Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
1. No Processo Comum Colectivo n.º 170/11.2TAOLH, do Tribunal Judicial da Comarca ……..., Juízo Central Criminal ……... - Juiz ..., e na parte que agora interessa aos recursos, foi proferido acórdão a condenar (entre outros):
“1.º) AA
- como co-autor de um crime de burla qualificada, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do Código Penal - praticado através da B……, Lda. - na pena de 5 anos de prisão;
- como co-autor de um crime de burla qualificada, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal - praticado através da A……-..., Lda. - na pena de 5 anos e 3 meses de prisão,
- como co-autor de um crime de burla qualificada, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal - praticado através da S…..., Lda. - na pena de 4 anos e 6 meses de prisão,
- como co-autor de um crime de burla qualificada, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal - praticado através da P.…..., Unipessoal, Lda - na pena de 4 anos de prisão,
- como co-autor de um crime de burla qualificada, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal - praticado através da M.……, Lda. - na pena de 6 anos e 3 meses de prisão,
- como co-autor de um crime de burla qualificada, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal - praticado através da F…......, Lda. - na pena de 4 anos de prisão,
- como co-autor de um crime de burla qualificada, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal - praticado através da L…..., Lda. - na pena de 3 anos e 3 meses de prisão,
- como co-autor de um crime de burla qualificada, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal - praticado através da E........, Lda. - na pena de 3 anos de prisão,
- como co-autor de um crime de branqueamento de capitais previsto e punido pelo artigo 368º-A, n.º 2, do Código Penal, na pena de 6 anos e 3 meses de prisão,
- no cúmulo dessas nove penas, na pena única de 12 anos de prisão, (…);
(2.º) BB,
- como co-autora de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal (CP) - praticado contra M……..., Lda. - na pena de 4 anos e 6 meses de prisão,
- como co-autora de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, artigo 218, n.º 2, alíneas a) e b) do CP - praticado contra T…….., Lda. - na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- como co-autora de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.°, n.°s 1 e 2, 202.°, alínea b), 217.°, n.° 1, artigo 218, n.° 2, alíneas a) e b) do CP - praticado contra E..., Lda. - na pena de 2 anos e 8 meses de prisão,
- como co-autora de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.°, n.°s 1 e 2, 202.°, alínea b), 217.°, n.° 1, e 218, n.° 2, alíneas a) e b) do CP - praticado contra L……..., Lda. -na pena de 2 anos e 10 meses de prisão,
- como co-autora de um crime de burla qualificada na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 30.°, n.°s 1 e 2, 202.°, alínea b), 217.°, n.° 1, artigo 218, n.° 2, alíneas a) e b) do CP - praticado contra F........., Lda. - na pena de 3 anos de prisão,
- como autora de um crime de branqueamento de capitais previsto e punidos pelos artigos 31.°, n° 2, e 368.°-A do CP, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão,
- em cúmulo jurídico dessas penas, na pena única de 9 anos de prisão, (…);
(3.º) CC,
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra M........., Lda., na pena de 6 anos de prisão,
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra T……, Lda. - pena de 3 anos de prisão;
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra E........, Lda. - na pena de 2 anos e 11 (onze) meses de prisão;
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra L…, Lda. -na pena de 3 anos e 1 mês de prisão;
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra F........, Lda. - na pena de 3 anos e 6 meses de prisão;
- como autor de um crime de branqueamento de capitais continuado previsto e punido pelos artigos 368.º-A e 30.º do CP, na pena de 4 anos de prisão;
- no cúmulo jurídico dessas penas, na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão, (…);
(4.º) DD,
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra P........., Unipessoal, Lda., na pena de 3 anos e 9 meses de prisão,
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra M......., Lda., na pena de 6 anos de prisão,
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra F.…, Lda.”, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão,
- co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra T……..., Lda., na pena de 3 anos de prisão,
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra L.……, Lda., na pena de 3 anos e 1 mês de prisão,
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra E... - ..., Lda., na pena de 2 anos e 11 meses de prisão,
- no cúmulo jurídico dessas penas, na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão, (…);
(5.º) EE
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra P...L..., Lda., na pena de 3 anos e 9 meses de prisão,
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra M...,..., Lda., na pena de 5 anos de prisão,
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra T..., Lda., na pena de 2 anos e 9 meses de prisão;
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra F...,..., Lda., na pena de 3 anos e 3 meses prisão,
- no cúmulo jurídico dessas penas, na pena única de 5 anos e 4 meses de prisão, (…);
(6.º) FF,
- como co-autor de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período;
(...)
(8.º) GG,
- como co-autora de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra M...,..., Lda., na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
- como co-autora de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra T..., Lda., na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- como co-autora de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra E..., Lda., na pena de 2 anos e 8 meses de prisão;
- como co-autora de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra L..., Lda., na pena de 2 anos e 10 meses de prisão;
- como co-autora de um crime de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP - praticado contra F...,..., Lda., na pena de 3 anos de prisão; e,
- no cúmulo jurídico dessas penas, na pena única de 7 anos de prisão, (…);”
Do acórdão recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, entre outros arguidos igualmente condenados em primeira instância, os seis ora recorrentes, recursos que foram decididos por acórdão da Relação de Lisboa, e na parte que continua a interessar agora aos recursos, do modo seguinte:
“Julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos por AA, BB, CC, DD, EE e GG;
b) Alterar a decisão recorrida no sentido de
(i) - Reduzir para 2 anos e 6 meses de prisão a pena em que o recorrente AA está condenado pelo crime de crime de branqueamento de capitais previsto e punido pelo artigo 368º-A, n.º 2, do Código Penal;
(ii) - Refazer o cúmulo das penas dos crimes em que o recorrente AA está condenado, fixando a pena única em 10 anos de prisão;
(iii) - Reduzir para 8 anos de prisão a pena única resultante do cúmulo jurídico de penas em que BB foi condenada;
(iv) - Absolver o recorrente CC do crime de branqueamento de capitais continuado previsto e punido pelos artigos 368.º-A e 30.º do CP;
(v) - Refazer o cúmulo das penas dos crimes de burla qualificada na forma continuada previsto e punido pelos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, alínea b), 217.º, n.º 1, e 218, n.º 2, alíneas a) e b), do CP em que o recorrente CC está condenado, fixando a pena única em 7 anos de prisão;
(vi) - Reduzir para 7 anos de prisão a pena única resultante do cúmulo jurídico de penas em que DD foi condenado;
(vii) - Reduzir para 5 anos e 3 meses de prisão a pena única resultante do cúmulo jurídico de penas em que EE foi condenado;
(viii) - Reduzir para 6 anos de prisão a pena única resultante do cúmulo jurídico de penas em que GG foi condenada.”
De novo inconformados com o decidido neste acórdão, dele interpuseram recurso os seis arguidos supra identificados, concluindo do modo seguinte:
AA:
“1) A fundamentação da sentença visa permitir ao Tribunal Superior o reexame do processo lógico ou racional que subjaz à decisão, o que deve ser feito nos termos do artigo 374.º, n.º 2 sob pena de nulidade – artigo 379.º, n.º 1, al. a) do C.P.P.
2) Entendemos que a fundamentação deste TRL, é deficiente a justificação, o que constitui falta/insuficiência de exame crítico das provas, em violação do disposto no art.º 374.º nº 2 do CPP, “exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.
3) Limitou-se a corroborar o referido pelo Tribunal da 1ª instância, sem justificar como entendeu dessa forma.
4) No processo de formação da sua convicção não fundamentou o Tribunal de 1º instância, tendo o TRL, sido também omisso, de forma esclarecedora as razões porque em seu entender os documentos que foram junto aos autos, em 1 de junho de 2018, nomeadamente os referentes ao contrato de cessão de quotas e penhor mercantil entre a mãe do requerente, sócia da AL.… e HH, não foram valorados, sendo o acórdão omisso de pronúncia nesse sentido.
5) É importante pronuncia sobre esses mesmos factos, porquanto são a justificação de várias transferências bancárias para a conta da mãe do recorrente, cedente da quota na sociedade.
6) O recorrente foi condenado por branqueamento de capitais, por causa dessas transferências bancárias.
7) Também é omisso como o acórdão da 1ª instância, quanto aos diversos relatórios médicos juntos aos autos, e que deveriam ter fundamentado a sua patologia, nomeadamente juntos em 12.12.17 e 07.02.18.
8) Também é omisso de exame crítico, quanto a diversos documentos e sessões telefónicas serviram para fundamentar a matéria de facto dada como provada, em que termos e porquê, limitando-se a identificar as mesmas como constantes do apenso 38.
9) Não é daquela forma que se justifica o exame lógico mental para se aferir o raciocínio feito pelo julgador, limitando-se a corroborar que o raciocínio feito pelo tribunal de 1ª instância está muito bem feito.
10) A lei comina com a sanção da nulidade a sentença que não contiver estas menções – alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP.
11) Não é essencial que o Tribunal descreva o que a testemunha disse em julgamento, mas sim é essencial que o Tribunal demonstre porque é que o depoimento da testemunha convenceu o tribunal da veracidade daquilo sobre que depôs.
12) No caso do Acórdão tal não se demonstra, não bastando a afirmação de que depoimento foi credível, ter-se-á de fundamentar porque entende o tribunal que foi credível.
13) É também omisso assim como o tribunal de 1ª instância, de exame crítico o acórdão, quanto aos factos não provados, nomeadamente por que não deu credibilidade ao depoimento do ilustre psiquiatra Dr. II e sua Declaração médica.
14) Todos estes factos não são considerados factos inócuos, pelas razões já expendidas, nomeadamente quanto ao crime de branqueamento e medida da pena.
15) O Arguido foi seriamente afectado no seu direito de defesa, já que o Tribunal fez errada interpretação e aplicação das normas constantes dos arts. 97.º, n.º 4 e 374.º, n.º 2 do C.P.P., interpretação essa violadora dos princípios consignados nos arts. 32.º, n.º 1 e 5 e 205.º da C.R.P., porque violadores dos princípios de defesa do arguido.
16) O Acórdão enferma de nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a) do C.P.P. por violar os requisitos do artigo 374.º, n.º 2 do CPP.
17) Deverá considerar-se inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª Instância.
18) Não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados, por os considerar inócuos sem contudo justificar porque são inócuos,
19) por violação do dever de fundamentação das decisões dos Tribunais previsto no n.º 1 do artigo 205.º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32.º também da Constituição, o que desde já se argui.
20) O tribunal da Relação omitiu pronunciar-se concretamente quanto a determinados factos, limitando-se a generalizar quanto a todos os arguidos.
21) A decisão recorrida não foi objecto do reexame da matéria de facto de modo integral. Ou seja, para que o direito ao recurso seja efectivo, deverá ter havido um real reexame da matéria de facto pelo Tribunal da Relação (que garante um duplo grau de jurisdição) de modo que o STJ possa limitar os seus poderes de cognição à matéria de direito.
22) O arguido foi impedido de se defender e ter direito a um duplo grau de jurisdição.
23) Dessa forma, o tribunal fez uma errada interpretação das normas contidas no nº2 do art 374 do CPP, conjugado com as normas contidas no nº 1.a) e c) do atr. 379 ambos do CPP, ao não ter fundamentado e omitindo pronuncia sobre prova carreada aos autos violador dos princípios consignados no art 205 nº 1 da CRP, bem como quando conjugada com as normas das alíneas b) e c) do nº 2 do art 410 do CPP, por violação do direito ao recurso previsto no art. 32.1 da CRP.
24) Caso o TR, entendesse que o recorrente não impugnara a matéria de facto de acordo com as normas previstas no art. 412 nº 3 e 4 do CPP, e por isso dela não conheceu, deveria então ter convidado o recorrente a suprir tal deficiência.
25) Entendimento contrário viola ostensivamente o direito de defesa do recorrente ex vi art. 32-1 e 2 da CRP. Todavia não o fez, porque a impugnação da matéria de facto obedeceu ao preceituado naquela disposição legal.
26) A forma de suprir esta inconstitucionalidade consiste em o STJ estender os seus poderes de cognição à matéria de facto por nulidade insanável da sentença – art.º 410.º, n.º 3 e art.º 379.º, n.º 1, alínea c) CPP.
P...
27) Quanto a esta empresa fundamenta-se a matéria dada como provada no acórdão da 1ª instância, que o arguido tinha no seu telefone o nome e número da Dra. JJ.
28) Acontece que esta senhora é advogada e o recorrente tinha efectivamente o seu telefone por questões profissionais, exteriores a esta empresa.
29) Quanto a ter consigo os documentos da empresa porque num telefonema, fls 192 apenso 38, o DD lhe pergunta se tem guias, ao que responde o recorrente que ele DD tem faturas o resto da conversa não tem nexo.
30) O recorrente a determinada altura refere para o outro levar a P... que já está habituada….
31) Por esta interceção não se pode concluir que o recorrente fez compras vendas, deu ordens, geriu, em suma teve o domínio da empresa P....
Aliás, não se percebe o teor da conversa era essencial pronuncia do TRL sobre estas questões, que omitiu.
- T...
32) O Arguido foi cliente desta empresa no tempo da empresa de sua mãe AL..., sendo amigo do senhor LL.
33) O senhor LL vendeu a empresa a uma pessoa que o recorrente lhe apresentou.
Não tendo tido mais nenhuma intervenção no assunto, porquanto todo o negócio foi feito entre o novo adquirente e o senhor LL e D MM.
34) Isso é testemunhado pela esposa do senhor LL, MM, e confirmado a fls., do Acórdão 419.
35) Quanto ao facto 402 que o Tribunal fundamenta em duas interceções telefónicas fls., 75 e 76 do apenso 38, as mesmas conversas não provam o envolvimento do recorrente na empresa T....
36) Demonstram que existe algo entre LL e NN, mas que se pode referir a tudo ou nada, alias o LL continuou com outra empresa a trabalhar. Depois de ter vendido a T....
37) Os factos do recorrente quanto a esta empresa ter-se-ão de dar como não provados nomeadamente 402, 409 431 a 433.
38) Também aqui o TRL omitiu pronunciar-se sobre estas questões , essenciais para aferir a responsabilidade do recorrente
A...
39) Quanto às máquinas de lavar foi o próprio que teve de perguntar ao OO, quais as marcas e valores, conforme interceção apenso 38 facto 117.
40) Quanto a esta empresa, o mesmo não teria poderes decisórios, nem de gerência.
41) Ter um cheque em branco da A... na sua casa, quando foi feita a busca, não revela por si só que tenha a gerência e domínio da empresa.
42) As televisões que se encontravam na sua casa, poderiam ter sido compradas à A..., ou dadas, ou seja, não existe prova como foram adquiridas, mas tal não é revelador que o arguido tivesse o domínio da empresa.
43) Pelo que a sua responsabilidade em termos penais terá de ser inferior ao que lhe imputaram.
M...
44) Refere o art.º 276.º dos factos que o HH seria uma testa de ferro.
Com base na prova nomeadamente testemunhal, temos que o HH negociou vários contratos de locação.
45) Tendo inclusive almoçado com o director de uma locadora como referiu a testemunha PP
46) Quanto ao facto 335, referente à viatura … …-NI-…, o contrato celebrado com a FG..., através de QQ, esta testemunha, afirmou que contratou com HH, só mais tarde quando entraram em incumprimento não conseguiu mais falar com aquele.
Acta de 15-01-2018 minuto
47) Aliás, todos os contratos foram assinados por HH, não tendo nenhuma assinatura daquele sido posta em causa.
48) O que leva a concluir que o mesmo naquela altura estava ainda em Portugal
Quanto aos factos 329 a 349, não podem ser dados como provados.
49) Inexiste prova que leve a concluir que que foi o recorrente a fazer um pagamento à G..., com o cartão do HH, em janeiro de 2013, porquanto nesta altura o próprio estava em Portugal
50) O Tribunal, não deu sequer como provada a data em que HH foi para ... deduzindo que pelo menos em 6.04.13, estaria lá em consequência de uma chamada com CC.
51) O facto de se utilizar um numero telefónico de uma rede do ..., tal não leva a concluir que a pessoa esteja a falar daquele pais, porquanto não teve a confir-mação da célula de localização (GPS) , pelo que o facto 262 não poderá ser dado como provado
52) O HH celebrou o contrato de cessão de quotas e mútuo mercantil com a AL..., conforme documentos juntos aos autos, ficando como sócio da socie-dade, obrigado a pagar a cessão de quotas.
53) O ter apresentado uma declaração de rendimentos conforme consta do art.º 250.º, não espelha o quantitativo referente aos rendimentos dos arguidos, refle-te somente o que quiseram declarar.
54) Quanto ao facto 334, é a própria testemunha RR, que diz que conheceu o senhor NN como director financeiro da empresa e CC, tendo ficado com a ideia pela conversa, que era este quem decidia.
55) Pelo que se deve concluir que a responsabilidade do recorrente seria menor do que aquela pela qual foi condenado.
56) Quanto a todas estas questões o tribunal da Relação foi omisso de pronuncia, sendo que eram essenciais para aferir da sua responsabilidade, nomeadamente a medida da pena.
57) Não se pode concluir que quem faz um cesto faz um cento.
- BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
58) Vem o recorrente condenado por ter cometido o crime de branqueamento de capitais com fundamento em que utilizava contas de terceiros para, das sociedades e da mãe para ocultar a proveniência dos proveitos obtidos através da venda de mercadorias das sociedades.
59) Entendeu o TRL, aqui sim se tendo pronunciado, que o seu dolo foi leve e que não causou grande dano, baixando-lhe a pena para 2 anos e 6 meses, quando anteriormente o Toda 1ª instância aplicara 4 anos e 6 meses.
60) Mesmo assim, entende o recorrente o seguinte, quanto aos cartões bancários em nome de sua mãe, era mais fácil ser ele a utilizá-los do que aquela já idosa.
61) Quanto ao cartão do HH, foi este a utilizá-lo nomeadamente no pagamento da G.…, encontrando-se em Portugal. Quando foi para o ... deixou-lhe o seu cartão, sendo que não foi utilizado por AA, nem de tal pode haver prova concreta.
62) Quanto ao cartão da DDD, era sua namorada, tendo pontualmente o cartão, pois era aquela que o utilizava.
63) Por vezes, como seu companheiro e estando juntos, utilizava o cartão para pagamentos pontuais.
64) Não utilizou estes cartões para ocultar a proveniência das verbas ali movimentadas, nem sequer tal pode ser provado dessa forma.
65) Quanto ao facto dado como provado no número 609 da matéria dada como provada, os pagamentos ali efectuados de maior monta, destinaram-se ao pagamento das quotas da sociedade AL... posteriormente designada M..., efectuados por conta de HH.
66) E em cumprimento do contrato de penhor mercantil celebrado com a mãe do recorrente em agosto de 2012, e junto aos autos em 1 de junho de 2018.
Aliás, quando da apreensão de vária documentação em casa do recorrente em Espanha ali se encontravam várias letras que titularam a cessão de quotas.
