Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1183/15.0JAPRT-C.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: HABEAS CORPUS
FUNDAMENTOS
PRISÃO ALTERNATIVA DA MULTA
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
HOMICÍDIO
NULIDADE DO ACÓRDÃO
Data do Acordão: 05/17/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – ATOS PROCESSUAIS / NULIDADES – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / REVOGAÇÃO, ALTERAÇÃO E EXTINÇÃO DAS MEDIDAS – JULGAMENTO / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA / HOMICÍDIO QUALIFICADO.
Doutrina:
-Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, Volume V, reimpressão, Coimbra 1981, p. 114;
-Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, Volume III, reimpressão da Universidade Católica, Lisboa 1981, p. 35;
-Damião da Cunha, Caso julgado Parcial, p. 143;
-Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, 4.ª Edição, 2007, p. 508;
-Maia Costa, Código de Processo Penal, Comentado por Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, 2016, Almedina, 2.ª Edição revista, p. 853 a 855;
-Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II, Coimbra,1974, 4.ª reimpressão, p. 415;
-Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 3.ª Edição, p. 48.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 122.º, N.ºS 1, 2 E 3, 215.º, N.ºS 1, ALÍNEA D), 2 E 6, 379.º, N.º 1, ALÍNEA C), 409.º E 420.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 77.º, N.º 2 E 132.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 06-03-1079, IN BMJ, N.º 285º, P. 286;
- DE 21-11-1994, IN CJSTJ, ANO1994, TOMO III, P. 264;
- DE 10-01-2002, PROCESSO N.º 2/02;
- DE 23-06-2003, IN CJSTJ, ANO XI, TOMO II, 2003, P. 230;
- DE 05-05-2005, IN CJSTJ, ANO XIII, TOMO II, 2005, P. 194;
- DE 01-02-2006, PROCESSO N.º 05P1834, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 01-02-2007, PROCESSO N.º 353/07;
- DE 20-09-2007, PROCESSO N.º 3470/07, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 07-11-2007, PROCESSO N.º 07P4209, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 14-05-2008, IN CJSTJ, ANO XVI, TOMO II, 2008, P. 232;
- DE 05-03-2009, PROCESSO N.º 1126/06, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 13-04-2009, PROCESSO N.º 92/09.7YFLSB;
- DE 30-06-2010, PROCESSO N.º 1375/07.6PBMTS.P1.S1, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 27-07-2010, PROCESSO N.º 1375/07.6PBMTS-F1.S1, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 20-10-2010, PROCESSO N.º 3554/02.3TDLSB.S2;
- DE 15-04-2015, PROCESSO N.º 147/13.3JELSB-C.S1, IN WWW.DSGI.PT;
- DE 22-07-2015, PROCESSO N.º 93/10.2TAMDL;
- DE 04-02-2016, PROCESSO N.º 502/15.4JDLSB-A.S1;
- DE 12-05-2016, PROCESSO N.º 974/13.1PIVNG.G2.S1;
- DE 30-11-2016, PROCESSO N.º 252/11.0JAAVR.S1.
Sumário :
I - Diferentemente do que acontece com o ato inexistente, que não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter eficácia jurídica, sendo, por isso, inidóneo para produzir quaisquer efeitos, na nulidade, o ato existe mas não produz ou pode não produzir os efeitos para que foi criado, ante uma falta ou irregularidade no tocante aos seus elementos internos.
II - A disciplina relativa aos efeitos da anulação parcial de uma sentença, tal como resulta do disposto no art. 122.º do CPP, está construída na base do princípio do máximo aproveitamento possível da parte não afectada pela nulidade (n.º 3), razão pela qual se exige que a decisão de anulação parcial de uma sentença determine quais os atos que passam a considerar-se inválidos (n.º 2), na medida em que tal decisão só vale com os contornos, sentido, alcance e consequências nela definidas ( n.º 1).
III - Tendo o acórdão do STJ confirmado o acórdão do Tribunal da Relação na parte em que conclui que o arguido cometeu quatro crimes de homicídio, mas declarado parcialmente nulo o acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, quanto à determinação, não individualizada, das penas parcelares correspondentes a cada um dos crimes de homicídio qualificado e relativamente à pena única conjunta a aplicar ao concurso destes crimes, sem prejuízo de se observar a proibição da "reformatio in pejus" (art. 409.º do CPP), a anulação respeita tão só a este segmento do acórdão recorrido, deixando intocada a parte não inquinada.
IV - Quer isto dizer que, apesar da anulação parcial do acórdão recorrido do Tribunal da Relação, circunscrita à determinação, não individualizada, de cada uma das penas parcelares e da pena única conjunta a aplicar ao concurso de crimes, o acórdão deste STJ, ainda assim, confirmou a decisão da Relação na parte em que o acórdão da 1.ª instância decidiu a condenação do arguido pelos crimes de homicídio qualificado.
V - E porque o acórdão do Tribunal da Relação transitou em julgado, nesta parte, dúvidas não restam de que esta condenação do arguido constitui caso julgado formal, sendo, por isso, insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati).
VI - Vale tudo isto por dizer, na lógica do regime da anulação parcial do acórdão recorrido, que este acórdão não só subsiste na parte em que confirmou o acórdão do tribunal de 1.ª instância como, neste segmento, tem eficácia jurídica e produz efeitos juridicamente relevantes (nisso se distinguindo da inexistência), designadamente no que respeita à consolidação da condenação do arguido pelos referidos crimes de homicídio qualificado que, por força do caso julgado formado, tomou-se definitiva, não podendo mais ser alterada pelo Tribunal da Relação, nem sindicada em futuros recursos pelo arguido.
VII - Deste modo, se é certo que a anulação parcial do acórdão recorrido incidiu sobre a determinação das penas parcelares (de 15, 16, 17 e 19 anos de prisão) e da pena unitária respeitante ao concurso de crimes (25 anos de prisão) aplicadas pelo acórdão do tribunal de 1 a instância, que, foram eliminadas por essa via, seguro é também afirmar que o arguido, na situação processual em que se encontra actualmente, tem por certa uma condenação de, pelo menos, 12 anos de prisão, que corresponde ao limite mínimo aplicável a cada um dos quatro crimes de homicídio qualificado pelos quais está condenado (cfr. art. 132.º, n.º 1, do CP) e ao limite mínimo aplicável do concurso de crimes (cfr. 77.º, n.º 2, do CP), o que não pode deixar de relevar para efeitos de aplicação do prazo máximo de duração da prisão preventiva estabelecido no art. 215.º, n.º 6, do CPP, por referência ao disposto no n.º 1, al. d) e n.º 2 do mesmo artigo, pois, por força do caso julgado formado quanto à condenação do arguido, é inquestionável que a este nunca poderá ser aplicada uma pena unitária inferior a 12 anos de prisão.
VIII - O prolongamento da prisão preventiva previsto no art. 215.°, n.º 6 do CPP, tem na génese um suficiente grau de certeza acerca da prática do crime, da sua autoria e da existência de culpa (baseado num duplo juízo condenatório), pelo que fazendo uma interpretação racional deste preceito, não se pode limitar a sua aplicação aos casos em que haja uma absoluta sobreposição entre a decisão da 1.ª instância e a decisão de recurso, devendo, antes, ser alargado a outros casos que envolvam igualmente um duplo grau condenatório, designadamente quando o tribunal de recurso rejeita o recurso nos termos do art. 420.º do CPP ( e, por isso não altera o julgado) ou aplica pena igual, inferior ou superior à pena da sentença recorrida.
IX - Assim, na consideração de que o acórdão recorrido do Tribunal da Relação, na parte não anulada e no limite mínimo de 12 anos de prisão em que converge com a decisão da 1.ª instância é confirmatório e não deixa de produzir os efeitos jurídicos decorrentes do disposto no art. 215.º, n.º 6, do CPP, impõe-se concluir que, neste caso, o prazo máximo de duração de prisão preventiva é de 6 anos.
X - Tendo a prisão preventiva do arguido peticionante sido ordenada pela autoridade judiciária competente, motivada por facto pela qual a lei permite e mantendo-se a mesma dentro do prazo máximo de duração dessa medida de coação na situação em que o arguido ora se encontra, impõe-se concluir que o requerente não está em situação de prisão ilegal, não se verificando, por isso, a existência dos pressupostos de concessão da providência extraordinária de habeas corpus.
Decisão Texto Integral:

