Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANTÓNIO CLEMENTE LIMA | ||
Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO CONCLUSÕES DA MOTIVAÇÃO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO RECURSO DA MATÉRIA DE DIREITO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL IN DUBIO PRO REO NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA ROUBO AGRAVADO AGRAVAÇÃO PELO RESULTADO MORTE PENA DE PRISÃO MEDIDA CONCRETA DA PENA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL | ||
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Data do Acordão: | 06/04/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADOS IMPRICEDENTES OS RECURSOS. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | I - A mera repetição, na motivação do recurso interposto para o STJ, na motivação já oferecida no recurso interposto, pelo mesmo arguido, para o Tribunal da Relação, impõe que o mesmo recurso seja conhecido, designadamente na parcela em que se interpela, mesmo por decalque, a decisão do Tribunal da Relação. II - Por força do disposto nos arts. 432.° n.º 1, al. b) e 434.°, todos do CPP, o STJ pode apenas reexaminar a matéria de direito (sem prejuízo do conhecimento, de ofício, dos vícios prevenidos nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.°, do CPP que sejam evidenciados pela decisão recorrida), tal seja, não pode conhecer das questões inerentes ao julgamento sobre a matéria de facto nem das questões que concernem à própria formulação da decisão de 1.ª instância (como as nulidades e os vícios de procedimento, incluindo a questão da alegada inconstitucionalidade, que lhe dizem respeito), que já não está sob apreciação. III - A violação do princípio in dubio pro reo, tal como reflectido pelo princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.° n.º 2, da CRP) e configurado como um limite normativo à convicção probatória (arts. 127.° e 355.°, n.º 1, do CPP), vistas as limitações cognitivas decorrentes do disposto no artigo 434.°, do CPP, pode ser sindicada pelo STJ (revista ampliada) quando seja evidenciada pelo texto da decisão recorrida, em forma de vício de procedimento (art. 410.° n.º 2, do CPP). IV - No plano em que o princípio in dubio pro reo se reflecte sobre o julgamento da matéria de facto levado nas instâncias, o STJ (enquanto tribunal de revista) só pode censurar o julgado (i) quando, a partir do texto da decisão (por si ou em conjugação com as regras da experiência comum), seguindo o iter decisório no cotejo da motivação da convicção (art. 374.° n.º 2, do CPP), conclua que, diante de um estado de dúvida (aquém da razoável) sobre a culpabilidade do arguido, o Tribunal recorrido decidiu em desfavor deste, ou (ii) quando a conclusão probatória levada pelo Tribunal recorrido se materializa numa decisão contra o arguido, insuficientemente suportada (de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido) pelos elementos probatórios em que (explicita e pontualmente) assentou a convicção. V - A omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão, nos termos do disposto nos arts. 379.°, n.º 1, al. c), 374.° n.º 2, e 97.° n.º 5, todos do CPP, em decorrência do disposto no n.º 1 do art. 205.°, da Lei Fundamental, não pode assimilar-se a uma insuficiência motivatória, não configurando qualquer invalidade o facto de o Tribunal da Relação ter deixado de sindicar o julgamento levado, em 1.ª instância, sobre a matéria de facto, do passo em que o recorrente não deu cumprimento ao ónus de especificação consignado nos n.ºs 3 e 4 do art. 412.°, do CPP. VI - A situação de facto sedimentada nas instâncias revela, em síntese, que os recorrentes e outros (três), na madrugada do dia 13-07-2017, forçaram a porta a ombro, pontapearam a fechadura e assim entraram na residência do ofendido, retiraram-lhe o telemóvel e a carteira, em cujo interior tinha o cartão de eleitor, e o cartão de débito da Caixa Geral de Depósitos, ao mesmo tempo que, a soco e a pontapé, no corpo e na cabeça, lhe provocaram lesões que foram a causa directa e necessária da sua morte, que veio a ocorrer, no dia seguinte, pelas 06H56, no Hospital de Santa Maria, local para onde foi transportado, a fim de lhe ser prestada assistência médica. VII - Em vista da prática de tais factos, cada um dos arguidos foi condenado, pela co autoria material de um crime de roubo, agravado pelo resultado morte, p. e p., nos termos do disposto no art. 210.°, n.ºs 1 e 3, do CP, com a pena abstracta de 8 a 16 anos de prisão, na pena concreta de 11 anos de prisão, que se não vê razão para alterar. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 658/17.1PZLSB.L1.S1 Recurso penal
Acordam, precedendo conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. Nos autos de processo comum em referência, os arguidos
AA – filho de BB e de CC, natural da freguesia de ..., …, nascido a 00 de ... de 0000, solteiro, ..., com residência na Av. ..., n.º 0, 0.º…, …, actualmente sob prisão preventiva, à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de … –,
DD – filho de EE e de FF, natural da freguesia de ..., …, nascido a 00 de ... de 0000, divorciado, ..., com residência na Rua ..., Zona 0-… lote 00, 0.º …, ..., … –, e
GG – filho de HH e de II, natural da freguesia de ..., …, nascido a 00 de … de 0000, solteiro, ..., com residência na Rua ..., Zona 0, lote 00, 0 …, ..., …, actualmente sob prisão preventiva, à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de … –,
foram acusados pelo Ministério Público e adrede pronunciados, pela prática de factos consubstanciadores da co-autoria material, na forma consumada, de um crime de roubo, agravado pelo resultado morte, previsto e punível (p. e p.) nos termos do disposto no artigo 210.º n.os 1 e 3, do Código Penal (CP).
2. Precedendo audiência de julgamento, os arguidos vieram a ser condenados, pelo Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de … – Juiz 00, por acórdão de 21 de Junho de 2019, pela prática de factos consubstanciadores da co-autoria material, na forma consumada, de um crime de roubo, agravado pelo resultado morte, p. e p. nos termos do disposto no artigo 210.º n.os 1 e 3, do CP, na pena, cada um de 11 anos de prisão.
3. Cada um dos mesmos arguidos levou recurso daquele acórdão para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde veio a decidir-se, por acórdão de 20 de Novembro de 2019, negar provimento aos recursos.
4. O arguido AA interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça.
Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões: «1. AA, melhor identificado nos autos à margem, e neles Arguido, não se conformando com o teor do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o qual manteve na íntegra a decisão do Tribunal de 1º Instância, relativamente aos três recorrentes, vem dele INTERPOR RECURSO, em MATÉRIA DE DIREITO (art.º 434º do CPP) para o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, nos termos do disposto no art.º 432º nº 1 al. b) do C.P.P. 2. Os três arguidos condenados em pena de 11 anos de prisão, recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que a final proferiu acórdão que não concedeu provimento aos respetivos recursos e manteve na íntegra a decisão do Tribunal de 1ª Instância. 3. Em suma, o Arguido AA e o Arguido GG, foram condenados quer pelas imagens das Câmaras de Vigilância do Supermercado JJ, quer pelas declarações que os próprios prestaram em sede de inquérito (e que os coloca no Multibanco conjugadamente com as informações da CGD), e o Arguido DD foi condenado pelo vestígio lofoscópico. 4. Os demais Arguidos, foram absolvidos por não existirem nem imagens, nem impressões digitais, não tendo os mesmo prestado declarações em qualquer fase do processo, à exceção do Arguido KK que em Julgamento negou os Factos. 5. Considera o recorrente, antes de mais considerandos e uma vez que o tema foi abordado no Acórdão Recorrido - embora o Tribunal de 1º Instância apenas tenha valorado as declarações prestadas pelos arguidos em sede de inquérito no que tange à participação dos próprios - que as declarações prestadas pelos demais Arguidos em sede de inquérito e reproduzidas em sede de julgamento (conforme consta das respetivas atas), não poderão em caso algum, ser contra si valoradas face ao seu silêncio em sede de Julgamento. 6. Sendo esta a posição maioritária da Jurisprudência e da Doutrina, salvaguardando-se assim integralmente o princípio do contraditório. 7. Mais entende o Recorrente, que as declarações por si prestadas em 19 de Março de 2019 perante Magistrada do Ministério Público, tinham de ser lidas e examinadas na audiência de discussão e julgamento (ficando tal a constar da ata respetiva) e, não o tendo sido, não podiam ser valoradas pelo tribunal, como foram, o que acarreta a nulidade do Acórdão Recorrido. 8. Estabelece o artigo 32.º, n.º 5, da nossa Lei Fundamental que “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório. 9. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório). 10. Como decorrência da consagração constitucional a lei processual penal estabelece, como regra geral, não valerem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência - nº 1 do artigo 355º do Código Processo Penal. 11. A Lei nº 20/2013, de 21 de fevereiro, veio introduzir alterações ao Código Processo Penal designadamente, no que concerne à utilização em sede de audiência de julgamento, das declarações prestadas pelo arguido ao abrigo do disposto nos artigos 141.º, n.º 4, al. b) e 357.º, al. b), do Código de Processo Penal. 12. As declarações que, nos termos legais, possam e venham a ser utilizadas em julgamento, estão sujeitas à livre apreciação da prova, assim se autonomizando da figura da confissão prevista no artigo 344.º. 13. Na redação dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, preceitua o nº 1 do artigo 357º do Código Processo Penal que: 4 - Seguidamente, o juiz informa o arguido: a) Dos direitos referidos no n.º 1 do artigo 61.º, explicando-lhos se isso for necessário; b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova; (…)». 14. Por último o nº 9 do artigo 356ºdo Código Processo Penal, para o qual remete o artigo 357º nº 3 do mesmo diploma legal, refere que “A permissão de uma leitura, visualização ou audição e a sua justificação legal ficam a constar da ata, sob pena de nulidade”. 