DD bem sabia conclui-se ser cannabis (resina).

Todo o produto estupefaciente apreendido a 23.9.2010 destinava-se a ser introduzido no interior do Estabelecimento Prisional de Coimbra, para aí ser vendido pelos arguidos AA e CC.

B - Proc.1104/09.0JAC1312-F (com excepção da referência aos elementos de prova que surgem infra analisados aquando da exposição dos motivos da decisão de facto)

Na sequência da denúncia recebida na Polícia Judiciária que dava conta que a BB se aprestava para se deslocar a visita ao Estabelecimento Prisional de Coimbra, do seu companheiro e ali recluso n°436- CC, para ali lhe fazer uma entrega de produto estupefa­ciente, foi montado um dispositivo de vigilância por parte da PJ.

Assim, no dia 17 de setembro de 2011 e após o registo de entrada da arguida, foi a mesma interpelada e conduzida às instalações da Polícia Judiciária da Directoria de Coimbra onde, após a consequente revista pessoal, lhe foram apreendidos dois pedaços de uma substância vegetal prensada de cor acastanhada, acondicionados em preservativos, e que a mesma dissimulara e retirou do interior da sua vagina e com o peso bruto de 96,I70g.

Em exame toxicológico no LPC da PJ, e como os arguidos BB e CC bem sabiam tratar-se de cannabis (resina), com o peso líquido de 86,460g.

Na sua revista pessoal foram ainda apreendidos:

- bilhete  de comboio Soure-Coimbra, datado de 17-09-2011; talão de pagamento Pay-shop de carregamento do telemóvel …, datado de 14-09-2011; talões de depósito e diversos manuscritos com números de contas bancárias e NIB's, papel manuscrito com anotações e onde a final se podem ler as seguintes inscrições (con. 120 e, ela a ti 180C, 2g —300€, 150E), um talão da CP com algumas inscrições manuscritas no verso e ainda seis preservativos da marca "ZigZag" e "Control" e o telemóvel da marca "Nokia", com o cartão Vodafone n° …, com o IMEI ….

Ainda, na sequência de uma busca domiciliária realizada na residência onde a arguida morava, pelo menos desde 25-06-2011, pertença da mãe do arguido CC, sita no lugar do …, Soure, foram encontrados e apreendidos mais dois pedaços idênticos e embalados da mesma forma aos apreendidos aquando da revista pessoal da BB, com o peso total de 109,360g, e líquido de 102,482g.

Tal produto era, como os arguidos BB e CC sabiam, cannabis (resina).

Em acto seguido à detenção da arguida BB, foi efectuada uma revista pessoal ao arguido CC, tendo sido encontrado na sua posse a quantia de 140 euros, dissimulada dentro da meia do pé esquerdo.

A quantia monetária apreendida ao arguido CC era proveniente da venda de produto estupefaciente no interior do Estabelecimento Prisional.

Todo o produto estupefaciente destinava-se a ser introduzido no EP de Coimbra para, posteriormente, ser entregue ao arguido AA, para este aí o vender.

C – Inquérito n.º 249/11.0PECBR

A arguida EE, de acordo com o previamente combinado com o recluso FF e GG, no dia 26 de Novembro de 2011, devia dirigir-se ao Estabelecimento Prisional de Coimbra, aproveitando o horário das visitas a reclusos e, a pretexto de o visitar, devia levar haxixe escondido no seu corpo, para posteriormente lho entregar e este posteriormente o entregar ao arguido AA.

Assim, no dia acima referido e quando a arguida se dirigia para a sala de visitas, pelas 10 30h, foi abordada por um elemento da PSP, II, o qual procedeu à sua identificação.

Posteriormente foi a mesma revistada, constatando-se que tinha escondido no interior da sua vagina um embrulho, contendo uma substância vegetal prensada de cor acastanhada com o peso bruto de 167,708g (peso líquido de I66,630g), que os arguidos EE e FF bem sabiam ser cannabis (resina).

Os pedaços da referida substância encontravam-se acondicionados em película aderente transparente.

Na sua revista pessoal foram ainda apreendidos:

- 13 cartões SIM da rede Vodafone;

- um telemóvel da marca "Samsung" modelo SGH-E250,

- um telemóvel da marca "LG", modelo GT-505;

Todo o produto estupefaciente se destinava a ser introduzido no interior do Estabelecimento Prisional de Coimbra e aí ser vendido também pelo arguido FF.

A arguida GG é companheira do recluso AA, o qual se encontra a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Coimbra.

Este combinou com a sua companheira, para que esta arranjasse um meio que permitisse a introdução de estupefacientes no Estabelecimento Prisional de Coimbra, para ele posteriormente vender aos reclusos.

Para tal, a arguida GG, em data anterior a 17 de Dezembro de 2011, contactou a arguida BB, companheira do recluso CC, entregando-lhe dois embrulhos, contendo haxixe com o peso de 96,170g e 109,360g, para que esta nos dias das visitas o introduzisse no Estabelecimento Prisional, recebendo como contrapartida cerca de E 50, 00.

A arguida GG transportou algumas vezes a arguida EE até Coimbra, numa carrinha da marca "Audi" modelo A4, de cor azul, para esta visitar o seu companheiro e arguido FF, no dia a 26 de Novembro de 2011, no decurso da viagem entre o Porto e a cidade de Coimbra, entregou-lhe 168,88 g de haxixe para esta introduzir no Estabelecimento Prisional de Coimbra no decorrer da visita ao seu companheiro FF, para este posteriormente o entregar ao arguido AA, tendo como contrapartida recebido da arguida GG cerca de 50 euros.

Nessa mesma ocasião, a GG deu à arguida EE 13 cartões SIM da operadora Vodafone, para que o arguido FF os fizesse chegar ao arguido AA.

Os produtos estupefacientes fornecidos às outras arguidas pela arguida GG destinavam-se a ser introduzidos no Estabelecimento Prisional de Coimbra, para aí serem posteriormente vendidos ou trocados por outros produtos também pelo arguido AA.

Os arguidos EE, FF, GG, CC, BB, AA e DD agiram em comunhão de esforços e conheciam as características da substância já referida e que a sua compra detenção, venda e introdução no Estabelecimento Prisional eram proibidos.

A arguida BB não tem antecedentes criminais.

Esta arguida concluiu o 6° ano de escolaridade.

Ingressou no mercado de trabalho aos 15 anos. Trabalhou em cafés, restaurantes, lar de terceira idade, nas vindímas, como operária fabril e, mais recentemente, em limpezas em casas particulares.

Vive com um companheiro e o casal habita juntamente com os pais do companheiro da arguida.

Tem quatro filhos, com idades compreendidas entre os 14 anos e (à data do relatório social) um mês de idade, apenas estando ao seu cuidado, e aos do actual companheiro, esta bebé.

Por volta dos 20 anos foi consumidora de estupefacientes, tendo recorrido ao acompanhamento do CRI, integrando programa de metadona.

A arguida denota alguma capacidade de reflexão crítica sobre a gravidade dos actos cometidos.

O arguido CC cumpre pena de 16 anos de prisão por homicídio qualificado, p.p. pelos artºs 131º e 132º, nºs 1 e 2 do CP, no qual foi condenado, por decisão transitada em 21.8.06, no âmbito do processo 60/04.5,113LSB.

Este arguido efectuou uma escolarização regular, sendo considerado um aluno cumpridor. Abandonou a escolaridade aos 15 anos para ajudar a mãe.

Esteve no EPL onde a sua permanência foi problemática, tendo revelado instabilidade emocional e conflitualidade relacional com outros reclusos.

No EP de Coimbra tem mantido instabilidade emocional e manifestado dificuldades em cumprir as normas institucionais.

Manifesta reduzida consciência crítica face aos crimes cometidos.

O arguido DD  foi condenado, por decisão de 16.1.03, transitada a 31.1.03, na pena de 12 meses de prisão, suspensa por 3 anos, pelo crime de furto qualificado, p.p. pelos arts 203° e 204° 1, a) do CP (Proc. 128/00.7GTSTB).

Foi, ainda, condenado por acórdão de 30.6.04, transitado a 16.7.04, pelos crimes de furto qualificado, p.p. pelo art. 204°, roubo, p.p. pelo art° 2100, n°1, do CP, detenção de arma ilegal, p.p. pelo art° 60 da L 22/97, por tráfico de produtos estupefacientes, p.p. pelo art° 25° a) do D/L 15/93, de 22.11 (praticado no último trimestre de 2002), na pena de 9 anos e 3 meses de prisão (Proc. 21/03.1GAETR), tendo-lhe sido concedida liberdade condicional a 21.6.2010

A arguida EE, por decisão de 7.10.2011, transitada a 27.10.2011, foi condenada pela prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p.p. pelos artºs 21°, n°1, e 24° al. h) do DL 15/93, de 22.1, na pena de 5 anos de prisão, suspensa por 5 anos, por factos de 23.8.2010 (Proc. 197/10.1PECBR).