3ª-Secção[1]


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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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I. RELATÓRIO

AA, [...] actualmente detido no E.P. de ..., vem suscitar a seguinte providência de HABEAS CORPUS - art. 222, nº2,  alínea b) do C.P.P. nos termos e com os seguintes fundamentos, que se transcrevem:

«I – DOS FACTOS

1. O Requerente foi detido no dia 29-04-2015 como resulta de despacho a fls. , proferido na diligência de primeiro interrogatório a arguido detido, datado desse mesmo dia, que ordenou a emissão de mandados de condução do arguido ao EP, conforme comunicação de prisão preventiva e mandato de condução que se juntam e cujo teor se dá aqui como integrado e reproduzido para todos os legais efeitos (Docs n.os 1 e 2);

2. Na sequência foram realizadas as diligências de instrução, deduzida acusação, agendada e realizada audiência de discussão e julgamento;

3. Findas essas diligências processuais foi proferido Acórdão em 05/05/2016, pelo Tribunal Colectivo da Comarca do Porto - Instância Central de ... Secção Criminal - ..., no âmbito do processo n.º 1183/15.0JAPRT;

4. Nesta sequência, a decisão do acórdão julgou parcialmente a acusação pública parcialmente procedente, por provada e em consequência decidiu:

a) absolver o arguido AA de dois crimes de ameaça agravada, um na pessoa de BB e outro na pessoa de CC, p.p. pelos artigos 153°, n.º 1 e 155°, n.º 1, alínea a) do CP.

b) condenar o arguido AA como autor material e em concurso efectivo:

b.1. numa pena de 1 (um) ano de prisão pelo cometimento de um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelos artigos 153°, n.º 1 e 155°, n.º 1, alínea a) do CP, na pessoa de CC;

b.2. numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pelo cometimento de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86°, n.º 1, alíneas c) e d), por referência aos artigos 2°, n.º 1, alíneas m), p), q), s), ae), aj), aq), ar), ax) e aad) e 3°, n.º 1, 2, alínea e), n.º 5, alínea e), n.º 6, alínea c), todos da Lei 05/2006 de 23/02;

b.3. numa pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 10,00€ pelo cometimento de um crime de uso e porte de arma sob o efeito do álcool, p.p. pelo artigo 88°, n.º 1 da Lei 5/2006 de 23/02;

b.4. pena de 15 (quinze) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º 1 e 2, al.s h) e j) do CP, na pessoa de DD;

b.5. pena de 16 (dezasseis) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º 1 e 2, al.s h) e j) do CP cometido na pessoa de EE

b.6. pena de 17 (dezassete) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º 1 e 2, al.s e), h) e j) do CP cometido na pessoa de BB;

b.7. pena de 19 (dezoito) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º 1 e 2, al.s b), e), h) e j) do CP cometido na pessoa de CC;

c) condenar o arguido na pena única de concurso de 25 (vinte e cinco) anos de prisão, mantendo a pena fixada em b.3. a sua autonomia material, acrescendo, consequentemente, a esta.

c) condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se em 4 (quatro) Uc´s a taxa de justiça (artigo 513º, n.º 1 do Código de Processo Penal).

5. O arguido (aqui requerente) não se conformando com o douto acórdão de 1.ª instância, interpôs em 08/06/2016 recurso para o venerando Tribunal da Relação do Porto, que julgou o recurso parcialmente provido e consequentemente decidiu:

a) Eliminar dos actos provados, e passar para os factos não provados a seguinte matéria de facto:

G) "2.62. (...) mas não era nem é titular de qualquer licença de uso e porte ou detenção das mesmas".

H) "2.69. O arguido quis ter em seu poder as armas indicadas nos pontos 2.58., als. a) a l), conhecendo as características e classe das mesmas, bem sabendo que não era titular de qualquer licença de uso e porte ou detenção que o habilitasse a detê-las, designadamente de que a licença que possuía, da classe B e B1 não o habilitava a possuir, deter ou usar tais armas, e estando ciente que a mera detenção, nessas circunstâncias, era proibida e punida por lei como crime, o que, ainda assim, não o inibiu de agir."

b) Absolver o arguido do crime de detenção de arma proibida

c) Condenar o arguido nos seguintes termos:

Condenar o arguido AA como autor material e em concurso efectivo:

1) numa pena de 1 (um) ano de prisão pelo cometimento de um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelos artigos 153º, n.º1 e 155º, nº1, alínea a) do CP, na pessoa de CC;

2) numa pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 10,00 € pelo cometimento de um crime de uso e porte de arma sob o efeito do álcool, p.p pelo artigo 88º, n.º1 da Lei 5/2006 de 23/02;

3) pena de 15 (quinze) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º1 e 2, al.s h) e j) do CP, na pessoa de DD;

4) pena de 16 (dezaseis) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º1 e 2, al.s h) e j) do CP, na pessoa de EE;

5) pena de 17 (dezasete) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º1 e 2, al.s e), h) e j) do CP, na pessoa de BB;

6) pena de 19 (dezanove) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º1 e 2, al.s b), e), h) e j) do CP, na pessoa de CC;

condenar o arguido na pena única de concurso de 25 (vinte e cinco) anos de prisão, mantendo a pena fixada em 2) a sua autonomia material, acrescendo, consequentemente, a esta.

6. De novo não se conformando, o arguido recorreu, a 24/11/2016, do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto para o Supremo Tribunal de Justiça, do julgamento dado à matéria de direito.


7. Na sequência deste recurso, foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, datado de 07/04/2017, em que os Sábios Juízes Conselheiros acordaram em conferência na secção criminal em conceder provimento parcial ao recurso interposto por AA, e em decidiram:

a) rejeitar o recurso, por irrecorribilidade, quanto aos crimes de ameaça agravada [arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º1, al. a), ambos do Código Penal (CP)], na pessoa de CC, e de uso e porte de arma sob efeito de álcool (art. 88.º, n.º1, da lei n.º 5/2006, de 23.02), confirmando nessa parte o acórdão recorrido;

b) confirmar o acórdão recorrido na parte que conclui que o arguido cometeu um crime de homicídio qualificação [artigo 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2. als. h) e j), todos do CP], na pessoa de DD, um crime de homicídio qualificado [arts 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h), e j), todos do CP], na pessoa de EE, um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h), j), todos do CP], na pessoa de BB e um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. b), e), h), e j), todos do CP], na pessoa de CC;

c) notificar o arguido, nos termos dos n.ºs 1 e 3, do art.º 358.º, do CPP, da alteração da qualificação jurídica dos crimes de homicídio qualificado referidos anteriormente pelo art. 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23.02;

d) declarar parcialmente nulo o acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º1, al. c), do CPP, apenas quanto à determinação, não individualizada, de cada uma das penas parcelares relativamente a cada um dos 4 (quatro) crimes de homicídio qualificado, e relativamente à pena única conjunta a aplicar ao concurso de crimes, sem prejuízo de se observar a proibição da "reformatio in pejus" (art.º 409.º do CPP);

e) manter no mais o acórdão recorrido.

8. Na fundamentação o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça considerou o que se passa a descrever:

(…) verifica-se que nem o tribunal de 1.ª instância, nem o Tribunal da Relação apresentam uma fundamentação individual para cada uma das penas aplicadas aos quatro homicídios praticados. O que nos impede não só de apreciar os fundamentos que presidiram à determinação das penas concretas atribuídas parcelarmente a cada crime de homicídio, nomeadamente, quanto aos crimes de homicídio nas pessoas de EE e DD, como igualmente nos impede de analisar a fundamentação (que não existe) quanto à determinação da pena única conjunta.

      Consideramos que, tendo em conta o disposto no art. 71.º, do CP, e o disposto no art. 374.º, n.º2, do CPP, se deveria ter apresentado uma fundamentação individual para cada uma das operações de determinação da pena concreta a aplicar a cada um dos crimes de homicídio, para que depois se fizesse, então sim, uma análise global dos factos praticados pelo agente e da personalidade, nos termos do art. 77.º, do CP, para a determinação da pena única conjunta.