67) Os pagamentos destinaram-se a pagar a sua mãe o valor da cedência de 300.0000,00€, razão por que foram feitas para a conta de sua mãe,
68) sendo que, o valor ali depositado era directamente para aquela, não estando, pois, a ser utilizada a conta para ocultar a proveniência nem o seu verdadeiro dono.
69) E sempre os pagamentos foram feitos por HH, sendo que após a ida daquele para o ..., deixou de fazer os pagamentos para amortizar o contrato de penhor mercantil.
70) O recorrente na altura em que adquiriu metade de um terreno, decidiu colocar em nome de ...., (seu filho), para o compensar em relação às irmãs, cuja avó tinha colocado em nome das mesmas um apartamento em .... O que ocorreu em novembro de 2011.
71) Nunca a sua intenção em ir assinar a escritura foi ocultar o bem, mas sim garantir o seu filho. Se tivesse intenção de ocultar, utilizaria outros estratagemas de forma a ser difícil seguir-se o rasto do dinheiro que se quer ocultar, nunca seria colocar os valores em nome dos familiares mais próximos e directos.
72) Foi alias a mãe do seu filho, BB, de quem estava na altura divorciado, a outorgar a escritura em nome do filho, na qualidade de legal representante do menor e sobre o qual tinha o exercício do poder paternal.
73) Inexiste o nexo de imputação subjectiva, quer a título de dolo ou negligência.
74) Na realidade, na decisão são alegados tão-somente – e ainda que de forma insuficiente e deficiente – factos materiais, factos objectivos e de puro resultado, sem que sejam alegados quaisquer factos concretos tendentes a demonstrar a forma de imputação – que, aliás e conforme infra se procurará também demonstrar, não existe nem objectiva nem subjectivamente – dolosa ou negligente ao Arguido.
75) Factos esses que se encontram omitidos na decisão de que ora se recorre.
76) Em causa, supõe sempre e também uma imputação subjectiva.
77) Ora, para que o Arguido pudesse ser condenado deveria ter sido factualmente demonstrado que o Arguido tivesse pretendido ou representado como possível a realização do facto integrador do crime.
78) Não obstante, tivesse actuado sem o cuidado e diligência a que está obrigado, o que, sempre se dirá, não sucedeu in casu.
79) Esta seria, pois, a situação que, em termos fácticos, teria de ser provada por forma a configurar – pelo menos – a negligência.
80) A qual foi, todavia, omitida da decisão.
81) Ao invés, a decisão que ora se recorre apenas faz referência ao resultado, fazendo assentar a imputação do Arguido no que ao nexo de subjectividade respeita em meros conceitos de direito, vagos e não consubstanciados em factos – que a decisão não descreve nem prova.
82) Na decisão faltam assim elementos essenciais – o dolo ou a negligência – para a verificação do crime imputado ao Arguido.
83) Pelo que, não resulta da decisão – a imputação ao Arguido de todos os elementos constitutivos do tipo legal por que foi condenado.
84) Pelo que deverá ser determinado a absolvição do Arguido, quanto a este crime.
85) Caso assim não se entenda – o que apenas por dever de patrocínio se admite, à cautela e sem conceder – sempre se dirá que o Arguido não praticou a infracção por que foi condenado, não lhe sendo a mesma imputável a nenhum título – objectiva ou subjectivamente –, o que afasta necessariamente a punibilidade da mesma.
86) Pelo que os números 627 a 630 da matéria dada como provada terão de quanto ao Arguido constar da matéria dada como não provada.
87) Quanto ao vertido no art.º 621.º da matéria dada como provada, não é verdade nem tal assenta em qualquer base factual, que o Arguido utilizasse o armazém para ocultar as mercadorias,
88) porquanto a sua intenção foi a utilização do armazém para as guardar, não ocultar, nem tal se conclui de nenhum facto dado como provado.
89) Deverá ser dado como provado quanto ao art.º 621.º, que o armazém se destinava a guardar mercadorias.
90) Os factos dados como provados quanto ao Arguido são insuficientes para levar á decisão de direito de crime de branqueamento de capitais, pelo que o acórdão enferma do vicio previsto no art.º 412.º n.º 1 alínea a) do CPP, o que se argui.
- BURLA
91) O crime de burla implica, ao nível dos requisitos, que o agente:
- Tenha a intenção de obter para si, ou para terceiro, um enriquecimento ilegítimo, e, com esse mesmo objectivo, astuciosamente, induza em erro ou engano o ofendido à prática de actos que lhe causem a si ou a outrem prejuízo patrimonial.
92) O bem jurídico protegido por tal crime é o património.
93) Trata-se de um crime de dano, pois só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infração, o burlado, ou de terceiro.
94) Consuma-se o crime com a saída das coisas ou valores da esfera da disponibilidade fáctica do sujeito passivo ou da vítima, razão por que consubstancia um crime material ou de resultado (pág. 276).
95) Exigindo-se que o agente actue com intenção de obter para si ou para outrem, um enriquecimento ilegítimo, a consumação do crime não depende da concretização desse enriquecimento, bastando que, ao nível do tipo objetivo, se observe o empobrecimento, (dano) da vítima.
96) A lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência da utilização pelo agente, de um meio ardiloso, que induza a outra pessoa em erro, de molde a levá-lo a praticar actos que lhe causem prejuízo.
97) O que resulta da matéria de facto provada é que o Arguido, para comprar a mercadoria, sabia que tinha de depositar o valor do cheque e só depois o poderia entregar, sabia que se não depositasse primeiro o dinheiro o cheque seria devolvido por falta de provisão.
98) Para se diferenciar um crime de emissão de cheque sem provisão do crime de burla teremos de atender à convicção do tomador.
99) Se consiste apenas na convicção de que o cheque vale como meio de pagamento, estamos perante um crime de emissão de cheque sem provisão.
100) Se pelo contrário a convicção do tomador não é apenas essa, mas outra que astuciosamente lhe foi incutida pelo emitente do cheque,
101) aparecendo o cheque apenas, como um de outros factos que fundamentaram essa outra convicção, então o crime poderá ser o de burla.
02) Assim poderemos dizer que o arguido quando entrega o cheque, para pagamento das mercadorias, às lesadas, estas convenceram-se apenas de uma coisa: que o cheque tinha provisão, que lhe seria paga a quantia nele titulada.
103) Se os cheques tivessem sido pagos, os lesados não se consideravam enganados. (Muitos ofendidos foram unanimes em tal afirmação)
104) Mesmo naqueles casos em que a mercadoria foi entregue com cheques pós-datados.
105) Mesmo assim não houve qualquer astucia, porque mesmo sem o pagamento na altura, os lesados sabiam que os cheques naquela altura não teriam provisão, mas mais tarde, pois eram cheques pós-datados, e independentemente disso, entregaram as mercadorias,
106) não houve qualquer engano, pois se os cheques posteriormente fossem pagos, os assistentes e lesados não se consideravam enganados.
107) Poderão existir indícios que o arguido poderá ter tido intenção de entregar o cheque sem a devida provisão, e que o mesmo viria a ser devolvido sem o respectivo pagamento devido,
108) e que tenha actuado com essa finalidade, mas outra coisa não fez, que não fosse incutir nos ofendidos, a convicção que os cheques lhes seriam pagos.
109) Atitude censurável, mas apenas isso.
110) A entrega do cheque como meio de pagamento, e dizer que tem provisão, é engano próprio do crime de cheque sem provisão.
111) O facto de os cheques terem sido aceites como pós-datados, também não integra engano de natureza e alcance diferentes.
112) Erros e enganos a que os ofendidos deram azo ao aceitarem os cheques, nas condições em que os aceitaram.
113) Não houve assim, qualquer erro ou engano para além do que é típico do crime de emissão de cheque sem provisão.
114) Mesmo quanto aos prejuízos que advieram do não pagamento dos cheques, havendo pagamento dos cheques, nunca tais prejuízos existiriam.
115) Pelo que a intenção do arguido e a obtenção do enriquecimento ilegítimo, os erros e enganos levados a cabo pelos Arguidos. Os actos praticados pelos ofendidos, nomeadamente a aceitação dos cheques, foram todos típicos do crime de emissão de cheque sem provisão, e, não do crime de burla.
116) Concretamente nos factos 31, a sociedade MU... forneceu as mercadorias contra a entrega de cheques pós-datados.
117) Ora se os cheques fossem pagos a ofendida não se sentiria enganada.
118) O mesmo acontecendo às ofendidas referidas no n.º 54.º a 85.º, e em todas as restantes compras pelas empresas, todas feitas por pagamento de cheque quer para altura quer pós-datado.
119) Quanto aos contratos de leasing celebrados com várias locadoras para obtenção de viaturas, os mesmos obedeceram à junção de diversos documentos, solicitados pelas financiadoras, e após tal, assinatura do contrato e pagamento de sinal.
120) Sabe-se de acordo com as regras da experiência de vida, que desde que o nome da empresa ou do particular, não esteja referenciado, no Banco de Portugal, as locadoras aprovam os financiamentos.
121) Os vendedores querem vender os carros e as locadoras querem vender dinheiro, pelo que se torna muito acessível a compra de viaturas por leasing, sem que existam cuidados acrescidos, quanto à verificação da liquidez dos adquirentes.
122) Sendo que num contrato de leasing foram pagos sinais nomeadamente de 20.000,00€ e 12.500,00€, e 9 rendas, tal como o constante dos factos 284 a 288, noutros menos rendas (prestações).
123) Aqui com valores tão altos não poderá existir intenção de não pagar, pois nesse caso teriam negociado princípios de pagamentos mais baixos e prestações mais altas.
124) Contudo, o que se verifica é que não houve nenhuma astucia para que os financiamentos de leasing fossem aprovados, sendo que se as prestações como até ali fossem pagas, nenhum crime de burla existiria.
125) Pois que as locadoras não se sentiriam lesadas.
126) Ou seja no caso concreto, estamos face a incumprimento de contratos leasing, que teriam como consequência, a resolução do contrato e a devolução, ou não da viatura.
127) Estamos face a uma divida de foro cível, que se não configura com os elementos típicos do crime de burla.
128) Pelo que, quanto à conduta astuciosa que induza em erro o lesado, afectando a sua capacidade de autodeterminação, no caso dos presentes autos tal não sucedeu.
129) Ou seja, no caso de todas as empresas lesadas, as mesmas recebiam contra a entrega da mercadoria cheques para pagamento, nomeadamente cheques pós-datados.
130) A entrega do cheque por si só não basta para levar a concluir pela astúcia, já que quem recebe um cheque tem a consciência que é possível a falta de provisão, pelo que a aceitação do cheque embora resulte de um erro ou engano não foi provocada por um acto asucioso.
131) O elemento "astuciosamente" referido na lei é limitativo em relação ao elemento do dolo específico (a intenção de enriquecimento), e para a verificação do dolo é necessário, por parte do agente, a prática voluntária dos factos e o conhecimento do carácter ilícito da sua conduta.
132) Quanto à situação de pagamento com cheques pós-datados, estamos perante uma situação de foro cível, de incumprimento de contrato e não pagamento de divida.
133) No caso presente, conforme já se deixou referido supra, entendemos não existir quanto ao arguido a prova dos elementos constitutivos do crime de burlas
134) O Acórdão enferma do vicio previsto no n.º 2 alínea a) do art.º 412.º do CPP, porquanto os factos dados como provados levarão à decisão de direito de emissão de cheque sem provisão, sendo insuficientes para enquadrar na moldura penal do crime de burla….
135) Mal andou o Tribunal em condenar o recorrente pelo crime de burla agravada, na vertente de valor económico elevado, pois não tem elementos suficientes no sentido de aferir quanto caberia a cada um e se o valor que o recorrente receberia, seria inferior a valor consideravelmente elevado.
136) De acordo com o princípio in dubio pro reo, não se pode presumir contra reo, pelo que não poderá ser dada como provada tal agravante qualificativa.
137) Caso se entenda que estamos face em todos os casos a comportamentos enquadráveis no crime de burla, o recorrente ao ter sido condenado por diversos crimes de burla na forma continuada deveria ter sido por um único crime na forma continuada.
138) pois o seu comportamento deverá ser visto de forma global para que se possa aplicar uma pena concreta.
139) O bem jurídico protegido no caso do crime de burla é o património, nada tendo a ver com direitos pessoais das vitimas/ofendidos.
140) Por isso atendendo à homogeneidade das condutas, à duração temporal seguida, à localização geográfica, sempre a nível de Portugal Continental, temos que o comportamento do arguido deverá ser um único, pelo que deverá ser condenado pela pena que abarque um prejuízo maior
141) Atendendo-se ao iter criminis, tudo indicia ter-se reconduzido o recorrente motivado por factores exógenos, que o mesmo é dizer-se, por um circunstancialismo externo fortemente dirimente da sua culpa.
142) Cotejam-se entre estes factores, por exemplo, as circunstâncias de os co-arguidos ligados à actividade da construção civil e comércio de tintas, proporcionarem um bom mercado naquele sector.
143) O facto de o pagamento a todos os fornecedores se efectuar pela mesma forma, por cheque a pronto pagamento ou pré-datado.
144) A prospecção do mercado e encomendas através do envio de fax ou mail, o mesmo modus operandi durante aqueles meses.
145) A anuência de uns fornecedores ter facilitado a tentativa de tal efectuar para outros, no sentido de “a ver se pega”.
146) Constata-se, por conseguinte, que a apurada conduta do recorrente não foi motivada por razões de carácter endógeno mas sim por toda uma situação exterior que acabou por o arrastar para a prática dos crimes em que foi condenado.
147) Por outro lado, inegável é ainda no caso dos autos: A identidade do bem jurídico ofendido ou/e as plúrimas violações de normas com estreita afinidade jurídica; - A proximidade temporal entre as violações desde meados de 2010 e inicio de 2013- A solicitação de uma mesma situação exterior fortemente dirimente da culpa do agente e, ainda, a circunstância de se voltar a verificar a mesma oportunidade favorável; A homogeneidade da actuação do recorrente.
148) Face à matéria de facto apurada, integrar a conduta do arguido na figura jurídica do denominado crime continuado (n.º 2 do art.º 30º do Cod. Penal), aliás, em perfeita sintonia com o defendido por toda a doutrina, não em relação a cada empresa, mas na sua globalidade de condutas, como um único comportamento.
149) A se não considerar desta forma há clara violação do preceituado nos artº 30º, nº 1 e 2 , 217.º/1/a/b, 218.º/2, todos do C. Penal.
150) Pena. A fundamentação do Acórdão da 1ª instância, quanto à medida da pena recorre a fórmulas tabelares, que violam o art.º 71.º do CP e o n.º 2 do art.º 374.º do CPP (determinando a nulidade prevista no art.º. 379.º, al. a), do referido diploma.
151) Na medida em que o art.º 70.º do C.P. elege como critério da escolha da pena a melhor prossecução das finalidades da punição, importa ter em atenção que o art.º 40.º atribui à pena um fim utilitário.
152) Relacionado com o critério geral do n.º 1 do art.º 71.º do C.P. está o próprio enunciado sobre fins das penas que se lê no art.º 40.º do C.P.;
153) Porque se no artigo 71.º n.º 1, se diz que a medida da pena se elege “em função da culpa do agente”, para além das exigências de prevenção, importa então saber se o art.º 40.º consente que, “em função de” possa ter o sentido de “em retribuição” da culpa do agente.
154) A medida da pena é determinada em função das exigências de prevenção, no caso concreto (cfr. art.º 71.º, n.º 1), levando-se em linha de conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, (art.º 71, n.º 2), tendo como limite (e não como pressuposto…) a culpa do agente.
155) Refere o Acórdão do TRL que as penas quanto aos crimes de burla, estão correctas, sem, contudo, justificar o porquê de tal conclusão.
156) O acórdão de 1ª instância, não deu credibilidade ao constante do Relatório Social, porque fundamentado somente nas declarações do arguido.
157) Nomeadamente, quanto à criação de uma empresa de nome, por lapso escrito Algazol, quando se referia a AL.…, que assumiu posteriormente a designação de M.…, e que enquanto AL... teve grande sustentabilidade económica, fls 396.
158) Contudo tal é realidade e sustentada por prova documental, contrariamente ao afirmado no Acórdão.
159) Quando refere a fls 397 do Acórdão que o “referido no relatório social não passa de mera confabulação do arguido, e por esse motivo, não credível.”
160) O arguido descreveu o seu agregado familiar de origem, e o seu percurso profissional, com exacerbados “tiques “de grandeza, apenas sustentado pelas suas declarações, e por isso não mereceram credibilidade, mas revelam, da parte do arguido, uma personalidade sempre pronta para criar artifícios para enganar, é patogénico, o arguido não consegue controlar. Não revela qualquer capacidade de autocensura, é propenso à prática de factos agressores do direito de propriedade de terceiros, através de artifícios criados para enganar.
161) A frieza e falta da noção de limites está patente no que o arguido relatou acerca da sustentabilidade económica da M... Lda., tendo em conta que resultou provada a utilização desta empresa, pelos arguidos como instrumento para a prática dos ilícitos descritos nos autos…”
162) O Acórdão padece de omissão de diligência essencial, necessária e indispensável, para a descoberta da verdade, ou seja, quando o Tribunal reuniu para aferir da culpa, art.º 368.º do CPP, e confrontando-se com a patogenia referida a fls, 397 do Acórdão.
163) Deveria ter ordenado a produção de prova suplementar, ou seja, a perícia psiquiátrica ao recorrente nos termos do art.º 369.º do CPP, e reaberto a audiência para efeitos do art.º 371.º do CPP, o que não fez.
164) Pelo que, ao ter omitido uma diligência posterior essencial, necessária e indispensável, para aferir o grau de responsabilidade do recorrente, padece o Acórdão de uma nulidade prevista na alínea d) do n.º 2 do art.º 120.º, com as consequências que daí advêm ex vi art.º 122.º ambos do CPP.
165) Esta perícia psiquiátrica é essencial para aferir o grau de responsabilidade do recorrente quer em termos da ilicitude quer em termos da culpa, pelo que deveria ter sido obrigatoriamente feita, para assim se poder fundamentar a medida da pena.
166) Aliás, o Tribunal omitiu pronúncia sobre os diversos relatórios médicos juntos aos autos, não tendo valorado o depoimento do ilustre psiquiatra Dr. II, que se pronunciou em audiência sobre a patologia do recorrente, pelo que está ferido de nulidade o Acórdão nesta parte por omissão de pronúncia nos termos do art.º 379.º n.º 1 alinea c) do CPP.
167) O tribunal sabendo da patogenia do recorrente deveria ter submetido aquele a exames devidos, solicitando a perícia psiquiátrica, aduzindo logo os quesitos a que os peritos deveriam responder.
168) E não era pura e simplesmente mandando ir ao IML, sem devidamente nos termos legais requerer a perícia psiquiátrica e elaborar os devidos quesitos.