Esta arguida esteve institucionalizada num centro de acolhimento desde os 11 aos 16 anos.

Concluiu o 6° ano de escolaridade.

Trabalhou como empregada de limpeza, em serviços de cantonagem e foi funcionária de um estabelecimento comercial.

À data dos factos, residia com uma irmã de 20 anos e dois filhos de 17 e 12 anos. Encontrava-se desempregada, sendo beneficiária do rendimento social de inserção, auferindo € 511,00, mensais, contando com o apoio financeiro da mãe.

O arguido FF  foi já condenado por várias vezes:

- Proc. 33/95, por furto qualificado e dano, decisão de 19.5.95, foi condenado na pena de 2 anos e dois meses de prisão, suspensa por 3 anos, tendo tal suspensão sido revogada;

- Proc. 58/96, por furto qualificado e decisão de 12.11.96, foi condenado em 50 dias de multa com 400$00 de taxa diária;

- Proc. 4/96.6PELR1A, por decisão de 9.12.96, foi condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa por 3 anos, por crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo art° 25° do DL 15/93, de 22.1;

- Proc. 1425/96.0TALRA, por decisão de 28.11.97, foi condenado na pena de 3 anos de prisão, por furto qualificado;

- Proc. 1212/97.8PBLRA, por decisão de 19.12.97, foi condenado na pena de 18 meses de prisão, por crime de roubo;

- Proc. I426/96.8TALRA, por decisão de 13.7.98, foi condenado na pena de 2 anos de prisão, por crime de furto qualificado;

- Proc. 1424/96.ITLRA, por decisão de 4.1.2000, foi condenado na pena de 6 anos e 9 meses de prisão e 150 dias de multa com 400$00 de taxa diária, por crimes de furto qualificado, dano, tráfico de estupefacientes e roubo;

- Proc. 478/96.5PBLRA, por decisão de 6.6.2001, foi condenado na pena de 9 meses de prisão, suspensa por 2 anos, por crime de falsificação de títulos de crédito, p.p. pelo art° 256°, n°3, do CP, tendo esta pena sido extinta;

- Proc. 30/03.0PELRA, por decisão de 17.5.04, foi condenado na pena de 10 meses de prisão suspensa por 2 anos, por crime de furto, pena que foi extinta;

- Proc. 80/03.7PAMGR, por decisão de 16.1 1.04, foi condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensos por 2 anos, por crime de furto qualificado, p.p. pelos arts° 203° e 204°/2 e) do CP;

- Proc. I 606/03.1PBLRA, por decisão de 20.7.05, foi condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa por 4 anos, por crime de roubo, p.p. pelo art° 2100, n°1, do CP;

- Proc. 6/07.9PELRA, por decisão de 17.10.07, foi condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, por crimes de furto, violência depois da subtracção, condução perigosa de veículo rodoviário, condução sem habilitação legal, falsificação de documento, burla simples e quatro furtos simples;

- Proc. 56/06.2PELRA, por decisão de 9.4.08, foi condenado na pena de 8 meses de pri­são, por detenção de arma proibida;

- Proc. 254/07.IPBLRA, por decisão de 26.3.09, foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, por crime de furto simples;

- Proc. 96/10.7JACBR, por decisão de 13.7.2011, transitada a 2.8.2011, foi condenado na pena de 8 anos de prisão, por crime de tráfico de estupefacientes p.p. Pelos arts 21°, n°1, e 24° b, c e h) do DL 15/93, de 22.1, por factos de 2.6.09;

- Proc. 197/10.1PECBR, por decisão de 7.10.2011, transitada a 27.10.2011, foi condenado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, por crime tráfico de estupefacientes p.p. pelos artºs 21°, n°1, e 24° h) do DL 15/93, de 22.1, por factos de 16.9.2010.

Este arguido iniciou-se no consumo de haxixe, por volta dos 12/13 anos e, posteriormente, de heroína, da qual se tornou dependente, tendo frequentado o CAT de Leiria, mas sem resultados duradouros.

Encontra-se preso desde o dia 27.3.07, e, ao longo da sua permanência no EP de Coimbra, para onde veio em 6.5.09, tem vindo a apresentar pouca motivação para a mudança e nunca revelou interesse em aderir ao tratamento à toxicodependência, apesar de reconhecer que durante a reclusão já sofreu algumas recaídas nos consumos.

Tem revelado reduzido interesse na valorização das suas competências, porquanto desistiu da escola, não exercendo uma actividade laboral há mais de dois anos, ocupando parte do tempo no ginásio. No entanto, foi motivado a frequentar um programa de Prevenção e Reabilitação Psicossocial, no qual se revelou bem integrado, interessado e participativo.

Ao longo da reclusão, tem registado várias punições disciplinares, principalmente por posse de telemóvel.

Evidencia reduzido sentido crítico relativamente à sua conduta delituosa, sendo com relativa superficialidade que encara a sua gravidade.

O arguido AA  tem, igualmente, antecedentes criminais:

- Proc. 957/01.4PBMTS, por decisão de 23.6.03, foi condenado na pena de 120 dias de multa, com €2,00, de taxa diária, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma de defesa, tendo cumprido 80 dias de prisão subsidiária;

- Proc.28/01.3GAMTS, por decisão de 11.5.04, foi condenado na pena de 5 anos de prisão, por crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelos artºs 21° e 24° do DL 15/93;

- Proc. 174/02.6GBVFR, por decisão de 21.11.03, foi condenado na pena de 12 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada e um crime de ofensa à integridade física qualificada;

- Proc. 20/01.8GAMTS, por decisão de 1.7.04, foi condenado na pena de 12 meses de prisão, suspensa por 3 anos e multa de 60 dias, com €3,00, de taxa diária, pela prática dos crimes de detenção ilegal de arma p.p. pelo art° 291° do CP, condução sem habilitação legal, condução perigosa de veículo rodoviário, p.p. Pelo art° 291° do CP;

- Proc. 662/01.1GCVFR, por decisão de 23.6.05 foi condenado na pena de 3 meses de prisão, pela prática do crime de ofensa à integridade física simples;

- Proc. 204/10.2TACBR, por decisão de 1.2.2012, transitada a 1.3.2012, foi condenado na pena de 8 meses de prisão, por crime de resistência e coacção sobre funcionário na forma tentada p.p. pelos arts. 347°, 22°, 23°, com agravação dos artºs 75°, n°1, e 76° do CP (factos de 29.7.2010).

Este arguido está preso desde 24.4.02, altura em que tinha 18 anos de idade.

Trata-se de um jovem cujo processo de socialização decorreu num contexto relativamente instável, particularmente ao nível da dinâmica e interacções intra-familiares, embora, actualmente, tenha uma retaguarda familiar consistente, tendo uma filha e uma companheira.

A arguida GG  não tem antecedentes criminais.

A arguida frequentou o 7°ano do ensino básico, que não concluiu.

Foi mãe aos 12 anos e, por volta dos 13 integrou o agregado familiar de origem do companheiro, o arguido AA, tendo a filha de ambos actualmente 12 anos de idade.

Com 13/14 anos, trabalhou como empregada de restaurante.

Aos 16 anos de idade, durante 3 anos, foi operária em indústria de conservas, tendo ficado desempregada com a falência da empresa.

Trabalhou na "Longa Vida" e, depois, como operária numa empresa de construção de estruturas metálicas, desde 2010.

Em prisão preventiva desde Abril, a arguida tem mantido um comportamento ajustado ao normativo prisional e revela interesse em estar laboralmente activa.

Dispõe de competência pessoais, de enquadramento habitacional e familiar consistente e viabilidade de colocação na empresa onde, desde 2010, exercia funções.»

         2. Matéria de facto dada como não provada:

«De relevante para a decisão final não logrou demonstrar-se qualquer outra factualidade.»

            B. Matéria de direito

1. Sobre os vícios da matéria de facto (art. 410.º, n.º 2, do CPP) e do princípio in dubio pro reo

     O recorrente entende que não só existe contradição entre os factos dados como provados e a fundamentação da decisão da matéria de facto, como entende ainda haver violação do princípio da livre apreciação da prova e do princípio in dubio pro reo.

