Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P2573
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: RECURSO DE DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
ESGOTAMENTO DOS RECURSOS ORDINÁRIOS
REMESSA À RELAÇÃO
Nº do Documento: SJ200707120025735
Data do Acordão: 07/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: ORDENADA A REMESSA AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
Sumário :
1 – Tem sido jurisprudência uniforme e constante deste Supremo Tribunal de Justiça que da decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, só é admissível a interposição do recurso extraordinário previsto no art. 446.º do CPP, quando não seja já susceptível de recurso ordinário.
2 – Assim, só esgotados os recursos ordinários, se for o caso, pode ser interposto recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência obrigatória nos termos do invocado art. 446.º: "sendo o recurso sempre admissível" (n.º 1, parte final).
3 – Com efeito, só se justifica o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, regulado nos art.ºs 446.º e 448.º do CPP, quando a decisão já não é susceptível de recurso ordinário, visando o recurso obrigatório para o Ministério Público, previsto no art. 446.º do CPP garantir o controle do respeito pela jurisprudência fixada, por via do reexame pelos Tribunais Superiores, pois que, com revogação do carácter obrigatório daquela jurisprudência, não se pretendeu desautorizar o STJ na sua função uniformizadora da aplicação da lei, mas sim aumentar a margem de iniciativa dos tribunais de instância, no provocar seu eventual reexame.
4 – Nesta lógica de controlar a aplicação da jurisprudência fixada pelos Tribunais Superiores, através do recurso, não faz sentido o recurso directo da 1.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça, antes de esgotada a possibilidade da 2.ª Instância repor o "respeito" pela jurisprudência fixada pelo STJ.
Decisão Texto Integral:

No Proc n.º 302//04-5TCLSB da 2.ª Vara Criminal (2.ª Secção) de Lisboa, foi proferido, em 30.4.2007 (fls. 401 a 403) um despacho com o seguinte teor:

«(…)
2. Entendemos que se justifica, suscitar a questão da prescrição do Procedimento criminal.

Até ao momento, e por força da aplicação da interpretação fixada no Assento do STJ 10/2000 de 1910.2000 (in D.R. 1-A 10.112) não foi decidido julgar o procedimento criminal prescrição Este assento, actualmente definido como Acórdão de Fixação de Jurisprudência, e por força do art. 445º/3 do Código de Processo Penal, não constituí jurisprudência obrigatória mas os Tribunais deverão seguir o seu entendimento a menos que logrem fundamentar as divergências relativamente àquela jurisprudência. Aliás, decidindo de forma divergente, impõe-se recurso obrigatório (art. 446.° do Código de Processo Penal), sendo certo que deste preceito se retira que a alteração dessa jurisprudência uniforme depende do entendimento pelo STJ de que estará ultrapassada.

O Assento aplicado data de Outubro de 2000, ou seja, tem apenas seis anos e meio, não tendo ocorrido alteração legislativa entretanto no âmbito das normas aplicadas, Assim, à partida, não se afigurava como ultrapassada a jurisprudência fixada.

Porém, actualmente o panorama alterou-se com o Acórdão do Tribunal Constitucional 110/2007 de 15.02.2007 (D.R. 2. Série, 20.03.2007) no qual, e num caso concreto, foi declarada a inconstitucionalidade da interpretação seguida no citado assento.

3. A questão que se coloca agora, e a de saber se há fundamento para não seguir a jurisprudência do Assento do STJ 10/2000 de 19.10.2000 e, se assim for, se estâ prescrito o procedimento criminal nestes autos.

Tal Assento determina que «No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal. »

Estamos, pois, a navegar nas águas da prescrição do procedimento criminal, o qual sofreu alterações desde a prática dos factos até ao presente considerando a entrada em vigor da Lei no 65/98 que procedeu a alterações ao Código Penal

Estando o decurso do prazo para prescrição abrangido por uma situação de sucessão de leis no tempo, e atendendo aos efeitos substantivos inerentes, e reconhecidos, das normas prescricionais, há que aplicar o regime que, em concreto, se verificar ser o mais favorável ao arguido (art. 2°14 do Código Penal).