     Não se tendo procedido desta forma, consideramos, apenas nesta parte, o acórdão recorrido nulo, por força do disposto no art. 379.º, n.º1, al. c), do CPP, pelo que deve ser suprida esta nulidade pelo Tribunal da Relação do Porto, isto é, deve ser suprida a nulidade do acórdão apenas na parte relativa à determinação das medidas das penas parcelares relativamente a cada um dos 4 (quatro) crimes de homicídio, e relativamente à pena única conjunta a aplicar ao concurso de crimes.

(…)

Ora, dado que a determinação de cada pena concreta relativa a cada um dos crimes de homicídio não foi analisada individualmente, e porque da fundamentação do acórdão não se percebe sequer de que moldura penal abstrata partiu o julgador para a determinação de cada uma das penas, deverá ter-se este ponto em consideração, sem todavia, violar o princípio da proibição da reformatio in pejus, nos termos do art. 409.º, do CPP.

9. Na mesma data foi proferido despacho de reexame dos pressupostos da medida de coacção de prisão preventiva, em obediência ao disposto do artigo 213.º, n.º 1, alínea b) do CPP, conforme cópia de despacho que se junta e cujo teor se dá aqui como integrado e reproduzido para todos os legais efeitos (Doc n.º 3);

10. No pretérito dia 29 de Abril de 2017, o requerente completou dois anos desde o início da prisão preventiva.

II – DO DIREITO

11. A providência de habeas corpus tem como pressuposto de facto a prisão preventiva e actual e como fundamento de direito a sua ilegalidade, por se manter além dos prazos fixados na lei;


Isto porque,

12. O Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça veio declarar parcialmente nulo o acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º1, al. c), do CPP, apenas quanto à determinação, não individualizada, de cada uma das penas parcelares relativamente a cada um dos 4 (quatro) crimes de homicídio qualificado, e relativamente à pena única conjunta a aplicar ao concurso de crimes, sem prejuízo de se observar a proibição da "reformatio in pejus" (art.º 409.º do CPP), entretanto, já transitado em julgado;

13. No presente caso, ao ter sido declarada a nulidade da condenação concreta ínsita no Acórdão de primeira instância quanto aos crimes de homicídio pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Lisboa, datado de 07/04/2017, na presente data o requerente encontra-se na situação prevista no artigo 215°, n.º 1 alínea d) e n° 2 do CPP, e não na situação prevista no n.° 6 do mesmo artigo;

14. O requerente encontra-se ilegalmente preso, porquanto a sua prisão preventiva se mantém para além dos prazos fixados por lei (cfr. artigo 222.º n° 2 al. c) do CPP);

15. Como já se disse, a prisão preventiva mantém-se desde 29/04/2015 até à presente data (05.05.2017) de forma ininterrupta;

16. E, face ao que antecede, o requerente deveria ter sido libertado, quando completou o prazo máximo, nos termos do artigo 215.º, n.º 1 alínea d) e n.º2 do CPP;

17. Na verdade, apesar de o Acórdão do STJ ter confirmado a prática pelo arguido dos crimes que lhe foram imputados – de resto confessados pelo mesmo – foi declarada nula a condenação do arguido na justa medida em que não foram fixadas de forma individualizada as penas concretas em resultado dos perpetrados homicídios;

18.  Assim, mais de dois anos volvidos sobre a sua prisão preventiva, ainda não transitou em julgado a sua condenação sobre os crimes que de facto praticou;

19.  E também não se verificam os pressupostos de que depende a aplicação do disposto no n.º 6, do artigo 215.º, do CPP;

20.  In casu aplica-se o prazo de dois anos de duração máxima da prisão preventiva, nos termos do disposto no artigo 215.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, do CPP porque não existe pena determinada e concreta quanto aos crimes de homicídio;

 

21. A única condenação em prisão efectiva confirmada de facto é a relativa à pena relacionada quanto aos crimes de ameaça agravada [arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º1, al. a), ambos do Código Penal (CP)], na pessoa de CC, e de uso e porte de arma sob efeito de álcool (art. 88.º, n.º1, da lei n.º 5/2006, de 23.02), confirmando nessa parte o acórdão recorrido e cujo período do trânsito em julgado já decorreu;

22. Quanto aos demais crimes, os dos quatro homicídios, não pode julgar-se verificado o requisito do artigo n.º 6, do artigo 215.º, do CPP atente a inexistência de pena concreta e determinada transitada em julgado, nem pena de primeira instância confirmada ulteriormente pelo STJ;

23. Tendo sido declaradas nulas as penas aplicadas por não haverem sido individualizadas as mesmas em relação a cada um e cada qual dos quatro homicídios não se conhece o quantum concreto condenatório e, subsequentemente, porque desses pressupostos depende, também não se conhece o cúmulo e pena concreta aplicável;

24. No caso sub judice o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça retirou o valor confirmativo ao acórdão do Tribunal da Relação, Cfr. Posição defendida pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/03/2009, de www.dgsi.pt;

25. Sem essa determinação concreta não é possível, sequer, avaliar qual a metade da pena concreta que lhe foi aplicada e falta, por isso, o pressuposto de que dependeria a aplicação do n.º 6, do artigo 215.º, do CPP;

26. É certo que ante a confirmação da prática dos crimes se há-de seguir alguma condenação e é até expectável que o cúmulo possa vir a ser de 25 anos;

27. Porém, é requisito da aplicação do n.º 6, do artigo 215.º, do CPP a determinação concreta e quantificada da pena para se aferir o respectivo pressuposto de metade;


28. No presente caso, o prazo máximo da prisão preventiva já não se eleva para metade da pena que tiver sido fixada, uma vez que em sede de recurso ordinário não foi confirmada a sentença condenatória proferida, excepto a pena de um ano de ameaça agravada e o crime de uso e porte de arma sob efeito do álcool na pena de 180 dias á taxa de 10 euros, conforme o exige o n° 6 do art. 215° do CPP;

29.  Salvo o devido respeito e melhor entendimento, outra solução não seria possível, sob pena de violação do mais elementar direito à liberdade de qualquer cidadão, uma vez que os anteriores Acórdãos foram considerados parcialmente nulos quanto á determinação da pena e, por via disso, actualmente, não se encontra confirmada qualquer condenação concreta quanto às penas relativas aos homicídios qualificados;

30. Assim, na pena de prisão efectiva confirmada quanto ao crime de ameaça, já decorreu o prazo de mais de metade da pena, na justa medida que no caso sub judice o requerente foi condenado quanto a esse crime na uma pena de 1 ano;

31. Nos restantes crimes não existe ainda, transitada em julgado, qualquer pena concreta que lhe haja sido aplicada ante a declaração de nulidade parcial ínsita no Acórdão do STJ;

32. É certo que se pode presumir com grau elevado de certeza que ao arguido será aplicado um cúmulo jurídico de vários e múltiplos anos de prisão efectiva;

33. Só que, hoje, em concreto, esse quantum é ainda indefinido e não pode manter-se a prisão preventiva com base em mera presunção, ainda que segura, que será aplicável ao arguido, em cúmulo, pena relevante;

34. É a própria Constituição da República que o proíbe ao estatuir que “não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida”;

35. A falta de determinação concreta pelas penas de homicídio torna a situação concreta indefinida no tempo e não permite saber quando é, em concreto, qual o limite temporal de metade da pena enunciada no artigo 215.º, n.º 6, do CPP;

36. Aliás, nessa medida e com esse fundamento, será completa e perfeitamente inconstitucional a interpretação do n.º 6, do artigo 215.º, do CPP que permita manter uma prisão preventiva por período além dos períodos máximos permitidos nos pontos iniciais do artigo 215.º e com base em mera presunção de que há-de ser fatalmente aplicada ao arguido um qualquer cúmulo capaz de desencadear a aplicação do n.º 6, do artigo 215.º, do CPP, por afronta directa ao estatuído no artigo 30.º, n.º 1, da Constituição;

37.  Inconstitucionalidade esta que desde já se argui e invoca para todos os legais efeitos;

38. In casu o presente procedimento habeas corpus é o único que poderá obstar, de forma célere eficaz e cabal, a manifesta ilegalidade da prisão do aqui requerente;