Na base deste entendimento está a consideração de que os factos não foram devidamente valorados, pois da prova produzida em julgamento não se poderia ter dado como provados os factos que o foram a final, pelo que deveria ter sido outra a decisão, nomeadamente quanto ao agora recorrente, assim invocando insuficiência de prova para a matéria de facto provada, ou ainda contradição entre os factos provados. E ainda concluindo que o acórdão é portador do vício consagrado no art. 410.º, n.º 2, al. b) do CPP — “(...)o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por só ou conjugada com as regras da experiência comum: (...)b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”. Embora só invoque expressamente nas conclusões este dispositivo (cf. conclusão 5, 6, e 8), retira-se das conclusões n.º 3 e 10 que também entende estar verificada a situação prevista no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP (“A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”). Todos estes pontos já foram objeto do recurso interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra. Na verdade, aquando da interposição daquele recurso o recorrente invocou:

  - tal como aqui, a sua inocência, pois entende que os factos foram mal julgados, considerando que existe contradição insanável entre alguns dos factos considerados como provados e também contradição insanável entre a fundamentação da decisão da matéria de facto e alguns dos factos considerados como provados;

- e também invocou naquela interposição de recurso a violação do princípio da livre apreciação da prova, considerando que a livre apreciação não constitui apreciação arbitrária, emocional e meramente subjetiva da prova produzida.

Em todos estes casos, o Tribunal da Relação de Coimbra entendeu que não estava violado o disposto no art. 410.º, n.º 2, do CPP, demonstrando que do texto da decisão recorrida não resultava nenhum dos vícios enunciados. Assim, quanto à decisão de 1.ª instância, o Tribunal da Relação de Coimbra pronunciou-se formando caso julgado.

Além de tudo o mais, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito, tal como dispõe o art. 434.º, do CPP. Mas poderá também conhecer oficiosamente dos vícios constantes do 410.º, do CPP, quando estes vícios se possam retirar do próprio texto da decisão recorrida, agora a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra.

Assim sendo, apenas nos cabe apreciar oficiosamente daqueles vícios, e não apreciar matéria de facto que ficou estabilizada com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra e relativamente à qual já não é admissível recurso. Eventuais lacunas já não poderão ser colmatadas a não ser que haja alguma omissão de pronúncia sobre a qual aquele tribunal devesse ter sentenciado, ou quando tenha decidido com base em provas proibidas — o que de todo não é o caso.

Mas, podendo este Tribunal conhecer oficiosamente dos vícios constantes do art. 410.º, n.º 2, do CPP, deverá, a partir do texto da decisão recorrida, verificar se existe insuficiência da matéria de facto provada para a decisão que veio a ser tomada, se existe contradição entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, ou se existe um erro notório na apreciação da prova, desde que isso mesmo transpareça do texto da sentença ou do acórdão.

Ora, do texto da decisão recorrida não só em parte alguma se percebe que haja qualquer contradição como não vemos que se possa invocar falta de prova para o que foi decidido. Além disto, os vícios agora invocados são os mesmos que foram invocados para a decisão de 1.ª instância e relativamente ao mesmo objeto de apreciação, pelo que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra formou caso julgado.

O recorrente invoca ainda a violação do princípio in dubio pro reo.

Ora, constituindo o princípio in dubio pro reo um princípio em matéria de prova, todavia a análise da sua violação (ou não) constitui matéria de direito[3], ou questão de direito enquanto juízo de valor ou ato de avaliação da violação[4] (ou não) daquele princípio, portanto no âmbito de competência deste tribunal. E assim tem sido entendido por este tribunal:

- “O princípio in dubio pro reo, que nada tem a ver com as dúvidas suscitadas ao nível da interpretação das leis, é um princípio geral de direito processual penal, corolário do princípio da presunção da inocência do arguido, com tradução no n.º 2 do art. 32.º da CRP, constituindo a sua violação uma questão de direito, muito embora se assuma como princípio de prova, conformando um daqueles princípios passível de revista.” [ac. de 22-01-2013, Proc. n.º 184/11.2GCMTJ.L1.S1 - 3.ª Secção, Armindo Monteiro (relator)];

- “O princípio in dubio pro reo é princípio geral do processo penal decorrente do princípio da presunção da inocência do arguido. Como tal, assume a natureza de uma questão de direito de que o STJ deve conhecer quando da globalidade do próprio texto da decisão resultar que o tribunal, apesar da hesitação sobre a prova de determinado facto, decidiu em sentido desfavorável ao arguido. [ac. de 06-02-2013, Proc. n.º 593/09.7TBBGC.P1.S1 - 3.ª Secção, Sousa Fonte (relator)];

- “O STJ só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo quando da decisão recorrida resulta que o tribunal a quo ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido.” [ac. de 29-05-2013, Proc. n.º 344/11.6JALRA.E1.S1 - 3.ª Secção, Santos Cabral (relator)].

Ao alegar a violação do princípio in dubio pro reo o recorrente considera que não há elementos no processo que nos permitam concluir com segurança quanto ao envolvimentos do recorrente nos factos dados como provados, pelo que deveremos analisar o que resulta da motivação da decisão de facto (e analisando o relevante para o agora recorrente):

- percebe-se, quanto aos factos provados descritos em A, que a ligação entre AA e toda a atividade conducente à venda de estupefacientes no Estabelecimento Prisional (de ora em diante, EP) decorre da prova produzida através das mensagens de telemóvel onde se fazia “alusão evidente a encomendas de droga” [ac. do Tribunal da Relação de Coimbra (de ora em diante, ac. TRC), p. 61], permitindo assim concluir que os factos provados em A decorriam de um anterior pedido do recorrente;

- no que respeita aos factos provados em B, quanto à droga apreendida a BB que se destinava a ser introduzida no interior do EP para ser vendida por AA, “foram relevantes na compreensão total destes factos e na ligação aos arguidos GG e AA (...) as cartas trocadas e textos de sms constantes, respetivamente, dos apensos I e H” [ac. TRC, p. 65 e 66: “Também a troca de sms entre as arguidas BB e GG a propósito das horas a que chegará ao Porto a arguida BB é visível a referência que a arguida GG faz ao arguido AA como estando envolvido nestes factos (fls. 181 do mesmo apenso, quando, a 16.9.2011, combinam a hora de encontro, diz a arguida GG que o meu homem dixe me dp do almoço ia pás 2h).”];

- e no que respeita aos factos provados em C, quanto à droga apreendida a EE percebe-se que se destinaria também ao arguido AA para ser vendida dentro do EP, resultando esta ligação da carta que EE escreveu a GG carta (companheira do arguido AA), resultando também desta carta  o domínio de AA sobre o grupo (cf. ac. do TRC, p. 67: “em tal carta, a arguida EE adverte expressamente a arguida GG para que tenha cuidado porque a bofia sabe tudo, e que o Director da cadeia sabia "que eu levava para ti e o teu Homem e eu neguei tudo disse k era tudo meu mas eles não akreditartun (..) disse ke ia contigo para a viagem ficar mais barata como íamos lodos os fins-de-semanas e éramos todas do Porto (.) dou-te um conselho pára GG, diz ao teu Homem k pare UM pouco senão ainda é coxo também eu já dixe ao meu k vai levar com outro processo né para terem cuidado escrevi a explicar tudo agora vocês é k sabem eu fiz a minha parte não abri a boca como sempre (...)".).

Assim, da decisão recorrida, da matéria de facto provada e da motivação da matéria de facto podemos concluir, sem dúvidas, pelo envolvimento do recorrente nos factos ilícitos provados, nomeadamente, no envolvimento do recorrente no propósito de venda de estupefacientes dentro do EP. Ou seja, no que a este tribunal cumpre analisar, e perante os elementos referidos, não transparece da decisão recorrida qualquer dúvida sobre os factos provados, nomeadamente, sobre o envolvimento do recorrente nos factos relatados, pelo que não podemos concluir pela violação daquele princípio.

2. Da qualificação jurídica dos factos

2.1. No parecer da Senhora Procuradora Geral-Adjunta junto do Supremo Tribunal de Justiça suscita-se um problema de qualificação jurídica dos factos provados quanto ao arguido recorrente; entende a Senhora Procuradora Geral- Adjunta que se deve verificar uma convolação do crime de tráfico de estupefacientes agravado na forma consumada para a forma tentada[5], ou uma convolação da participação deste recorrente naquele crime da forma de co-autoria para a forma de cumplicidade. Consequentemente entende que daqui decorrerá não só uma diminuição da pena, como também daqui se devem retirar as devidas consequências relativamente aos outros arguidos, de acordo com o estipulado no art. 402.º, n.º 2, al. a) e n..º 3, do CPP.