15. Da conjugação dos preceitos legais referidos e embora não desconhecendo as razões e pertinência de posições divergentes (v.g. Ac. RP de 14/09/2016, no proc. nº.2087/14.0JAPRT e Ac. RE de 07/02/2017, no proc. nº 341/15.2JAFAR.E1, disponíveis in www.dgsi.pt), sufragamos o entendimento que as declarações do arguido prestadas no primeiro interrogatório judicial têm que ser lidas ou ouvidas na audiência de julgamento para que possam ser valoradas e utilizadas na formação da convicção do Tribunal. 16. Neste mesmo sentido se pronunciaram, entre outros, os Acs. RC de 04/02/2015, no proc. nº 212/11.1GACLB.C1; RP de 12/10/2016, no proc. nº. 101/13.5JAAVR.P1; Ac. RL de 18/10/2017, todos disponíveis in www.dgsi.pt e Ac. RC de 31/08/2016, no proc. nº 225/13.9JACBR.C1 in CJ nº 273, 2016, Tomo IV, pág 44. 17. Essa garantia dos direitos de defesa e o exercício efetivo do princípio do contraditório apenas será totalmente exercido mediante a leitura ou audição em audiência das declarações prestadas pelo arguido, pois só desse modo é dado conhecimento aos sujeitos processuais dos meios de prova elegíveis para a formação da convicção do tribunal e possibilita o debate e a confrontação indispensáveis à apresentação de meios de defesa. 18. In casu ressalta da leitura da motivação do Acórdão em crise ter o tribunal a quo, para a formação da sua convicção sobre a matéria de facto, utilizado e valorado também o teor de declarações prestadas pelo arguido em sede de Inquérito, constantes de fls. 612 e 613. 19. Nesse interrogatório perante Magistrada do M.P, o arguido, acompanhado do seu defensor, depois de expressamente informado de que as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou mesmo que não preste declarações em audiência de discussão e julgamento, decidiu prestar declarações, esclarecendo alguns factos. 20. Porém, vistas as atas da audiência de julgamento, constata-se que aí não consta que se tenha procedido à leitura ou audição das declarações prestadas pelo arguido no interrogatório judicial. 21. Nestes termos, a omissão de indicação expressa do teor das declarações anteriores como meio de prova a utilizar na decisão da matéria de facto e a omissão de leitura pública traduz uma compressão injustificada do contraditório e das garantias de defesa do arguido. 22. Destarte, não tendo sido lidas em audiência de julgamento as declarações prestadas pelo arguido no inquérito, entendemos que a valoração das suas declarações constitui valoração proibida de prova, nos termos do artigo 355.º, nº 1, do Código Processo Penal, inquinando o Acórdão Recorrido do vício que lhe é assacado pelo recorrente. 23. Em consequência, deverá ser declarada nula a decisão recorrida nos termos do artigo 122.º, n.º1 do Código Processo Penal, por violação do disposto nos artigos 355.º e 357.º do mesmo diploma legal, determinando-se a remessa dos autos à 1ª Instância para prolação de novo Acórdão, sem que no mesmo sejam incluídas e valoradas as declarações do arguido que não foram lidas em audiência. 24. Face ao supra exposto, deverá ser DECLARADA NULA A DOUTA DECISÃO CONDENATÓRIA, devendo em seu lugar ser proferida nova Decisão que exclua como meio de prova as declarações prestadas pelo recorrente perante o Exma. Magistrada Judicial durante o inquérito. 25. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO: A verdade é que a Meritíssima Juiz de Primeira Instância acaba por concluir a condenação do recorrente e do arguido GG apenas com dois elementos de prova, as declarações que os próprios prestaram em sede de inquérito e que os colocam no local - multibanco - e as filmagens do supermercado JJ. Decisão essa que veio a ser confirmada pelo Acórdão Recorrido. 26. Contudo, e como supra já se demonstrou, as declarações prestadas pelo Arguido AA em sede de inquérito não foram lidas nem reproduzidas em sede de julgamento, motivo pelo qual não poderão nem deverão ser valoradas. 27. Relativamente às câmaras de vigilância entende o Recorrente que não é possível identificar quem quer que seja. Mais não podemos esquecer, que não existem imagens do Multibanco, mas apenas as câmaras do supermercado JJ que permitem apenas visualizar um local de passagem que hipoteticamente poderá ser utilizado para ir ou não à Caixa Multibanco. 28. Sendo que a identificação feita pelas testemunhas LL e MM, surgiu já após circularem no Bairro diversos Comentários, comentários que estes ouviram e que influenciaram a sua opinião na visualização. 29. Tanto mais que ambas as testemunhas já não frequentavam o Bairro diariamente, sendo que a testemunha MM reside no estrangeiro. Por outro lado, o próprio inspetor da PJ diz ser capaz de fazer tal identificação apenas pela postura e pela forma de andar daqueles vultos ali visíveis. O recorrente, entende não ser possível identificar naquelas imagens quem quer que seja. 30. Contudo, e mesmo entendendo o Tribunal em sentido contrário - entendendo que é possível identificar o Recorrente e o Arguido GG - entende o Recorrente que a prova produzida não permite ultrapassar a dúvida, razoável e objetiva sobre a autoria da prática do crime imputada ao recorrente 31. Entende o recorrente que o acórdão incorre em violação grosseira do princípio do in dubio pro reo. No modesto entendimento do recorrente, existem dúvidas razoáveis, objectivas e legítimas, sobre a imputação da autoria do crime ao arguido aqui recorrente. 32. Porque mesmo que o Tribunal entenda que foi produzida prova suficiente de que foi o Arguido um dos indivíduos que se dirigiu ao Multibanco junto do Supermercado JJ com o cartão do falecido 33. Não foi produzida qualquer prova de que tenha sido o mesmo a praticar qualquer um dos factos constantes do ponto 6 a 16 dos factos provados. Desde logo não existem testemunhas dos factos alegadamente ocorridos na casa do falecido. O mesmo só foi encontrado gravemente ferido no dia seguinte 34. Foi feita inspeção ao local (casa da vítima) e não foi lá encontrado qualquer objeto do Recorrente, qualquer impressão digital ou elemento identificativo de ADN 35. Por outro lado, não foi produzida prova de que o Ofendido naquela data tivesse na sua posse qualquer cartão multibanco. 36. Note-se que das informações prestadas pela Santa Casa do ... onde o falecido teve internado entre 25 de maio e 07 de julho, foi informado não terem conhecimento que o Falecido tivesse na sua posse qualquer cartão multibanco. 37. Sendo que nesse período existiram movimentos bancários, levantamentos em 01, 10 e 30 de junho e ainda em 06 de julho. Mais existindo informação nos autos de que na Instituição não existe terminal ATM e o Falecido não saiu durante aquele período. 38. Deste modo, nem resultou provado que à data de 13 de julho o Falecido estivesse na posse do seu Cartão Multibanco. 39. O Tribunal a quo, conclui pela condenação dos Arguidos AA e GG, através das imagens de vigilância e as declarações que os próprios prestaram e relativas a si mesmos. Para depois concluir que estes foram autores dos factos ocorridos em momento anterior, na residência da vítima. 40. Como já supra se disse, desses factos não foi produzida qualquer prova. O Recorrente não compreende como o Tribunal a quo indica as 2:00 horas da manhã como a hora em que alegadamente ocorreram os factos naquela residência, se a primeira notícia nos autos acerca do assalto apenas ocorre no dia 13 de julho, mas apenas já durante a manhã. 41. Como estabelece, o tribunal de primeira Instância, a ligação entre aquele facto de tentativa de levantamento no multibanco sito no supermercado levantamento, às 2: 45:49 do dia 13/07/2017 e o facto ocorrido na residência da vítima NN 42. Com o devido respeito, parece-nos que o Tribunal de 1º Instância, quer o Tribunal da Relação de Lisboa ficaram no campo das probabilidades e se satisfizeram com estas, violando as mais elementares garantias de defesa dos arguidos. 43. É que, não é de todo possível apenas extrair como conclusão lógica e razoável a que o tribunal extraiu daquele facto- (utilização do cartão de multibanco para tentativas de levantamento em máquina de ATM, sendo a 1ª delas às 2:45:49 do dia 13/07/2019). 44. Acontece até, que, na proximidade do supermercado JJ uma senhora de nome OO encontrou o cartão de eleitor da vítima e entregou-o no supermercado JJ. 45. Contactada a senhora pela testemunha MM, sobrinho da vítima, esta disse-lhe onde o cartão foi encontrado e que andou lá a ver se encontrava mais algum outro documento não tenho encontrado nada. 46. Pode muito bem ter acontecido que à semelhança do cartão eleitor, ter sido arremessado o cartão de multibanco, também junto ao supermercado JJ e ter sido encontrado. Mais entendemos, que dos autos não resultou provado que a vítima tivesse o cartão na sua posse, nem à data dos factos nem durante os internamentos. 47. Período, no qual, como já se demonstrou, ocorreram diversos levantamentos, apesar de não existir ATM na instituição e a vítima não ter saído, à exceção da saída no dia 07/07 em que foi à praia na .... Quem efetuou estes levantamentos? O pedido da vítima? Como tinha o cartão na sua posse? Nenhuma destas questões foi respondida no Acórdão recorrido. 48. Mais resultou provado que durante o período de internamento a residência da vítima foi assalta por diversas vezes. Não tendo resultado provado que o cartão multibanco tivesse na posse da vítima durante os internamentos. 49. Nenhuma das testemunhas ouvidas soube indicar a que hora ocorreram os factos no interior da residência, sendo que só tiveram conhecimento dos mesmos na manhã do dia seguinte quando a vítima já havia sido transportada para o Hospital. 50. Por conseguinte, o estabelecimento da hora em que ocorreram os factos é meramente conjetural. Pelo que o tribunal a quo, ao valorar erroneamente a prova produzida quanto a este facto, violou gravemente o princípio da presunção de inocência. 51. Configura, ainda, esta situação, um erro notório patente no processo lógico de formação da convicção quanto àquela matéria de facto que diz respeito á questão da hora em que ocorreram os factos vertidos no ponto 6 dos factos dados por assentes, pois esta tem como único sustento o que consta no auto de notícia. 52. Contudo o que nele vem vertido quanto à hora, não se trata de um relato direto do agente que lavra o auto de notícia, ou seja, um facto sensorialmente percetível pelo mesmo, mas apenas relata o que lhe foi feito por desconhecidos. 