39. A jurisprudência é unânime em defender que o habeas corpus, tal como o configura o Código de Processo Penal, limites a que se confina o requerente, é uma providência extraordinária e expedita destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que não um recurso; um remédio excepcional, a ser utilizado quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais, Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05/03/2009, disponível em www.dgsi.pt);

40. Por outras palavras, o requerente invoca, já se disse, como fundamento da ilegalidade da prisão de que se socorre o habeas corpus, o excesso de prazos [al. c)]: a prisão obedece a prazos máximos, legalmente estipulados para a prisão preventiva, nos termos do disposto nos artigos 215.º e 218.º, ambos do CPP;

41.  Por outro lado, a manutenção da prisão preventiva para além dos períodos máximos previstos na lei, ante a ausência de quantum concreto de pena determinada que permita desencadear o mecanismo jurídico previsto no n.º 6, do artigo 215.º, do CPP, importa igualmente violação do disposto no n.º 4, do artigo 28.º, da Constituição, violação esta que igualmente se argui e invoca para todos os legais efeitos;

42. Por isso, ultrapassados que estão os limites máximos de prisão preventiva, deverá ser o arguido restituído à liberdade e aguardar os ulteriores termos do processo em liberdade, sob pena de preterição dos direitos, liberdades e garantia de defesa do arguido consagrados nos artigos 18.º e 32.º da Constituição;

43. As violações de lei supra referidas importam a ilicitude da manutenção da prisão preventiva, por haver sido atingido o seu limite máximo, sem que o arguido haja sido concomitantemente restituído à liberdade;

44. A própria lei acautelou situações como a presente ao prescrever que no artigo 217.º, n.º 2, que apesar se esgotados os prazos de prisão preventiva, o juiz pode sujeitar o arguido às medidas previstas no artigos 197.º a 200.º, do CPP.

Nestes termos REQUER a V.Ex.a se digne admitir   a concessão imediata da Providência de Habeas Corpus em razão de prisão ilegal nos termos aduzidos supra, restituindo-se de imediato o Arguido à liberdade, nos termos do disposto no artigo 217.°, n.º 1 do CPP, aplicando-se-lhe outra das medidas de coação, previstas do artigo 197.° ao art° 200° todos do C.P.P, se assim for entendido (art.° 217 n.° 2 do CPP)».


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2. A Exmª Srª Juíza titular do processo nº 1183/15.0JAPRT-C.S1, prestou a informação a que alude o artigo 223º, nº1, do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

«- Como decorre dos elementos juntos, mormente da cópia do Acórdão proferido em sede de 1ª instância a 5.05.2016, entendeu-se que reunidos estavam os fundamentos de facto e direito que determinaram a aplicação ao arguido da medida de coacção prisão preventiva, razão pela qual se manteve o arguido sujeito à mesma;

- interposto que foi pelo arguido recurso de tal Acórdão para o tribunal da Relação do Porto, foram tais pressupostos da medida de coacção mais gravosa reexaminados por despachos de 03.08.2016, 24.10.2016, 18.01.2017 e 06.04.2017, estes três últimos proferidos após prolação pelo Tribunal da Relação do Porto do Acórdão de 19.102016, nos quais se decidiu pela manutenção de tal medida coactiva.

- Após a prolação do último dos mencionados despachos teve esta 1ª instância conhecimento do Acórdão do STJ, datado de 06.04.2017.

Considerando o ali decidido – “confirmação do acórdão recorrido na parte em que conclui que o arguido cometeu um crime de homicídio qualificado na pessoa de DD, um crime de homicídio qualificado na pessoa de EE, um crime de homicídio qualificado na pessoa de BB e um crime de homicídio qualificado na pessoa de CC” -, que cada um deles é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos de prisão, que os concretos perigos que fundamentaram a medida de coacção prisão preventiva mantém a sua actualidade – perigo de alarme social e perigo de fuga -, entendemos dever ser de manter o arguido AA sujeito à medida de coacção prisão preventiva.

Com efeito, se é certo que ainda não transitou em julgado decisão quanto à medida concreta da pena, o certo é que o arguido pode ter por certo uma condenação pelo menos, pelo mínimo da moldura da pena abstractamente prevista, ou seja 12 anos.

Assim não se mostram ultrapassados os limites previstos na lei, mormente o artigo 215º, n.º 6 do CPP (apesar dos argumentos expendidos pelo requerente), razão pela qual somos do entendimento de se manter a prisão preventiva do identificado arguido.

Instrua os presentes com cópia dos supra mencionados despachos.

Remeta da forma mais expedita ao Supremo tribunal de Justiça – artigo 223º, n.º 1 do CPP.».

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3. Convocada a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça e realizada a audiência pública, nos termos legais, cumpre, agora, decidir.


***

II. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Fundamentação de facto.

Da informação acima transcrita e dos demais elementos constantes dos autos, resultam provados os seguintes factos:

1º. O arguido, AA,  foi detido no dia 29.04.2015.

2º. Nessa situação e nessa mesma data foi submetido a  primeiro interrogatório  judicial a arguido detido, tendo-lhe sido aplicada a medida de prisão preventiva.

3º. Realizada a audiência de discussão e julgamento, em  05/05/2016, foi proferido acórdão pelo Tribunal Colectivo da Comarca do Porto - Instância Central de ... Secção Criminal - ..., no âmbito do processo n.º 1183/15.0JAPRT que  julgou a acusação pública parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:

« a) absolver o arguido AA de dois crimes de ameaça agravada, um na pessoa de BB e outro na pessoa de CC, p.p. pelos artigos 153°, n.º 1 e 155°, n.º 1, alínea a) do CP.

b) condenar o arguido AA como autor material e em concurso efectivo:

b.1. numa pena de 1 (um) ano de prisão pelo cometimento de um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelos artigos 153°, n.º 1 e 155°, n.º 1, alínea a) do CP, na pessoa de CC;

b.2. numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pelo cometimento de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86°, n.º 1, alíneas c) e d), por referência aos artigos 2°, n.º 1, alíneas m), p), q), s), ae), aj), aq), ar), ax) e aad) e 3°, n.º 1, 2, alínea e), n.º 5, alínea e), n.º 6, alínea c), todos da Lei 05/2006 de 23/02;

b.3. numa pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 10,00€ pelo cometimento de um crime de uso e porte de arma sob o efeito do álcool, p.p. pelo artigo 88°, n.º 1 da Lei 5/2006 de 23/02;

b.4. pena de 15 (quinze) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º 1 e 2, al.s h) e j) do CP, na pessoa de DD;

b.5. pena de 16 (dezasseis) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º 1 e 2, al.s h) e j) do CP cometido na pessoa de EE;

b.6. pena de 17 (dezassete) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º 1 e 2, al.s e), h) e j) do CP cometido na pessoa de BB;

b.7. pena de 19 (dezoito) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º 1 e 2, al.s b), e), h) e j) do CP cometido na pessoa de CC;

c) condenar o arguido na pena única de concurso de 25 (vinte e cinco) anos de prisão, mantendo a pena fixada em b.3. a sua autonomia material, acrescendo, consequentemente, a esta.

c) condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se em 4 (quatro) Uc´s a taxa de justiça (artigo 513º, n.º 1 do Código de Processo Penal)».

4. Inconformado com este  acórdão de 1.ª instância, em 08.06.2016, o arguido, ora requerente, dele recorreu  para o Tribunal da Relação do Porto, que, em 19.10.2016, proferiu acórdão que julgou o recurso parcialmente provido e, consequentemente,  decidiu:

« a) Eliminar dos actos provados, e passar para os factos não provados a seguinte matéria de facto:

G) "2.62. (...) mas não era nem é titular de qualquer licença de uso e porte ou detenção das mesmas".