169) Ao ter omitido estas diligências, fez errada interpretação e aplicação das normas contidas nos art.º 368.º, conjugado com as normas contidas nos artigos 369.º e 371.º do CPP, ferindo esta interpretação de inconstitucionalidade material nos termos dos artigos 32.º e 205.º da CRP, porquanto pôs em causa os direitos de defesa do próprio recorrente.
170) Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo confunde a ponderação do factor de integração, para efeitos da medida da pena, com as circunstâncias que poderão estar, elas próprias, na origem – como elemento facilitador.
171) E como acima se deixou escrito, reintegração social, como forma de prevenção especial positiva, é ela mesma uma forma de protecção de bens jurídicos, que não deveria ser obnubilada no caso concreto, estigmatizando o arguido para a vida e impedindo-o de ter um futuro.
172) As penas parcelares foram muito altas, os factos, atendendo ao tempo, e grau na hierarquia e à culpa.
173) A se entender que se trata de vários crimes de burla e não um único, na forma continuada, deveriam as penas parcelares, referentes a M.…, A…., P... B..., serem mais baixas.
174) Atendendo ao acima referido acerca da patogenia do próprio arguido, temos que quer a ilicitude e culpa se mostram mitigadas, pelo que tal deveria ter sido levado em conta e não foi nos termos do art.º 71.º do CP.
175) Admite-se, o arguido, está doente, conforme relatórios junto aos autos, que o Tribunal não valorou, sofre de outro tipo de patologias, tais como diabetes, sendo insulinodependente, apneia, problemas cardiovasculares e problemas de foro mental, tendo sido já diagnosticado a claustrofobia, entre outras patologias.
176) Contudo, o arguido beneficia do apoio de uma família estruturada, sendo que neste momento, a ora recorrente também, BB, com quem se voltou a casar, está a trabalhar em Espanha e contribui para o seu equilíbrio, juntamente com o filho de ambos SS.
177) De acordo com o art.º 77.º n.º 1 do Código Penal. “Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
178) A justiça é também Tolerância e Pedagogia, por isso, há que exigir, que o Julgador tenha a sua balança bem aferida e que tome em conta todos os factores in casu atendíveis.
179) Por isso, não só merecem reparo as penas parcelares aplicadas, como independentes da bondade daquelas, sempre o cúmulo jurídico das penas parcelares é assaz excessivo.
180) Na verdade, a sociedade em geral, e o arguido em particular, teriam dificuldade em entender que alguém, ainda que condenado por inúmeros crimes de burla pudesse ter de cumprir tempo de prisão igual ou superior a alguém que violou ou tirou a vida a uma ou várias pessoas, isto sem se colocar em causa o devido desvalor de cada uma dessas condutas.
181) Actualmente, o legislador estabeleceu na pena de 5 (cinco) anos de prisão o limiar de soluções de descaracterização com base num novo critério que distingue a criminalidade não violenta, punível com pena de prisão inferior a 5 (cinco) anos.
182) da criminalidade violenta, punível com pena de prisão inferior a 8 (oito) anos, e ainda da criminalidade altamente violenta, punível com pena de prisão igual ou superior a 8 (oito) anos, cfr. artigo 1.º do CPP.
183) Apesar de várias burlas, não estão em causa delinquentes que sistematicamente colocam em perigo a vida ou integridade das pessoas, pois todos os crimes por eles praticados foram sempre contra o património e não contra as pessoas,
184) devendo-se ter, por isso, as devidas cautelas na fixação da pena única, sob pena, de se tal não for tido em conta, se estar a tratar desses casos como se de homicídio se tratasse.
185) Assim, na decisão recorrida, a escolha das penas que compõem o cúmulo não é arbitrária e deve ser feita de acordo com os artigos 77.º e 78.º do C.P., mas de modo que se demonstre ter o resultado mais favorável para o arguido.
186) Estamos perante criminalidade não violenta, pois cada pena singular apreciada foi sempre entre 5 (cinco) e 6 (seis) anos de prisão – cfr. artigo 1.º do CPP.
187) O que leva que a pena na decisão recorrida não deva ser igual ou superior ao valor das penas possíveis de aplicar a um somatório de crimes de média criminalidade ou de criminalidade muito grave,
188) sob pena das mesmas se tornarem desproporcionais em relação às infracções, e como tal violarem o disposto no art.º 49.º, n.º 3 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de aplicação obrigatória no direito penal português por via do disposto no artigo 16.º da C.R.P.
189) O Tribunal omitiu ver o comportamento do arguido na sua globalidade e aferir uma pena global para um comportamento global que reflectisse essencialmente a necessidade de pena, a postura do arguido perante o desvalor das suas condutas.
190) Para determinação do quantum da pena unitária, a punição não resulta só autonomamente da prática de um facto, não só sequer da existência de uma certa personalidade, mas também da cumulativa existência de um facto e da personalidade.
191) A culpa do agente, no caso concreto, deverá ser atenuada, atendendo à patogenia de que padece que lhe mitiga a responsabilidade pelos seus actos.
192) O Arguido tem quase 66 anos, tem o apoio da Família.
193) Quanto à gravidade das consequências em termos patrimoniais para as empresas lesadas, muitos foram ressarcidos pelas Seguradoras.
194) O Arguido penitencia-se, lamentando o não terem sido honrados os pagamentos, porquanto enquanto esteve na empresa de sua mãe desde 2006, sempre foi cumpridor dos seus deveres.
195) Tudo isto foi uma bola de neve em que se viu envolvido, mostrando-se arrependido.
196) O Tribunal olvidou na globalidade do comportamento, se esta pena global era digna de uma atenuação especial de pena, atendendo à patogenia de que padece.
197) E não se diga que, no caso concreto, esta está atendendo à proibição da dupla valoração.
198) O limite máximo da pena dentro da moldura abstracta, terá de se adequar à culpa e, não poderá ser ultrapassado por considerações de prevenção geral ou especial sob penada violação do art.º 40 – 2.º e 71.º-2-a) do C.P.
199) Ao não ter aplicado a atenuação especial quer quanto às penas parcelares quer à medida da pena única o tribunal a quo violou o disposto no art.º 72.º conjugado com art.º 77 n.º 1 e 2 ambos do CP.
200) O tribunal ao aplicar as penas parcelares da forma que aplicou fez errada interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 40.º, 70.º e 71.º e 72.º, conjugado com as normas contidas no art.º 77 também do CP porque violadora dos princípios plasmados no art.º 32.º e art.º 205.º da CRP, ferindo aquela interpretação e aplicação de inconstitucionalidade material
201) Considerando que do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base ao acima referido já que foi documentada toda a prova, deverá a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto ser modificada como o acima explicitado o que se requer nos termos dos artigos 426.º, 430.º, 431.º do C.P.P.
202) O recorrente deveria ter sido condenado por um único crime de burla, agravada, na forma continuada, nos termos e contexto acima referidos.
203) Deveria ter sido absolvido do crime de branqueamento de capitais.
O recorrente beneficia de apoio judiciário.”
BB
“1) O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que quanto à recorrente baixou a pena de cúmulo jurídico para 8 anos, em que a mesma foi condenada em coautoria.
2) Contudo, quanto ao crime de branqueamento de capitais em que foi condenada na pena de 4 anos e 6 meses de prisão em coautoria, o TRL, quanto ao seu coarguido CC entendeu que se não verificavam os pressupostos para a prática daquele crime, tendo-o absolvido do mesmo e quanto a quem é ao momento seu actual marido baixou a pena para 2 anos e 6 meses.
3) Existe divergência não só ao nível da pena aplicada nas 2 instâncias, mas também ao nível da matéria apreciada quanto aos coarguidos, omitindo pronunciar-se quanto à recorrente, quando a decisão dos co-autores aproveita aos restantes condenados em co-autoria, no caso concreto quanto à recorrente.
4) Assim como quanto aos crimes de burla em que foi condenada em co-autoria, o acórdão do TRL aprecia as circunstancias da pratica dos crimes em relação aos co-autores, TT, CC, EE, concluindo que são elevadas as necessidades de prevenção especial, atendendo aos seus antecedentes criminais, alterando por fim a pena a aplicar a cada um deles, baixando a pena de cumulo jurídico.
5) Quanto à recorrente, nem sequer se pronunciou, apesar desta, comparativamente com os restantes, ser primária, não tendo qualquer antecedente criminal acabando por baixar-lhe a pena de cúmulo para 8 anos.
6) Não existiu no caso dupla conforme, conforme o explanado no acórdão acima mencionado.
7) Estas questões quanto à recorrente devem ser apreciadas pela sua relevância jurídica, e são claramente necessárias para uma melhor aplicação do direito.
8) Deve ser admitido o presente recurso também, nos termos do art.º 399 do CPP e art.º 672.º nº 1 alinea ) a do CPC aplicado ex vi art 4º do CPP,
9) A fundamentação da sentença visa permitir ao Tribunal superior o reexame do processo lógico ou racional que subjaz à decisão, o que deve ser feito nos termos do artigo 374.º, n.º 2, sob pena de nulidade – artigo 379.º, n.º 1, al. a) do C.P.P.
10) No caso concreto o Acórdão é omisso de exame crítico, em esclarecer porque é que determinados documentos serviram para dar como provados determinados factos e quanto a outros documentos juntos aos autos que nem sequer foram valorados.
11) Quanto às sessões telefónicas, que foram valoradas para dar como provados diversos factos, é também o Acórdão omisso de exame critico.
12) Enumera várias sessões do apenso 38, todavia não refere porque foram importantes para a decisão da matéria de facto e em que termos.
13) Não é essencial que o Tribunal descreva o que a testemunha disse em julgamento, mas sim é essencial que o Tribunal demonstre porque é que o depoimento da testemunha convenceu o tribunal da veracidade daquilo sobre que depôs.
14) No caso do Acórdão tal não se demonstra, não bastando a afirmação de que depoimento foi credível, ter-se-á de fundamentar porque entende o tribunal que foi credível.
15) É também omisso de exame crítico o Acórdão, quanto aos factos não provados.
16) Não se compreende como é que o Acórdão da 1ª instancia, e que o acórdão do TRL, refere que quanto à arguida se não provaram os factos, 85, 86, 136 e 137 do despacho de pronúncia, todavia, a recorrente não entende como é que esses factos do despacho de pronúncia, terão a ver com a mesma e como.
17) Todos estes factos não são considerados factos inócuos, pelas razões já expendidas, ou seja, poderão levar de acordo com o princípio in dubio pro reo à absolvição do Recorrente.
18) A Arguida foi seriamente afectado no seu direito de defesa, já que o Tribunal fez errada interpretação e aplicação das normas constantes dos arts. 97.º, n.º 4 e 374.º, n.º 2 do C.P.P., interpretação essa violadora dos princípios consignados nos arts. 32.º, n.º 1 e 5 e 205.º da C.R.P., porque violadores dos princípios de defesa do arguido.
19) Deverá considerar-se inconstitucional a norma do n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª Instância, com a mera explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados, por os considerar inócuos sem contudo justificar porque são inócuos, por violação do dever de fundamentação das decisões dos Tribunais previsto no n.º 1 do artigo 205.º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do artigo 32.º também da Constituição, o que desde já se argui. A decisão recorrida não foi objecto do reexame da matéria de facto de modo integral. Ou seja, para que o direito ao recurso seja efectivo, deverá ter havido um real reexame da matéria de facto pelo Tribunal da Relação (que garante um duplo grau de jurisdição) de modo que o STJ possa limitar os seus poderes de cognição à matéria de direito.
20) A arguida foi impedida de se defender e ter direito a um duplo grau de jurisdição.
21) Dessa forma, o tribunal fez uma errada interpretação das normas contidas no nº 2 do art 374 do CPP, conjugado com as normas contidas no nº 1.a) e c) do atr. 379 ambos do CPP, ao não ter fundamentado e omitindo pronuncia sobre prova carreada aos autos violador dos princípios consignados no art 205 nº 1 da CRP, bem como quando conjugada com as normas das alíneas b) e c) do nº 2 do art 410 do CPP, por violação do direito ao recurso previsto no art. 32.1 da CRP.
22) Caso o TR, entendesse que a recorrente não impugnara a matéria de facto de acordo com as normas previstas no art. 412 nº 3 e 4 do CPP, e por isso dela não conheceu, deveria então ter convidado o recorrente a suprir tal deficiência.
23) Entendimento contrário viola ostensivamente o direito de defesa do recorrente ex vi art.32-1 e 2 da CRP. Todavia não o fez, porque a impugnação da matéria de facto obedeceu ao preceituado naquela disposição legal.
24) A forma de suprir esta inconstitucionalidade consiste em o STJ estender os seus poderes de cognição à matéria de facto por nulidade insanável da sentença – art.º 410.º, n.º 3 e art.º 379.º, n.º 1, alínea c) CPP.
M...
25) Foi a recorrente condenada por um crime de burla qualificada quanto à empresa M..., na pena de 4 anos e 6 meses.
26) O TRL, omitiu pronunciar-se sobre as questões abaixo referidas na motivação de recurso para o TRL:
27) O tribunal padece de erro de raciocínio na apreciação da prova, quanto a esta empresa relacionada com a recorrente.
28) A recorrente fora empregada da AL... conforme recibos de vencimento juntos aos autos, anterior denominação da M....
29) Não mais teve relacionamento com a empresa com a nova denominação e nova gerência.
30) Rescindiu o seu contrato em 3 de janeiro de 2012, conforme documento junto aos autos, tendo a partir daí se inscrito no Fundo de Desemprego.
31) Em boa verdade, não se lembra, se foi depois disso alguma vez à empresa, mas caso tenha ido, foi no sentido de se encontrar com AA.
32) Não existem factos nos autos que levem a concluir que a recorrente tenha a partido de 3-01-12, iniciado a sua colaboração nesta empresa.
33) A recorrente nunca negociou, emitiu qualquer email, ou sequer tenha desenvolvido qualquer trabalho para a empresa, nem feito qualquer encomenda.
34) Aliás, nenhuma das testemunhas referiu que tenha falado com a mesma sobre qualquer facto da empresa, ou que esta lhe tenha prestado qualquer serviço administrativo.
35) A instâncias do senhor Procurador no sentido de saber se além das pessoas que já referira se tinha visto outras na M..., UU refere que alem das pessoas fixas que ali trabalhavam e das várias vezes que se deslocou à empresa,
36) viu uma ou duas vezes uma senhora que seria a esposa do senhor AA, meramente a conversar 11.01.18 refere ao minuto 18.35:
E quando lá ia, quem encontrava em 2012, era o senhor AA, EEE e GG”
37) A arguida nunca fez parte da empresa nem sequer de nenhum plano, alias nesta altura a mesma ainda vivia em Espanha e só vinha pontualmente a ….
38) Nem sequer sabe se esta testemunha se estaria a referir a si se à ligação adultera na altura, do seu actual marido.
39) A arguida está a ser penalizada em consequência da sua relação com o AA.
40) Alias se não acompanhasse com o mesmo, não lhe estariam a ser imputados estes factos.
41) O arguido, travou-se de amores com uma ... .
42) Só posteriormente foi reativado o relacionamento com a recorrente, tendo posteriormente vindo para Lisboa, o que ainda não foi nesta altura
43) Quanto a ter ido com o pai dos seus filhos à loja PO..., facto 377, não é verdade!
44) Não foi com ela que o arguido se dirigiu à PO..., mas sim com outra que se intitulou de esposa.
45) Razão pela qual a testemunha, em sede de julgamento, não a reconheceu como sendo a pessoa que la se tivesse dirigido.
46) Por isso os factos são insuficientes para dar como provado que foi BB que acompanhou AA à PO..., facto 377.
47) Minuto 1.02.21 em acta de 21,12,17 VV, que se dá aqui como reproduzido e constante da motivação, a descrição que foi feita pela testemunha não corresponde à recorrente.
48) Não existem factos que levem concluir nesse sentido, pelo que deverá ser dado como não provado, o facto 377 quanto à arguida, por ausência de prova
49) Já quanto ao facto 390, a recorrente assume, que estando já em …, pois tratava-se de 2013, acompanhou com o seu companheiro, actual marido a uma loja TO..., para comprar diversos artigos para a casa de banho.
50) Sempre esteve convencida que AA pagaria esses artigos, tendo só com este processo sabido que os mesmos não foram pagos.
51) Se acaso algum acto ilícito foi praticado, não foi pela arguida, que nunca teve intenção de comprar algo que não pagasse.
52) Não existem elementos que levem a concluir com este comportamento a configuração de um ilícito criminal, por ausência do elemento subjetivo, ou seja o dolo.
53) Pelo que este facto deverá ser considerado provado, com esclarecimento que a recorrida sempre presumiu que seu marido pagasse.
54) Pelo que quanto à recorrente não pode ser dado como provado as conclusões vertidas nos artigos 395 e 396 da matéria de facto dada como provada.
Assim como omitiu pronuncia quanto às questões suscitadas quanto à empresa- T......
55) Quanto à sociedade T…..., não é verdade que a mesma realizasse transportes para a sociedade da arguida, porquanto a mesma nunca foi titular em Portugal de nenhuma sociedade
56) Nem sequer existe prova de facto ou documental que tal fundamente, pelo que quanto à recorrente deverá ser dado como não provado o facto 402.
57) Não existem quaisquer factos imputados à arguida, como tenham sido praticados pela mesma a título enganoso e astucioso, com vontade de enganar as empresas lesadas, com uma actividade delituosa.
58) Quanto às compras por estas empresas, não está demonstrado que a arguida teve qualquer intervenção.
59) Não foi a arguida que negociou a aquisição de material, discutiu os preços, assinou cheques, recebeu a mercadoria, fez encomendas.
60) Nada disto fez, porque simplesmente nem da existência da mesma sabia.
61) Pelo que quanto a esta empresa deverá ser dado como como não provadas as conclusões plasmadas nos números 431 a 433 da matéria de facto dada como provada, por ausência de prova.
- F...
Assim como omitiu pronuncia quanto às questões suscitadas quanto à empresa-
62) A recorrente, veio para Lisboa, em dezembro de 2012/ 2013.
63) Aí empregou-se nesta empresa, com um ordenado de 800,00€, tendo sido contratada por GGG, dono da empresa.
64) E, aí sim desenvolveu a actividade de administrativa, fazendo o que lhe mandavam.
65) Sendo certo que se lhe mandavam enviar e-mails a mesma, naturalmente os enviaria, pois tinha a seu cargo serviço de escritório
66) Poderia rececionar os clientes e encaminhá-los, contudo isso não quer dizer que a recorrente estivesse conluiada com quem quer que fosse para enganar terceiros
67) Existe uma testemunha de nome XX, que referiu em depoimento ter conhecido ZZ, todavia não se tratava da recorrente.
68) Esta mesma testemunha em reconhecimento não reconheceu a recorrente como sendo essa pessoa.
69) O seu comportamento não pode ser enquadrado na previsão da prática do crime de burla qualificada, por ausência quer de elemento objetivo, quer subjetivo, devendo as conclusões 493, 494., serem dadas como não provadas.