53. Deste modo, verifica-se assim o vício enumerado no art.º 410.º, n.º 2, alínea c) do CPP. Face ao exposto, até aqui pelo ora recorrente, entende o mesmo que foram violadas várias normas, mormente o artigo 127º do CPP e ainda, os artigos 32 ° n° 1 e 205º nº1 da Constituição da República Portuguesa. 54. De facto, uma decisão condenatória - deve sustentar-se na necessária e indispensável concretização dos factos capazes de suportar um juízo seguro sobre a responsabilidade jurídico-penal do agente, sendo, por isso, de realçar, para esse efeito, a irrelevância jurídico-penal das imputações genéricas, que não encontram no texto da decisão aquele limiar indispensável de concretização. 55. Ora, salvo melhor entendimento, a decisão recorrida não se sustenta na tal necessária e indispensável concretização dos factos concretos capazes de suportar o referido e exigido juízo seguro sobre a responsabilidade jurídico-penal do Recorrente quanto à prática do crime pelo qual foi condenado. 56. Na medida em que como se já referiu supra, o Tribunal a quo, em momento algum, indica uma única prova concreta válida e admissível, baseando-se apenas nas imagens do supermercado e nas declarações do Arguido em sede de Inquérito. 57. Contudo, quanto aos factos ocorridos na residência da vítima não foi produzida uma única prova, nem direta nem indireta, nem testemunhal, nem pericial nem qualquer outra, que coloque sequer o Arguido Recorrente no interior daquela residência. 58. O que o Tribunal a quo fez, com todo o respeito que é sempre muitíssimo, foi ajuizar primeiro pela condenação do Recorrente e do Arguido GG e depois tentar a todo custo dar um salto lógico que permitisse tal condenação. 59. Mais o Tribunal a quo em tal esforço fez uma série de afirmações que não correspondem de todo à verdade, como já acima se demonstrou. 60. No caso em apreço o Tribunal investigou o que podia e devia investigar, sem que, contudo, haja logrado alcançar aquele limiar de concretização necessário, quanto à responsabilidade do Recorrente, face a todos os elementos de prova constantes dos autos e que deveriam ter sido devidamente conjugados entre si. 61. É, pois, de concluir no sentido de se verificar, no que ao recorrente respeita, uma ausência de provas válidas e admissíveis - ausência essa impeditiva do exercício dos direitos constitucionais previstos no artigo 32º da CRP, desde logo do seu direito de defesa. 62. Por outro lado, verificando-se a ausência de tal concretização e, mesmo assim, havendo condenação do Recorrente, entende-se, com todo o respeito por melhor opinião, que o Tribunal recorrido, violou, ainda, o princípio constitucional de presunção de inocência previsto no art.º 32º, nº 2 da CRP. 63. Por último, diga-se, ainda, que com a violação de tais normativos constitucionais, o Tribunal a quo, e quanto à ora recorrente, fez uma interpretação inconstitucional do princípio consagrado no art.º 127º do CPP (livre apreciação da prova). 64. Interpretou-o no sentido de que apesar de não ter conseguido reunir prova suficiente, válida e admissível, de suportar um juízo seguro sobre a responsabilidade jurídico-penal do Recorrente, mesmo assim, e porque o Julgador aprecia livremente a prova segundo a sua convicção e as regras da experiência, e tudo é justificado com base neste princípio aparentemente inatacável, o Tribunal condenou o Recorrente. E, por sua vez, o Tribunal da Relação de Lisboa, confirmou tal condenação. 65. A livre convicção não significa, no entanto, apreciação segundo as impressões, nem inexistência de pressupostos valorativos, ou a desconsideração do valor de critérios, ainda objetivos ou objetiváveis, determinados pela experiência comum das coisas e da vida e pelas inferências lógicas do homem comum suposto pela ordem jurídica. 66. Não se analisando em liberdade não motivada de valoração, a livre convicção constitui antes um modo não estritamente vinculado de valoração da prova e de descoberta da verdade processualmente relevante, isto é, uma conclusão subordinada à lógica e à razão e não limitada por prescrições formais exteriores (Cf. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pág. 27). 67. O princípio, tal como está inscrito no artigo 127.º, significa, no rigor das coisas, que o valor dos meios de prova não está legalmente pré-estabelecido, devendo o tribunal apreciá-los de acordo com a experiência comum, com o distanciamento, a ponderação e a capacidade crítica, na «liberdade para a objetividade» (Cf. Teresa Beleza, Revista do Ministério Público, Ano 19º, pág. 40). 68. Não obstante, toda a conjugação que o Tribunal a quo tentou fazer, a verdade é que ficou sempre aquém do necessário para afastar, sem sombra de dúvida razoável, a presunção de inocência de que gozam os arguidos. 69. Por conseguinte, é forçoso considerar que nenhuma das testemunhas tem a virtualidade de afastar a dúvida razoável. Por outro lado, da prova pré constituída carreada para os autos a mesma abona a favor do Recorrente, foi feita inspeção à casa da vítima, não foram encontrados nem objetos do Recorrente, nem impressões digitais, nem vestígios identificativos de ADN. 70. Foi feito exame ao cartão multibanco da vítima, no mesmo não existem impressões digitais do recorrente. Por outro lado, não resultou provado que há data dos factos a vítima tivesse na posse do seu Cartão multibanco. 71. Não resultou provado sequer que o mesmo tivesse levado consigo o cartão para as Instituições, nomeadamente, para a Santa Casa do ..., e a verdade é que no período em que este lá se encontrou ocorreram vários levantamentos, sem que haja sido registada a sua saída. 72. Assim, inexistindo quaisquer outros elementos para além dos ora mencionados, não ficaram demonstrados os factos constantes do Libelo Acusatório. 73. Não tendo sido produzida prova de que o Recorrente haja sido autor de qualquer um dos factos constantes dos pontos 6 a 16 dos factos provados. 74. É certo que também não provou o contrário do mais que vem narrado na Acusação. Todavia, um dos princípios basilares da lei processual penal, com acolhimento na Lei Fundamental e, de resto, em todas as Convenções Internacionais relacionadas com os Direitos Humanos, é precisamente o princípio da presunção de inocência. 75. Dispõe, pois, o art.º 32º, nº5 da CRP que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”. Significa este princípio, no seio do actual processo penal português, que os arguidos se presumem inocentes até prova em contrário produzida em audiência de julgamento (art. 32º, nº2 da C.R.P. e art.º 355º, nº1 do C.P.P., relativo à proibição de valoração de provas que não tenham sido produzidas em audiência, sem prejuízo do esclarecimento supra exposto acerca deste preceito no particular caso vertente). 76. Consequentemente, não é necessário ao arguido em processo penal provar que não cometeu os factos de que veio acusado, pois tem a seu favor uma presunção legal de inocência. 77. A lei liberta-o desse ónus, que poderia ser insuportável, provando por ele que não cometeu os factos, ou seja, ficcionando a sua inocência. Um dos corolários ou decorrências deste princípio é a velha máxima in dubio pro reo. 78. É esta que norteia a forma como o julgador deve valorar a prova feita e decidir com base nessa prova, solvendo o problema da dúvida sobre os factos e determinando que, na dúvida quanto ao sentido em que aponta a prova produzida, os arguidos têm de ser absolvidos. 79. Face ao supra exposto e sem necessidade de mais considerandos, deverá ser a final proferida DECISÃO QUE ABSOLVA O RECORRENTE DO CRIME PELO QUAL FOI CONDENADO. 80. DA MEDIDA CONCRETA DA PENA APLICADA: O Recorrente não se conforma com a pena que lhe foi aplicada, considerando que a pena de prisão de 11 anos de prisão, aplicada a qual é manifestamente excessiva. 81. Ainda que, a presente peça recursória quanto às demais questões colocadas, questão que apenas por mera hipótese académica se coloca, ainda assim, deverá proceder relativamente à medida concreta da pena, uma vez que, a pena aplicada é manifestamente excessiva e desproporcional, tendo em conta, as concretas condições de vida do recorrente. 82. A medida da pena, não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa. A verdadeira função desta última, na doutrina da medida da pena, reside, efetivamente, numa incondicional proibição de excesso. 83. A culpa constitui um limite inultrapassável, de todas e quaisquer considerações preventivas, sejam elas de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, de segurança ou de neutralização. 84. Com o que se torna indiferente saber se a medida da culpa é dada num ponto fixo da escala penal ou antes como uma moldura de culpa. De qualquer modo, e qualquer que seja a solução encontrada, de uma ou de outra forma, a culpa é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado. 85. Uma tal ultrapassagem, mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, como é nos presentes autos, por razões Jurídico constitucionais, inadmissível. 86. Face ao supra exposto, o Arguido ora recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos ora em apreço, esta não poderá ser em caso algum superior a 8 anos e 6 meses de prisão. 87. Esta medida concreta da pena que o ora recorrente pretende que agora lhes seja aplicada por este Alto Tribunal é aquela que lhes parece mais adequada, justa e proporcional tendo em conta os factos provados e as suas concretas condições de vida. 88. Pelo que se entende que o Douto Acórdão recorrido deve ser revogado, devendo ser substituído por outro que condene o ora Recorrente na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, o qual irá realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição 89. Assim, e por todo o exposto, e independentemente da pena de prisão que for concretamente aplicada por vós, Venerandos Juízes, a verdade é que a mesma deverá ser, sempre, inferior à pena aplicada. 90. Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser, sempre, APLICADA PENA INFERIOR À PENA APLICADA DE 11 ANOS DE PRISÃO, não ultrapassando assim a medida da culpa da Recorrente. DAS NORMAS VIOLADAS: • Art.° 210° n° 1 e n° 3 do Código Penal; S Art.° 32° n° 2 e n° 5 da CRP; • Art.° 127° do Código Penal; • Art.° 356° e 357° do Código de Processo Penal; • Art.° 355° n° 2 do Código de Processo Penal; • Art.° 40° do Código Penal; S Art.° 71° do Código Penal».