H) "2.69. O arguido quis ter em seu poder as armas indicadas nos pontos 2.58., als. a) a l), conhecendo as características e classe das mesmas, bem sabendo que não era titular de qualquer licença de uso e porte ou detenção que o habilitasse a detê-las, designadamente de que a licença que possuía, da classe B e B1 não o habilitava a possuir, deter ou usar tais armas, e estando ciente que a mera detenção, nessas circunstâncias, era proibida e punida por lei como crime, o que, ainda assim, não o inibiu de agir."

b) Absolver o arguido do crime de detenção de arma proibida

c) Condenar o arguido nos seguintes termos:

Condenar o arguido AA como autor material e em concurso efectivo:

1) numa pena de 1 (um) ano de prisão pelo cometimento de um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelos artigos 153º, n.º1 e 155º, nº1, alínea a) do CP, na pessoa de CC

2) numa pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 10,00 € pelo cometimento de um crime de uso e porte de arma sob o efeito do álcool, p.p pelo artigo 88º, n.º1 da Lei 5/2006 de 23/02;

3) pena de 15 (quinze) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º1 e 2, al.s h) e j) do CP, na pessoa de DD;

4) pena de 16 (dezaseis) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º1 e 2, al.s h) e j) do CP, na pessoa de EE;

5) pena de 17 (dezasete) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º1 e 2, al.s e), h) e j) do CP, na pessoa de BB;

6) pena de 19 (dezanove) anos de prisão para o cometimento do crime de homicídio qualificado, p.p. pelos artigos 131º e 132º, n.º1 e 2, al.s b), e), h) e j) do CP, na pessoa de CC;

condenar o arguido na pena única de concurso de 25 (vinte e cinco) anos de prisão, mantendo a pena fixada em 2) a sua autonomia material, acrescendo, consequentemente, a esta.

5. Inconformado, de novo, com este acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto,  dele recorreu o arguido, em 24.11.2016,  para o Supremo Tribunal de Justiça que, por  Acórdão proferido em  06.04.2017,  concedeu provimento parcial ao recurso interposto por AA e,  em consequência, decidiu:

« a) rejeitar o recurso, por irrecorribilidade, quanto aos crimes de ameaça agravada [arts. 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º1, al. a), ambos do Código Penal (CP)], na pessoa de CC, e de uso e porte de arma sob efeito de álcool (art. 88.º, n.º1, da lei n.º 5/2006, de 23.02), confirmando nessa parte o acórdão recorrido;

b) confirmar o acórdão recorrido na parte que conclui que o arguido cometeu um crime de homicídio qualificação [artigo 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2. als. h) e j), todos do CP], na pessoa de DD, um crime de homicídio qualificado [arts 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h), e j), todos do CP], na pessoa de EE, um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h), j), todos do CP], na pessoa de BB e um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. b), e), h), e j), todos do CP], na pessoa de CC;

c) notificar o arguido, nos termos dos n.ºs 1 e 3, do art.º 358.º, do CPP, da alteração da qualificação jurídica dos crimes de homicídio qualificado referidos anteriormente pelo art. 86.º, n.º 3, da Lei 5/2006, de 23.02;

d) declarar parcialmente nulo o acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º1, al. c), do CPP, apenas quanto à determinação, não individualizada, de cada uma das penas parcelares relativamente a cada um dos 4 (quatro) crimes de homicídio qualificado, e relativamente à pena única conjunta a aplicar ao concurso de crimes, sem prejuízo de se observar a proibição da "reformatio in pejus" (art.º 409.º do CPP);

e) manter no mais o acórdão recorrido.

6. Na fundamentação o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça considerou o que se passa a descrever:

(…) verifica-se que nem o tribunal de 1.ª instância, nem o Tribunal da Relação apresentam uma fundamentação individual para cada uma das penas aplicadas aos quatro homicídios praticados. O que nos impede não só de apreciar os fundamentos que presidiram à determinação das penas concretas atribuídas parcelarmente a cada crime de homicídio, nomeadamente, quanto aos crimes de homicídio nas pessoas de EE e DD, como igualmente nos impede de analisar a fundamentação (que não existe) quanto à determinação da pena única conjunta.

      Consideramos que, tendo em conta o disposto no art. 71.º, do CP, e o disposto no art. 374.º, n.º2, do CPP, se deveria ter apresentado uma fundamentação individual para cada uma das operações de determinação da pena concreta a aplicar a cada um dos crimes de homicídio, para que depois se fizesse, então sim, uma análise global dos factos praticados pelo agente e da personalidade, nos termos do art. 77.º, do CP, para a determinação da pena única conjunta.

      Não se tendo procedido desta forma, consideramos, apenas nesta parte, o acórdão recorrido nulo, por força do disposto no art. 379.º, n.º1, al. c), do CPP, pelo que deve ser suprida esta nulidade pelo Tribunal da Relação do Porto, isto é, deve ser suprida a nulidade do acórdão apenas na parte relativa à determinação das medidas das penas parcelares relativamente a cada um dos 4 (quatro) crimes de homicídio, e relativamente à pena única conjunta a aplicar ao concurso de crimes.

(…)

Ora, dado que a determinação de cada pena concreta relativa a cada um dos crimes de homicídio não foi analisada individualmente, e porque da fundamentação do acórdão não se percebe sequer de que moldura penal abstrata partiu o julgador para a determinação de cada uma das penas, deverá ter-se este ponto em consideração, sem todavia, violar o princípio da proibição da reformatio in pejus, nos termos do art. 409.º, do CPP.

7.  Os pressupostos  da medida de coacção de prisão preventiva, foram reexaminados,  em obediência ao disposto do artigo 213.º, n.º 1, alínea b) do CPP, através dos despachos  de 03.08.2016, 24.10.2016, 18.01.2017 e 06.04.2017, que  decidiram  pela manutenção de tal medida coactiva.


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2.2. Fundamentação de direito


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Determina o artigo 31º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, que « Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente».

Em anotação a esta norma, referem os Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira[2] que «a prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no art. 27º, quando efectuada ou ordenada por autoridade incompetente ou por forma irregular, quando tenham sido ultrapassados os prazos de apresentação ao juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração da prisão preventiva, ou a duração da pena de prisão a cumprir, quando a detenção ou prisão ocorra fora dos estabelecimentos legalmente previstos, etc.».

A providência de habeas corpus visa, portanto, reagir contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, constituindo, uma garantia constitucional de proteção do direito à liberdade individual contra os abusos de poder derivados de prisão ou detenção ilegal.

Trata-se, no dizer do Conselheiro Maia Costa[3],  de uma providência extraordinária, que permite reagir de forma expedita contra a detenção ou prisão ilegais, pondo fim imediato às situações de privação da liberdade que se comprove serem manifestamente ilegais, por configurarem violação grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação, diretamente verificável a partir dos documentos  e informações juntos aos autos (e eventualmente dos  factos apurados ao abrigo da al. b) do nº 4 do art. 223º do CPP).

Segundo entendimento uniforme da jurisprudência, constitui «uma providência a decretar apenas nos casos de atentado ilegítimo à liberdade individual - grave e em princípio grosseiro e rapidamente verificável - que integrem as hipóteses de causas de ilegalidade da detenção ou da prisão taxativamente indicadas nas disposições legais que desenvolvem o preceito constitucional», não podendo ser utilizada «para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação»[4] ,  estando reservada «aos casos de ilegalidade grosseira, porque manifesta, indiscutível, sem margem para dúvidas, como o são os casos de prisão «ordenada por entidade incompetente», «mantida para além dos prazos fixados na lei ou decisão judicial» ou por  «facto pela qual a lei a não permite»[5].

São, assim, três os fundamentos de habeas corpus contra a prisão ilegal, enunciados taxativamente no art. 222º, nº2, al. a) [ incompetência da entidade que decreta a prisão]; al. b) [ ser esta motivada por facto pelo qual a lei não a permite] e  al. c) [terem sido excedidos os prazos legais ou judiciais], do CPP,  que têm de ser atuais, ou seja, têm  de persistir no momento em que se proceder à apreciação do pedido, o que, no dizer do Acórdão do STJ, de 04.02.2016 (Proc. 502/15.4JDLSB-A.S1- 5ª Secção), implica que uma qualquer ilegalidade, porventura havida em fase anterior do processo e que já não persista quando o pedido é apreciado, não pode servir de fundamento.


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In casu, o  requerente encontra-se em prisão preventiva desde 29.04.2015 e  invoca, como fundamento do seu pedido de habeas corpus, o  art. 222º, nº 2, c) e 215º, nº1, al. d) e nº2, do Código de Processo Penal,  por, no seu  entender, mostrar-se excedido o  prazo de duração máxima de duração da prisão preventiva.