Na anterior versão do Código Penal (1982) não havia qualquer referência à contumácia, posto que este instituto apenas “nasceu” como Código de Processo Penal na sua versão de 1987. Procurando obviar ao desencontro vivido desde a entrada em vigor desse Código de Processo Penal 1987 e as alterações ao Código Penal em 199 altura em que passou a constar deste código a referência à contumácia como causa de suspensão e de interrupção do prazo prescricional, foi proferido o referido Assento, cuja fundamentação, por ser pública e não se justificar para o presente despacho, nos autorizamos a dar como reproduzida,

Vem agora o tribunal Constitucional, e apenas em sede de fiscalização concreta, ou seja, sem força obrigatória geral, «Julgar inconstitucional, por violação do artigo 29°, n.ºs 1 e 3, da Constituição da República, a norma extraída das disposições conjugadas do artigo 119°, n 1, alínea a), do Código Penal, e do artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ambos na redacção original, na interpretação segundo a qual a prescrição do procedimento criminal se suspende com a declaração de contumácia».

A fundamentação deste acórdão é extensa e encontra-se devidamente publicitada com e publicação em Diário da República conforme acima enunciámos. Sem escamotear todos os demais argumentos, especial relevo deixamos à consideração de que «Não podia, pois, entender-se que a previsão de “suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou á detenção do arguido como efeito da declaração de contumácia, incluía, como seu sentido comum e literal, a suspensão da prescrição do procedimento criminal, a qual começava e correr entes do processo e podia não ser afectada por uma sua suspensão. Tal interpretação implicando uma “interpretação “criadora”, que no caso foi tornada indispensável pela falte de adequada previsão legal inequívoca” (expressão do citado Acórdão n.° 285/99), é, nesta medida, incompatível com a Constituição pois viola o princípio da legalidade a que está também sujeita a definição das causas de suspensão da prescrição do procedimento criminal»

Com efeito, a interpretação sustentada no Assento em apreço, alarga o entendimento dos termos definidos na lei de forma a abranger um instituto sem qualquer paralelo à data da criação dessa mesma lei, alargando dessa forme os prazos de prescrição, em nítido desfavor do Arguido, com referência aos efeitos substantivos do instituto prescricional.

Pelo exposto, e reportando-nos à fundamentação do acórdão do Tribuna; Constitucional, também nós entendemos que o Assento 1012000 está ferido de inconstitucionalidade e, dessa forma, neste momento em que se impõe, a impulso do Arguido, reapreciar da prescrição do procedimento criminal, decidimos não aplicar o citado Assento, com fundamento na sua inconstitucionalidade. (…)»


A 4.5.2007 o Ministério Público veio interpor, para este Supremo Tribunal de Justiça, recurso «obrigatório», invocando a previsão do art. 446.º, n.º 1 do CPP, por ter sido aquele despacho proferido contra a jurisprudência fixada no Assento n.º 10/2000 do STJ, DR IS-A de 10.12.2000.
E conclui:
1. O presente recurso obrigatório é interposto do douto despacho de 30/4/2007 (cfr. fls. 401 a 403).
2. Tal douto despacho afastou a Jurisprudência fixada no Assento 10 de 2000 do STJ DR 1ª Série A de 10/11/2000, ao declarar prescrito o procedimento criminal relativamente ao arguido.
3. O afastamento da referida Jurisprudência baseou-se no teor dos Acórdãos 110 e 112 de 2007 do Tribunal Constitucional publicados no DR 28 Série em 20/3/2007.
Assim deverá ser proferida decisão pelo Venerando STJ em conformidade com o disposto no artigo 446° n.º 3 do CPP.
Neste Supremo Tribunal de Justiça teve vista o Ministério Público que suscitou a questão prévia da competência deste Tribunal para conhecer deste recurso.
Colhidos os vistos legais, teve lugar a conferência para apreciação da questão prévia suscitada, cumprindo, assim, conhecer e decidir.