2.2. Importa assim saber se o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer da questão suscitada — alteração da qualificação jurídica dada aos factos provados — pelo MP, ainda que não tenha sido objeto da interposição do recurso.

Neste ponto assume particular importância o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/95, de 7 de junho (DR, I série-A, de 06.07.1995, p. 4298). 

Pronunciando-se sobre se “o Supremo Tribunal de Justiça poderá ou não alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal dos factos recolhidos na instância recorrida e sobre os quais esta erigiu a decisão que, uma vez proferida, subiu em recurso à instância superior” (acórdão cit., p. 4298-9), entendendo que o que “está em debate é a admissibilidade ou não da qualificação jurídica dos factos feita na instância em caso de recurso, quando a mesma qualificação não esteja em debate, ou seja, não constitua objecto de impugnação” (acórdão cit., p. 4299), concluiu, e fixou jurisprudência, este Supremo Tribunal que

“O tribunal superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efetuada pelo tribunal recorrido, mesmo que para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus”.

Por isto, entendemos que este Supremo Tribunal pode analisar, e eventualmente alterar, a qualificação jurídica dada aos factos provados, ainda que sempre com respeito pelo princípio da reformatio in pejus.

Vejamos.

2.3. Comecemos por analisar o caso quanto à forma de realização do facto — consumação ou tentativa?

Estamos perante a realização de um crime de tráfico de estupefacientes que, nos termos do art. 21.º, n.º 1, do Dec- Lei n.º 15/93, integra como conduta típica uma série muito diferenciada de ações — cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver produtos estupefacientes. Dada a amplitude das condutas abrangidas, percebemos que, por exemplo, antes do ato de vender o estupefaciente há que cultivar, ou fabricar, ou simplesmente transportar da origem para o local de venda. Isto é, atos que em outras situações poderiam integrar apenas a simples tentativa, são agora punidos autonomamente como crime, estabelecendo-se como que uma equiparação entre os atos de consumação e os atos de tentativa, o que permite que se classifique o crime, quanto aos tipos de tipicidade, como um crime de empreendimento. Nestes crimes de empreendimento pressupõe-se a verificação de um resultado que transcende a factualidade típica e consumando-se com a simples tentativa, entende-se que há uma equiparação entre a tentativa e a consumação, o que tem como consequência que para estes crimes não se aplica a atenuação decorrente da prática de um ilícito tentado, dado que a forma tentada é punida do mesmo modo que a forma consumada (admitindo-se, porém, que ainda no âmbito destes crimes seja punível a tentativa impossível[6]). Sabendo que o tipo de crime de tráfico de estupefacientes referido integra condutas que podem constituir uma tentativa, mas outras já são verdadeira consumação daquele tráfico, teremos que analisar a situação concreta dos presentes autos e verificar qual a conduta concreta que foi aqui punida.

     Mas antes disso devemos ainda classificar o crime em causa quanto à conduta; na dicotomia desta classificação, entre crime de mera atividade e crime de resultado, isto é, entre os casos em que a conduta é logo punida independentemente da verificação (ou não) de um resultado, e os casos em que só é punida a conduta que produza um resultado espacio-temporalmente distinto da ação, também aqui podemos concluir que, tendo em conta a abrangência de condutas típicas, haverá casos em que se pode entender que existe um resultado distinto da simples conduta — como no ato de cultivar a planta, em que da conduta, cultivar, surge um resultado, a planta, distinto quer no tempo, quer no espaço, daquela — e outros em que o tipo pune a conduta independentemente da verificação do resultado e, por isto, se tem entendido que se trata de um crime de mera atividade.

Quanto ao bem jurídico, e considerando que o crime protege primariamente o bem jurídico da saúde pública (e em segundo plano protege diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores), tem sido este classificado como um crime de perigo abstrato, considerando-se que daqueles atividades descritas no tipo há já um perigo de lesão daquele bem jurídico.

Sendo um crime de perigo abstrato e um crime de mera atividade surgem todos os problemas relativos à admissibilidade (ou não) da tentativa neste tipo de crimes. Neste ponto entendemos que também nos crimes de mera atividade é possível a tentativa, desde logo quando “a consumação se não verifica logo através da própria atividade, mas exige ainda um certo lapso de tempo”[7], como acontecerá sempre que, por exemplo, ainda decorra o ato de produção ou de fabrico ainda não terminado, ainda que se possa questionar se não se trata de uma demasiada antecipação da tutela penal, dado estarmos perante um crime de perigo abstrato.

Quanto ao recorrente, a conduta que foi considerada integradora do crime de tráfico de estupefacientes agravado foi a de venda deste produto em estabelecimento prisional.

Da matéria de facto provada resulta que:

- o embrulho atirado para dentro do EP a 23.09.2010 foi-o “a pedido” do arguido AA,

- os três embrulhos que estavam para ser arremessados para dentro do EP a 13.11.2010 destinavam-se também ao arguido AA (embora estes embrulhos não contivessem droga, mas telemóveis),

- o produto estupefaciente apreendido a BB, no dia 17.09.2011, destinava-se a ser introduzido no interior do EP para ser entregue ao arguido AA, para aí o vender,

- o produto estupefaciente apreendido a EE, a 26.11.2011, destinava-se a ser entregue a AA,

- foi o arguido AA que combinou com a sua companheira GG que “arranjasse um meio que permitisse a introdução de estupefacientes no Estabelecimento Prisional de Coimbra, para ele posteriormente vender aos reclusos”, e

- todos os arguidos “agiram em comunhão de esforços e conheciam as características da substância já referida e que a sua compra, detenção, venda e introdução no Estabelecimento Prisional eram proibidos”.

  Assim, da matéria de facto provada decorre que houve atos de execução deste crime através de atos realizados pelos outros arguidos que obtiveram e transportaram a droga até ao ponto mais perto que lhes foi possível do estabelecimento prisional; e o material estupefaciente apenas não entrou no estabelecimento prisional porque foi antes disso apreendido. Todos os arguidos combinaram realizar estes atos tendo em vista a venda no estabelecimento prisional. E o arguido recorrente orientou todos os passos a serem dados, tendo por isso sido considerado co-autor.

“Autor” é quem realiza o facto, é o “senhor do facto”, aquele de quem depende o se e o como da realização do facto típico e ilícito. Porém a autoria pode assumir diversas formas, tal como estabelece o nosso art. 26.º, do CP, e uma delas é a co-autoria — caso em que é autor aquele que detém o domínio funcional do facto. Para tanto é necessário que exista uma decisão conjunta e uma execução conjunta entre todos os comparticipantes. Sendo certo que, para que se possa dizer que todos os comparticipantes fizeram parte daquela “decisão conjunta”, não basta um mero acordo (pois isso também existe de algum modo na instigação e na cumplicidade), mas é necessário que a participação de cada um dos co-autores apareça como parte de uma atividade total.

A atividade do arguido recorrente era a de venda dos estupefacientes no interior da cadeia, o que não veio a suceder, porém entendeu-se que dominou todos os factos anteriores, que permitiriam que a droga entrasse no EP. A parte na atividade total que cabia ao arguido recorrente percebe-se a partir das mensagens telefónicas que constavam nos telemóveis dos outros co-arguidos, onde se fazia alusão evidente a encomendas de droga a DD (cf. ac. TRC, p. 61-2), ou ainda através do teor das cartas trocadas ou das mensagens trocadas entre o arguido recorrente e a arguida GG (cf. ac. TRC, p. 65), ou na carta de EE dirigida à arguida GG (cf. ac. TRC, p. 67) onde se percebe que era o arguido AA quem dirigia as condutas conducentes à obtenção de droga fora do EP e depois sua introdução no interior do EP.

Por isto foi entendido que todos os arguidos teriam atuado em co-autoria após uma decisão conjunta e uma execução conjunta. Todavia, os arguidos reclusos, ainda que tivessem orientado os atos que era necessário realizar fora do EP para que a droga chegasse até eles, ainda que tenham orientado a realização de tais atos, nomeadamente convencendo as suas companheiras a obterem e transportarem a droga até ao EP, o certo é que nada mais fizeram. Isto é, não venderam qualquer produto estupefaciente no interior do EP, dado que este nem sequer chegou até eles, pelo que parece terem praticado apenas uma tentativa deste crime. Será isto o bastante para que possamos considerá-los como co-autores numa tentativa de venda de estupefacientes no interior do EP ?

Assim, deverá questionar-se da admissibilidade da punição do co-autor na tentativa.

Neste âmbito, as soluções da doutrina são distintas, embora a doutrina portuguesa se pronuncie pela solução individual, relativamente à solução global na punição do co-autor no crime tentado.