Sustenta, no essencial, que, tendo  o acórdão do STJ, de 07.04.217,  declarado parcialmente nulo o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, nos termos do art. 379.º, n.º1, al. c), do CPP,  quanto às  penas parcelares  de 15, 16, 17 e 19 anos de prisão aplicadas   a cada um dos 4  crimes de homicídio qualificado praticados pelo arguido, e relativamente à pena única conjunta de 25 anos de prisão aplicada  ao concurso destes mesmos  crimes, a única condenação em prisão efectiva, proferida pelo tribunal colectivo de 1ª instância e confirmada, em sede de recurso,  é a respeitante à pena de  1 ano de prisão pelo cometimento de um crime de ameaça agravada, previsto e punível pelos artigos 153º, n.º1 e 155º, nº1, alínea a) do CP, pelo que, in casu, o  prazo de duração máxima da prisão preventiva  é de 2 anos,  nos termos do disposto no art. 215º, nº1, al. d) e nº2, não se  podendo, quanto aos referidos crimes de homicídio,  considerar  verificado o requisito previsto no nº 6 do citado art. 215º, visto  não existir, quanto a eles, pena fixada.

Mais argumenta que, não obstante poder-se presumir com grau elevado de certeza que ao arguido será aplicado um cúmulo jurídico de vários e múltiplos anos de prisão efectiva, esse quantum é ainda indefinido e, nessa medida, é  inconstitucional a interpretação do n.º 6, do artigo 215.º, do CPP que permita manter uma prisão preventiva por período além dos períodos máximos permitidos nos pontos iniciais do artigo 215.º e com base em mera presunção, por afronta directa ao estatuído no artigo 30.º, n.º 1, da Constituição.


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Importa, assim, averiguar se a descrita situação processual em que se encontra, atualmente, o arguido submete-se à previsão da  hipótese legal de habeas corpus prevista na alínea c) do nº2 do citado artigo 222º , o que nos remete, desde logo, para a questão de saber qual  o prazo de duração máxima da prisão preventiva  a observar no caso concreto: se o prazo a que alude o art. 215º, nº1, al.  d) e nº2 , do CPP ou o prazo referido no nº6 deste mesmo artigo.

Estabelece  o citado art. 215º, nº1, al. d)  que  a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiver decorrido « um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado», dispondo o seu nº2,  que este prazo é elevado  para 2 anos « em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a oito anos (…) ».

Por sua vez, estatui o nº 6 deste mesmo artigo que « no caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo de prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada».

 

Perante este quadro legal e inserindo-se os quatro crimes de homicídio praticados pelo arguido/requerente no âmbito da criminalidade especialmente violenta, na medida em que  todos eles são puníveis com pena de prisão de  12 a 25 anos  [ cfr. arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. b), e), h), e j), todos do CP  e  art. 1º, als. j) e l) do CPP], a questão  que se coloca é a de saber  se, tendo o acórdão do STJ declarado «parcialmente nulo o acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º1, al. c), do CPP, apenas quanto à determinação, não individualizada, de cada uma das penas parcelares relativamente a cada um dos 4 (quatro) crimes de homicídio qualificado, e relativamente à pena única conjunta a aplicar ao concurso de crimes, sem prejuízo de se observar a proibição da "reformatio in pejus" (art.º 409.º do CPP),  a confirmação do acórdão recorrido, na parte que conclui que o arguido cometeu um crime de homicídio qualificação [artigo 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2. als. h) e j), todos do CP], na pessoa de DD, um crime de homicídio qualificado [arts 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h), e j), todos do CP], na pessoa de EE, um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h), j), todos do CP], na pessoa de BB e um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. b), e), h), e j), todos do CP], na pessoa de CC, é, ou não, relevante para efeitos de elevação do prazo de 2 anos da prisão previsto no art. 215º, nºs 1, al. d) e 2 do CPP.  para o prazo estabelecido no nº6 deste mesmo artigo.

Tal como nos dá conta os Acórdãos do STJ, de 14.05.2008[6] e de 30.06.2010 ( proc. 1375/07.6PBMTS.P1.S1- 3ª Secção) [7], sobre esta problemática de saber se uma decisão, ainda que anulada, releva, ou não, para efeitos de determinação do prazo máximo de duração da prisão preventiva, formaram-se, no seio da jurisprudência, duas correntes.

« Uma, no sentido de que, tendo sido anulada, em sede de recurso, a decisão condenatória da 1ª instância, é como se não existisse qualquer condenação, implicando a anulação que a tramitação processual recuou ao momento anterior ao julgamento, não existindo, assim, qualquer condenação, tudo se passando como se não houvesse qualquer condenação». 

Sufragaram esta tese, entre outros, os Acórdãos do STJ de 20.09.2007 ( proc. 3470/07-5ª Secção)[8];  de 07.11.2007 ( proc. 07P4209- 3ª Secção) ; de 05.03.2009 ( proc. 1126/06-5ª Secção) ; de 27.07.2010 ( proc. 1375/07.6PBMTS-F1.S1- 5ª Secção); 15.04.2015 ( proc. 147/13.3JELSB-C.S1- 5ª Secção) [9].  

Uma outra corrente, sustenta, a partir da distinção entre  os conceitos de ato  nulo e de ato processual inexistente,  que:

«A anulação  do julgamento  não tem como efeito a inexistência processual do acto anulado»; 

«Um julgamento anulado não é o mesmo que um julgamento inexistente».

«A anulação  de um julgamento em sede de recurso não implica uma regressão do processo à fase anterior»;

« A anulação não determina o encurtamento do prazo de duração máxima da prisão preventiva, por regressão do processo à fase anterior, como se a condenação nunca tivesse existido»;

«O que o legislador pretendeu evitar ao fixar os prazos máximos da prisão preventiva é que o arguido esteja preventivamente por mais de certo tempo – no caso 2 anos – sem nunca ter sido condenado por um tribunal de 1ª instância, o que seria intolerável do ponto de vista legal, mas não assim quando já houve condenação, não obstante o julgamento ou a sentença terem sido anulados».

Perfilharam esta orientação, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ, de 21.11.1994[10]; de 23.06.2003[11];  de 05. 05. 2005[12]; de 01.02.2006 ( proc. 05P1834)[13]; de 14.05.2008[14], de 13.04.2009 ( proc. 92/09.7YFLSB-5ª Secção) e 30.06.2010 ( proc. 1375/07.6PBMTS.P1.S1- 3ª Secção) [15].


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Pela nossa parte, sufragamos este  último entendimento, pois, como ensina Manuel de Andrade[16], há, efetivamente, diferença entre os conceitos de ato nulo e de ato inexistente, na justa medida em que, enquanto o ato inexistente não é susceptível  de produzir quaisquer efeitos jurídicos, o ato nulo,   embora não produza  todos os efeitos que devia produzir, pode produzir alguns efeitos.

Com efeito, enquanto a inexistência corresponde  aos casos mais graves, em que o ato não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter eficácia jurídica, sendo, por isso, inidóneo para produzir quaisquer efeitos[17],   « na nulidade, o ato existe. Apenas não produz ou pode não produzir os efeitos para que foi criado, ante uma falta  ou irregularidade no tocante aos seus elementos internos»[18].

Assim, diferentemente, do que acontece com uma sentença inexistente, em que « verdadeiramente se pode dizer que para o direito não há nada»[19],  a disciplina relativa aos efeitos da anulação parcial de uma sentença, tal como resulta do disposto no art. 122º do CPP, está construída  na base  do princípio do  máximo aproveitamento possível da parte não afectada pela nulidade ( nº3), razão pela qual se exige  que a decisão de anulação parcial  de uma sentença  determine quais os atos que passam a considerar-se inválidos ( nº2), na medida em que tal decisão só vale  com os contornos, sentido, alcance e consequências nela definidas ( nº1). 
Significa isto,  no caso dos autos,  que a circunstância do acórdão do STJ de 06.04.2017 ter declarado  parcialmente nulo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, nos termos do art. 379.º, n.º1, al. c), do CPP,  « quanto à determinação, não individualizada, de cada uma das penas parcelares relativamente a cada um dos 4 (quatro) crimes de homicídio qualificado, e relativamente à pena única conjunta a aplicar ao concurso de crimes, sem prejuízo de se observar a proibição da "reformatio in pejus" (art.º 409.º do CPP»,   respeita tão só a este aspecto  restrito da decisão em si, apenas a  este  segmento do acórdão recorrido,  deixando intocada a parte não inquinada, ou seja, a confirmação do acórdão recorrido « na parte que conclui que o arguido cometeu um crime de homicídio qualificação [artigo 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2. als. h) e j), todos do CP], na pessoa de DD, um crime de homicídio qualificado [arts 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. h), e j), todos do CP], na pessoa de EE, um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. e), h), j), todos do CP], na pessoa de BB e um crime de homicídio qualificado [arts. 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. b), e), h), e j), todos do CP], na pessoa de CC».
Pode, assim, dizer-se, com toda a segurança, que  o acórdão deste Supremo Tribunal  manteve o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, nesta parte confirmatória do acórdão da 1.ª instância não afectada pela anulação.