5. O arguido DD interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça.
Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões: «1. O recorrente entende que foi cometida a nulidade prevista nos artigos 379º 1º al. c), aplicável aos acórdãos proferidos em recurso - 425º nº4) – e artigo 428º, todos do C.P.P., porque o douto acórdão agora em crise deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar; 2. Não houve qualquer reexame da matéria de facto impugnada ou um juízo substitutivo. 3. O acórdão recorrido fundamentou a sua decisão de modo genérico, assegurando a bondade da decisão de facto da 1ª instância devido à imediação que teve da prova; 4. Impugnam-se expressamente os factos dados como provados nos pontos 6 a 11 e 13 a 16 da matéria de facto provada. 5. Pois tais factos assentam apenas na existência de um vestígio palmar do recorrente na casa da vítima e da prova pericial produzida nos autos. 6. Entendemos, porém, que o facto de o perito PP não ter estado no local dos factos não lhe permitiu aferir se a superfície onde a impressão palmar se encontrava depositava é ou não porosa, é ou não lacada, é ou não envernizada, bem como não lhe permitiu aferir as condições em que foi ou não preservada a referida impressão digital. (cf. Depoimento do perito PP - ficheiro 20190320150803_19654712_2871053.wma) 7. Os esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito assentam em pressupostos que o próprio perito desconhece, pelo que, não devem ser tidos como certos. 8. Caso assim não se entenda, sempre se dirá que a conjugação do depoimento prestado pelo Sr. Perito com os demais elementos de prova carreados para os autos impunha decisão diversa da recorrida. 9. O facto de o Sr. Perito não ter conhecimento de que uma impressão digital possa ser revelada meses após ter sido depositada não significa que não exista essa possibilidade (cf. Depoimento do perito PP- ficheiro 20190320150803_19654712_2871053.wma) 10. Na verdade, não é possível datar um vestígio lofoscópico latente. (cf. Depoimento do perito PP - ficheiro 20190320150803_19654712_2871053.wma) 11. E também inexistem métodos científicos que permita datar a formação de um vestígio. 12. Por outro lado, no estudo forense realizado pelo cientista forense Simon Bunter, cujo objeto se prende com a determinação do tempo que uma impressão digital pode persistir numa superfície, concluiu-se que as marcas de suor écrino podem ser reveladas até 6 meses e as marcas de suor sebáceo e apócrino até cerca de mais de um ano depois, numa superfície idêntica à dos autos. 13. Também a defesa do recorrente juntou aos autos documentos referentes ao processo n.º 661/17.1TELSB, que demonstram que uma impressão digital foi revelada pelo menos 4 meses após ter sido depositada, contrariando frontalmente o referido pelo perito nestes autos. 14. A existência desta dúvida (sobre se a impressão digital do recorrente foi depositada na gaveta do móvel na data dos factos, dias antes da data dos factos ou até vários meses antes da data dos factos) impunha a sua absolvição, em respeito pelo princípio do in dúbio pro reo. Por outro lado, 15. É facto assente que o recorrente frequentava a casa da vítima, o que resulta das declarações do recorrente, mas também do depoimento de diversas testemunhas - QQ, RR e SS. 16. Não obstante, o Tribunal da Relação não deu esse facto como provado, o que se impunha. 17. De todo o modo, o vestígio palmar do recorrente encontrado na gaveta do móvel existente na casa do ofendido é a única prova que coloca o recorrente no local dos factos. 18. Tal só faz prova direta de que o recorrente tocou nesse objeto, e, por isso, apenas demonstra que, a hora e data desconhecidas, o recorrente esteve no local e tocou no objeto. 19. Nada mais se pode presumir desse facto. 20. Existem vários acontecimentos possíveis que não foram considerados pelo Tribunal da Relação e que também não se impunha que o recorrente os relatasse. 21. Para além do vestígio palmar referenciado, inexiste pura e simplesmente qualquer outro facto probatório índice que permita apontar direta ou sequer indiretamente à pessoa do recorrente como tendo sido o autor do roubo. 22. O vestígio palmar do recorrente encontrado na casa do ofendido, sem a existência de outros indícios, é manifestamente insuficiente para se lhe poder atribuir com a certeza processualmente exigível na fase de julgamento a autoria dos factos ou a sua participação neles. 23. Por esse motivo, e fazendo uso do princípio do in dúbio pro reo, os factos que colocaram o recorrente como autor do roubo terão de ser dados como não provados e, consequentemente, o recorrente absolvido. (veja-se, neste sentido, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 24.10.2017, no âmbito do processo n.º 1633-15.6PFLSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt) 24. Quanto à pena, entende o recorrente que deveriam ter sido valorados os seguintes aspetos. 25. O recorrente tinha 00 anos de idade à data dos factos, sendo que não regista quaisquer antecedentes criminais. 26. Apresenta um enquadramento familiar e social bastante positivo, com desempenho laboral instável, mas regular. 27. É uma pessoa querida e respeitada no bairro que simultaneamente corresponde ao local dos factos. 28. Tem três filhos. 29. Não obstante toda a fragilidade emocional que foi despoletada pelo divórcio, o recorrente inscreveu-se num curso profissional promovido pela Santa Casa da Misericórdia, tendo concluído o 4.º e 6.º ano de escolaridade, perspetivando inscrever-se num curso que lhe permita concluir o 9.º ano de escolaridade e obter a carta de .... 30. O recorrente é descrito pelos vizinhos “como objeto do afeto e respeito por parte de toda a comunidade”, sendo “um individuo extremamente solícito, desprendido e trabalhador”. 31. Posto isto, entende o recorrente que uma pena próxima do mínimo legal se revelará mais equilibrada e proporcional. Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente: • Anulando-se o acórdão recorrido; • Ser o recorrente absolvido; • ou, caso assim não se entenda, ser a pena reduzida para próximo do mínimo legal.»