A solução global, maioritariamente defendida na doutrina germânica, entende que “a partir do momento em que um co-autor pratica, de acordo com a decisão conjunta, o primeiro ato de execução, devem todos os outros co-autores ser punidos por tentativa, mesmo que ainda não tenham levado a cabo qualquer ato de execução”[8]; por seu turno, para aqueles que defendem a solução individual “cada co-autor só deve ser punido por tentativa quando a sua atuação alcançou o estádio da execução”[9].

A partir daqui, e seguindo a solução global, facilmente concluímos pela punição do facto recorrente como co-autor na tentativa do crime de tráfico de estupefacientes no EP, dado que os outros co-autores já tinham praticado atos de execução, nomeadamente a obtenção do produto estupefaciente e a sua detenção até às imediações do EP, seguindo-se-lhes o ato de introdução no EP para depois aí ser vendido.

A partir da solução individual, defendida entre nós por Figueiredo Dias e Conceição Valdágua, para que o co-autor seja punido pela tentativa terá que ter uma atuação que de algum modo se possa considerar como integrando os atos de execução previstos no art. 22.º, n.º 2, do CP. E a partir da síntese apresentada por Conceição Valdágua “a tentativa começa, em relação a cada co-autor, quando o respetivo agente, em conformidade com o plano de execução do facto acordado entre ele e os outros comparticipantes, pratica ou torna parte directa na prática de um acto de co-autor (...) ou quando esse agente também em conformidade com o aludido plano, pratica ou toma parte directa na prática de um acto de cumplicidade, ao qual, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, tendo em conta o dito plano, irá seguir‑se em estreita conexão temporal, um acto do co-autor, a praticar pelo mesmo agente ou em cuja prática ele tomará parte directa[10]. Ora, é exatamente o que ocorre nos presentes autos relativamente ao co-arguido AA dado que a sua colaboração foi decisivo para que os outros co-arguidos realizassem os atos necessários de aquisição, transporte e detenção da droga até praticamente dentro do EP, e de seguida em estreita conexão temporal com estes atos, não fosse a intervenção das autoridades, realizaria o acto de venda dentro do EP tal como estava delineado no plano anterior. Assim podendo concluirmos pela punibilidade do recorrente pela tentativa de tráfico de estupefacientes agravado, em co-autoria[11].

Na verdade, sob o ponto de vista do crime de tráfico de estupefacientes na modalidade de venda daqueles no estabelecimento prisional, o arguido recorrente apenas participou numa tentativa de venda de estupefacientes dentro do estabelecimento prisional; e tentativa porque nunca foi realizado, no interior do EP, qualquer ato de venda daquela droga. E o mesmo aconteceu relativamente aos restantes arguidos — CC e FF — que estavam no EP e acordaram com as companheiras de modo a deterem e a transportarem a droga até ao EP. Também relativamente a eles apenas se pode dizer que houve uma tentativa de venda de estupefacientes no EP, uma tentativa do crime qualificado previsto no art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93 pune expressamente a conduta de tráfico quando a “infração tiver sido cometida em estabelecimento prisional” — ora, não só o ato de venda não se chegou a verificar, como todos os outros atos realizados pelos outros arguidos e que faziam parte deste plano não foram “cometidos em estabelecimento prisional”.

Relativamente aos outros arguidos — BB, EE, GG e DD — os atos que realizaram integravam também a tentativa de venda dos estupefacientes no EP consequência do plano delineado por todos, mas também os atos de “detenção”, ou “transporte” da droga.

Pelo que, estes arguidos que detiveram a droga já consumaram um crime de tráfico de estupefacientes — assim se considerando que praticaram o crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, n.º 1, do Dec.Lei n.º 15/93 as arguidas BB, EE e GG. Quanto ao arguido DD que arremessou um pacote contendo estupefacientes para dentro do EP de Coimbra, no dia 23.09.2010, também pratica um crime de tráfico de estupefacientes, nos termos do art. 21.º, do Dec. Lei n.º 15/93. Porém, também participaram (BB, EE, GG e DD) no decisão conjunta e execução conjunta de um crime de tráfico de estupefacientes agravado (venda de droga no interior do EP) que ficou pelo estádio da tentativa.

Assim, teremos que averiguar se existe ou não concurso entre o crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, n.º 1, e a tentativa de tráfico de estupefacientes agravado, previsto no art. 21.º, n.º 1 e art. 24.º, al. h), do mesmo diploma.

A primeira indagação a fazer será a de saber se estaremos perante um concurso de normas, e consequentemente verificar se existe a prevalência de uma em relação a outra.

O que se apresenta neste caso é, por um lado, a consumação de um tipo fundamental (o crime revisto no art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93) e, por outro lado, a tentativa de um tipo qualificado (em função de uma maior ilicitude), de um tipo especial, relativamente ao tipo geral. E neste caso tem-se entendido que a relação de especialidade que intercede quando o crime prevalecente atingiu a fase da consumação “já não [existe aquela relação de especialidade] quando esteja em causa uma tentativa do tipo especial e a consumação do tipo geral. (...) Cremos porém que em casos deste teor não deve afirmar-se nem a especialidade nem a subsidiariedade, que eles não são de “unidade”, mas de pluralidade de normas ou de leis concretamente aplicáveis. (...) Dizer isto implica, portanto, ver aqui casos de “concurso” de crimes, se bem que não forçosamente sob a forma de um concurso de crimes efetivo, puro ou próprio”[12].

Ou seja, não ocorrendo um concurso de normas, estamos perante um caso de concurso de crimes impróprio, impuro ou aparente, na terminologia atual de Figueiredo Dias[13], ou um caso de concurso de crimes, na terminologia de Eduardo Correia. Mas a não justificar a punição por ambos os crimes, antes a justificar a punição pelo ilícito dominante, levando para a determinação da medida da pena o ilícito dominado, dado que a conduta globalmente analisada é portadora de uma pluralidade de sentidos de ilícitos autónomos, como acontece nos presentes autos: um ilícito subjacente ao tráfico de estupefacientes e outro ilícito derivado da tentativa agravada pelo facto de aquele tráfico ocorrer dentro do estabelecimento prisional, havendo uma conexão quase total entre ambos os ilícitos a determinar que se analise o comportamento a partir do sentido de desvalor jurídico-social dominante. Na verdade, o que aparece como dominante é o ilícito de (tentativa de) tráfico dentro do estabelecimento prisional, embora não se tenha chegado a consumar. Assim sendo, entendendo este último como ilícito dominante, deve a conduta dos arguidos ser qualificada pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada.

Assim, quer os co-arguidos que estavam fora do EP e que obtiveram a droga e a detiveram e transportaram até às imediações do EP, quer os co-arguidos que estavam dentro do EP, praticaram um crime qualificado de tráfico de estupefacientes, na forma tentada.

Quanto aos co-arguidos BB, EE, GG e DD, e porque detiveram o produto estupefaciente, integram também com a sua conduta o crime consumado de tráfico de estupefacientes, previsto e punido nos termos do art. 21.º, do DL n.º 15/93.

Porém, sabendo que os co-arguidos BB, DD, EE e GG detiveram o estupefaciente que lhes foi apreendido porque concordaram praticar este facto ilícito-típico em acordo com os arguidos AA, CC e FF, devemos ainda considerar estes arguidos como co-autores do crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93. Na verdade, como vimos, da matéria de facto provada resulta que o produto apreendido nos arguidos BB, DD, EE e GG tinha sido pedido ou destinava-se a ser vendido no interior do EP. Pelo que também os arguidos AA, CC e FF participaram em todos os atos conducentes à obtenção do produto estupefaciente, transporte e detenção até ao EP. Assim, também os arguidos AA, CC e FF praticaram o crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, do DL n.º 15/93.

Assim sendo, também aqui estaremos perante um problema de concurso de crimes, enquanto concurso impróprio ou impuro de crimes, entre uma tentativa de um crime de tráfico de estupefacientes agravado e um crime consumado de tráfico de estupefacientes. Também aqui, analisando globalmente o ilícito, surge como ilícito dominado o crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º, do DL n.º 15/93, e como ilícito dominante a tentativa do crime de tráfico de estupefacientes agravado, devendo, pois, a pena ser determinada tendo isto em consideração.

Conclui-se, pois, quanto ao arguido recorrente AA, e tendo em conta os factos dados como provados, que praticou, como co-autor, um crime de tráfico de estupefacientes agravado na forma tentada, previsto e punido nos termos do art. 21.º, n.º 1, e art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, e arts. 22.º e 23.º, do CP, e em concurso de crimes impuro, o crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93.