Ou seja, apesar da anulação do acórdão recorrido do Tribunal da Relação ser meramente parcial e circunscrita à determinação, não individualizada, de cada uma das penas parcelares e da pena única conjunta a aplicar ao concurso de crimes, o acórdão deste Supremo Tribunal, ainda assim, confirmou a decisão da Relação na parte em que o acórdão da 1ª instância decidiu a condenação do arguido pelos crimes de homicídio qualificado.

E porque o acórdão do Tribunal da Relação  transitou em  julgado, nesta parte, dúvidas  não restam de que esta  condenação do arguido constitui caso julgado formal, tornando-se, nas palavras do  Acórdão do STJ, de 20.10.2010 ( proc. 3554/02.3TDLSB.S2- 3ª Secção) «insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicatï)».
Vale tudo isto por dizer, na lógica do regime da anulação parcial do acórdão recorrido, que este acórdão, não só subsiste na parte em que confirmou o acórdão do tribunal de 1ª instância, como, neste segmento, tem eficácia jurídica e produz efeitos juridicamente relevantes (nisso se distinguindo da inexistência), designadamente no que respeita à consolidação da condenação do arguido pelos referidos crimes de homicídio qualificado  que, por força do caso julgado  formado, tornou-se definitiva, não podendo mais  ser alterada pelo Tribunal da Relação, nem sindicada em futuros recursos pelo arguido.
Dito por outras palavras, jamais  poderá ser reapreciada a conduta do arguido no que respeita à prática dos quatro crimes de homicídio qualificado, pois o caso julgado formal decorrente do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação, nesta parte, implica a extinção da possibilidade de apreciação jurisdicional desta matéria[20],  ficando, de igual  modo, precludida a possibilidade de  lhe serem apostas quaisquer questões que coloquem em causa tal condenação[21].

E se é certo que,  tal como já se deixou dito, a  anulação parcial do acórdão recorrido incidiu sobre a determinação das penas parcelares  ( de 15, 16, 17 e 19 anos de prisão) e da pena unitária respeitante ao  concurso de crimes ( 25 anos de prisão) aplicadas pelo acórdão do tribunal de 1ª instância, que, foram eliminadas por essa via,  seguro é também afirmar que o arguido, na situação processual em que se encontra actualmente,  tem por certa uma condenação de, pelo menos, 12 anos de prisão, que corresponde ao limite mínimo aplicável a cada um dos quatro  crimes de homicídio qualificado pelos quais está  condenado (cfr. art. 132.º, n.º 1, do CP) e ao limite mínimo aplicável do concurso de crimes (cfr. 77.º, n.º 2, do CP), o que em nosso entender, não pode deixar de relevar para efeitos de aplicação do prazo máximo de duração da prisão preventiva estabelecido no art. 215º, nº 6, do CPP, por referência ao disposto no nº1, al. d) e nº2 do mesmo artigo, pois conforme já se deixou dito, por força do caso julgado formado quanto à condenação do arguido, é inquestionável que  a este  nunca poderá ser aplicada uma pena unitária  inferior a 12 anos de prisão.   

Mas, porque  o  nº 6 deste art. 215º, faz ainda depender a elevação do prazo da prisão preventiva da confirmação  da decisão condenatória, em sede de recurso ordinário, impõe-se, por fim,  esclarecer se tal “confirmação” deve ser aferida  em relação à integral manutenção da decisão, como parece resultar da interpretação literal da norma,  ou  se também vale relativamente a outra decisão condenatória que altere a medida da pena fixada na 1ª instância.

Trata-se, porém, de questão já  debatida na seio da  jurisprudência deste Supremo Tribunal e que, nas palavras do Acórdão  de 22.07.2015 ( proc. 93/10.2TAMDL- 3ª Secção), consolidou-se, de forma unânime, no sentido de que   o prolongamento da prisão preventiva  previsto no art. 215º, nº6 do CPP, « tem na génese um suficiente grau de certeza acerca da prática  do crime, da sua autoria e da existência de culpa (baseado num duplo juízo condenatório), impedindo-se, assim, que a extinção  da medida de coacção pudesse vir a ocorrer por virtude da interposição de novo recurso, seja para o Supremo Tribunal de Justiça ou para o Tribunal Constitucional, ou em virtude do uso de natureza dilatória para prolongar a duração do processo », pelo que,  fazendo uma interpretação racional do preceito,  não se pode limitar a sua aplicação  aos casos «em que houvesse uma absoluta sobreposição entre a decisão da 1ª instância e a decisão de recurso, sob pena de violar o princípio da proporcionalidade, quando estão em causa outros casos que justificam o mesmo tratamento de alargamento do prazo máximo de prisão preventiva, por envolverem um duplo grau condenatório».

Neste  mesmo sentido se firmou também a jurisprudência constitucional que, no  acórdão nº 603/2009, de 2 de Dezembro de 2009, referiu que “A «confirmação» opera quando o tribunal de recurso rejeita o recurso nos termos do art. 420º do CPP ( e, por isso não altera o julgado) ou aplica pena igual, inferior ou superior à pena da sentença recorrida, visto que, em qualquer destes casos há um juízo confirmativo de uma sentença condenatória que preenche, por si só, o requisito legal de que depende a elevação do prazo máximo da prisão preventiva”. 

E porque a interpretação efectuada por nós efectuada do alcance a dar à anulação parcial do acórdão recorrido, designadamente no que respeita à consideração do limite mínimo da pena de 12 anos de prisão para efeitos da elevação do prazo de duração da prisão preventiva nos termos  do art. 215º, nº6,    não só é congruente com o regime legal dos efeitos da declaração de nulidade previsto no citado art. 122º do CPP, mas também com o espírito do sistema e corresponde a uma solução proporcionada em relação aos objectivos que o legislador pretendeu atingir aquela  ampliação do prazo para a prisão preventiva,  não se vislumbra que tal interpretação constitua violação do artigo 30º, nº1 da CRP, carecendo, por isso, de fundamento a inconstitucionalidade invocada pelo requerente.

Por tudo isto  e na consideração de que o acórdão recorrido do Tribunal da Relação, na parte não anulada e no limite mínimo de 12 anos de prisão em que converge com a decisão da 1.ª instância é confirmatório e não deixa de produzir os efeitos jurídicos decorrentes do disposto no art. 215.º, n.º 6, do CPP,  resta concluir que, face à elevação para 6 anos do limite máximo da prisão preventiva, o prazo máximo de  duração de prisão preventiva em que o arguido se encontra, desde 29.04.2015,  ocorrerá em 29.04.2021.

Daí que, tendo a prisão preventiva do arguido peticionante sido ordenada pela autoridade judiciária competente, motivada por facto pela qual a lei permite e mantendo-se a mesma  dentro do prazo máximo de duração dessa medida de coação na situação em que o arguido ora se encontra, seja de concluir  que o requerente não está  em situação de prisão ilegal, não se verificando, por isso, a existência dos pressupostos de concessão da providência extraordinária de habeas corpus.


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De todo o exposto, podemos  extrair a seguinte  CONCLUSÃO:

I.  Diferentemente do que acontece com o ato inexistente, que  não reúne o mínimo de requisitos essenciais para que possa ter eficácia jurídica, sendo, por isso, inidóneo para produzir quaisquer efeitos,   na nulidade, o ato existe mas não produz ou pode não produzir os efeitos para que foi criado, ante uma falta  ou irregularidade no tocante aos seus elementos internos.