- L……S
Assim como omitiu pronuncia quanto às questões suscitadas quanto à empresa-
70) A determinada altura, o seu patrão transferiu-a para L…...s.
71) A única coisa que fazia era atender o telefone, enviar e-mails.
72) Sendo que as testemunhas que depuseram em tribunal foram omissas em relação à mesma, porquanto o seu papel era meramente secundário.
73) Devendo ser dada como não provada a conclusão vertida no n.º 547 e 552, porquanto a arguida, não agiu conluiada com quem quer que fosse, não passando de mera empregada.
- E...
Assim como omitiu pronuncia quanto às questões suscitadas quanto à empresa
74) Aqui esteve a trabalhar com FF, como secretaria cerca de dois meses, até que foi encerrada,
75) Até aí nunca a recorrente se apercebeu de algo ilícito.
76) O tribunal enfermo de erro de apreciação da prova ao dar como provado que a testemunha AAA disse que quem ali se encontrava era a esposa do senhor NN que falava espanhol.
77) Quando de facto, o que disse foi, ao minuto __ do dia 2 de outubro de 2017: “Estava lá uma senhora que era a esposa de um deles, que falava espanhol,
78) Era gordinha e forte, via-se que não era portuguesa”.
79) Ora a recorrente não é o que se pode chamar “gordinha”, sendo bem proporcionada, falando português. BBB, reconheceu o marido da arguida, AA, CCC e GG, todavia não reconheceu a arguida, e isto porque a mesma sempre desempenhou um papel subalterno.
80) A arguida não se conluiou com ninguém para executar determinado plano criminoso, limitando-se a exercer as suas funções e recebendo o ordenado ao fim do mês
81) Não é verdade que a arguida fizesse contratos, para não serem pagos, sendo que o facto dado como provado a 583 e 584, 586 a 590, quanto recorrente não assentam em base factual, pelo que devem ser relegados para factos não provados.
82) A mesma está a ser arrastada por ter ligação afetiva com AA, pai de seus filhos.
83) A arguida exerceu efetivamente funções de administrativa na L…...s, E….... e F..., nada mais, não tendo qualquer autonomia, limitando-se a cumprir ordens.
84) Sendo que na E……., os contratos poderiam ser cumpridos se não fosse fechada abruptamente a empresa, isto porque ainda não estavam em incumprimento.
85) O facto 580, referente às moradas de correio eletrónico, só reflete o acima plasmado, que a recorrente trabalhou nestas duas empresas, sendo que de forma licita, e não em mais nenhuma.
86) Não existe nenhuma testemunha que afirmasse ter tratado de qualquer assunto de compras ou vendas e respectivas negociações com a recorrente.
87) Não passava de mera administrativa.
88) O que se apercebeu, é que as empresas por ou má gestão ou pela crise, entraram em défice.
89) Contudo não passariam de actos de má gerência.
90) O acórdão além de estar feiro de nulidade nos termos do art. 379 nº 1, c) enferma do vício contido no nº 2 alínea a) do art.º 410 do CPP, porque os factos dados como provados são insuficientes para a decisão de direito a que chegou o Tribunal.
- BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
91) Vem a recorrente condenada na pena de 4 anos e seis meses, por ter cometido o crime de branqueamento de capitais com fundamento em que na conta do seu filho menor SS, fez movimentos bancários no valor de 24.406,56 € no período de 2/11/2011 e 7/06/13 e ter assinado em nome de seu filho a aquisição de um terreno.
92) Quanto à conta bancária, a mesma não tem conta em Portugal, utilizando a do seu filho, que foi aberta ainda no tempo em que sua avó era autónoma.
93) A arguida, sempre utilizou essa conta, pois que mais contas ficariam mais caras com as despesas de gestão, comissões, e outras que o próprio Banco imputa mensalmente.
94) Foi a razão de não abrir conta, mantendo a do filho, aliás também por comodidade.
95) Se verificarmos o valor movimentado durante cerca de ano e meio corresponde a 800,00 €., sendo que este valor não pode ser considerado como valor excessivo, e destinado a ser ocultado.
96) Foi aqui que durante o tempo que trabalhou na AL….. depositou o seu vencimento e posteriormente o valor correspondente ao Fundo de Desemprego, sendo que em 2013, parte do ordenado que ganhava.
97) Estes montantes não se compadecem com um branqueamento de capitais, sendo que se fosse para ocultar, não utilizaria a conta do filho, pois a experiência diz-nos que são logo as contas de familiares que são investigadas quando há suspeitas da perpetração do crime.
98) Para ocultar, utilizaria outros estratagemas de forma a ser difícil seguir-se o rasto do dinheiro que se quer ocultar.
99) É verdade que um imóvel que o pai de seu filho ia comprar a mesma foi assinar a escritura em nome do menor, porque é ela que tem o poder paternal, atendendo a que na altura estava divorciada do pai do menino.
100) Foi o seu ex-marido à altura, que lhe disse que o terreno poderia ser para o SS, para o compensar em relação às irmãs, cuja avó tinha colocado em nome das mesmas um apartamento em ....
101) Ao que a recorrente anuiu, o que ocorreu em novembro de 2011, pelo valor de 50.000,00€
102) A arguida só veio trabalhar para … nos finais de 2012 início de 2013, sendo que o terreno foi adquirido em novembro de 2011, não sabendo se os dinheiros com que foi adquirido são de proveniência ilícita, acreditando, contudo, que tal não será verdade.
103) Nunca a sua intenção em ir assinar a escritura foi ocultar o bem, mas agir como representante do menor, do qual tinha o poder paternal, conforme averbamento na certidão de nascimento, civil on line código ….
104) Quanto à proveniência do dinheiro, nessa altura, o pai de seu filho ia só alguns fins-de-semana à casa da recorrente para estar com o filho, nada sabendo da sua vida, a não ser aquilo que aquele lhe queria contar.
105) Inexiste o nexo de imputação subjectiva, quer a título de dolo ou negligencia.
106) Na realidade, na decisão são alegados tão-somente – e ainda que de forma insuficiente e deficiente – factos materiais, factos objectivos e de puro resultado, sem que sejam alegados quaisquer factos concretos tendentes a demonstrar a forma de imputação – que, aliás e conforme infra se procurará também demonstrar, não existe nem objectiva nem subjectivamente – dolosa ou negligente à Arguida.
107) Para que a Arguida pudesse ser condenada ou absolvida, seria necessária a prova, para além dos factos referidos na decisão, que a Arguida tivesse pretendido ou representado como possível a realização do facto integrador do crime, não obstante, tivesse actuado sem o cuidado e diligência a que está obrigada, o que, sempre se dirá, não sucedeu in casu.
108) Esta seria, pois, a situação que, em termos fácticos, teria de ser provada por forma a configurar – pelo menos – a negligência.
109) Ao invés, a decisão que ora se recorre apenas faz referência ao resultado, fazendo assentar a imputação da Arguida no que ao nexo de subjectividade respeita em meros conceitos de direito, vagos e não consubstanciados em factos – que a decisão não descreve nem prova.
110) O direito não se basta, porém, com a mera responsabilidade objectiva – a qual, conforme infra se procurará demonstrar, é inexistente no caso em apreço
111) Na decisão faltam assim elementos essenciais – o dolo ou a negligência – para a verificação d crime imputado à Arguida.
112) Pelo que, não resulta da decisão – a imputação à Arguida de todos os elementos constitutivos do tipo legal por que foi condenada
113) Pelo que deverá ser determinada a absolvição da Arguida.
114) Caso assim não se entenda – o que apenas por dever de patrocínio se admite, à cautela e sem conceder – sempre se dirá que a Arguida não praticou a infracção por que foi condenada, não lhe sendo a mesma imputável a nenhum título – objectiva ou subjectivamente –, o que afasta necessariamente a punibilidade da mesma.
115) Os factos dados como provados quanto à arguida são insuficientes para levar á decisão de direito de crime de branqueamento de capitais, pelo que o acórdão enferma do vicio previsto no art.º 410 nº 1 alínea a) do CPP, o que se argui.
116) Pelo que o n.º 613 da matéria dada como provada terá de quanto à arguida constar da matéria dada como não provada.
117) Quanto ao vertido no art.º 621 da matéria dada como provada, não é verdade nem tal assenta em qualquer base factual, que a arguida tivesse a disposição e domínio do armazém.
118) Nem sabia da existência daquele, até à altura da busca, nem tendo qualquer chave.
119) A própria polícia arrombou a porta para entrar.
120) A recorrente não assinou nenhum auto de busca e apreensão quanto a este armazém, como se pode constatar nos autos.
121) Pelo que com base ao acima expendido deverá quanto à arguida ser dado como não provado o vertido nos artigos 627º a 630º.
122) Nunca a arguida interveio na aquisição e posterior venda de qualquer mercadoria, nem tal facto, 631, quanto à mesma poderá ter base probatória, pelo que deverá ser dado como não provado.
123) Quanto ao que foi apreendido em casa da arguida em Espanha, e na casa do arguido AA em …, era pertença de seu companheiro, posteriormente marido, por se terem voltado a casar.
124) Os documentos estavam em casa mas não tinha conhecimento dos mesmos, nem sequer sabendo de uma autorização passada por uma FFF para a sua filha conduzir um carro
125) Estes factos deverão constar da matéria de facto dada como não provada, por inexistência de prova quanto à arguida
- BURLA
126) Não cometeu a arguida com o seu comportamento o crime de burla, por ausência quer do elemento objectivo, quer do elemento subjectivo.
127) Quanto à conduta astuciosa que induza em erro o lesado, afectando a sua capacidade de autodeterminação, no caso dos presentes autos tal não sucedeu.
128) Ou seja, no caso da F..., HHH, ou E..., locais onde esteve empregada, e enviou e-mails pedindo cotações, foram documentos assinados no âmbito das suas funções e mediante cumprimento de ordens
129) Os documentos assinados no âmbito do negócio fazem parte de um conjunto de documentos indispensáveis a qualquer negócio de compra e venda, não residindo aí qualquer astúcia por parte da recorrente.
130) No caso vertente a arguida atender o telefone, faz parte das suas funções, não configurando qualquer astucia.
131) O elemento "astuciosamente" referido na lei é limitativo em relação ao elemento do dolo específico (a intenção de enriquecimento), e para a verificação do dolo é necessário, por parte do agente, a prática voluntária dos factos e o conhecimento do carácter ilícito da sua conduta.
132) Da factualidade apurada não resulta, em nosso entender prova da astúcia, do erro ou engano, do próprio enriquecimento ilegítimo da arguida.
133) Aliás, nem sequer foi provada que a mesma durante este espaço de tempo tenha levado uma vida acima das posses normais, ou seja vida de luxo, com boas roupas, passagem por hotéis caros, viagens.
134) Nada disso o Acórdão dá como provado para demonstrar o enriquecimento ilegítimo.
135) Mas mesmo que tal enriquecimento ilegítimo existisse, teremos de questionar o quantum que a recorrente receberia, o que só se admite por mero dever de patrocínio.
136) A conta bancaria da mesma, que está em nome do filho, tem movimentação na ordem de mil e tal euros mensais, sendo que até determinada altura recebeu ali o subsídio de desemprego.
137) Deveria ter-se concedido o benefício da dúvida à recorrente e consequentemente por aplicação do princípio “In dubio pro reo”, ser esta absolvida sob pena de violação grave do princípio da Presunção de Inocência, vertido no artigo 29º da CRP.
– Modo de vida
138) A recorrente foi condenada por fazer da burla o seu modo de vida. O que não é verdade, conforme resulta do seu relatório da Segurança social, onde se refere que a mesma tem actividade profissional.
139) Quanto à qualificativa “modo de vida” (alínea b) do n.º 2 do artigo 218º), entende-se esta como a atividade com que o agente se sustenta, não sendo necessário que se trate de uma ocupação exclusiva, nem contínua, podendo ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente (sublinhado nosso), para o sustento do agente. Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pág. 560 (em anotação ao artigo 204.º).
140) Todavia, embora tenha resultado provado que das burlas praticadas pela arguida a mesma tirou benefício pessoal em termos económicos, o que se contesta, (não se sabendo a proporção do que recebeu), não se provaram factos objetivos donde possa extrair-se a conclusão de que tal benefício contribuísse significativamente para o sustento da arguida.
141) Com efeito, a arguida ganhava a quantia de 704,00 referente ao subsídio de desemprego, e tinha rendas em Espanha, que poderiam acautelar a sua subsistência
142) O que ganhou aqui na F…... e L…...s, porque na E…... não chegou a receber qualquer ordenado, não era essencial para a sua subsistência, já devidamente acautelada pelos ganhos acima referidos.
143) O que quer dizer que a mesma tinha rendimentos para assegurar o seu sustento sendo o produto dos ordenados aqui em Portugal, uma mais-valia.
144) Não existe qualquer prova de algo que tivesse sido obtido com produto do crime.
145) Porquanto o imóvel adquirido por AA em nome de seu filho, ocorreu anteriormente à arguida vir para Portugal.
146) As televisões que tinha em sua casa em Espanha foi seu marido que as levou, alegando que as tinha comprado em Portugal.
147) Desenvolveu esta atividade, que não delituosa, meses, ou seja, desde finais de dezembro de 2012 a julho de 2013.
148) Não há notícia de qualquer atividade alegadamente delituosa quer antes quer depois desta data.
149) Por conseguinte a conclusão que tal benefício contribuísse significativamente para o seu sustento terá de ser afastado.
150) Devendo este facto reverter para matéria de facto dada como não provada.
151) Pelo que deverá ser considerado não provada a agravante qualificativa que a arguida fazia modo de vida desta actividade, tendo sido violado alínea b) do nº 2 do art.º 218 do CP.
152) Mal andou o Tribunal em condenar a recorrente pelo crime de burla agravada, na vertente de valor económico elevado, pois não tem elementos suficientes no sentido de aferir quanto caberia a cada um e se o valor que a recorrente receberia seria inferior a 200 UC, sob pena de violação do princípio in dubio pro reo
153) Também por carência destes factos enferma o acórdão do vício previsto art.º 410, nºº2 alínea a) do CPP
154) Os factos dados como provados no Acordao e que foram enquadrados na previsão legal do crime de burla, deveriam ter sido enquadrados na previsão do crime de emissão de cheque sem provisão, porquanto:
155) O crime de burla implica, ao nível dos requisitos, que o agente:
- Tenha a intenção de obter para si, ou para terceiro, um enriquecimento ilegítimo, e, com esse mesmo objectivo, astuciosamente, induza em erro ou engano o ofendido à prática de actos que lhe causem a si ou a outrem prejuízo patrimonial.
156) O bem jurídico protegido por tal crime é o património
157) Trata-se de um crime de dano, pois só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infração, o burlado, ou de terceiro.
158) Consuma-se o crime com a saída das coisas ou valores da esfera da disponibilidade fáctica do sujeito passivo ou da vitima, razão por que consubstancia um crime material ou de resultado.
159) Exigindo-se que o agente actue com intenção de obter para si ou para outrem, um enriquecimento ilegítimo, a consumação do crime não depende da concretização desse enriquecimento, bastando que, ao nível do tipo objetivo, se observe o empobrecimento, (dano) da vítima.
160) A lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência da utilização pelo agente, de um meio ardiloso, que induza a outra pessoa em erro, de molde a levá-lo a praticar actos que lhe causem prejuízo.
161) O que resulta da matéria de facto provada é que os arguidos, para comprar a mercadoria, sabiam que tinha de depositar o valor do cheque e só depois o poderia entregar, sabia que se não depositasse primeiro o dinheiro o cheque seria devolvido por falta de provisão.
162) Para se diferenciar um crime de emissão de cheque sem provisão do crime de burla teremos de atender à convicção do tomador.
163) Se consiste apenas na convicção de que o cheque vale como meio de pagamento, estamos perante um crime de emissão de cheque sem provisão.
164) Se pelo contrário a convicção do tomador não é apenas essa, mas outra que astuciosamente lhe foi incutida pelo emitente do cheque,
165) aparecendo o cheque apenas, como um de outros factos que fundamentaram essa outra convicção, então o crime poderá ser o de burla.
166) Assim poderemos dizer que o arguido quando entrega o cheque, para pagamento das mercadorias, às lesadas, estas convenceram-se apenas de uma coisa: que o cheque tinha provisão, que lhe seria paga a quantia nele titulada
167) Se os cheques tivessem sido pagos, os lesados não se consideravam enganados.
168) Mesmo naqueles casos em que a mercadoria foi entregue com cheques pos datados,
169) Mesmo assim não houve qualquer astucia, porque mesmo sem o pagamento na altura, os lesados sabiam que os cheques naquela altura não teriam provisão, mas mais tarde, pois eram cheques pós-datados, e independentemente disso, entregaram as mercadorias,
170) Não houve qualquer engano, pois mesmo ai se os cheques posteriormente fossem pagos, os assistentes e lesados não se consideravam enganados.
171) Poderão existir indícios que os coarguidos, poderão ter tido intenção de entregar o cheque sem a devida provisão, e que o mesmo viria a ser devolvido sem o respectivo pagamento devido,
172) e que tenha actuado com essa finalidade, mas outra coisa não fez, que não fosse incutir nos ofendidos, a convicção que os cheques lhes seriam pagos.
173) Atitude censurável, mas apenas isso
174) A entrega do cheque como meio de pagamento, e dizer que tem provisão, é engano próprio do crime de cheque sem provisão.
175) O facto de os cheques terem sido aceites como pós datados, também não integra engano de natureza e alcance diferentes.
176) Erros e enganos a que os ofendidos deram azo ao aceitarem os cheques, nas condições em que os aceitaram.
177) Não houve assim, qualquer erro ou engano para além do que é típico do crime de emissão de cheque sem provisão
178) Mesmo quanto aos prejuízos que advieram do não pagamento dos cheques, havendo pagamento dos cheques, nunca tais prejuízos existiriam.
179) Pelo que a intenção do arguido e a obtenção do enriquecimento ilegítimo, os erros e enganos levados a cabo pelos arguidos
180) Os actos praticados pelos ofendidos, nomeadamente a aceitação dos cheques,
181) Foram todos típicos do crime de emissão de cheque sem provisão, e, não do crime de burla.
182) Concretamente nos factos 31, a sociedade MU... forneceu as mercadorias contra a entrega de cheques pós-datados.
183) Ora se os cheques fossem pagos a ofendida não se sentiria enganada.
184) O mesmo acontecendo às ofendidas referidas no nº 54 a 85., e em todas as restantes compras pelas empresas, todas feitas por pagamento de cheque quer para altura quer pós-datado.
185) Quanto aos contratos de leasing celebrados com várias locadoras para obtenção de viaturas, os mesmos obedeceram à junção de diversos documentos, solicitados pelas financiadoras, e após tal, assinatura do contrato e pagamento de sinal.