E por força dos arts. 402.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, e art. 403.º, n,º 3, todos do CPP deverão ser retiradas as devidas consequências para os restantes co-arguidos; assim:

- quanto aos arguidos CC e FF, praticaram, como co-autores, um crime de tráfico de estupefacientes agravado na forma tentada, previsto e punido nos termos do art. 21.º, n.º 1, e art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, e arts. 22.º e 23.º, do CP, e em concurso de crimes impuro, o crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93;

- quanto aos arguidos BB, DD, EE e GG, praticaram, como co-autores, um crime de tráfico de estupefacientes agravado na forma tentada, previsto e punido nos termos do art. 21.º, n.º 1, e art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, e arts. 22.º e 23.º, do CP, e como autoras, e em concurso de crimes impuro, o crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93.

3. Da medida da pena

3.1. A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos arts. 71.º, n.º 1 e 40.º do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade da pessoa humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena dever-se-á ter em conta todas as circunstâncias que depuseram a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os fatores de determinação da pena elencados no art. 71.º, n.º 2, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenha sido em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração).

Acresce que o nosso sistema de reações criminais é claramente caracterizado por uma preferência pelas penas não privativas da liberdade ─ cf. art. 70.º do CP ─ devendo o tribunal dar primazia a estas quanto se afigurem bastantes para que sejam cumpridas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

3.2.1. Quanto ao crime qualificado de tráfico de estupefacientes na forma tentada concorrem, pois, duas circunstâncias modificativas da moldura penal — uma agravante, decorrente do disposto no art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, e outra atenuante, decorrente da forma tentada. Neste caso, e através do modelo de funcionamento sucessivo das circunstâncias modificativas da moldura penal, começam por funcionar as agravantes e depois as atenuantes[14], pelo que

- a moldura prevista no art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, é de 4 a 12 anos de prisão,

- sendo agravada de ¼ nos seus limites mínimo e máximo, por força do  art. 24.º, do DL n.º 15/93, ou seja, temos uma moldura abstrata da pena entre 5 e 15 anos de prisão,

- funcionamento sucessivamente a atenuante, por força da tentativa, nos termos dos arts. 23.º, e 73.º, do CP, pelo que o limite máximo é reduzido de 1/3, e o limite mínimo a 1/5, sendo a moldura abstrata da pena entre 1 e 10 anos de prisão. 

Assim, relativamente aos arguidos BB, DD EE e GG, porque cometeram em concurso de crimes impróprio ou impuro os crimes de tráfico de estupefacientes agravado na forma tentada, e o crime de tráfico de estupefacientes consumado, deverão ser punidas pelo ilícito dominante, levando em consideração na pena concreta o ilícito dominado; porém, a moldura do ilícito dominante é de pena de prisão de 1 a 10 anos, enquanto que a moldura do ilícito dominado de 4 a 12 anos de prisão. Assim, tendo em conta a distonia entre a moldura aplicada ao ilícito dominante e ao ilícito dominado, e porque se tivessem praticado apenas o tráfico de estupefacientes por detenção de droga “o ilícito dominado seria mais severamente punível do que aquele que, para além do ilícito dominado, realizou também o dominante”, então, e usando as palavras de Figueiredo Dias, “resta assim (...) trazer para este contexto a cisão teorética entre norma de comportamento e norma de sanção”, pelo que “o ilícito socialmente dominante continua a oferecer o sentido do facto global”, mas em termos de sanção, a pena deverá ser determinada em função da moldura abstrata do lícito dominado, ou seja, a de pena de prisão entre 4 e 12 anos[15]

Em primeira instância, foi deliberado:

«a) Condenar a arguida BB, como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelos artºs 21, n.º1, 24.º h) do DL 15/93, de 22.1 (com referência à tabela I-C, anexa àquele diploma) na pena de 5 anos de prisão.

b) Determinar a suspensão de execução da pena aplicada em a) pelo período de 5 anos, suspensão condicionada a regime de prova e, bem assim, aos deveres de a arguida se submeter a um plano individual de readaptação social a elaborar pela DGRS o qual será depois homologado pelo Tribunal, e de responder às convocatórias pelo técnico de reinserção social, disponibilizando-lhe as informações necessárias, designadamente alterações de residência (art.s 52º e 54° Código Penal). (...)

d) Condenar o arguido DD, como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelos artºs 21°, nº1, 24° h) do DL 15/93, de 22.1 (com referência à tabela I-C, anexa àquele diploma) na pena de 7 anos e 6 meses de prisão.

e) Condenar a arguida EE, corno co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes. p.p. pelos artºs 210, n°1, 24º h) do DL. 15/93, de 22.1 (com referência à tabela I-C, anexa àquele diploma) na pena de 7 anos e 6 meses de prisão. (...)

g) Condenar a arguida GG, como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelos art's 21°, n°1, 24° h) do DL 15/93, de 22.1 (com referência à tabela anexa àquele diploma) na pena de 6 anos de prisão. (...)

m) Determinar se comunique à DGRS, que apresentará relatório semestral quanto ao cumprimento pela arguida BB dos deveres inerentes ao regime de prova e evolução da mesma. (...)».

E pelo Tribunal da Relação de Coimbra foi decidido:

« Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos CC, EE, FF, GG, AA e DD e, consequentemente, confirmar o acórdão recorrido.»

Ora, a condenação destes arguidos — BB, DD EE e GG — em 1.ª instância (e confirmada a punição em 2.ª instância) foi com base na moldura penal do crime de tráfico de estupefacientes qualificado, isto é a moldura entre 5 e 15 anos, dado que a moldura do art. 21.º, n.º 1, de 4 a 12 anos de prisão, é agravada de ¼ nos seus limites mínimo e máximo. Ou seja, os arguidos referidos vão agora ver a sua pena alterada em função desta nova moldura, por força do disposto nos arts. 402.º, n.º 2, al. a e n.º 3, do CPP.

Assim entendemos que:

- quanto à arguida BB, que vinha condenada numa pena de 5 anos de prisão (suspensa com regime de prova e cumprimento de deveres), deverá ser condenada numa pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa por igual período, mantendo-se o regime de prova e as condições referidas no acórdão recorrido;

- quanto ao arguido DD, que vinha condenado numa pena de 7 anos e 6 meses de prisão, deverá ser condenado numa pena de prisão de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses;

- quanto à arguida EE, que vinha condenada numa pena de 7 anos e 6 meses de prisão, deverá ser condenada numa pena de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses;

- quanto à arguida GG, que vinha condenada numa pena de 6 de prisão, deverá ser condenada numa pena de 4 (quatro) anos;

- dado que a arguida GG é punida apenas com uma pena de 4 anos e 6 meses de prisão, coloca-se o problema de saber se pode ou não a pena ser substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão, ao abrigo dos arts. 50.º e ss, do CP.

Segundo a matéria de facto provada, a arguida não tem antecedentes criminais, e tem uma filha de 12 anos do seu atual companheiro e aqui arguido AA. Desde os 13/14 que trabalha, ora como empregada num restaurante, ora como operária na indústria de conservas (até à falência da empresa); depois trabalhou na “Longa Vida” e, por fim, como operária numa empresa de construção, desde 2010. Porém, está “em prisão preventiva desde Abril [onde] tem mantido um comportamento ajustado ao normativo prisional e revela interesse em estar laboralmente activa. Dispõe de competências pessoais, de enquadramento habitacional e familiar consistente e viabilidade de colocação na empresa onde, desde 2010, exercia funções” (cf. matéria de facto provada).

O nosso sistema de reações criminais é claramente caracterizado por uma preferência pelas penas não privativas da liberdade — cf. art. 70.º do CP — devendo o tribunal dar primazia a estas quando se afigurem bastantes para que sejam cumpridas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. Ora, sabendo‑se que a arguida não tem antecedentes criminais, tem tido um comportamento ajustado no estabelecimento prisional e tem mantido atividade laboral neste, e sabendo que tem bom enquadramento habitacional e familiar, com possibilidade de colocação na empresa onde tem trabalhado desde 2010, entendemos que se impõem exigências de prevenção especial de socialização. Na verdade, se não é nesta primeira oportunidade que se pode admitir a possibilidade de criação das condições mínimas de socialização do delinquente, também não será possível conceder-lhe essa oportunidade em momentos posteriores depois de já ter cumprido uma pena de 4 anos. É nesta fase que se pode considerar ainda ser possível o afastamento da delinquente do mundo do crime.