II. A disciplina relativa aos efeitos da anulação parcial de uma sentença, tal como resulta do disposto no art. 122º do CPP, está construída  na base  do princípio do  máximo aproveitamento possível da parte não afectada pela nulidade ( nº3), razão pela qual se exige  que a decisão de anulação parcial  de uma sentença  determine quais os atos que passam a considerar-se inválidos ( nº2), na medida em que tal decisão só vale  com os contornos, sentido, alcance e consequências nela definidas ( nº1). 

III. Tendo o acórdão do STJ  confirmado o  acórdão do Tribunal da Relação na parte em que conclui que o arguido cometeu  quatro crimes de  homicídio, mas  declarado  parcialmente nulo o acórdão recorrido, nos termos do art. 379.º, n.º1, al. c), do CPP, quanto à determinação, não individualizada, das penas parcelares correspondentes  a cada um dos  crimes de homicídio qualificado e relativamente à pena única conjunta a aplicar ao concurso destes crimes, sem prejuízo de se observar a proibição da "reformatio in pejus" (art.º 409.º do CPP,   a anulação respeita tão só a este  segmento do acórdão recorrido,  deixando intocada a parte não inquinada.

IV. Quer isto dizer que,  apesar da anulação parcial do acórdão recorrido do Tribunal da Relação,  circunscrita à determinação, não individualizada, de cada uma das penas parcelares e da pena única conjunta a aplicar ao concurso de crimes, o acórdão deste Supremo Tribunal, ainda assim, confirmou a decisão da Relação na parte em que o acórdão da 1ª instância decidiu a condenação do arguido pelos crimes de homicídio qualificado.

V. E porque o acórdão do Tribunal da Relação  transitou em  julgado, nesta parte, dúvidas  não restam de que esta  condenação do arguido constitui caso julgado formal, sendo, por isso,  insusceptível de alteração por meio de qualquer recurso, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicatï).

VI. Vale tudo isto por dizer, na lógica do regime da anulação parcial do acórdão recorrido, que este acórdão não só subsiste na parte em que confirmou o acórdão do tribunal de 1ª instância como, neste segmento, tem eficácia jurídica e produz efeitos juridicamente relevantes (nisso se distinguindo da inexistência), designadamente no que respeita à consolidação da condenação do arguido pelos referidos crimes de homicídio qualificado  que, por força do caso julgado  formado, tornou-se definitiva, não podendo mais  ser alterada pelo Tribunal da Relação, nem sindicada em futuros recursos pelo arguido.

VII. Deste modo,  se é certo que a  anulação parcial do acórdão recorrido incidiu sobre a determinação das penas parcelares  ( de 15, 16, 17 e 19 anos de prisão) e da pena unitária respeitante ao  concurso de crimes ( 25 anos de prisão) aplicadas pelo acórdão do tribunal de 1ª instância, que, foram eliminadas por essa via,  seguro é também afirmar que o arguido, na situação processual em que se encontra actualmente,  tem por certa uma condenação de, pelo menos, 12 anos de prisão, que corresponde ao limite mínimo aplicável a cada um dos quatro  crimes de homicídio qualificado pelos quais está  condenado (cfr. art. 132.º, n.º 1, do CP) e ao limite mínimo aplicável do concurso de crimes (cfr. 77.º, n.º 2, do CP), o que não pode deixar de relevar para efeitos de aplicação do prazo máximo de duração da prisão preventiva estabelecido no art. 215º, nº 6, do CPP, por referência ao disposto no nº1, al. d) e nº2 do mesmo artigo, pois,  por força do caso julgado formado quanto à condenação do arguido, é inquestionável que  a este  nunca poderá ser aplicada uma pena unitária  inferior a 12 anos de prisão.  

VIII. O  prolongamento da prisão preventiva  previsto no art. 215º, nº6 do CPP,  tem na génese um suficiente grau de certeza acerca da prática  do crime, da sua autoria e da existência de culpa (baseado num duplo juízo condenatório), pelo que fazendo uma interpretação racional deste preceito,  não se pode limitar a sua aplicação  aos casos em que haja uma absoluta sobreposição entre a decisão da 1ª instância e a decisão de recurso, devendo, antes, ser alargado a outros casos que  envolvam igualmente um duplo grau condenatório, designadamente  quando o tribunal de recurso rejeita o recurso nos termos do art. 420º do CPP ( e, por isso não altera o julgado) ou aplica pena igual, inferior ou superior à pena da sentença recorrida.

IX . Assim,  na consideração de que o acórdão recorrido do Tribunal da Relação, na parte não anulada e no limite mínimo de 12 anos de prisão em que converge com a decisão da 1.ª instância é confirmatório e não deixa de produzir os efeitos jurídicos decorrentes do disposto no art. 215.º, n.º 6, do CPP,  impõe-se concluir que, neste caso, o prazo máximo de  duração de prisão preventiva  é de 6 anos.

X. Tendo a prisão preventiva do arguido peticionante sido ordenada pela autoridade judiciária competente, motivada por facto pela qual a lei permite e mantendo-se a mesma  dentro do prazo máximo de duração dessa medida de coação na situação em que o arguido ora se encontra, impõe-se  concluir  que o requerente não está  em situação de prisão ilegal, não se verificando, por isso, a existência dos pressupostos de concessão da providência extraordinária de habeas corpus.


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III. DECISÃO

Termos em que acordam os Juízes da 3ª Secção deste Supremo Tribunal em indeferir a petição de habeas corpus apresentada pelo requerente, AA, por falta de fundamento bastante, nos termos  do artigo 223.º, n.º 4, al. a), do Código de Processo Penal.

Custas pelo requerente, fixando-se em 3UC a taxa de justiça, nos termos  do artigo 8º, nº9 e da Tabela III, do Regulamento das Custas Processuais.


Supremo Tribunal de Justiça, 17 de maio  de 2017

(Texto elaborado e revisto pelo relatora– artigo 94.º, n.º 2, do CPP).

Rosa Tching (Relatora)

Oliveira Mendes


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[1] Relato nº 48
[2] In “Constituição da República Portuguesa”, anotada, 4ª ed., 2007, pá. 508.
[3] In, “Código de Processo Penal, Comentado por  Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça 2016. Almedina -2ª edição revista, págs. 853- 855.
[4] Neste sentido e entre muitos outros, o Acórdão do STJ, de 10.01.2002 ( proc. 2/02).
[5] Neste sentido e entre muitos outros, o Acórdão do STJ, de 01.02.2007 ( proc. 353/07).
[6] Publicado na CJ/STJ, Ano XVI, tomo II/2008, pág. 232. 
[7] Publicado in www dsgi.pt
[8] Publicado in www dsgi.pt
[9] Todos  publicados  in www dsgi.pt.
[10] In, CJ/STJ, ano1994, tomo III, pág. 264.
[11] Publicado in CJ/STJ, Ano XI, tomo II/2003, pág. 230.
[12] Publicado in CJ/STJ, Ano XIII, tomo II/2005, pág. 194.
[13] Publicado in www dsgi.pt.
[14] Publicado na CJ/STJ, Ano XVI, tomo II/2008, pág. 232. 
[15] Publicado in www dsgi.pt
[16] In “ Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II,  Coimbra,1974,  4ª reimpressão, pág. 415.
[17] Cfr. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. V., reimpressão , Coimbra 1981, pág. 114,  
[18] Cfr. Acórdãos do STJ, de 06.03.1079, in, BMJ, nº 285º, pág 286 e de  05.05.2005, in CJ/STJ, Ano XIII, tomo II/2005, pág. 194.
[19] Cfr. Oliveira Ascensão,  “O Direito, Introdução e Teoria Geral», 3ª ed., pág. 48.
[20] Cfr.  Cavaleiro Ferreira, n, “Curso de Processo Penal”, vol. III, reimpressão da Universidade Católica, Lisboa 1981, pág. 35 e acórdãos do STJ, de 12.05.2016 ( proc. 974/13.1PIVNG.G2.S1-5ª Secção) e de 30.11.2016 ( proc. 252/11.0JAAVR.S1-5ª Secção).
[21] Neste sentido, Damião da Cunha, in, “Caso julgado Parcial”, pág 143, citado no referido Acórdão do STJ, de 20.10.2010.