6. O arguido GG interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça. Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:
«1 - 0 Tribunal, errou notoriamente na apreciação que fez da prova, incorrendo no vício - art° 410° n° 2 al. c) C.P.P., que não pode ser dissociado da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. 2 - Com efeito verifica-se uma situação de ausência de prova directa ou indirecta sobre o ponto 6 da matéria de facto provada, ou seja, de que os factos ocorridos no interior da residência da vítima sita na Rua ..., Ns0, …, no Bairro da ... em …, tenham ocorrido às 2:00h. 3 - Ora pronunciando-se quanto a esta questão, entendeu o tribunal da relação que (pág. 163 do acórdão de que se recorre): "O conteúdo do auto não poderá ser valorado, no que respeita à determinação da hora do crime, pois que se trata de uma simples declaração de um agente de autoridade policial que não foi ouvido como testemunha e se limitou a remeter para "aquilo que apurou junto de terceiros também não identificados em concreto, referenciados apenas como vizinhos da vítima" sendo que esses terceiros também não foram ouvidos como testemunhas" Concluindo que:". Pelo que na parte em que no acórdão recorrido se remete para este auto de notícia para fundamentar a determinação da hora, deverá ter-se por não escrita, por não ser tal valoração permitida por lei." 4 -Contudo, entendeu o Tribunal da Relação que esta situação não consubstancia erro notório na apreciação da prova, porquanto no seu entender: 5 - "Ao contrário do alegado pelo arguido a determinação da hora do crime, na convicção do tribunal a quo, não assentou apenas na análise do auto de noticia" e continuando: "a determinação da hora do crime "cerca das 2 horas da manhã" resultou da analise de vários elementos, nomeadamente da evidência do uso daquele cartão multibanco (no terminal de multibanco do supermercado JJ próximo da casa da vítima), logo após o assalto e pode ainda retirar-se do facto de a porta de entrada da casa da vítima ter ido arrombada, o que indicia ter o assalto acontecido a uma hora tardia durante a noite, que de alguma forma desse cobertura á atuação dos arguidos. 6 - Esta é a convicção do tribunal da relação quanto à hora do crime, a qual assenta nas premissas por si explanadas, a saber: - Facto - A utilização do cartão MB da vítima na madrugada do dia 13 de julho de 2017, pelas 2:45m, pelas 2:50m e pelas 3:23m - Dedução a partir de tal facto: foi usado logo após o assalto, pelo que este terá de ter ocorrido por volta das 2:00. 7 - Qual é a regra da experiência comum que dita que a utilização do cartão de multibanco proveniente de um assalto tenha de ocorrer logo após a ocorrência deste? Estatiscamente é possível afirmar-se que na maioria das situações em que há uma apropriação ilícita de um cartão de MB, designadamente através de um assalto, este cartão é usado pelo autor dessa apropriação? e imediatamente após essa apropriação ilícita? 8 - Ou seja, do facto-base comprovado - 3 tentativas de levantamento com o cartão de multibanco propriedade da vítima, na madrugada do dia 13 de julho de 2017, pelas 2:45m, pelas 2:50m e pelas 3:23m- não flui, como conclusão natural, que este foi usado logo após o assalto, pelo que o assalto terá ocorrido por volta das 2:00, não existe entre aquele facto e a conclusão retirada pelo tribunal da Relação um nexo preciso e directo, segundo as regras da experiência comum. 9 - Facto- porta da habitação da vítima ter sido arrombada. - Dedução a partir de tal facto: o arrombamento não pode ter ocorrido mais cedo ( do que as 2.00 da madrugada)ao longo do dia 12.07, pois isto briga com as regras da experiência comum, pois de outro modo os arguidos sujeitavam-se a ser apanhados em flagrante delito (por ser mais visível a sua actuação ilícita se realizada á luz do dia). Como os sinais de arrombamento da porta da vítima poderiam ser notados mais cedo e assim alertadas as autoridades policiais, Conclusão - Logo o assalto ocorreu às 2:00. 10 - Ora, quanto à questão do arrombamento consta dos factos provados que o fogo habitacional da vítima já anteriormente havia sido arrombado, o que levou a que no dia 6 de Abril de 2017 a TT, tenha chapeado a porta desta habitação, pelo que o facto de a porta se encontrar arrombada poderia não causar estranheza aos demais residentes naquele imóvel. Aliás deve ser esta a razão pela qual foi dada notícia do crime só pelas 12H00 á polícia e bombeiros, apesar doo fogo habitacional da vítima situar-se no rés-do-chão do prédio. 11 -Afigura-se-nos que a argumentação evidenciada no acórdão da relação de que se recorre, sobre que assenta a conclusão probatória de que o assalto teve lugar ás 2.00 da madrugada, com o devido respeito, não nos parece ser inteiramente razoável face a critérios lógicos do discernimento humano, sendo que os indícios invocados não permitem superar o princípio da presunção de inocência. 12 - Ora o erro notório na apreciação da prova consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão deveria manifestamente ter sido a contrária, já por força de uma incongruência lógica, já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas, ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova; 13 - Neste seguimento, apesar do tribunal da relação ter afastado que o único fundamento desse facto vertido sob o ponto 6 do acórdão de 1ª instância, fosse o auto de notícia, que efectivamente considerou não poder valer como meio de prova, dando razão parcial ao aqui recorrente, bem como ao recorrente AA, de que o acórdão de 1ª instância padece do vicio enumerado no art. 410, nº 2 alínea c) do CPP. 14 - As conclusões que acabou por extrair, de que a hora em que ocorreu o assalto foi às 2:00 da madrugada do dia 13.07, fundamentando-as como exposto na conclusão 6 e 9, encontram-se feridas de uma incongruência lógica e contrariam os princípios gerais da experiência comum das pessoas, 15 - Pelo que o tribunal a quo, ao valorar erroneamente a prova produzida quanto a este facto, violou o princípio da presunção de inocência. Por outro lado, 16 - Do ponto de vista do recorrente, existem dúvidas, razoáveis, objectivas e legítimas, sobre a imputação da autoria do crime ao arguido aqui recorrente, que não foram resolvidas. 17 - O tribunal parte de um facto apurado obejctivamente, qual seja o de o arguido aqui recorrente GG, no terminal de multibanco sito no supermercado "UU", em … (à data JJ) ter introduzido o cartão de multibanco do ofendido com o intuito de proceder ao levantamento de quantias monetárias o que não conseguiu por não ter digitado o PIN correcto. 18 - Para depois dar como provado que este foi um dos participantes dos factos ocorridos em momento anterior, na residência da vítima NN sita na Rua ... n00, …, no Bairro da ..., … 19 - A ligação entre aquele facto adquirido, de introdução no terminal de multibanco sito no supermercado UU … (à data JJ) do cartão de multibanco do ofendido/vitima, com o intuito de levantamento, às 2:45:49 do dia 13/07/2017 e o facto ocorrido na residência da vítima NN, encontra-se justificada pelo Tribunal a quo do seguinte modo: "Estes factos ocorreram num ATM perto da residência do ofendido, durante a noite e pouco tempo depois das brutais agressões ao mesmo no interior da sua residência. Os arguidos não forneceram qualquer explicação lógica alternativa para estarem na posse do cartão e para tentarem levantar dinheiro aquela hora da noite. Consequentemente, fazendo apelo às regras da experiência comum e à sequência lógica e cronológica dos acontecimentos, não ficou o tribunal com dúvidas que que os arguidos AA e GG foram dois dos indivíduos que entraram á força na residência do ofendido, o espancaram brutalmente depois de obterem o cartão de multibanco, tendo em vista a obtenção do PIN, a fim de levantarem dinheiro da conta bancária do ofendido e apropriaram-se do mesmo, o que só não se concretizou porque o ofendido terá resistido e não terá fornecido o PIN do cartão ou porque os agressores se excederam nas pancadas que desferiram e o puderam inconsciente antes que isso acontecesse" 20 - Aqui, com o devido respeito, parece-nos que o Tribunal ficou no campo das probabilidades e se satisfez com estas. Mas, uma coisa é ver o homicídio e outra encontrar o autor. 21 - É que, não é possível apenas extrair como conclusão lógica e razoável a que o tribunal extraiu daquele facto- (utilização do cartão de multibanco para tentativas de levantamento em máquina de ATM, sendo a 1ª delas às 2:45:49 do dia 13/07/2019, ou seja, este indício é susceptível de outras interpretações. 22 - Não se pode afirmar, que quem procede a uma tentativa de levantamento numa máquina de ATM, mesmo que já de madrugada, com um cartão que lhe foi entregue por um seu amigo, tenha de ter conhecimento da proveniência desse cartão, no momento em que vai fazer o levantamento, ou, que tenha participado no acto criminoso de que resultou a subtração desse cartão. 23 - Pelo que se entende que existem fundamentos para sustentar uma dúvida é razoável e objectivável a favor do recorrente na valoração da prova incriminatória, Pelo que a instância violou, por erro interpretativo, o princípio "in dubio pro reo", no sentido de que este principio constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa; 24 - Constituindo o princípio in dubio pro reo uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.9º, n.º 2, l.ª parte, da CRP), consideramos que a 1ª instância também violou, por erro interpretativo, o princípio da presunção de inocência 25 - Da presunção de inocência retiramos, imediatamente, a proibição tanto de fazer recair sobre o arguido o ónus de alegação e prova da sua inocência, quanto da estatuição de qualquer presunção de culpabilidade; 26 - Por força da presunção de inocência, só podem dar-se como provados quaisquer factos ou circunstâncias desfavoráveis ao arguido, quando eles se tenham, efectivamente, provado, para além de qualquer dúvida, então é inquestionável que, em caso de dúvida na apreciação da prova, a decisão nunca pode deixar de lhe ser favorável (neste sentido, também Jesheck, Tratado de Derecho Penal - Parte General, tradução de Mir Puig e Mufloz Conde, Bosch, Barcelona, 1981, pág. 195). 27 - Constituindo este princípio uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.5, n° 2, l.s parte, da CRP,) consideramos que o Tribunal também por esta razão, violou, por erro interpretativo, o princípio da presunção de inocência. 28 - A pena aplicada de 11 anos de prisão mostra-se muito acima do seu limite mínimo, afrontando o princípio da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas art. 18.º, n.º 2, da CRP. 29 - Ora, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente; 30 - No que se reporta ao aqui recorrente, relativamente às necessidades de prevenção especial refere-se no acórdão sob recurso que os factores de risco a acautelar no tocante ao aqui recorrente são: - a permeabilidade às oportunidades criminais e falta de interiorização de valores ético-jurídicos 31 - Assenta tal juízo de valor, nas conclusões constantes do Relatório Social, em que se diz o seguinte: O arguido é um cidadão de ..., assume um estilo de vida conformado com a normas sócias e enquadramento em termos de família e sócio profissionais. Caso os factos da acusação venham a ser provados tal será revelador que o arguido apresenta permeabilidade às oportunidades criminais e que necessita de uma intervenção direcionada á aquisição de censurabilidade e interiorização do valor ético-jurídico. 32 - o tribunal a quo avançou para a determinação da medida da pena dando como certa a Conclusão retirada pela senhora Técnica subscritora do relatório social, para a qual a condenação do arguido pelos factos constantes da acusação é revelador que o arguido apresenta permeabilidade às oportunidades criminais e que necessita de uma intervenção direcionada á aquisição de censurabilidade e interiorização do valor ético-jurídico, 33 - O arguido viu a assim a sua pena erradamente agravada com base num juízo de valor, ou na opinião, emitido pela senhora Técnica subscritora do relatório social. 34 - Ora, o nível e a premência das exigências de prevenção especial têm de assentar nas circunstâncias pessoais do agente, na idade, na confissão, no arrependimento e não em opiniões de terceiros que nem sequer foram ouvidos em tribunal. 35 - Ora o recorrente tinha 00 anos de idade à data dos factos, tem 4 filhos pequenos, hábitos de trabalho, na ... e sazonalmente na ... e sem quaisquer antecedentes penais, mostra-se integrado familiar e socialmente. 36 - Considera o recorrente que a fundamentação do Tribunal a quo no que tange às necessidades de prevenção especial é por demais deficiente sendo que não foram respeitadas as normas e princípios legais que presidem a graduação da pena, pelo que pretende um novo juízo de apreciação, agora por parte deste venerando Tribunal ad quem, enfatizando a importância de proceder à ministração dos necessários remédios jurídicos, nesta matéria. 37 - Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que o Tribunal a quo violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no Artigo 71° do Código Penal. 38 - Foram violados: Artigos 127º, 410, n°s 2 al.s c) do C.P.P., artº 71 do Código Penal e Artigos 18, nº 2, 32°, n°s 1,2 e 5 e 205 da C.R.P.»