186) Sabe-se de acordo com as regras da experiência de vida, que desde que o nome da empresa ou do particular, não esteja referenciado, no Banco de Portugal, as locadoras aprovam os financiamentos.
187) Os vendedores querem vender os carros e as locadoras querem vender dinheiro, pelo que se torna muito acessível a compra de viaturas por leasing, sem que existam cuidados acrescidos, quanto à verificação da liquidez dos adquirentes.
188) Sendo que num dos contratos de leasing foi pago sinal e 9 rendas , tal como o constante dos factos 286 a 288, noutros menos rendas (prestações).
189) Contudo, o que se verifica é que não houve nenhuma astucia para que os financiamentos de leasing fossem aprovados, sendo que se as prestações como até ali fossem pagas, nenhum crime de burla existiria.
190) Pois que as locadoras não se sentiriam lesadas.
191) Ou seja no caso concreto, estamos face a incumprimento de contratos leasing, que teriam como consequência, a resolução do contrato e a devolução, ou não da viatura.
192) Estamos face a uma divida de foro cível, que se não configura com os elementos típicos do crime de burla
193) No caso presente, conforme já se deixou referido supra, entendemos não existir quanto aos arguidos a prova dos elementos constitutivos do crime de burlas
194) O acórdão enfermo do vicio previsto no nº 2 alínea a) do art.º 410 do CPP, porquanto os factos dados como provados levarão à decisão de direito de emissão de cheque sem provisão.
195) O comportamento deverá ser visto de forma global para que se possa aplicar uma pena concreta.
196) O bem jurídico protegido no caso do crime de burla é o património, nada tendo a ver com direitos pessoais das vitimas/ofendidos,
197) Por isso atendendo à homogeneidade das condutas, à duração temporal seguida cerca de 6 meses, à localização geográfica, sempre a nível de Portugal Continental, …, ..., temos que o comportamento da arguida deverá ser um único crime na forma continuada
198) Atendendo-se ao iter criminis, tudo indicia ter-se reconduzido a recorrente motivado por factores exógenos, que o mesmo é dizer-se, por um circunstancialismo externo fortemente dirimente da sua culpa.
199) Cotejam-se entre estes factores, por exemplo, as circunstâncias de os co-arguidos ligados à actividade da construção civil e comércio de tintas, proporcionarem um bom mercado naquele sector.
200) O facto de o pagamento a todos os fornecedores se efectuar pela mesma forma, por cheque a pronto pagamento ou pré-datado.
201) A prospecção do mercado e encomendas através do envio de fax ou mail, o mesmo modus operandi durante aqueles meses.
202) Constata-se, por conseguinte, que a apurada conduta da recorrente não foi motivada por razões de carácter endógeno mas sim por toda uma situação exterior que acabou por o arrastar para a prática dos crimes em que foi condenado.
203) Por outro lado, inegável é ainda no caso dos autos:
A identidade do bem jurídico ofendido ou/e as plúrimas violações de normas com estreita afinidade jurídica; - A proximidade temporal entre as violações desde meados de 2010 e inicio de 2013- A solicitação de uma mesma situação exterior fortemente dirimente da culpa do agente e, ainda, a circunstância de se voltar a verificar a mesma oportunidade favorável; A homogeneidade da actuação da recorrente.
204) Face à matéria de facto apurada, integrar a conduta da arguida na figura jurídica do denominado crime continuado (n.º 2 do art.º 30º do Cod. Penal), aliás, em perfeita sintonia com o defendido por toda a doutrina, não em relação a cada empresa, mas na sua globalidade de condutas, como um único comportamento.
205) A se não considerar desta forma há clara violação do preceituado nos artº 30º, nº 1 e 2, 217.º/1/a/b, 218.º/2, todos do C. Penal.
– CÚMPLICE
206) Sem conceder, mas admitindo só por mera hipótese académica, quanto a arguida que praticou os factos por que vem condenada, pelo comportamento que lhe vem imputado no Acórdão, nunca poderia ser condenada como autora mas meramente cúmplice nos termos do art.º. 27 do C.P.
207) “Apurou-se por uma testemunha, de entre as muitas vezes, que foi à M.…., que viu a esposa do AA, supostamente, uma ou duas vezes. Porque lhe disseram ser a esposa do AA.
208) Contudo não sabemos se se trata da recorrente, (porque nessa altura ainda não era casada,) e não era ele que tinha relacionamento afectivo com ele.
209) Que a mesma andava de escritório em escritório a conversar.
210) “A fazer o quê? A conversar” com as palavras de UU, para cuja transcrição na motivação se remete.
211) A recorrente esteve na F…., L…..s e E..., não tendo sido vista em mais nenhuma empresa.
212) E sempre como secretaria, conforme as testemunhas.
213) Apurou-se que enviou um e-mail a pedir cotações de mercado.
214) Não praticou nenhum acto de gestão, de proposição de negócios, de realização de vendas.
215) Atendia o telefone e mandava e-mails quando lhe ordenavam.
216) Não tinha o domínio da empresa, nem sequer dos factos para que os seus actos pudessem ser considerados executórios.
217) Poderá ter existido um plano, mas que não é de autoria da arguida.
218) Mesmo sem intervenção da arguida o acto praticado pelos outros intervenientes teria sido executado da mesma forma.
219) O cúmplice favorece ou presta auxílio à execução.
220) Com a intervenção da arguida ou sem a sua intervenção os outros teriam praticado o facto, como foi efectivamente praticado.
221) Ou seja, teriam sido negociadas as mercadorias, aceite os preços e discutidas as formas de pagamento e entrega.
222) O comportamento da arguida não foi decisivo para qualquer transporte ou venda, não foi ela que decidiu, o que comprar ou o que vender.
223) O que é que se fez que sem a sua intervenção não pudesse ter sido feito? Nada!
224) A arguida apenas actuou como “uma mera auxiliar”, não sendo a sua acção essencial para a consumação do alegado ilícito criminal.
225) A actividade da Recorrente tem um papel meramente acessório, para agilizar e facilitar.
226) Pelo que mal andou o Tribunal a quo, (a admitir-se a participação da recorrente, somente por mera hipótese académica) ao ter condenado a arguida como autora, violando o preceituado no artigo 22.º do CP já que a sua conduta se integraria na previsão do artigo 27.º do C.P.
227) Devendo a pena ser especialmente atenuada nos termos do arts. 72º, 73º do C.P.
– PENA
228) A fundamentação do acórdão quanto à medida da pena, quer em termos parcelares, quer em cúmulo jurídico, recorre a fórmulas tabelares, sem qualquer justificação, violando o art.º 71.º do CP e o n.º 2 do art.º. 374.º do CPP (determinando a nulidade prevista no art.º 379.º, al. a), do referido diploma.
229) A forma como foram interpretadas e aplicadas as normas constantes do artº 70º e 71º, no sentido de não fundamentarem as razoes e respectivo exame critico, conjugado com as normas constantes do nº 2 do art.º 374 do CPP, fizeram uma interpretação e aplicação das mesmas violadora dos princípios constitucionais ínsitos no art.º 32 e 205 da CRP.
230) Por outras palavras, as penas aplicam-se tendo em vista restabelecer a ressocialização e integração do delinquente na sociedade e em última análise a confiança colectiva na norma violada.
231) O Acórdão recorrido está, manifestamente, nos antípodas desta construção, expressando um raciocínio perfeitamente oposto à interpretação constitucional e conforme do art.º 70 do CP,
232) Face ao art.º 18º da Constituição, não podia o Tribunal a quo centrar-se na prevenção geral (negativa?) e na culpa do agente, obnubilando olimpicamente a ressocialização enquanto questão primária na definição da pena a aplicar (independentemente da respectiva medida).
233) Tal decisão parte, pois, de um entendimento manifestamente desconforme à Constituição, fazendo uma errada interpretação das normas contidas no art.º 70.º do CP, violando flagrantemente, quer o princípio da dignidade da pessoa humana, quer o art.º 18º da Constituição da República Portuguesa.
234) Quanto às condições pessoais da arguida, à sua situação económica e às condutas anteriores e posteriores aos factos, não foram valoradas
235) Acresce o pendor positivo do relatório social a que este tribunal não será (nem poderia ser) certamente indiferente.
236) De facto, estamos perante uma mãe de família, perfeitamente inserida do ponto de vista familiar, profissional e social,
237) O Tribunal a quo nenhuma vantagem dá a Arguida do facto de ser pessoal social, profissional e familiarmente integrada.
238) Alias a arguida está a ser duplamente condenada, uma pelos factos e outra por ter uma relação com AA, com que reativou o casamento.
239) Mesmo que o AA seja o mentor como refere o Acórdão a fls., 495, que culpa tem a arguida, dos erros do pai de seus filhos.
Terá a sua pena de ser agravada por isto?
240) Quando muito poderia existir mera cumplicidade conjugal, o que não é o caso.
241) Está a ser penalizada por o ter acompanhado, pura e simplesmente, como no caso da compra de artigos sanitários por aquele na loja TO....
242) Porque não é verdade que tenha participado activamente na actividade descrita nos autos, nem sequer tal está provado!
243) A recorrente não pode é ser condenada, porque, como refere o acórdão,
“Será considerado o campo específico da actuação da arguida (como esposa do arguido AA, o mentor da actividade ilícita descrita nos autos, dava instruções aos arguidos e participou activamente na actividade ilícita descrita nos autos, fazendo encomendas às empresas lesadas) as circunstancias que rodearam a pratica dos crimes e os motivos que a determinaram…”
244) Aliás, nesta altura, não era esposa, mas sim companheira, tendo reiniciado a relação em 2012.
245) Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo confunde a ponderação do factor de integração, para efeitos da medida da pena, com as circunstâncias que poderão estar, elas próprias, na origem – como elemento facilitador – do próprio ilícito e com a agravante da arguida ter relação afetiva com o AA.
246) E como acima se deixou escrito, reintegração social, como forma de prevenção especial positiva, é ela mesma uma forma de protecção de bens jurídicos, que não deveria ser obnubilada no caso concreto, estigmatizando o arguido para a vida e impedindo-o de ter um futuro
247) A reintegração social da arguida está assegurada.
248) A mesma tem cerca de 60 anos, é primária, tem trabalho certo, sendo o sustentáculo de sua Família, aliás como decorre do Relatório de Reinserção Social datado de 2017.
249) As penas parcelares foram muito altas, mesmo que se provassem os factos, atendendo ao tempo, e grau na hierarquia e à culpa.
250) A ser condenada por todos os factos, o que só se admite por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que as penas parcelares foram muito altas, nomeadamente a pena aplicada quanto ao crime de branqueamento de capitais, cuja moldura penal é de 2 a 12 anos, e o tribunal aplicou uma pena de 4 anos e seis meses.
251) Os factos que fundamentam esta pena são, como já referido anteriormente, a utilização da conta do SS seu filho, para movimentar o seu subsídio de desemprego e posteriormente ordenado, dando uma média de mil e poucos euros mensais
252) O ter assinado a escritura na qualidade de representante do menor, pois o pai de seu filho queria igualar o menino às irmãs, a quem a avo tinha dado um apartamento em ..., custou-lhe uma pena de 4 anos e 6 meses.
253) Mesmo que se verificassem os elementos objetivos e subjetivos da prática do crime, o que se nega, esta pena era assaz pesada, pelo que deveria ficar no mínimo legal.
254) Aliás, nem o Tribunal justificou o quantum desta pena.
- CÚMULO JURÍDICO
255) De acordo com o art.º 77 n.º 1 do Cód. Penal,
“Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
256) A justiça é também Tolerância e Pedagogia, por isso, há que exigir, que o Julgador tenha a sua balança bem aferida e que tome em conta todos os factores in casu atendíveis.
257) Como se pode considerar fiel uma fundamentação que não reproduza os meandros subterrâneos destas correntes sentimentais, a cuja influência mágica nenhum Juiz, nem o mais severo, consegue fugir?
258) Por isso, não só merecem reparo as penas parcelares aplicadas, como independentes da bondade daquelas, sempre o cúmulo jurídico das penas parcelares é assaz excessivo.
259) Na verdade, a sociedade em geral, e a arguida em particular, teriam dificuldade em entender que alguém, ainda que condenado por inúmeros crimes de burla pudesse ter de cumprir tempo de prisão igual ou superior a alguém que violou ou tirou a vida a uma ou várias pessoas, isto sem se colocar em causa o devido desvalor de cada uma dessas condutas.
260) Actualmente, o legislador estabeleceu na pena de 5 (cinco) anos de prisão o limiar de soluções de descaracterização com base num novo critério que distingue a criminalidade não violenta, punível com pena de prisão inferior a 5 (cinco) anos,
261) da criminalidade violenta, punível com pena de prisão inferior a 8 (oito) anos, e ainda da criminalidade altamente violenta, punível com pena de prisão igual ou superior a 8 (oito) anos, cfr. artigo 1.º do CPP.
262) Apesar de várias burlas, não estão em causa delinquentes que sistematicamente colocam em perigo a vida ou integridade das pessoas, pois todos os crimes por eles praticados foram sempre contra o património e não contra as pessoas,
263) devendo-se ter, por isso, as devidas cautelas na fixação da pena única, sob pena, de se tal não for tido em conta, se estar a tratar desses casos como se de homicídio se tratasse.
264) Assim, na decisão recorrida, a escolha das penas que compõem o cúmulo não é arbitrária e deve ser feita de acordo com os artigos 77.º e 78.º do C.P., mas de modo que se demonstre ter o resultado mais favorável para o arguido.
265) Pois se por um lado estamos perante um certo número de crimes, por outro estamos perante criminalidade não violenta e pequena, pois cada pena singular apreciada foi sempre inferior a 5 (cinco) anos de prisão – cfr. artigo 1.º do CPP – o que leva que a pena na decisão recorrida não deva ser igual ou superior ao valor das penas possíveis de aplicar a um somatório de crimes de média criminalidade ou de criminalidade muito grave,
266) sob pena das mesmas se tornarem desproporcionais em relação às infracções, e como tal violarem o disposto no art.º 49.º, n.º 3 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de aplicação obrigatória no direito penal português por via do disposto no artigo 16.º da C.R.P.
267) O Tribunal omitiu ver o comportamento a arguida na sua globalidade e aferir uma pena global para um comportamento global que reflectisse essencialmente a necessidade de pena, a postura da arguida perante o desvalor das suas condutas.
268) Veja-se o relatório social junto aos autos em agosto de 2017.
269) Para determinação do quantum da pena unitária, a punição não resulta só autonomamente da prática de um facto, não só sequer da existência de uma certa personalidade, mas também da cumulativa existência de um facto e da personalidade.
270) A culpa do agente, no caso concreto, deverá ser atenuada, atendendo à conduta quer anterior quer posterior ao crime e quanto à personalidade, a sociedade e o Tribunal têm o dever de lhe conceder um voto de confiança para o futuro.
271) Tem emprego certo e vida económica estável. (vide relatório social).
272) Face à prova produzida quanto às circunstâncias pessoais não estamos perante uma delinquente de personalidade destruturada, estamos sim face a alguém que está devidamente inserida socialmente e economicamente, tendo uma Família de quem é o sustentáculo.
273) Quanto à gravidade das consequências em termos patrimoniais para os lesados, o que muito se lamenta, muitos foram ressarcidos pelas seguradoras.
274) O Tribunal olvidou na globalidade do comportamento se esta pena global era digna de uma atenuação especial de pena, atendendo à forma da cumplicidade.
275) E não se diga que, no caso concreto, esta está atendendo à proibição da dupla valoração
276) O limite máximo da pena dentro da moldura abstrata, terá de se adequar à culpa e, não poderá ser ultrapassado por considerações de prevenção geral ou especial sob penada violação do artº 40 – 2º e 71º-2-a) do C.P.
277) Ao não ter aplicado a atenuação especial quer quanto às penas parcelares quer à medida da pena única o tribunal a quo violou o disposto no art 72.º conjugado com art. 77.º nº 1 e 2º ambos do CP.
- SUSPENSÃO
278) Tal será possível, reduzindo a pena aplicada, para outra, situada próximo dos limites mínimos da moldura penal abstracta, o que se justifica, nos termos do art.º 50 do CP porque quanto à recorrente não existe necessidade de pena.
279) A se não entender desta forma, o tribunal mal andou violando o preceituado nos art. 40.º, 50º, 70.º, 71.º e 72º e 77º do CP.
280) O tribunal ao aplicar as penas parcelares da forma que aplicou fez errada interpretação e aplicação das normas constantes do ar 40º, 70º e 71º e 72º, conjugado com as normas contidas no art.º 77 também do CP porque violadora dos princípios plasmados nos art.º 32 e 205º da CRP, ferindo aquela interpretação e aplicação de inconstitucionalidade material.
281) Considerando que do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base ao acima referido já que foi documentada toda a prova, deverá a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto ser modificada como o acima explicitado o que se requer nos termos do artigo 426, 430, 431 do C.P.P.”
CC
“I. O acórdão recorrido, proferido no Tribunal da Relação de Lisboa, não confirmou o também acórdão do 1.ª Instância.
II. Julgou parcialmente procedente o recurso do aqui recorrente, absolvendo-o do crime de branqueamento de capitais continuado, reduzindo o cúmulo das penas parcelares aplicadas ao recorrente de 10 anos e 6 meses de prisão para 7 anos de prisão.
III. O recorrente contesta o douto acórdão pois que, ainda que venha a ser condenado, o que não se concede, impondo-se a sua absolvição, atenta à motivação elencada no recurso para o TRL, considerando o julgamento errado quanto aos pontos 1 a 29, 235 a 396, 397 a 433, 434 a 494, 495 a 539, 540 a 577 da matéria de facto dada como provada, resultando numa manifesta contradição entre a factualidade provada, o que configura um erro notório na apreciação e valoração da prova impondo-se que, os mesmos, sejam dados como não provados, entende-se manifestamente excessiva a pena aplicada.
IV. Tanto o Tribunal “a quo” como o TRL, não atenderam e violaram o disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal, pois que,
V. Não ponderaram, nem fizeram uma apreciação crítica da intensidade do dolo, exigências de prevenção geral e especial, nomeadamente as circunstâncias gerais do agente.
VI. Caso não se entenda pela absolvição do recorrente, defende, este, que se verificam os pressupostos de atenuação especial da pena, nos termos do art.º 72º do Código Penal.
VII. O recorrente tema mais de 50 anos, estando integrado quer familiar quer socialmente.
VIII. Sendo que, as circunstâncias do crime permitem concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e será dissuasor de quaisquer outras condutas marginais.
IX. Assim, muito embora tenha aplicado uma pena única inferior a 8 anos de prisão, o recorrente beneficia, para efeitos de recurso para o STJ, da não confirmação do acórdão de 1.ª Instância.
X. Por outro lado, tanto este como o acórdão recorrido, aplicaram imperfeitamente a lei criminal, no âmbito e alcance que o quadro da matéria provada fornece ao jus-raciocínio, elegante, correto e preciso.