É claro que estamos perante um crime contra a saúde pública, onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de proteção de bens jurídicos são prementes. Além disto, o “sentimento jurídico da comunidade” apelando, por um lado, a uma eliminação do tráfico de estupefacientes destruidor de filhos e famílias, por outro lado, também anseia por uma diminuição deste tipo de criminalidade e uma correspondente consciencialização de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas. Ora, esta necessidade de consciencialização do delinquente deverá num primeiro momento fazer apelo à utilização de mecanismos que lhe proporcionem outra forma de analisar a sua conduta, que não seja apenas aquela que o seu meio envolvente lhe mostra, de modo a dar-lhe os “instrumentos necessários” a prevenir uma reincidência. Devem, pois, ser criadas condições para que o delinquente se afaste da criminalidade, o que poderá ocorrer permitindo a suspensão da execução da pena em meio prisional, e promovendo a aplicação de um plano individual de readaptação a elaborar pela DGRS, a ser depois homologado pelo tribunal.

Por tudo o exposto, afigura-se-nos essencial a aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, com regime de prova, nos termos do art. 53.º do CP, a determinar pelo Instituto de Reinserção Social, sendo certo que o plano de reinserção social a estabelecer deverá englobar deveres, regras de conduta ou obrigações que permitam um “aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do condenado” (cf. art. 54.º, n.º 3 do CP). O regime de prova deverá abranger integralmente a duração da pena de substituição, cuja durabilidade corresponde à da pena principal de prisão anteriormente referida (quatro anos e seis meses), conforme o disposto no art. 50.º, n.º 5 do CP.

3.2.2.1. Quanto ao arguido recorrente AA, caberá determinar a pena tendo em conta que, de acordo com a nova qualificação jurídica dos factos, cometeu, como co-autor, um crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punido nos arts. 21.º e 24.º, al. h) do DL n.º 15/93, articulados com o disposto nos arts. 22.º e 23.º, do CP, e em  concurso impuro, um crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, articulado com o art. 26.º, do CP.

Assim, de acordo com as exigências de prevenção geral de integração (da norma) e de prevenção especial de socialização, tendo como limite a culpa, será determinada a pena concreta para o arguido recorrente, AA, a partir da moldura abstrata do ilícito dominado que é de 4 (quatro) a 12 (doze)[16]. Também aqui valem as considerações já apresentadas anteriormente, isto é, sendo a moldura abstrata do ilícito dominante (1 a 10 anos de prisão) menor do que a do ilícito dominado (4 a 12 anos de prisão), e apesar de ser o ilícito dominante que continua a oferecer o sentido da ilicitude do facto global, em termos de sanção a pena deverá ser determinada em função da moldura do ilícito dominado — o que significa determinar a pena a partir da moldura abstrata de pena de prisão entre 4 e 12 anos (diferentemente do que aconteceu na decisão recorrida, e que a pena foi determinada em função da moldura do ilícito consumado de tráfico de estupefacientes agravado que era de pena de prisão entre 5 e 15 anos). O arguido AA vinha condenado numa pena de 9 (nove) anos de prisão.

Tendo em conta o facto praticado, portador de acentuada gravidade não só porque se trataria de tráfico de estupefacientes, atividade de alta perigosidade para a saúde pública, mas também porque se pretendia fazer circular a droga em ambiente prisional com graves danos no ambiente daquela instituição e com a criação de perigo para a saúde dos outros reclusos, entende-se serem altas as necessidades de prevenção geral.

Mas, também as de prevenção especial dado que o arguido em cumprimento de pena por outros ilícitos continua a praticar crimes não demonstrando estar em processo crescente de socialização; como afirmou o Tribunal da Relação de Coimbra “o passado criminal do arguido marcado por cinco condenações ao tempo dos factos, sendo uma delas justamente pela prática do mesmo tipo de crime, reveladoras, para além de uma absoluta indiferença e insensibilidade em relação às penas anteriormente aplicadas, de uma atitude de desresponsabilização e desajustamento do arguido com os valores comunitários, circunstâncias que reforçam as exigências de prevenção especial” (cf. ac. TRC, p. 142). Porém, atualmente, tem “uma retaguarda familiar consistente, tendo uma filha e uma companheira” (cf. matéria de facto provada). Assim, entende-se como adequada a pena de 7 anos e 6 meses de prisão.

3.2.2.2. O recorrente considerou ainda que a determinação da sua pena não cumpria o princípio da igualdade, por entender que a pena que lhe foi atribuída não seria a mais justa, adequada e proporcional tendo em conta as penas que foram impostas aos restantes arguidos.

Ora, dos factos provados constata-se que o embrulho arremessado a 23 de setembro 2010 o foi a pedido de AA e CC, que o embrulho que DD tentava arremessar a 13 de novembro de 2010 se destinava também a AA e CC, que todo o produto estupefaciente se destinava a ser introduzido no EP e a ser vendido pelos arguidos AA e CC, que a arguida BB detinha produto estupefaciente que se destinava a ser entregue a CC, e depois a AA para este o vender no interior do EP, e que o produto estupefaciente apreendido a EE era para entregar a FF, que depois o entregaria a AA, para este o vender no interior do EP. É a partir destes elementos que se percebe que o tribunal recorrido tenha aplicado penas muito próximas, embora no caso de AA acima da pena atribuída a CC (foram condenados numa pena de 9 e 8 anos, respetivamente), mas uma pena idêntica à pena de FF (também de 9 anos de prisão).  Se dúvidas houvesse quanto à determinação das penas concretas estas residiriam na pena atribuída ao arguido FF, só compreensível atendendo ao elevado número de crimes anteriormente praticados, alguns deles também pelo crime de tráfico de estupefacientes. Quanto ao arguido AA agora recorrente, e atendendo a que pelos factos dados como provados aparece como o mentor de toda as condutas que decorreram, justifica-se a sua pena, não se considerando atentas as penas atribuídas aos outros arguidos como desajustada ou desproporcional relativamente àquelas. Pena que, todavia, vai alterada atendendo à nova qualificação.

3.2.3 Devendo, nos termos do art. 402.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, e art. 403.º, n.º 3, todos do CPP, retirar-se as devidas consequências para os outros dois co-arguidos que também tinham participado no acordo, que foram condenados pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado nos termos dos arts. 21.º e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, e que agora devem ser considerados co-autores do crime tentado de tráfico de estupefacientes qualificado, nos termos dos art. 21.º e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, articulado com os arts. 22.º e 23.º, do CP, entendemos que a pena a atribuir aos co-arguidos FF e CC, que tinham sido condenados em 9 anos de prisão e 8 anos de prisão, respetivamente, devem agora ser condenados na pena de 6 (seis) de prisão e 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

3.3. Atendendo a que não foi dado conhecimento prévio da qualificação jurídica dos factos a que se procedeu no presente acórdão ao arguido recorrente, poderá questionar-se da necessidade (ou não) de cumprimento do disposto no art. 424.º, n.º 3, do CPP.

Tem entendido este Supremo Tribunal que:

«III - Dispõe o n.º 3 do art. 424.º do CPP, introduzido pela Lei 49/07, de 29-08, que «sempre que se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida ou da respectiva qualificação jurídica não conhecida do arguido, este é notificado para, querendo, se pronunciar no prazo de 10 dias.

IV - O sentido da notificação dos interessados quando se vislumbra a possibilidade de serem alterados não substancialmente os factos ou a qualificação jurídica efectuada, decorre da necessidade de não pôr em causa o seu direito de defesa, o direito de se pronunciarem quanto a elementos surpresa de que não puderam oportunamente defender-se. E isso resulta claramente do preceito transcrito, quando se refere à alteração «não conhecida do arguido».

V - Ora, tal não sucede quando o Tribunal se limita a alterar a qualificação jurídica, “desagravando” um crime de qualificado para simples, por entender que determinada circunstância qualificativa acaba por não ter no caso em apreciação o valor agravativo suposto pela norma; então, não só não se verifica surpresa, pois o interessado já fora chamado a pronunciar-se sobre a circunstância qualificativa que agora se tem por não verificada, como o bem jurídico protegido é o mesmo e se trata de uma reforma para melhoria da qualificação e consequente condenação – cf. Simas Santos e Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II, anotação ao art. 358.º.» (acórdão de 31.10.2007, processo n.º 07P3271, relator Cons. Costa Mortágua, sumário em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9c6fd4d2d3809b25802573da0055c3c8?OpenDocument ).

Também aqui ocorre um “desagravamento” da pena, uma diminuição da pena. Na verdade, todos os arguidos vinham condenados como co-autores no crime de tráfico de estupefacientes agravado, por força do disposto no art. 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, ou seja, penas determinadas em função de uma moldura abstrata da pena entre 5 e 15 anos de prisão. Com a nova qualificação jurídica todos os arguidos passam a ver as suas penas concretas determinadas em função de uma moldura abstrata entre 4 e 12 anos de prisão. Procedeu-se, pois, a uma “desagravamento” da citação penal dos arguidos, pelo que entendemos não ser necessário proceder àquela notificação.