7. Os recursos foram admitidos – despacho de 8 de Janeiro de 2020.
8. A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa respondeu aos recursos. Nos seguintes termos:
8.1. Quanto ao recurso interposto pelo Arguido AA
«O recorrente começa por suscitar questão relativa a proibição de prova utilizada pelo Tribunal na formação da sua convicção, nos termos sobreditos. A questão foi apreciada e decidida pelo Tribunal de recurso na douta decisão recorrida. Na verdade o douto Acórdão deste Tribunal da Relação pronunciou-se, a propósito, a fls. 133 e seguintes. E considerou que tais declarações deste arguido podiam ser validamente valoradas como efectivamente foram pelo tribunal de julgamento, não obstante não terem sido lidas em audiênáa, não configurando essa omissão qualquer nulidade. Nada de novo é invocado pelo recorrente relativamente a esta questão já suscitada aquando do recurso interposto da decisão proferida em 1ª instância. Tendo a argumentação do recorrente sido, integralmente, analisada no douto Acórdão recorrido, com o qual se concorda, e não ficando demonstrada a ocorrência de qualquer erro na interpretação e aplicação da lei diremos que, nesta parte, o recurso deverá improceder. Relativamente à segunda questão equacionada dir-se-á que o recorrente pretende pôr em causa a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal. Porém, e como se sabe, com a prolacção do douto Acórdão proferido em 2a instância encerrou-se o ciclo do conhecimento da matéria de facto definitivamente consolidada. E, a ser assim, como é, o recurso deste arguido está, neste particular, votado ao insucesso. Quanto à medida da pena: Considera o recorrente a medida da pena excessiva defendendo que deve cifrar-se nos 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão. Salvo o devido respeito entendemos não lhe assistir razão. Salientaremos, em primeiro lugar, que o Tribunal da Relação de Lisboa avaliando os argumentos do recorrente aquando da impugnação do Acórdão condenatório proferido em Ia instância julgou-os improcedentes. E o recorrente não consegue demonstrar que, ao fazê-lo, o Tribunal da Relação tenha incorrido em erro de direito. O quantum da pena não pode descer abaixo do limite comunitariamente suportável, isto é, dum limite que ponha, irremediavelmente, em causa a tutela dos bens jurídicos e as expectativas comunitárias. O caso dos autos, por todas as razões já mencionadas no douto Acórdão recorrido e que nos dispensamos de aqui reproduzir, é o paradigma de uma criminalidade que urge combater com muita firmeza impondo por parte dos tribunais uma resposta adequada traduzida na aplicação de penas aptas a satisfazer as necessidades de prevenção e de reposição da paz e tranquilidade pública. O Acórdão do STJ de 29-05-2008 , disponível em www.dgsi.pt , citando Figueiredo Dias diz que pode sindicar-se a decisão de determinação da medida concreta da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou de procedimento, à indicação dos factores que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, àfalta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação dentro daqueles parâmetros, do quanto exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência ou a sua desproporção da quantificação efectuada. No caso em apreço erro algum foi cometido pelo Tribunal da condenação, nos termos sobreditos, pelo que outra não poderia ser a decisão deste tribunal superior ao confirmar a pena imposta. E tendo o Tribunal da Relação interpretado e aplicado criteriosamente a lei erro algum lhe poderá ser assacado. Por isso, deve a pena aplicada ser mantida.»
8.2. Quanto ao recurso interposto pelo arguido DD
«Na resposta ao presente recurso importa ter presente os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça. No caso dos autos o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art° 434° do CPP , visa exclusivamente questões de direito , sem prejuízo do disposto no artigo 410° n°s 2 e 3 do mesmo diploma legal - detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, vícios esses prevenidos nas diversas alíneas do n°2 do artigo 410° do Código de Processo Penal e/ou nulidade da decisão, nos termos do artigo 379° n°2 do CPP - cfr. art° 410 n°3 do CPP. Visando o recurso matéria de direito os vícios elencados no artigo 410°, n°2 do CPP são de conhecimento oficioso na medida em que a decisão a proferir não poderá apoiar-se em matéria de facto claramente insuficiente ou fundada em erro ou em premissas contraditórias. Como assim, apenas quando por força da existência de qualquer dos vícios elencados no art° 410° n°2 do CPP não se puder chegar a uma correcta solução de direito deverá/poderá a matéria de facto ser reapreciada e conhecida em termos estritamente necessários a essa correcta solução de direito, ou seja, oficiosamente reafirmando-se o que vem sendo dito nas decisões do nosso mais alto Tribunal , ou seja, que esses mesmos vícios não poderão ser invocados pelos intervenientes processuais, em recurso, pois que se esgotou o ciclo do conhecimento da matéria de facto. E esses mesmos vícios existirão no texto do Acórdão recorrido, ou seja, aquele que foi proferido em 2a instância havendo sempre que ter presente que é desta decisão que se recorre e não já da decisão proferida em Ia instância. Conforme refere o Excelentíssimo Conselheiro Pires da Graça em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-10-2010, da 3a secção, proferido no processo 11/04.7GCABT.C1.S1, acórdão esse disponível em www.dgsi.pt. o artigo 434" do CPP quando alude aos vidos constantes do arf 410° n°2 do CPP significa que estes são conhecidos oficiosamente pelo Supremo ao detectá-los na decisão recorrida, e, não quando suscitados pelos recorrentes como fundamento de recurso, uma vez que "o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito" Mesmo nos recursos interpostos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos vidos do art. 410°, n°2, do CPP, por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, terá de recorrer para o tribunal da relação, já que a invocação expressa dos vidos pertence ao conhecimento de matéria de facto, e é ao tribunal da relação a quem cabe , em última instância reexaminar e decidir a matéria de facto – arts. 427º e 428° do CPP. Assim, 1- Quanto à primeira questão suscitada (nulidade por omissão de pronúncia): Invoca o recorrente que o Acórdão recorrido é nulo pois que, tendo interposto recurso da matéria de facto, o Tribunal da Relação negou a sua apreciação por entender que o recorrente não deu cumprimento ao ónus da impugnação especificada imposto pelo artigo 412° n° 3 e 4 do CPP incumprimento que, na sua perspectiva, não ocorreu e, por isso, a decisão recorrida omitiu pronúncia afectando-a com o vício da nulidade previsto no artigo 379° n° 1 alínea c) do CPP. Da douta decisão recorrida constata-se que este Tribunal a quo considerou que o recorrente não cumpriu cabalmente o ónus da impugnação especificada, justificando o julgado - vide fls. 112 e seguintes do Acórdão da Relação. A invocação do recorrente não consubstancia qualquer omissão de pronúncia isto porque a sua discordância com a bondade da decisão não equivale à falta de pronunciamento sobre questão de que este Tribunal da Relação devesse conhecer. Ao considerar que o recorrente não cumpriu cabalmente o ónus da impugnação especificada o douto tribunal a quo não omitiu pronúncia sobre questão de que devesse conhecer. E não a omitiu porque, conforme acima se transcreveu, considerou tal deficiência e julgou em conformidade. Ao estatuir a nulidade da sentença/ acórdão quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar impõe a lei ao juiz que tome posição expressa sobre questões que lhe são submetidas para apreciação. A. nulidade resultante da omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar — artigo 660°, n°2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4o, do CPP. Evidentemente que há que excepcionar as questões cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outra ou outras, como estabelece o atado n°2 do artigo 660° do Código de Processo Civil - Conselheiro Oliveira Mendes in Código de Processo Penal Comentado pelos Excelentíssimos Conselheiros do STJ - 2014 -Almedina, anotação ao artigo 379°, página 118. No caso dos autos em que o Tribunal a quo considerou incumprido o ónus da impugnação especificada imposto ao recorrente estar-se-á perante questão prejudicial, conhecida e julgada, que preclude o direito ao conhecimento do mais amplo recurso da matéria de facto. Por isso, omissão de pronúncia alguma se mostra cometida, pois que o Tribunal pronunciou-se sobre todas as questões de que deveria conhecer. Aliás, cumpre lembrar que o Tribunal da Relação não fa2 um segundo/ novo julgamento vocacionado que está para corrigir erros in judicando ou in procedendo. E, se confirma a bondade da decisão não lhe reconhecendo erros não está a omitir pronúncia pois que a decisão em 2a instância não tem de se pronunciar sobre todas as questões colocadas como se estivesse a decidir em Ia instância. Se a Relação, reexaminando as questões suscitadas, mantém a decisão de Ia instância e não descortina razões para exercer censura sobre o decidido não está a omitir pronúncia sobre questões de que deveria tomar conhecimento. Improcederá, quanto a nós, a invocada nulidade. 