XI. Com efeito, a continuação criminosa nos casos de crimes contra o património, não se diferencia por vítimas, posto que não é o interesse e direito pessoal de cada uma que é protegido pela incriminação.
XII. Deste modo, tendo ficado provado o mesmo circunstancialismo exterior que terá levado o recorrente ao repetido sucumbir de burla qualificada, só pode ser-lhe imputado um único crime, na forma continuada, por referência à matéria assente e por ter havido uma única decisão depois da qual não houve necessidade de renovar o processo de motivação.
XIII. Ao recorrente apenas lhe corresponderia a pena mais elevada das supostas “parcelares”, que foi a de 6 anos de prisão e não a de 7 anos de prisão que o acórdão recorrido lhe aplicou.
XIV. As penas parcelares foram muito altas, atendendo ao tempo e grau, na hierarquia da culpa.
XV. O Tribunal ao aplicar as penas parcelares da forma como aplicou fez uma errada interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 40º, 70º, 71º e 72º do Código Penal, conjugado com as normas contidas no art.º 77º do Código Penal violando os princípios elencados nos artigos 32º e 205º da Constituição da República Portuguesa, ferindo aquela interpretação e aplicação de inconstitucionalidade material.
XVI. Da mesma forma, ao não ter aplicado a atenuação especial quer quanto às penas parcelares quer quanto à medida da pena única, violou, o Tribunal “a quo”, o disposto no art.º 72º, conjugado com o art.º 77º nº 1 e 2, ambos do Código Penal, sendo que,
XVII. E de acordo com o art.º 77º nº 1 do Código Penal, “Na medida da pena são considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente”.
XVIII. Ora, o recorrente tem mais de 50 anos de idade, tem uma vida estável, vivendo do fruto do seu trabalho, estando inserido socialmente, sendo apoiado pela sua família, contribuindo, esta, para o seu equilíbrio profissional e psicológico pelo que deverá, o julgador, tomar em consideração todos os fatores para a aplicação da pena.
XIX. Mais, apesar de várias burlas, o recorrente não colocou em perigo a vida ou integridade física das pessoas sendo o crime praticado, um crime contra o património e não um crime contra as pessoas devendo, assim, ter-se as devidas cautelas na fixação da pena única.
XX. Posto isto, na decisão recorrida, a escolha das penas deverá ser feita de acordo com os artigos 77º e 78º do Código Penal demonstrando ter o resultado mais favorável ao arguido recorrente.
XXI. Assim, o recorrente, a ser condenado, deveria tê-lo sido apenas por um único crime de burla, agravada na forma continuada, nos termos supra descritos.
XXII. Isto é, o recorrente pede e espera do Supremo Tribunal de Justiça a sua absolvição mas, caso assim não se entenda, que seja condenado pela prática do crime previstos e punidos pelos artigos 30.º nº 1 e 2, 202.º alínea b), 217.º nº 1 alíneas a) e b), 218.º nº 2, todos do Código Penal, na pena que sugere de 6 anos de prisão.”
DD
“I. O acórdão recorrido, proferido no Tribunal da Relação de Lisboa, não confirmou o também acórdão da 1.ª Instância.
II. Reduziu o cúmulo das penas parcelares aplicadas ao recorrente de 10 anos e 6 meses de prisão para 7 anos.
III. Assim, muito embora tenha aplicado uma pena única inferior a 8 anos de prisão, o recorrente beneficia, para efeitos de recurso para o STJ, da não confirmação do acórdão de 1.ª Instância.
IV. Por outro lado, tanto este como o acórdão recorrido, aplicaram imperfeitamente a lei criminal, no âmbito e alcance que o quadro da matéria provada fornece (e indemovível, por razões de jurisdição) ao jus-raciocínio, elegante, correcto e preciso.
V. Com efeito, a continuação criminosa no casos de crimes contra o património, não se diferencia por vítimas, posto que não é o interesse e direito pessoal de cada uma que é protegido pela incriminação.
VI. Deste modo, tendo ficado provado o mesmo circunstancialismo exterior que terá levado o recorrente ao repetido sucumbir de burla qualificada, só pode ser-lhe imputado um único crime continuado da espécie, aliás, sempre a mesma, por referência à matéria assente.
VII. Logo, ao recorrente apenas lhe corresponderia a pena mais elevada das supostas “parcelares”, que foi a de 6 anos de prisão.
VIII. Inferior, ainda assim, à pena de 7 anos que o acórdão recorrido lhe aplicou, em cúmulo errado.
IX. Isto é, o recorrente pede e espera do STJ ser condenado por prática do crime pp. pelos art.ºs 30.º/1/2, 202.º/b, 217.º/1/a/b, 218.º/2, todos do C.Penal, na pena que sugere de 6 anos de prisão.
X. Ou noutra mais benévola que sempre estaráao alcance de Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, na crítica da errada aplicação do direito (e a merecer melhor elegância, precisão e justiça) que o acórdão recorrido fez neste caso.
XI. E, neste trilho, infringiu o acórdão recorrido todos os demais artigos de lei que citou, para fundamentar um cúmulo jurídico de penas aplicadas por prática de diversos crimes continuados de burla qualificada, quando a matéria assente apenas permite tematizar a prática, pelo recorrente, de um único crime da espécie, na forma continuada.
XII. Last but not least, o não recebimento do presente recurso, por inadmissibilidade legal do ordenamento processual penal vigente, nomeadamente por não serem aplicáveis ao caso os artºs de lei cotados pelo recorrente em favor do cabimento, infringe o disposto no artº 20º/4 CRP e, por isso corresponde a uma interpretação/aplicação legal proibida pelo artº 204º da CRP.”
EE
“1. O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, que quanto ao recorrente manteve as penas parcelares e baixou a pena de cúmulo jurídico para 5 anos e 3 meses, em que a mesmo foi condenado em coautoria.
2. O acórdão não se pronunciou relativamente ao alegado pelo Recorrente em relação ao papel de cumplicidade, tendo o mesmo sido totalmente omisso.
3. O Douto acórdão respondeu de forma genérica, mas não aos factos concretos alegados pelo Recorrente, que levariam a uma posição acessória e não principal, bem como quanto à agravante "modo de vida" do crime de Burla.
4. E esteve mal quando mantém uma pena de prisão efectiva.
5. Além de que, os arguidos estão acusados em coautoria, pelo que, qualquer decisão que advenha dos recursos aplica-se aos coarguidos, razão pela qual não se pode considerar que existi no caso dupla conforme, conforme o explanado no acórdão acima mencionado.
6. Estas questões quanto ao recorrente devem ser apreciadas pela sua relevância jurídica, e são claramente necessárias para uma melhor aplicação do direito.
7. Deve ser admitido o presente recurso também, nos termos do art.° 399 do CPP e art.° 672.°n° 1 alinea) a do CPC aplicado ex vi art 4o do CPP,
8. O recorrente foi condenado por fazer da burla o seu modo de vida. O que não é verdade, nem mesmo tenha quanto a este ficado demonstrado. 36) O mesmo era trabalhador inscrito na M....
9. Foi absolvido do crime de branqueamento de capitais. 38)Não ficou demostrado que tivesse recebido qualquer valor além do ordenado mínimo relativamente à M....
10. Quanto à qualificativa "modo de vida" (alínea b) do n.° 2 do artigo 218º), entende-se esta como a atividade com que o agente se sustenta, não sendo necessário que se trate de uma ocupação exclusiva, nem contínua, podendo ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente (sublinhado nosso), para o sustento do agente. Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pág. 560 (em anotação ao artigo 204.°).
11. Não existe qualquer prova de que o Recorrente tivesse obtido algum rendimento com produto do crime.
12. Por conseguinte a conclusão que tal benefício contribuísse significativamente para o seu sustento terá de ser afastado.
13. Devendo este facto reverter para matéria de facto dada como não provada.
14. Pelo que deverá ser considerado não provada a agravante qualificativa que a arguida fazia modo de vida desta actividade, tendo sido violado alínea b) do n° 2 do art.° 218 do CP.
15. Mal andou o Tribunal em condenar o recorrente pelo crime de burla agravada, na vertente de valor económico elevado, pois não tem elementos suficientes no sentido de aferir quanto caberia a cada um e se o valor que a recorrente receberia seria inferior a 200 UC, sob pena de violação do princípio in dubio pro reo
16. Também por carência destes factos enferma o acórdão do vício previsto art.° 410, n° 2 alínea a) do CPP
17. Os factos dados como provados no Acórdão e que foram enquadrados na previsão legal do crime de burla, deveriam ter sido enquadrados na previsão do crime de emissão de cheque sem provisão, porquanto:
18. O crime de burla implica, ao nível dos requisitos, que o agente: - Tenha a intenção de obter para si, ou para terceiro, um enriquecimento ilegítimo, e, com esse mesmo objectivo, astuciosamente, induza em erro ou engano o ofendido à prática de actos que lhe causem a si ou a outrem prejuízo patrimonial.
19. O bem jurídico protegido por tal crime é o património.
20. Trata-se de um crime de dano, pois só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infração, o burlado, ou de terceiro.
21. Consuma-se o crime com a saída das coisas ou valores da esfera da disponibilidade fáctica do sujeito passivo ou da vítima, razão por que consubstancia um crime material ou de resultado.
22. Exigindo-se que o agente actue com intenção de obter para si ou para outrem, um enriquecimento ilegítimo, a consumação do crime não depende da concretização desse enriquecimento, bastando que, ao nível do tipo objetivo, se observe o empobrecimento, (dano) da vítima. 52) A lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência da utilização pelo agente, de um meio ardiloso, que induza a outra pessoa em erro, de molde a levá-lo a praticar actos que lhe causem prejuízo. 53) Na verdade não foi imputado em concreto nenhum acto praticado pelo Recorrente de um meio ardiloso e que tenha induzido a outra pessoa em erro. 54) No caso presente, conforme já se deixou referido supra, entendemos não existir quanto ao Recorrente a prova dos elementos constitutivos do crime de burlas.
23. O acórdão enfermo do vicio previsto no n° 2 alinea a) do art.° 410 do CPP, porquanto os factos dados como provados levarão à decisão de direito de emissão de cheque sem provisão — CÚMPLICE 56) Sem conceder, mas admitindo só por mera hipótese académica, quanto ao Recorrente que praticou os factos por que vem condenado, pelo comportamento que lhe vem imputado no Acórdão, nunca poderia ser condenada como autor mas meramente cúmplice nos termos do art.°. 27. do C.P.
24. E só a nível da M…. e P.…., pois quanto à Sociedade T... e F... a sua ligação é inexistente.
25. O cúmplice favorece ou presta auxílio à execução.
26. Com a intervenção do Recorrente ou sem a sua intervenção os outros teriam praticado o facto, como foi efectivamente praticado, nomeadamente o levantamento de viaturas de leasing nos Stands, contrato de leasing esse que nem sequer foi por si negociado
27. O comportamento do Recorrente não foi decisivo para qualquer transporte ou venda, não foi ela que decidiu, o que comprar ou o que vender.
28. O que é que se fez que sem a sua intervenção não pudesse ter sido feito? Nada!
29. O Recorrente apenas actuou como "uma mera auxiliar", não sendo a sua acção essencial para a consumação do alegado ilícito criminal.
30. A actividade do Recorrente tem um papel meramente acessório serviçal.
31. Pelo que mal andou o Tribunal a quo, (a admitir-se a participação da recorrente, somente por mera hipótese académica) ao ter condenado o Recorrente como autor, violando o preceituado no artigo 22.° do CP já que a sua conduta se integraria na previsão do artigo 27.° do CP. 65)Devendo a pena ser especialmente atenuada nos termos do arts. 72°, 73° do CP. quanto à M... e P..., quando à T... e F..., o mesmo teria que ser absolvido. — PENA
32. A fundamentação do acórdão quanto à medida da pena, quer em termos parcelares, recorre a fórmulas tabelares, sem qualquer justificação, violando o art.° 71.° do CP e o n.° 2 do art.°. 374.° do CPP (determinando a nulidade prevista no art.° 379.°, ai. a), do referido diploma.
33. A forma como foram interpretadas e aplicadas as normas constantes do art°70° e 71°, no sentido de não fundamentarem as razoes e respectivo exame critico, conjugado com as normas constantes do n°2 do art.° 374 do CPP, fizeram uma interpretação e aplicação das mesmas violadora dos princípios constitucionais ínsitos no art.° 32 e 205 da CRP.
34. Por outras palavras, as penas aplicam-se tendo em vista restabelecer a ressocialização e integração do delinquente na sociedade e em última análise a confiança colectiva na norma violada.
35. O Acórdão recorrido está, manifestamente, nos antípodas desta construção, expressando um raciocínio perfeitamente oposto à interpretação constitucional e conforme do art.° 70 do CP.
36. Face ao art.° 18o da Constituição, não podia o Tribunal a quo centrar-se na prevenção geral (negativa?) e na culpa do agente, obnubilando olimpicamente a ressocialização enquanto questão primária na definição da pena a aplicar (independentemente da respectiva medida).
37. Tal decisão parte, pois, de um entendimento manifestamente desconforme à Constituição, fazendo uma errada interpretação das normas contidas no art.° 70.° do CP, violando flagrantemente, quer o princípio da dignidade da pessoa humana, quer o art.° 18º da Constituição da República Portuguesa.
38. Quanto às condições pessoais do Recorrente, à sua situação económica, a sua idade que tem 70 anos, está bem inserido social, familiar e profissionalmente, as quais não foram devidamente valoradas
39. E como acima se deixou escrito, reintegração social, como forma de prevenção especial positiva, é ela mesma uma forma de protecção de bens jurídicos, que não deveria ser obnubilada no caso concreto, estigmatizando o arguido para a vida e impedindo-o de ter um futuro.
40. A reintegração social do Recorrente está assegurada.
41. As penas parcelares foram muito altas, mesmo que se provassem os factos, atendendo ao tempo, e grau na hierarquia e à culpa.
42. Ao ser condenado por todos os factos, o que só se admite por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que as penas parcelares foram muito altas.
43. Aliás, nem o Tribunal justificou em concreto o quantum desta pena.
44. De acordo com o art.° 77 n.° 1 do Cód. Penal, "Na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente".
45. A justiça é também Tolerância e Pedagogia, por isso, há que exigir, que o Julgador tenha a sua balança bem aferida e que tome em conta todos os factores in casu atendíveis.
46. Como se pode considerar fiel uma fundamentação que não reproduza os meandros subterrâneos destas correntes sentimentais, a cuja influência mágica nenhum Juiz, nem o mais severo, consegue fugir? 81) Assim, na decisão recorrida, a escolha das penas que compõem as penas parcelares não é arbitrária e deve ser feita de acordo com os artigos 77.° e 78.° do C.P., mas de modo a que se demonstre ter o resultado mais favorável para o arguido.
47. Pois se por um lado estamos perante um certo numero de crimes, por outro estamos perante criminalidade não violenta e pequena, pois cada pena singular apreciada foi sempre inferior a 5 (cinco) anos de prisão — cfr. artigo 1.° do CPP - o que leva que a pena na decisão recorrida não deva ser igual ou superior ao valor das penas possíveis de aplicar a um somatório de crimes de média criminalidade ou de criminalidade muito grave.
48. sob pena das mesmas se tornarem desproporcionais em relação às infracções, e como tal violarem o disposto no art.° 49.°, n.° 3 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de aplicação obrigatória no direito penal português por via do dis¬posto no artigo 16.° da C.R.P.
49. O limite máximo da pena dentro da moldura abstrata, terá de se adequar à culpa e, não poderá ser ultrapassado por considerações de prevenção geral ou especial sob penada violação do art° 40 - 2o e 71°-2-a) do CP.
50. Na decisão das penas parcelares o Tribunal a quo violou o disposto no arts n° 72 conjugado com art. 77 n° 1 e 2o ambos do CP.
SUSPENSÃO
51. Tal será possível, reduzindo a pena única aplicada, para outra, situada próximo dos limites mínimos da moldura penal abstracta, o que se justifica, nos termos do art.° 50 do CP porque quanto à recorrente não existe necessidade de pena.
52. A se não entender desta forma, o tribunal mal andou violando o preceituado nos art. 40.°, 50°, 70.°, 71.° e 72° e 77° do CP. 88)0 tribunal ao aplicar as penas parcelares da forma que aplicou fez errada interpretação e aplicação das normas constantes do ar 40°, 70° e 71° e 72°, conjugado com as normas contidas no art.° 77 também do CP porque violadora dos princípios plasmados nos art.° 32 e 205° da CRP, ferindo aquela interpretação e aplicação de inconstitucionalidade material.
Nestes termos,
Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e consequentemente ser alterado o Douto Acórdão, por outro que condene o Arguido numa pena máxima de 5 anos, suspensa na sua execução.”
GG
“1. A pena de privação da liberdade aplicada à recorrente é desajustada e excessiva.
2. Para aplicação da pena de privação da liberdade o Tribunal a quo considerou as elevadas exigências de prevenção geral, o grau de ilicitude dos factos, a intensidade dolosa, as consequências resultantes da atuação da Recorrente e a total ausência de arrependimento e desinteresse pelas referidas consequências resultantes.
3. A Recorrente não havia cometido qualquer crime antes dos que lhe são imputados neste processo.
4. O mesmo respeita a momento ulterior, isto é, a Recorrente não praticou mais nenhum crime depois do último que lhe é imputado nos presentes autos.
5. Não existe qualquer registo relativo a quaisquer outras práticas ilícitas seja de que natureza for.
6. Os factos a que subsumem os crimes ora imputado e punidos remontam anteriores ao ano de 2013, ou seja, quando deixou de colaborai com aquela entidade laboral.
7. Desde essa data não há conhecimento de outras condutas semelhantes da Recorrente.
8. Pelo que o Tribunal a quo deveria ter sido mais ponderado na invocação de elevadas exigências de prevenção para aplicar uma pena privativa da liberdade.
9. O Tribunal a quo devia ter aplicado uma pena não privativa da liberdade.
10. Seja pela via da suspensão da execução da mesma ou pela aplicação das penas suspensa ou prisão domiciliária como já referido.
11. As penas de privação da liberdade só devem ser aplicadas quando todas as outras se mostrem insuficientes para censurar os factos.
12. A liberdade é um direito constitucionalmente protegido (artigo 27° da Constituição da República Portuguesa).
13. A Recorrente encontra-se perfeitamente socializada, trabalha e o seu trabalho é o sustento do seu filho e o apoio para com a sua Mãe doente oncológica da qual cuida.
14. A aplicação da pena de prisão efetiva, poderá colocar a Recorrente numa posição de de-socializada e de total desprotecção quer do seu filho de tenra idade quer da sua Mãe que dela depende para tratamentos oncológicos continuados.