2.
E conhecendo.

2.1.
Questão prévia
Como se relatou, o presente recurso foi interposto de uma decisão da 1.ª Instância, com invocação do art. 446.º do CPP, admitido para este Supremo Tribunal de Justiça.
É certo que a decisão recorrida foi proferida contra jurisprudência fixada por este Supremo Tribunal no Ac. n.º 10/00, de 19/10/2000 (DR IS-A de 10.11.2000): «No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de 1987, a declaração de contumácia constituía causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.»
Mas esta circunstância não garante, só por si, neste momento, o conhecimento deste recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do falado art. 446.º do CPP.
Com efeito, da decisão recorrida cabia recurso ordinário e o presente recurso foi interposto no prazo do art. 411.º. n.º 1 do CPP (15 dias) e não no prazo do art. 438.º, n.º 1 (30 dias a contar do trânsito em julgado) do mesmo diploma legal
Tem sido jurisprudência uniforme e constante deste Supremo Tribunal de Justiça que da decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, só é admissível a interposição do recurso extraordinário previsto no art. 446.º do CPP, quando não seja já susceptível de recurso ordinário, como se pode ver, por todos, do Ac. de 13.12.01 (Acs STJ IX, 3, 235, com o mesmo Relator).
Assim, só esgotados os recursos ordinários, se for o caso, pode ser interposto recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência obrigatória nos termos do invocado art. 446.º: "sendo o recurso sempre admissível" (n.º 1, parte final).
Como se escreveu naquele aresto de 13.12.01, só se justifica o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, regulado nos art.ºs 446.º e 448.º do CPP, quando a decisão já não é susceptível de recurso ordinário.
O recurso obrigatório para o Ministério Público, previsto no art. 446.º do CPP, visa garantir o controle do respeito pela jurisprudência fixada, por via do reexame pelos Tribunais Superiores, pois que, com revogação do carácter obrigatório daquela jurisprudência, não se pretendeu desautorizar o STJ na sua função uniformizadora da aplicação da lei, mas sim aumentar a margem de iniciativa dos tribunais de instância, no provocar seu eventual reexame.
Nesta lógica de controlar a aplicação da jurisprudência fixada pelos Tribunais Superiores, através do recurso, não faz sentido o recurso directo da 1.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça, antes de esgotada a possibilidade da 2.ª Instância repor o "respeito" pela jurisprudência fixada pelo STJ.
Neste domínio, como resulta claro do Ac. de 6.7.2006 (proc. n.º 1615/06-5, com o mesmo Relator), as divergências verificam-se só quanto ao prazo de interposição desse recurso, temática que não vem ao caso.
Recentemente decidiu este Tribunal (Ac. de 21.6.2007, proc. n.º 2259/07-5, com o mesmo Relator), em caso perfeitamente paralelo, que:
«(1) – Tem sido jurisprudência uniforme e constante deste Supremo Tribunal de Justiça que da decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, só é admissível a interposição do recurso extraordinário previsto no art. 446.º do CPP, quando não seja já susceptível de recurso ordinário. (2) – Assim, só esgotados os recursos ordinários, se for o caso, pode ser interposto recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência obrigatória nos termos do invocado art. 446.º: "sendo o recurso sempre admissível" (n.º 1, parte final). (3) – Com efeito, só se justifica o recurso extraordinário de decisão proferida contra jurisprudência fixada pelo STJ, regulado nos art.ºs 446.º e 448.º do CPP, quando a decisão já não é susceptível de recurso ordinário, visando o recurso obrigatório para o Ministério Público, previsto no art. 446.º do CPP garantir o controle do respeito pela jurisprudência fixada, por via do reexame pelos Tribunais Superiores, pois que, com revogação do carácter obrigatório daquela jurisprudência, não se pretendeu desautorizar o STJ na sua função uniformizadora da aplicação da lei, mas sim aumentar a margem de iniciativa dos tribunais de instância, no provocar seu eventual reexame. (4) – Nesta lógica de controlar a aplicação da jurisprudência fixada pelos Tribunais Superiores, através do recurso, não faz sentido o recurso directo da 1.ª instância para o Supremo Tribunal de Justiça, antes de esgotada a possibilidade da 2.ª Instância repor o "respeito" pela jurisprudência fixada pelo STJ.»
Como se disse, o presente recurso foi interposto no prazo de interposição dos recursos ordinários, pelo que, na óptica deste Supremo Tribunal de Justiça que acima se referenciou, pode e deve ser conhecido na Relação de Lisboa, com vista ao esgotamento dos recursos ordinários que abra caminho, então sim, ao recurso extraordinário do art. 446.º, se aquele Tribunal Superior vier a confirmar a decisão aqui recorrida.
3.
Pelo exposto, acordam os Juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em ordenar a remessa do presente processo à Relação de Lisboa para aí ser conhecido como recurso ordinário.
Sem custas.

Lisboa, 12 de Julho de 2007

Simas Santos (Relator)
Santos Carvalho
Costa Mortágua