2 - Quanto à segunda questão suscitada: Como já se referiu com a decisão proferida em 2a instância encerrou-se o ciclo do conhecimento da matéria de facto. Conhecendo o Supremo apenas de direito, como já se disse, a impugnação da matéria de facto levada a cabo pelo recorrente será, manifestamente, improcedente 3 - Quanto à terceira questão suscitada, ou seja, a medida concreta da pena: No que concerne à medida da pena encontrada o recorrente não apontou qualquer erro de julgamento ao Acórdão, agora, recorrido e que se tenha constituído em erro de direito. Como não enuncia circunstâncias susceptíveis de operar a redução da pena aplicada e, designadamente, para os pretendidos limites mínimos. Refere-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-05-2008, disponível em www.dgsi.pt, citando Figueiredo Dias que pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência ou a sua desproporção da quantificação efectuada. Não sendo alegados factos donde possa concluir-se que a medida concreta da pena aplicada ao recorrente excede a medida da culpa ou que as necessidades de prevenção, nem sendo apontados erros na determinação da medida concreta da pena, erros esses confirmados pelo Acórdão recorrido, nada haverá a corrigir, pois fica por demonstrar erro na interpretação e aplicação da lei, ou seja, erro de direito. E a pena concretamente aplicada não poderia cifrar-se abaixo do quantum fixado. Com efeito esta não pode descer abaixo do limite comunitariamente suportável, isto é, dum limite que ponha, irremediavelmente, em causa a tutela dos bens jurídicos e as expectativas comunitárias. O caso dos autos, por todas as razões já mencionadas e que nos dispensamos de aqui reproduzir, é o paradigma de uma criminalidade que urge combater com muita firmeza impondo por parte dos tribunais uma resposta adequada traduzida na aplicação de penas aptas a satisfazer as necessidades de prevenção e de reposição de paz e tranquilidade pública. Ao confirmar o douto Acórdão proferido em Ia instância o Tribunal da Relação interpretou e aplicou correctamente a lei. Concluímos, assim, que a pena aplicada deve ser mantida. Nestes termos, e nos demais de direito que doutamente se suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.»
8.3. Quanto ao recurso interposto pelo arguido GG
«Na resposta ao presente recurso importa ter presente os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça. No caso dos autos o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art° 434° do CPP , visa exclusivamente questões de direito , sem prejuízo do disposto no artigo 410° n°s 2 e 3 do mesmo diploma legal - detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, vícios esses prevenidos nas diversas alíneas do n°2 do artigo 410° do Código de Processo Penal e/ou nulidade da decisão, nos termos do artigo 379° n°2 do CPP - cfr. art° 410 n°3 do CPP. Visando o recurso matéria de direito os vícios elencados no artigo 410°, n°2 do CPP são de conhecimento oficioso na medida em que a decisão a proferir não poderá apoiar-se em matéria de facto claramente insuficiente ou fundada em erro ou em premissas contraditórias. Como assim, apenas quando por força da existência de qualquer dos vícios elencados no art° 410° n°2 do CPP não se puder chegar a uma correcta solução de direito deverá/poderá a matéria de facto ser reapreciada e conhecida em termos estritamente necessários a essa correcta solução de direito, ou seja, oficiosamente reafirmando-se o que vem sendo dito nas decisões do nosso mais alto Tribunal, ou seja, que esses mesmos vícios não poderão ser invocados pelos intervenientes processuais, em recurso, pois que se esgotou o ciclo do conhecimento da matéria de facto. E esses mesmos vícios existirão no texto do acórdão recorrido, ou seja, aquele que foi proferido em 2a instância havendo sempre que ter presente que é desta decisão que se recorre e não já da decisão proferida em Ia instância. Conforme refere o Excelentíssimo Conselheiro Pires da Graça em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-10-2010, da 3a secção, proferido no processo 11/04.7GCABT.C1.S1, acórdão esse disponível em -www.dgsi.pt, o artigo 434" do CPP quando alude aos vícios constantes do art. 410° n°2 do CPP significa que estes são conhecidos oficiosamente pelo Supremo ao detectá-los na decisão recorrida, e, não quando suscitados pelos recorrentes como fundamento de recurso, uma ver^ que "o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito" Mesmo nos recursos interpostos das decisões finais do tribunal colectivo, o Supremo só conhece dos vícios do art. 410°, n°2, do CPP, por sua própria iniciativa, e nunca a pedido do recorrente, que, para o efeito, terá de recorrer para o tribunal da relação, já que a invocação expressa dos vidos pertence ao conhecimento de matéria de facto, e é ao tribunal da relação a quem cabe, em última instância reexaminar e decidir a matéria de facto.- arts. 427° e 428" do CPP E, a ser assim, como se nos afigura que é, apenas a questão suscitada relativamente à medida da pena será de conhecimento do Supremo Tribunal. Na verdade, as questões suscitadas - à excepção das questões atinentes à medida da pena - inserem-se no âmbito do recurso da matéria de facto, cujo ciclo de conhecimento se esgotou com a prolacção do douto Acórdão deste Tribunal da Relação. Quanto à medida da pena: O recorrente retoma os argumentos invocados aquando da prolacção do Acórdão proferido em Ia instância. No douto Acórdão recorrido analisando-se esses mesmos argumentos exarou-se que não é de todo verdade, como veio alegar o arguido GG, que a motivação do tribunal de julgamento tenha assentado nesta parte, fundamentalmente no juízo da técnica que elaborou o seu relatório social, antes resultando expressamente da leitura do Acórdão, que esse foi apenas mais um entre vários factores. Por isso, a invocação do arguido, nesta matéria, foi julgada pelo Tribunal da Relação não logrando o recorrente demonstrar erro na aplicação do direito dirigido ao julgamento que o Tribunal da Relação fez da questão. O Tribunal da Relação também ponderou os factores a ter em conta na determinação da medida concreta da pena concluindo pelo do acerto da decisão proferida em Ia instância, neste particular. O recorrente invoca que as exigências de prevenção especial têm de assentar nas circunstâncias pessoais do agente, na idade, na confissão, no arrependimento e não na opinião de terceiros ... Porém, as circunstâncias que o recorrente invoca como sejam a confissão ou o arrependimento não foram dadas como provadas. E a sua idade, a ausência de antecedentes criminais e a sua alegada inserção social e profissional, o facto de ter 4 (quatro) filhos, não justificam que a pena se cifre em limite inferior ao encontrado. É que as necessidades de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida sobrepõem-se às de prevenção especial, ainda que, no caso, também estas se apresentem como elevadas. Com efeito o quantum da pena não pode descer abaixo do limite comunitariamente suportável, isto é, dum limite que ponha, irremediavelmente, em causa a tutela dos bens jurídicos e as expectativas comunitárias. O caso dos autos, por todas as razões já mencionadas no douto Acórdão recorrido e que nos dispensamos de, aqui, reproduzir, é o paradigma de uma criminalidade que urge combater com muita firmeza impondo por parte dos tribunais uma resposta adequada traduzida na aplicação de penas aptas a satisfazer as necessidades de prevenção e de reposição de paz e tranquilidade pública. O Acórdão do STJ de 29-05-2008 , disponível em www.dgsi.pt , citando Figueiredo Dias diz que pode sindicar-se a decisão de determinação da medida concreta da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou de procedimento, à indicação dos factores que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis; à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação dentro daqueles parâmetros, do quanto exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência ou a sua desproporção da quantificação efectuada. Ao confirmar o douto Acórdão proferido em Ia instância o Tribunal da Relação interpretou e aplicou correctamente a lei de acordo com os critérios legais e nos termos sobreditos. Concluímos, assim, que a pena aplicada deve ser mantida.»