15. O Tribunal a quo ao aplicar uma pena privativa da liberdade violou, entre outros, os artigos 70° e 71° do CP.”
O Ministério Público, na Relação, respondeu a três dos recursos interpostos, fazendo-o em peça processual conjunta, pronunciando-se no sentido da improcedência, dizendo:
“1 - Não se resignaram os arguidos CC, EE e GG, com o teor do douto Acórdão desta Relação de Lisboa, datado de 9.07.2020, e exarado de fls. 28058 a 28261 dos autos supra referenciados, que decidiu:
a) Refazendo o cúmulo das penas dos crimes de burla qualificada na forma continuada, condenar o arguido CC na pena única de 7 anos de prisão.
b) Reduzir para 5 anos e 3 meses de prisão a pena única resultante do cúmulo jurídico de penas em que foi condenado EE.
c) Reduzir para 6 anos de prisão a pena única resultante do cúmulo jurídico de penas em que foi condenada GG.
Aceitando a factualidade dada como provada, os recorrentes questionam o doseamento das penas, achando-as desequilibradas, pugnando o arguido CC pela condenação por um único crime, na forma continuada, e em pena de 6 anos de prisão, o arguido EE pela redução para pena máxima de 5 anos, suspensa na sua execução, e a arguida GG pela aplicação de pena não privativa da liberdade.
É o grau de culpa dos arguidos o indicador do limite intransponível da medida da pena. e bem assim da correspondência de tal medida com as exigências da prevenção, sendo a lei muito clara, quanto à necessidade de os acórdãos recorridos fundamentarem, sempre, a opção pela pena privativa da liberdade, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art° 379°. n° 1, al a) do CPP.
In casu não se descortina que os procedimentos adoptados se mostrem incorrectos ou que se tenham eleito factores que não deviam ter em conta para quantificaras penas parcelares.
Quanto a questão da pena única aplicada em cúmulo, o pano de fundo da determinação dessa medida é. como se sabe. a ponderação em conjunto, dos factos e da personalidade dos recorrentes, conforme estipula o n° 1. do art° 77° do C. Penal.
A ponderação em conjunto dos factos é atender, fundamentalmente, à ilicitude global de toda a conduta dos recorrentes.
A gravidade dos vários crimes cometidos, a frequência com que eles ocorrem na comunidade e o próprio impacto que têm nessa comunidade, terão, pois, que ser tidos em conta, o que manifestamente ocorreu conforme se lê do douto acórdão recorrido.
De igual modo, foi apreciada a necessidade de prevenção especial, que no limite, identificou autênticas carreiras criminosas ao referir, relativamente ao arguido CC que: «(...) foi condenado por crimes de furto qualificado, roubo, emissão de cheque sem provisão, condução em estado de embriaguez, injúria, ofensa a pessoa colectiva, desobediência, injúria, detenção ilegal de arma. e em 2014 em pena de prisão efectiva, por injúria, desobediência e ameaça, em 2016 por condução de veículo em estado de embriagues e em 2017 por condução sem habilitação legal». - cfr. fls 28260 do processo, correspondendo a fls. 405 do acórdão recorrido.
Relativamente ao arguido EE são também elevadas as necessidades de prevenção especial, pois concluiu o acórdão recorrido que este «(...)/£ foi condenado duas vezes por tráfico de estupefacientes, em 2003. em 5 anos de prisão efectiva, e em 2013 em 18 meses de prisão efectiva». - cfr. fls 28260 do processo, correspondendo a fls. 405 do acórdão recorrido.
Assim, uma vez que se nos afigura realizada a apreciação da necessidade de prevenção reclamada, então a natureza e «quantum» concreto das penas escolhidas se deve manter intocada.
Consequentemente, se pugna pela improcedência dos recursos.”
Neste Supremo Tribunal, o Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu extenso e desenvolvido parecer pronunciando-se fundamentadamente no sentido da rejeição dos recursos interpostos pelos arguidos BB, CC, DD, EE e GG, por inadmissibilidade legal, e no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido AA, sufragando a confirmação do acórdão recorrido.
Fê-lo nos seguintes termos, na parte que agora mais releva:
“Recorrentes – AA; BB; CC; DD; EE; GG.
Recorrido – O M.º P.º
Em primeira instância, o arguido, AA, foi condenado, como autor de 8 crimes de burla qualificada, na forma continuada e um crime de branqueamento de capitais na pena única de 12 anos de prisão.
Interpôs recurso, o qual foi julgado parcialmente procedente, por acórdão do TRL de 9/7/20, tendo sido reduzida para 2 anos e 6 meses de prisão a pena parcelar aplicada ao crime de branqueamento de capitais e, consequentemente, reduzida a pena única para 10 anos de prisão.
Em primeira instância, a arguida, BB, foi condenada como co-autora de 5 crimes de burla qualificada, na forma continuada, e um crime de branqueamento de capitais, na pena única de 9 anos de prisão.
No acórdão já citado que recaiu sobre o recurso por si interposto, viu reduzida a pena única para 8 anos de prisão.
Em primeira instância, o arguido, CC, foi condenado, como co-autor de cinco crimes de burla qualificada, na forma continuada, e num crime de branqueamento de capitais, na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão.
No acórdão já citado que recaiu sobre o recurso por si interposto, foi absolvido da prática do crime de branqueamento de capitais, vendo reduzida a pena única para 7 anos de prisão.
Em primeira instância, o arguido, DD, foi condenado, como co-autor de 6 crimes de burla qualificada, na forma continuada, na pena única de 10 anos e 6 meses de prisão. No acórdão já citado, que recaiu sobre o recurso por si interposto, viu reduzida a pena única em que foi condenado para 7 anos de prisão.
Em primeira instância, o arguido, EE, foi condenado, como co-autor de 4 crimes de burla qualificada, na forma continuada, na pena única de 5 anos e 4 meses de prisão.
No acórdão já citado que recaiu sobre o recurso por si interposto, viu reduzida a pena única em que foi condenado para 5 anos e 3 meses de prisão.
Em primeira instância, a arguida, GG, foi condenada, como co-autora de 5 crimes de burla qualificada, na forma continuada, na pena única de 7 anos de prisão,
No acórdão já citado que recaiu sobre o recurso por si interposto, viu reduzida a pena única em que foi condenada para 6 anos de prisão.
(…)
Em 9/8/20, foi interposto recurso pela arguida, GG, impugnando a medida concreta da pena única em que foi condenando, que pretende ver substituída por pena de multa.
(…)
Em 24/9/20, o arguido, DD, veio interpor recurso, impugnando a medida concreta da pena de prisão em que foi condenado, que quer ver reduzida para 6 anos de prisão.
(…)
Em 27/10/20, o arguido, AA, veio interpor recurso, arguindo nulidades do acórdão recorrido, vícios da decisão e impugnando a medida concreta das penas parcelares e única que lhe foram aplicadas.
Em 28/10/20, veio interpor recurso a arguida, BB, invocando nulidades e vícios da decisão e impugnando a medida concreta da pena única que lhe foi aplicada.
(…)
Em 1/11/20, veio interpor recurso o arguido, CC, pedindo a sua absolvição ou a condenação em 6 anos de prisão.
Em 2/11/20, com o pagamento da multa de € 51,00, veio interpor recurso o arguido, EE, impugnando a medida concreta da pena em que foi condenado que quer ver substituída por 5 anos de prisão, suspensa na sua execução.
(…)
Questão prévia:
Preceitua-se no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP: “Não é admissível recurso: (…) f) – De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.”
No acórdão recorrido, foram confirmadas as decisões da 1.ª instância relativas aos recorrentes BB, tendo sido reduzida a sua pena única para 8 anos de prisão; CC, tendo sido absolvido da prática de um crime de branqueamento de capitais, e tendo sido reduzida a sua pena única para 7 anos de prisão;
DD, tendo sido reduzida a sua pena única para 7 anos de prisão; EE, tendo sido reduzida a sua pena única para 5 anos e 3 meses de prisão; e GG, tendo sido reduzida a sua pena única para 6 anos de prisão.
Portanto, em nosso entender, os recursos interpostos pelos arguidos BB; CC; DD; EE e GG, não são admissíveis e, por via disso, devem ser rejeitados.
Quanto ao recurso interposto pelo arguido, AA, lido o acórdão sob recurso, resulta de tal leitura, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum que a decisão não enferma de insuficiência da matéria de facto para a decisão; nem de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; nem de erro notório na apreciação da prova; nem qualquer nulidade, designadamente a falta do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal; ou qualquer omissão de pronúncia, devendo o recurso interposto ser julgado como não provido, quanto a todos estes segmentos.
Relativamente às medidas concretas das penas parcelares e única em que foi condenado, somos de parecer que as mesmas foram fixadas depois de uma criteriosa ponderação de todas as circunstâncias de facto dadas como provadas, respeitando-se escrupulosamente os pressupostos da determinação concreta da medida da pena previstos nos artigos 71.º e 77.º do Código Penal.
Termos em que, somos de parecer que o recurso do arguido AA deverá ser julgado como não provido.”
Cumprido o art. 417.º, n.º 2, a arguida BB respondeu ao parecer, dizendo, em resumo e no essencial, que “O recurso interposto pela recorrente do acórdão do TRL, foi admitido por despacho do Venerando Relator do TRL, em 1/11/20. A recorrente foi condenada em co-autoria, com seu actual marido pelo crime de branqueamento de capitais e burla.
Sendo que o recurso do arguido com quem está em co-autoria, foi admitido, nomeadamente por ter sido aplicada pena superior a 8 anos, sendo que os comportamentos em consequência da co-autoria deverão ser apreciados em conjunto, sempre por esta razão o recurso da recorrente deveria ter sido admitido.”
O arguido DD respondeu também ao parecer, nos seguintes termos:
“1. O art. 400 CPP veda, antes de mais, o recurso para o STJ do acórdão do Trib. da Relação que confirme decisão de 1ª Instância [em certas circunstâncias de aplicação de penas inferiores a 8 anos de prisão].
2. No caso do recorrente, o acórdão do Trib. da Relação não confirmou a decisão de 1ª Instância.
3. Sim, o julgamento da matéria de facto foi mantido, mas o julgamento de direito foi alterado.
4. Veja-se que a pena aplicada ao recorrente baixou de 10 anos e seis meses, para 7 anos de prisão.
5. E a escolha e medida da pena, em julgamento penal, é a pedra de toque da identidade e característica da decisão do tribunal.
6. Assim, não é lícito defender, neste caso concreto, que caiba no âmbito e alcance da proibição do artº. 400 do CPP.
7. O acórdão do Trib. da Relação, posto em crise pelo recorrente, não é idêntico nem característico, face à decisão de 1ª Instância.
8. Assim, não contendo o CPP, norma que vede o recurso para o STJ de acórdão do Trib. da Relação que altere a decisão de 1ª Instância, o recurso interposto por si, recorrente, inconformado com o parco vencimento recursivo que obteve do Trib. da Relação, tem de ser admitido, por admissível ex lege. sob o amparo constitucional de uma das garantias fundamentais dos cidadãos.
9. Mas o recorrente colocou ao STJ um outro problema ao qual o digno Magistrado do MP não se referiu, sequer.
10. Trata-se de ser concebível e justo de direito aceitar, neste caso concreto (como o recorrente demonstrou, na minuta do recurso, convocando a necessidade lógico-normativa de aperfeiçoamento jurídico) uma solução de "Revista excecional", por referência subsidiária ao congénere dispositivo do CPC.
11. O recorrente insiste nesta solução inovadora!
12. Mantém, sem fatigo de repetição, os argumentos que escreveu no requerimento de interposição deste recurso.
13. É, pois, admissível, se não pelo primeiro argumento, por este segundo.
14. Por consequência espera de Vossas Excelências, mui doutos Juízes Conselheiros (relator ou da Conferência, se for caso disso), despacho de prosseguimento recursivo.
15. Mas por mera cautela argui a inconstitucionalidade do artº.400 CPP, se aplicado no sentido de vedar o recurso penal para o STJ em caso de divergência do acórdão do Trib. da Relação com a decisão de 1ª Instância quanto à medida da pena aplicada ao recorrente e por infracção do princípio da recorribilidade de 2º grau.”
Teve lugar a conferência.
2. Fundamentação
2.1. Questão Prévia: Da inadmissibilidade dos recursos, por irrecorribilidade das penas (art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP))
Esta questão prévia foi suscitada pelo Senhor Procurador-geral Adjunto no parecer que proferiu. Fê-lo relativamente a cinco dos arguidos e aos recursos por estes interpostos, mas, para além desses, ela afecta também, embora em parte, a cognoscibilidade do recurso do arguido AA.
E impõe-se dela conhecer, já que a decisão de admissão dos recursos não vincula o tribunal superior (art. 414.º, n.º 3, do CPP).
Preceitua art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP que não é admissível recurso “de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”. Estão nestas condições cinco dos seis recursos interpostos.
Assim, desde logo os arguidos BB, CC, DD, EE e GG, por força dos recursos que interpuseram do acórdão de primeira instância, viram, todos eles, as suas penas reduzidas, e fixadas em medida que, em nenhum dos casos, ultrapassou os oitos anos de prisão.
Sucede que também o arguido AA viu as suas penas parcelares reduzidas, não sendo agora nenhuma delas superior a oito anos. Apenas o é a sua pena única, a pena resultante do cúmulo jurídico de todas as parcelares. Daqui resulta que também este recurso, à semelhança dos demais, deve ser rejeitado, se bem que, neste caso, apenas na parte respeitante às condenações nos crimes e nas penas parcelares correspondentes.
No que respeita aos recursos interpostos pelos arguidos BB, CC, DD, EE e GG existe motivo para a rejeição por inadmissibilidade legal. E também o recurso do arguido AA será rejeitado, excepto na parte referente à impugnação e à sindicância da decisão sobre pena única.
Na verdade, como bem relata o Senhor Procurador-geral Adjunto no parecer, em total conformidade com a realidade do processo e os dois acórdãos proferidos - o da primeira instância e o da Relação – a situação dos arguidos recorrentes é a seguinte:
Em primeira instância, a arguida, BB, foi condenada como co-autora de cinco crimes de burla qualificada, na forma continuada, e de um crime de branqueamento de capitais, na pena única de nove anos de prisão. No acórdão recorrido, que decidiu o recurso por si interposto, viu reduzida a pena única para oito anos de prisão.
Em primeira instância, o arguido, CC, foi condenado, como co-autor de cinco crimes de burla qualificada, na forma continuada, e num crime de branqueamento de capitais, na pena única de dez anos e seis meses de prisão. No acórdão recorrido, que decidiu o recurso por si interposto, foi absolvido da prática do crime de branqueamento de capitais, vendo reduzida a pena única para sete anos de prisão.
Em primeira instância, o arguido, DD, foi condenado, como co-autor de seis crimes de burla qualificada, na forma continuada, na pena única de dez anos e seis meses de prisão. No acórdão recorrido, que decidiu o recurso por si interposto, viu reduzida a pena única em que foi condenado para sete anos de prisão.
Em primeira instância, o arguido, EE, foi condenado, como co-autor de quatro crimes de burla qualificada, na forma continuada, na pena única de cinco anos e quatro meses de prisão. No acórdão recorrido, que decidiu o recurso por si interposto, viu reduzida a pena única em que foi condenado para cinco anos e três meses de prisão.
Em primeira instância, a arguida, GG, foi condenada, como co-autora de cinco crimes de burla qualificada, na forma continuada, na pena única de sete anos de prisão. No acórdão recorrido, que decidiu o recurso por si interposto, viu reduzida a pena única em que foi condenada para seis anos de prisão.
Do exposto resulta já a constatação da existência de “dupla conforme”. E resulta-o também por inexistir uma alteração especial ou qualificada na fundamentação factual e jurídica do acórdão recorrido, que pudesse ter conduzido a um diferente enquadramento normativo. Essa situação não ocorreu aqui, como pode constatar-se designadamente do seguinte excerto do acórdão da Relação:
“Assim, entendemos que as penas parcelares correspondentes aos crimes cometidos pelos recorrentes não devem ser inferiores às aplicadas na decisão recorrida, à excepção da relativa ao crime de branqueamento cometido pelo recorrente AA que deve ser reduzida para 2 anos e 6 meses de prisão.
Entendemos que, tendo em conta os factos praticados e a personalidade de cada um dos recorrentes, e ainda a redução da pena relativa ao crime de branqueamento cometido pelo recorrente AA e a absolvição do recorrente CC desse crime, a pena única, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares, feita ao abrigo do artigo 77.º do CP, deve fixar-se em 10 anos de prisão para o recorrente AA, 8 anos de prisão para a recorrente BB, 7 anos de prisão para o recorrente CC, 7 anos de prisão para o recorrente DD, 5 anos e 3 meses de prisão para o recorrente EE e 6 anos de prisão para a recorrente GG.”
De tudo resulta que os recursos interpostos pelos cinco arguidos são integralmente de rejeitar, por inadmissibilidade à luz do art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, sendo-o também o recurso do arguido AA na parte referente à decisão sobre as penas parcelares.
Tem sido esta a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, em interpretação conforme à Constituição, de acordo com as decisões do Tribunal Constitucional.
Assim se decidiu no acórdão do STJ de 11-03-2021 (Rel. Helena Moniz), em cujo sumário pode ler-se:
“II - Tendo em conta o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, onde se impede a possibilidade de recurso das decisões do Tribunal da Relação que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos de prisão, e o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, onde apenas se admite (a contrario) o recurso de acórdãos da Relação que, confirmando decisão anterior, apliquem pena de prisão superior a 8 anos, e sabendo que, segundo a jurisprudência deste STJ, ainda que a pena única seja superior a 8 anos de prisão, se analisa a recorribilidade do acórdão relativamente a cada crime individualmente considerado, necessariamente temos que concluir não ser admissível o recurso das condenações relativas a cada crime, do Tribunal da Relação, quando seja aplicada pena não superior a 5 anos de prisão; e das condenações em pena de prisão superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão, quando haja conformidade com o decidido na 1.ª instância.”
Também no Acórdão do STJ de 17-02-2021 (Rel. Gabriel Catarino) se desenvolveu:
“Em sentido que se nos figura similar, os arestos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 2015, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, em que se doutrinou que (sic): “No que respeita à existência ou não de fundamentação essencialmente diferente entre a sentença apelada e o acórdão recorrido, adere-se inteiramente à argumentação expendida no despacho que considerou procedente a questão prévia da recorribilidade – sendo manifesto, aliás, que na sua argumentação os reclamantes confundem os conceitos de fundamentação diferente e de fundamentação essencialmente diferente, como instrumento para, no âmbito da figura da dupla conforme, delimitar as possibilidades de acesso ao STJ, perante decisões inteiramente sobreponíveis, nos respectivos segmentos decisórios: não basta, para quebrar o limite à recorribilidade decorrente da regra da dupla conforme, identificar uma qualquer alteração ou nuance na fundamentação jurídica acolhida no acórdão recorrido, sendo indispensável que se trate de uma alteração ou modificação qualificada da base jurídica da decisão, resultante do apelo a um diferente enquadramento normativo do pleito: não cabem, pois, seguramente no referido conceito de fundamentação essencialmente diferente os casos em que – movendo-se inquestionavelmente a Relação, no que respeita à efectiva ratio decidendi do acórdão proferido, no campo dos mesmos institutos ou figuras jurídicas – se limita a aditar um mero reforço argumentativo no que toca à idêntica solução jurídica do pleito que alcançou.