III

Conclusão


            Nos termos acima expostos, acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Conceder provimento parcial ao recurso interposto por AA, condenando-o pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punido nos termos dos arts. 21.º e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22.01, articulado com os arts. 22.º e 23.º, do Código Penal, na pena de prisão de 6 (seis) anos.

2. Por força do disposto nos arts. . 402.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, e art. 403.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal, condenar o arguido CC pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punido nos termos dos arts. 21.º e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22.01, articulado com os arts. 22.º e 23.º, do Código Penal, na pena de prisão de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses.

3. Por força do disposto nos arts. . 402.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, e art. 403.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal, condenar o arguido FF pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punido nos termos dos arts. 21.º e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22.01, articulado com os arts. 22.º e 23.º, do Código Penal, na pena de prisão de 6 (seis).

4. Por força do disposto nos arts. 402.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, e art. 403.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal, condenar o arguido BB pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punido nos termos dos arts. 21.º e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22.01, articulado com os arts. 22.º e 23.º, do Código Penal, , na pena de prisão de 4 (quatro), suspensa por igual período, mantendo-se o regime de prova e as condições referidas no acórdão recorrido.

5. Por força do disposto nos arts. 402.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, e art. 403.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal, condenar o arguido DD pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punido nos termos dos arts. 21.º e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22.01, articulado com os arts. 22.º e 23.º, do Código Penal, na pena de prisão de 5 (cinco) e 2 (dois) meses.

6. Por força do disposto nos arts. . 402.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, e art. 403.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal, condenar a arguida EE pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punido nos termos dos arts. 21.º e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22.01, articulado com os arts. 22.º e 23.º, do Código Penal, na pena de prisão de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses.

7. Por força do disposto nos arts. . 402.º, n.º 2, al. a) e n.º 3, e art. 403.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal, condenar o arguido GG pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, na forma tentada, previsto e punido nos termos dos arts. 21.º e 24.º, al. h), do DL n.º 15/93, de 22.01, articulado com os arts. 22.º e 23.º, do Código Penal, , na pena de prisão de 4 (quatro) anos, substituída pela pena de suspensão da execução da pena de prisão, por igual período, e com regime de prova, nos termos dos arts. 50.º e 53.º, do Código Penal, a fixar pelo DGRS.

8. No mais, manter a decisão recorrida.

Porque o recurso obteve provimento parcial não são devidas custas, de harmonia com o disposto no art. 513.º, n.º 1 do CPP.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de novembro de 2014

Helena Moniz (Relatora)

Rodrigues da Costa

___________________
[1] O verbo falta no original.
[2] A numeração aparece repetida no original.
[3] Assim, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, p. 149 (nm. 235).
[4] Figueiredo Dias, Crime Preterintencional, causalidade adequada e questão-de-facto, RDES, ano XVII (1970), p. 34 (separata).
[5] A Senhora Procuradora invoca em defesa desta sua posição o acórdão do STJ, de 06.11.2014 (proc. n.º n.º 08P2501, relator Cons. Arménio Sottomayor, www.dgsi.pt)
Porém, não nos vamos deter nele dado que se trata de situações diferentes. Na verdade, o que temos no acórdão referido é um caso de tentativa impossível (punível) por não manifesta inexistência do objeto essencial à consumação do crime, dado que o produto tinha sido, antes da sua tomada de posse pelos reclusos, mudado; do saco tinha sido retirado o produto estupefaciente e introduzido outro. Porém, neste caso referido o produto estupefaciente já tinha entrado no estabelecimento prisional, e não fosse a troca do produto, a detenção já tinha sido cometida no interior do EP.
[6] Neste sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal,, Parte Geral, Coimbra: Coimbra Editora, 20072, 11/ § 56.
[7] Figueiredo Dias, ob. cit., 28/ § 67; em sentido idêntico, Jescheck/Weigend, Tratado de Derecho Penal — Parte General, Granada: Comares, 2002, p. 563.
[8] Figueiredo Dias, ob. cit. supra, 31/ § 87.
[9] Idem.
[10] Conceição Valdágua, Início da tentativa do co-autor, Lisboa: Ed. Danúbio, 1986, p. 216-7 (itálico nosso).
[11] Alguma semelhança poder-se-ia estabelecer entre o caso dos autos e aqueles outros que compram droga em país estrangeiro e se servem depois dos ditos “correios de droga” para a fazerem introduzir no país; também aqui o “correio de droga” comete o crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º, n,º 1, do Dl n.º 15/93, pela simples detenção daquele produto; e aquele que a comprou também comete o crime de tráfico de estupefacientes, dado que não se pode entender estarmos apenas perante uma tentativa, porque já realizou o ato de importação da droga, o que integra já uma das condutas do crime previsto no dispositivo referido. A diferença relativamente aos factos aqui provados reside apenas na circunstância de nos autos não existir matéria de facto provada que nos permita concluir que os reclusos também tinham comprado a droga que se tentou introduzir dentro do EP. Em ponto nenhum da matéria de facto provada se diz que eles participaram na aquisição do produto para depois o venderem, mas apenas que a droga estava a ser introduzida no EP a seu pedido. Ora, os atos de detenção e compra eram atos de execução do crime de venda de estupefacientes, porém a detenção da droga pelos arguidos não reclusos é já um ato de consumação do crime de tráfico de estupefacientes. Um outro problema que se poderia colocar seria em relação a um agente que tendo encomendado uma certa quantidade de droga para vender na rua, e indo ao seu encontro o transportador da droga para a entregar é este interceptado pela polícia, não chegando aquele comprador a tomar posse da droga comprada. Porém, também aqui podemos dizer que cometeu o ilícito do art. 21.º dado que integra a conduta prevista no tipo — “comprar” a droga. O ponto principal da diferença relativamente ao caso que nos ocupa reside na ilicitude agravada aqui existente dado que o art. 24.º, al. h), do DL n.º 15/93 exige que a infracção tenha sido cometida em estabelecimento prisional, pelo que apenas os arguidos detidos poderiam ter cometido em estabelecimento prisional, e de acordo com os factos provados o crime de venda de estupefacientes em EP, o que não aconteceu; nem estes arguidos detidos realizaram qualquer outra conduta, das previstas no art. 21.º, do DL n.º 15/93, dentro do estabelecimento prisional — não comparam, não distribuíram, na receberam...., não fizeram transitar dentro do EP qualquer produto estupefaciente.
[12] Figueiredo Dias, ob. cit. supra, 42/ § 9 (itálico do autor).
[13] Perante a “concorrência de sentidos dos ilícitos realizados” deverá determinar-se o “sentido de ilícito absolutamente dominante” — “a questão coloca-se (...) quando a tentativa de um crime qualificado converge com a realização consumada do crime fundamental. Qualquer solução que negasse o concurso de crimes violaria seguramente o mandado de esgotante apreciação do ilícito, na medida em que, para além da tentativa, se verifica um resultado  adicional doloso, mas não intencionado. Punir, por outro lado, por concurso efectivo implicaria violar a proibição da dupla valoração, porquanto, ao nível do ilícito global, se repetiria a tomada em consideração de circunstâncias relevantes para cada um dos tipos penais concorrentes” (Figueiredo Dias, ob. cit. supra, 43/ § 28).
[14] Neste sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal Português (As consequências jurídicas do crime), Lisboa: Ed. Notícias/Aequitas, 1993, § 268 e ss; Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 40.
[15] Citações de Figueiredo Dias, ob. cit. supra, 43/ §§ 34 e 36. Na verdade, este raciocínio aproxima-se daquilo que Eduardo Correia fazia no âmbito da consumpção impura — cf. Eduardo Correia, Direito Criminal, vol. II, Coimbra: Almedina, 1993 (reimpressão), sp. 207 e s, e do mesmo autor, A teoria do concurso em direito criminal, Coimbra: Almedina, 1983, p. 153 e ss
[16] Sabe-se (cf. matéria de facto provada) que o arguido foi condenado também por um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido nos art. 21.º e 24.º, do DL n.º 15/93, por decisão de 11.05.2004, na pena de prisão de 5 anos; e está preso desde 24.04.2002. Assim, poder-se-ia colocar um problema de reincidência, porém não só não existe matéria de facto provada nos autos para que se possa concluir pela verificação (ou não) dos pressupostos da reincidência, como isso conduziria a uma agravamento da pena, de todo não admissível em atenção ao princípio da proibição da reformatio in pejus.