Por outro lado, não é exacto que possa inferir-se do direito fundamental de acesso à justiça, plasmado no art. 20º da Constituição, um amplo direito de acesso a um terceiro grau de jurisdição a exercitar pelo STJ, sem que ao legislador e à jurisprudência seja legítimo delimitar ou filtrar, em termos proporcionais e adequados, os litígios em que deva intervir em via de recurso ainda o STJ: na verdade, o acesso à justiça e a tutela judicial efectiva bastam-se com a obtenção de uma decisão jurisdicional, em tempo útil, sobre os litígios de direito privado, sendo certo que no caso a sentença proferida foi objecto de reapreciação pela 2ª instância, que manteve inteiramente o sentido decisório questionado pelo recorrente; ora, não está seguramente compreendido naqueles princípios fundamentais um direito de aceder ao STJ sempre que a parte vislumbre alguma nuance ou alteração menor na fundamentação jurídica seguida pelas instâncias.
“(…) O Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo pacificamente serem dois os pressupostos de irrecorribilidade fixados naquela alínea f) por um lado, que o acórdão da relação confirme a decisão da 1ª instância; por outro, que a pena aplicada na relação não seja superior a 8 anos de prisão.
(…) Quanto ao segundo pressuposto, também constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal a de que, no caso de concurso de crimes, só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente aos crimes (relativamente às questões suscitadas a propósito dos crimes) punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou à pena conjunta superior a essa medida. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça, na esteira da interpretação praticamente consensual que fazia deste mesmo preceito na versão anterior à Reforma de 2007, vem entendendo, também agora de forma pacífica, que, no caso de um concurso de crimes, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da relação que confirme decisão da 1ª instância apenas é admissível relativamente ao(s) crime(s) punidos com prisão superior a 8 anos e/ou relativamente às questões sobre os pressupostos do próprio concurso e da formação da pena conjunta, quando esta também ultrapasse aquele limite (cfr., entre outros, os Acs. 11.02.09, P° 113/09-3º; de 04.03.09, P° 160/09-3ª; de 25.03.09, P° 486/09-3ª; de 16.04.09, P° 491/09-5ª; de 29.04.09, P° 39l/09-3ª; de 07.05.09, P° 108/09-5ª; de 27.05.09, P° 384/07GDVFR.S1-3ª, de 12.11 2009, P° n° 200/06.0JAPTM-3ª, de 23.06.10, P° n° l/07.8ZCLSB.L1.S1-3ª de 09.06.2011 P° n° 4095/07.8TPPRT.P1.S1- 5ª, de 26.04.2012, P° n° 438/07.2PBVCT.G1.S1-5ª, de 12.09.2012, P° n° 269/08.2TABNV.L1.S1-3ª e de 29.05.2013, P° n° 344/11.6JALRA.El)”. (…) Ac. do STJ, de 11/6/2016, Pº 54/12.7SVLSB.L1.S1-3ª.””
Por último, o Acórdão do STJ de 29.04.2015 (Rel. Raul Borges), em cujo sumário pode ler-se:
“I -As penas aplicadas pelos crimes cometidos pelo recorrente, e integralmente confirmadas pela Relação, foram inferiores a 8 anos de prisão, sendo nos casos de furto qualificado – 2 anos e 2 meses e 2 anos e 5 meses – detenção de arma proibida – 1 ano e 4 meses – e roubo agravado – 6 anos de prisão. Em cúmulo jurídico, foi aplicada a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.
II - O STJ tem entendido, que em caso de dupla conforme total, como ora ocorre, à luz do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, são irrecorríveis as penas parcelares, ou únicas, aplicadas em medida igual ou inferior a 8 anos de prisão e confirmadas pela Relação, restringindo-se a cognição às penas de prisão, parcelares e única(s), aplicadas em medida superior a 8 anos.
III - O arguido restringiu a sua impugnação à medida da pena imposta pelo roubo, afastando em seu entender o concurso de crimes, e nada disse sobre a pena única, debitando apenas sobre a única pena que deveria subsistir, aplicada pelo crime de roubo. Significa isto que o recorrente não impugna a pena única, que nunca refere, nem na motivação nem nas conclusões, não fazendo parte do objecto do recurso a discussão da sua medida.
IV - O recurso é, pois, de rejeitar por inadmissibilidade, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. b), em conjugação com o art. 414.º, n.º 2, ambos do CPP, sendo certo que, como resulta do art. 414.º, n.º 3, do CPP, a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior.”
Na fundamentação deste acórdão encontra-se referência a abundante jurisprudência do STJ no mesmo sentido e a vários acórdãos do TC no sentido da conformidade constitucional desse entendimento.
Assim, pode ler-se ali:
“O Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um duplo grau de recurso. (…)
A constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na actual redacção, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu não a julgar inconstitucional – acórdão n.º 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional – ATC –, volume 75, pág. 249), acórdão n.º 551/2009, de 27 de Outubro - 3.ª Secção, versando a questão, inclusive, ao nível do artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do artigo 5.º do CPP (ATC, volume 76, pág. 566), acórdão n.º 645/2009, de 15 de Dezembro, processo n.º 846/2009 - 2.ª Secção (ATC, volume 76.º, pág. 575 - em sumário e com referência ao artigo 5.º, n.º 2, do CPP), o infra mencionado acórdão n.º 649/2009, de 15 de Dezembro - 3.ª Secção, confirmando decisão sumária que emitiu juízo de não inconstitucionalidade (ATC, volume 76, pág. 575, igualmente em sumário), e acórdão n.º 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção.
Por seu turno, o acórdão n.º 424/2009, de 14 de Agosto, proferido no processo 591/09-2.ª Secção, decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), conjugada com a norma do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 48/2007, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso para o STJ de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão efectiva.
E, mais recentemente, no acórdão n.º 385/2011, de 27 de Julho de 2011, proferido no processo n.º 470/11, da 2.ª Secção, foi decidido “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP, interpretada no sentido de ser irrecorrível uma decisão do Tribunal da Relação que, apesar de ter confirmado a decisão de 1.ª instância em pena não superior a 8 anos, se pronunciou pela primeira vez sobre um facto que a 1.ª instância não havia apreciado”.”
Uma nota final a propósito da resposta da arguida BB ao parecer do Sr. Procurador Geral Adjunto.
A jurisprudência citada pela própria recorrente em nada suporta a posição que defende no recurso, sobre a pretendida admissibilidade deste. Dessa jurisprudência resulta sim o oposto: a ratificação do juízo sobre a inadmissibilidade do recurso.
Acresce que a arguida confunde a “dupla conforme”, no que à sua condenação e à sua pessoa individual respeita, com as decisões condenatórias e/ou absolutórias respeitantes a co-arguidos.
Ora, a responsabilidade penal da pessoa singular é sempre pessoal. E é-o independentemente das formas de comparticipação que se possam estabelecer entre co-arguidos e que se venham a definir no processo. Assim, na aferição da decisão sobre a existência de “dupla conforme” há que atender, sim, à condenação da arguida em primeira instância e à decisão confirmativa dessa condenação, pela Relação, sempre relativamente à arguida.
E é neste confronto de decisões condenatórias da arguida, nas duas instâncias, que se constata com meridiana clareza, no presente caso, a “dupla conforme”.
Senão, releia-se o que a própria expressamente escreveu, após cumprimento do art. 417., n.º 2, do CPP:
“Conforme o douto acórdão, Ac do STJ de 19/02/2015, processo 302913/11.6YIPRT.E1.S1, in www.dgsi.pt
1. A alteração do conceito de dupla conformidade, enquanto obstáculo ao normal acesso em via de recurso ao STJ, operada pelo actual CPC (mandando atender a uma diferença essencial nas fundamentações que suportam a mesma decisão das instâncias), obriga o intérprete e aplicador do direito a - analisada a estruturação lógico argumentativa das decisões proferidas pelas instâncias, coincidentes nos respectivos segmentos decisórios - distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diferente.
2. Não é qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido, relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica por ele assumida para manter a decisão já tomada em 1ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme.
3. Só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada - ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância.” (itálico nosso)
Também o excerto em que transcreve que “XV - Concluímos, assim, que é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 13º e 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação dos artigos 399.º e 400º do Código de Processo Penal na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, no sentido de que é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, interposto pelo Ministério Público ou pelo Assistente, do acórdão do Tribunal da Relação, proferido em recurso, que absolveu o arguido por determinado crime e que, assim, revogou a condenação do mesmo na 1ª instância numa pena não privativa da liberdade” em nada se aplica ao caso presente.
A arguida recorrente foi, repete-se, condenada em prisão efectiva nas duas instâncias, tendo visto a medida da sua pena prisão reduzida em segunda instância. Em nada interessa à decisão sobre a dupla conforme e a recorribilidade, no que a si respeita, a absolvição de co-arguidos.
Também a invocação da violação do “direito de igualdade”, com o argumento de que o seu co-arguido AA poderia recorrer para o STJ e a arguida veria “vedado o seu direito de defesa e violado o direito de igualdade”, se mostra destituído de sentido. Por um lado, na parte que invoca e que lhe interessaria, o recurso do co-arguido também resulta inadmissível. Por outro lado, sempre seria de retirar dele todas as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (art. 403.º, n.º 3, do CPP).
De tudo resulta que a afirmação que profere - a de ser “materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 13º e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação dos artigos 399.º e 400.º nº 1 -f) do Código de Processo Penal na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, no sentido de que não é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, interposto pela recorrente do acórdão do Tribunal da Relação, proferido em recurso, que absolveu o coarguido pelo mesmo crime e baixou a pena a outro coarguido com a mesma incriminação, sendo que este pode recorrer para o STJ e à recorrente está vedado esse direito” – carece absolutamente de base factual de sustentação.
2.2. Do recurso interposto pelo arguido AA
Como se disse, em primeira instância, o arguido, AA, foi condenado, como autor de oito crimes de burla qualificada, na forma continuada e um crime de branqueamento de capitais na pena única de doze anos de prisão.
As penas parcelares haviam sido as seguintes:
- pelo crime de burla qualificada continuada dos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do Código Penal - praticado através da B…..., Lda, pena de cinco anos de prisão;
- pelo crime de burla qualificada continuada, dos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal - praticado através da A……-..., Lda, pena de cinco anos e três meses de prisão,
- pelo crime de burla qualificada continuada, dos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal - praticado através da S..., Lda, pena de quatro anos e seis meses de prisão,
- pelo crime de burla qualificada continuada, dos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202.º, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal - praticado através da P...,..., Unipessoal, Lda, na pena de quatro anos de prisão,
- pelo crime de burla qualificada continuada, dos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal - praticado através da M...,..., Lda, na pena de seis anos e três meses de prisão,
- pelo crime de burla qualificada continuada, dos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal - praticado através da F...,..., Lda, na pena de quatro anos de prisão,
- pelo crime de burla qualificada continuada, dos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal - praticado através da L..., Lda, na pena de três anos e três meses de prisão,
- pelo crime de burla qualificada continuada, dos artigos 30.º, n.ºs 1 e 2, 202, n.º 1, alínea b), 217.º, e 218.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal - praticado através da E...-..., Lda, na pena de três anos de prisão,
- pelo crime de branqueamento de capitais do artigo 368º-A, n.º 2, do Código Penal, na pena de seis anos e três meses de prisão.
Em cúmulo destas nove penas, fora condenado na pena única de doze anos de prisão. O acórdão da Relação reduziu para dois anos e seis meses de prisão a pena parcelar aplicada ao crime de branqueamento de capitais e, consequentemente, procedeu à redução da pena única para dez anos de prisão.
Como se disse, resta para apreciação no recurso do arguido AA a medida da pena única. E, nesta, o conhecimento da impugnação circunscreve-se estritamente a matéria de direito.
Assim, não cumpre apreciar de nenhuma questão suscitada e relativa à condenação nas penas parcelares precedentes, não cumprindo igualmente apreciar os fundamentos do pedido de redução da pena única elencados na estrita decorrência da impugnação das penas parcelares, de que não se conhece.
Assim delimitados os poderes de cognição do Supremo quanto a este recurso, veja-se a argumentação que desenvolveu.
O recorrente pede a redução da pena única dizendo tratar-se de “criminalidade não violenta”, que o “Tribunal omitiu ver o comportamento do arguido na sua globalidade e aferir uma pena global para um comportamento global que reflectisse essencialmente a necessidade de pena, a postura do arguido perante o desvalor das suas condutas, que “a culpa do agente, no caso concreto, deverá ser atenuada, atendendo à patogenia de que padece que lhe mitiga a responsabilidade pelos seus actos”, que “o Arguido tem quase 66 anos, tem o apoio da Família, que as empresas lesadas, muitos foram ressarcidos pelas Seguradoras, que a pena global era digna de uma atenuação especial de pena, atendendo à patogenia de que padece.”
Antes de se proceder a exame do acórdão recorrido no respeitante ao cúmulo jurídico das penas, relembra-se que a determinação da pena é uma “actividade judicialmente vinculada” (na expressão de Figueiredo Dias e de Anabela Rodrigues) e que a atenuação especial de pena tem lugar aquando da fixação das penas parcelares (arts 72.º e 73.º do CP) e, não, aquando da elaboração do cúmulo jurídico e determinação da pena única.
Assim o tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no Acórdão de 11.10.2017 (Rel. Manuel Matos) - “Não é possível a atenuação especial quanto à pena única, definida em cúmulo jurídico. Como claramente resulta dos arts. 72.º e 73.º, do CP, a atenuação especial da pena não pode incindir na aplicação do cúmulo jurídico, mas unicamente sobre as penas aplicadas aos crimes em concurso.” – e Acórdão de 05.12.12 (Rel. Pires da Graça) “O instituto da atenuação especial da pena apenas é aplicável aquando da determinação das penas parcelares, uma vez que se repercute na determinação da sua medida concreta, não sendo aplicável à pena conjunta ou pena única de cúmulo jurídico, que resulta das penas parcelares já fixadas.”
No acórdão da Relação, e no que respeita à pena única, escreveu-se:
“As necessidades de prevenção especial são elevadas em relação ao recorrente AA, dado a sua posição de líder na prática dos crimes de burla e a circunstância de já ter sido condenado por um crime de burla tributária em 3 anos e 9 meses de prisão efectiva por decisão transitada em 25.10.2017, por um crime de tráfico de estupefacientes por decisão transitada em 18.06.2018 em 6 anos de prisão, e por um crime de falsificação de documento tentado por decisão transitada em 20.10.2017; (…) Entendemos que, tendo em conta os factos praticados e a personalidade de cada um dos recorrentes, e ainda a redução da pena relativa ao crime de branqueamento cometido pelo recorrente AA (…) a pena única, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares, feita ao abrigo do artigo 77.º do CP, deve fixar-se em 10 anos de prisão para o recorrente AA.”
A moldura penal do cúmulo jurídico é de seis anos e três meses de prisão a vinte e cinco anos de prisão, e constata-se que a Relação reduziu a pena única para dez anos de prisão, na sequência da redução de uma das penas parcelares (foi essa a justificação dada no acórdão). Mas note-se que esta redução (de uma das penas parcelares) não se repercutiu na moldura abstracta do cúmulo jurídico, que se manteve a mesma.
Referiu também a Relação as exigências de prevenção especial acentuadas relativamente ao arguido “dado a sua posição de líder na prática dos crimes de burla e a circunstância de já ter sido condenado por um crime de burla tributária em 3 anos e 9 meses de prisão efectiva por decisão transitada em 25.10.2017, por um crime de tráfico de estupefacientes por decisão transitada em 18.06.2018 em 6 anos de prisão, e por um crime de falsificação de documento tentado por decisão transitada em 20.10.2017”. Mas cumpre precisar que estas condenações, embora influam no juízo sobre as exigências de prevenção especial, são de data muito posterior à data da prática dos factos dos autos.
De todo o modo, essas exigências, de prevenção geral e especial, foram mesuradas aquando da ponderação das penas parcelares, cumprindo agora proceder à avaliação do “grande facto”, ou do “ilícito global”, procedendo a uma sua avaliação em conjunto com a personalidade do arguido.
As “razões de culpa”, “de prevenção” e “da personalidade da pessoa” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 280) justificam o cúmulo jurídico de penas e afastam um sistema de cúmulo material de penas. A pena única determinar-se-á dentro de uma moldura penal de cúmulo, casuisticamente encontrada após fixação de todas as penas parcelares integrantes de uma certa adição jurídica. E na sua fixação, o tribunal tem de proceder à reavaliação dos factos em conjunto com a personalidade do arguido (art. 77º, nº 1 do Código Penal), o que exige uma especial fundamentação na sentença, a fixar “em função das exigências gerais de culpa e de prevenção” (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 291).
E essas razões não levam a detectar aqui que a pena única, de dez anos de prisão, se revele em concreto excessiva e desproporcionada ou ultrapasse o limite da culpa do arguido.
É certo que no que respeita às características da sua personalidade, consignou-se nos factos provados do acórdão que “o arguido referiu ter problemas de diabetes, sendo insulino-dependente, síndrome de Apneia do Sono, com necessidade de suporte de ventilação durante o sono, bem como um progressivo agravamento de problemas ao nível da saúde mental, (desde os 15 anos de idade) - Desordem psicótica breve Superada e Desordem Depressiva Maior Recidivante - actualmente com perturbação de ansiedade e ataques de pânico, com contornos claustrofóbicos”.
Mas apesar da enorme gravidade do ilícito global perpetrado, constata-se que a pena única se encontra situada bastante abaixo do ponto médio e relativamente próxima do mínimo.
Em suma, a avaliação da concreta gravidade da ilicitude global, “que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso”, e considerar a personalidade do agente e “o modo como esta se projecta nos factos ou é por estes revelada”, ou seja, a “nova culpa” ou “culpa pelos factos em relação” (STJ 16-12-2010, Henriques Gaspar), justificam, no presente caso, a pena única de dez anos de prisão.
4. Face ao exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em
- Rejeitar os recursos interpostos pelos arguidos BB, CC, DD, EE e GG, por inadmissibilidade legal (art. 432.º, n 1, al. b) e art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP);
- Rejeitar por inadmissibilidade legal o recurso do arguido AA na parte referente às penas aplicadas a cada um dos crimes por que vinha condenado (art. 432.º, n 1, al. b) e art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP), julgando-o improcedente na parte restante.
Custas pelos recorrentes (art. 513.º, n.º 1 do CPP), fixando-se a taxa de justiça em 6 UC´s, acrescendo a importância de 3 UC’s (art. 420.º, n.º 3, do CPP).
Lisboa, 19.05.2021
Ana Barata Brito (relatora)
Tem voto de conformidade da Sra. Conselheira Adjunta Maria da Conceição Simão Gomes