9. Os autos foram continuados ao Supremo Tribunal de Justiça.
10. A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no Supremo Tribunal de Justiça é de parecer que os recursos não merecem provimento. Pondera, designadamente, nos seguintes termos:
«Os recorrentes AA, GG, e DD vêm interpor recurso do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, alegando que o mesmo sofre do vício de omissão de pronúncia, de erro na apreciação da prova, de violação do princípio in dúbio pro reo, questionando igualmente o quantum da medida da pena que lhes foi aplicada, pugnado todos pela sua redução, o primeiro para uma pena não superior a 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, e os outros dois para uma pena não superior a 9 (nove) anos de prisão. Consideramos que não assistirá razão aos recorrentes AA, GG, e DD subscrevendo, na íntegra, as respostas apresentadas pela Ilustre Magistrada do Ministério Público, junto do Tribunal da Relação de Lisboa. Começaremos por referir que os recorrentes AA, GG, e DD vêm interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça invocando os mesmos vícios e as mesmas nulidades que invocaram nos recursos que apresentaram para o Tribunal da Relação de lisboa, relativamente à decisão proferida em 1ª Instância. Com efeito, os recorrentes AA, GG, e DD vêm arguir novamente o erro notório na apreciação da prova relativamente aos factos dados como provados nos pontos 6 a 11 e 13 a 16, a valoração de prova proibida, relativamente às declarações prestadas pelo recorrente AA em 19/03/2019 perante o MP, que não foram lidas em audiência de julgamento, a validação como meio de prova do vestígio lofoscópico da palma da mão do recorrente DD na casa da vitima, a violação do princípio in dubio pro reo, e a aplicação de uma pena desproporcional e excessiva, pugnando todos eles novamente pela sua diminuição. Ora, o Tribunal da Relação de Lisboa apreciou devidamente todos os meios de prova que foram utilizados para alicerçar a convicção do Tribunal em 1ª Instância, relativamente à matéria de facto que foi dada como provada, tendo confirmado a sentença condenatória aí proferida, verificando-se uma dupla conformidade entre estas duas decisões. Assim, relativamente à valoração da declarações prestadas pelo recorrente AA em 19/03/2019 perante o MP, e que não foram lidas em audiência de julgamento, facto que o mesmo invoca como sendo um meio de prova proibida, verifica-se que o Tribunal da Relação explicitou devidamente a razão pela qual considerou não se estar perante um meio de prova proibido, tendo também tido o cuidado de referir e de esclarecer que este meio de prova não foi o único meio de prova que atendeu para formar a sua convicção relativamente à participação do recorrente nos factos dos autos, e na sua condenação. Na verdade, o Tribunal da Relação esclarece desde logo que, ao contrário do defendido pelo recorrente AA, foi feita prova em audiência de julgamento da sua presença na madrugada de 13/07/2017, junto ao referenciado terminal de multibanco, na ..., perto do supermercado JJ, não decorrendo tal conclusão apenas das declarações por si prestadas perante o MP, em sede de inquérito. E, o Tribunal da Relação também esclareceu exaustivamente a razão pela qual entendeu que estas declarações prestadas pelo recorrente AA podiam ser validamente valoradas, como efectivamente o foram, pelo Tribunal de 1ª Instância, não obstante não terem sido lidas em audiência, entendendo que tal omissão não configura qualquer nulidade, face à redacção do artº 118º do Cod. Proc. Penal, podendo, eventualmente, consistir numa simples irregularidade, que não foi arguida oportunamente e, como tal, encontrar-se sanada, face ao disposto no art. 123º do citado diploma legal. E, o Tribunal da Relação também esclareceu a razão pela qual considerou não ter qualquer sustentação legal o facto de o recorrente AA vir invocar a sua inocência, por aplicação do princípio consagrado no artº 32º da CRP, ao fazer assentar esta sua pretensão no “(…) facto de a valoração dessas declarações anteriormente por ele prestada constituir prova proibida (…)”. E, quanto à arguição do vício de erro na apreciação da prova, invocado pelo recorrente GG , relativamente à matéria de facto dada como provada no ponto 6, por não ter sido feita prova directa ou indirecta relativamente à matéria contida neste ponto (a hora da prática dos factos), o Tribunal da Relação refere que o recorrente tem razão “(…) quando defende que aquilo que consta no auto de notícia quanto á hora (…)”, por não se tratar “(…) de um relato directo do agente que lavra o auto de notícia, ou seja, um facto sensorialmente perceptível pelo mesmo, mas apenas relata o que lhe foi feito por desconhecidos. Pelo que na parte em que no Acórdão recorrido se remete para este auto de notícia para fundamentar a determinação da hora, deverá ter-se por não escrita, por não ser tal valoração permitida por lei (…)”. Contudo, o Tribunal da Relação esclarece a razão pela qual entende não se estar perante qualquer erro notório na apreciação da prova, nos termos previstos no artº 410º, nº 1, al. c), do Cod. Proc. Penal. Na verdade, Assim, para a determinação da hora do crime o Tribunal da Relação atendeu à convicção do Tribunal de 1ª Instancia a qual não assentou apenas na análise do auto de notícia, tendo também analisado os vários elementos de prova juntos, nomeadamente a evidência do uso do cartão multibanco (no Terminal de multibanco do supermercado JJ próximo da casa da vítima), na madrugada do dia 13 de Julho de 2017 (pelas 02H45, pelas 02H50, e pelas 03H23), ao facto de a porta de entrada da casa da vítima ter sido arrombada, o que indicia ter o assalto acontecido a uma hora tardia durante a noite, daí ter concluído que “(…) a subtracção do cartão MB ao NN por meio de violência, terá necessariamente de ter ocorrido num momento temporal imediatamente anterior e não muito distante da altura em que esse cartão MB foi utilizado no ATM da ... (…)”. Desta forma, o Tribunal da Relação esclarece como foi possível determinar “(…) de forma segura (embora por presunção) qual a hora da ocorrência do crime de roubo que vitimou o NN, mesmo sem recorrer para tal ao conteúdo do auto de notícia e à menção nele expressa de “ter sido ouvido por vizinhos um estrondo numa das portas do prédio pelas 2h da manhã” (…)”. Daí, o Tribunal da Relação ter considerado que o recorrente GG tem razão quando alega que o auto de notícia de fls. 5 e 6 não pode ser valorado para a determinação da hora do crime, contudo esta questão não tem qualquer repercussão na matéria de facto descrita no acórdão proferido em 1ª Instância, já que “(…) não tem aptidão para conduzir a qualquer alteração dos factos considerados assentes (…)”, considerando existir tão-somente “(…) uma incorrecção na análise de um documento (o auto de notícia) por parte do Tribunal de julgamento (…)”, que foi sanada, ao considerar-se por “(…) não escrita essa parte da decisão em que se dá relevância ao conteúdo do auto de notícia nesta parte da determinação da hora do assalto - e que não implica qualquer alteração da matéria de facto provada, nomeadamente da matéria descrita no ponto 6 (…)”. Quanto à nulidade do acórdão recorrido suscitada pelo recorrente DD por omissão de pronúncia, por não ter conhecido do recurso por si interposto relativamente à impugnação da matéria de facto, por não ter sido dado cumprimento ao ónus da impugnação especificada, a que alude o art. 412º, nº 3, e nº 4 do Cod. Proc. Penal, entende-se que não lhe assiste razão. Na verdade, e salvo o devido respeito por opinião contrário, não estamos perante uma omissão de pronúncia, uma vez que o Tribunal da Relação ao constatar que a impugnação da matéria de facto apresentada pelo recorrente DD não obedecia ao formalismo legal imposto pelo art. 412º, nº 3, e nº 4 do Cod. Proc. Penal, considerou fundadamente que a mesma não poderia ser apreciada. Assim, entende-se que o recorrente DD não terá razão quando afirma que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre questão que era obrigado a conhecer. Com efeito, o Tribunal da Relação não apreciou a matéria de facto impugnada pelo recorrente DD porque este não obedeceu ao prescrito no art. 412º, nº 3, e nº 4, do Cód. Proc. Penal, que determina que o recorrente quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto deve especificar: (a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; (b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e (c) as provas que devem ser renovadas. E, quanto à validação como meio de prova do vestígio lofoscópico da palma da mão do recorrente DD na casa da vitima, sempre se dirá que o Tribunal da Relação explicitou devidamente a razão pela qual acompanhou a decisão proferida em 1ª Instância, ao atender e ao considerar este meio de prova como válido, tendo igualmente tido o cuidado de referir e de esclarecer que este meio de prova não foi o único meio de prova que atendeu para formar a sua convicção, relativamente à participação do recorrente nos factos dos autos e na sua condenação. Quanto à violação do princípio in dubio pro reo, tendo o Tribunal da Relação considerado que a prova produzida em 1ª Instância foi suficiente para fundamentar a condenação dos recorrentes AA, GG, e DD pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo agravado pelo resultado morte, p. p. pelo art. 210º, nº 1 e nº 3, do Cod. Penal, entende-se, como é obvio, que tal princípio não foi violado. E, passando à apreciação em concreto dos recursos apresentados pelos recorrentes AA, GG, e DD temos que tem sido afirmado por este Supremo Tribunal de Justiça, que os poderes de apreciação da matéria de facto ficam esgotados após a decisão do recurso pelo Tribunal da Relação, tornando-se esta matéria de facto como definitivamente assente, salvo se ocorrer algum dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do Cód. Proc. Penal, que este Tribunal Superior deva conhecer oficiosamente. Tem sido entendimento pacífico que os vícios previstos no art. 410º, nº 2 e nº 3, do Cód. Proc. Penal, não podem constituir objecto do recurso de revista a interpor para este Supremo Tribunal de Justiça, sendo que este Tribunal só conhecerá oficiosamente dos mesmos se apurar que a decisão recorrida não procedeu a uma correcta aplicação do direito, devido aos vícios existentes ao nível da apreciação da matéria de facto. Ora, o vício previsto no art. 410º, nº 2, al. a), do Cód. Proc. Penal (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada), só ocorrerá quando a matéria de facto dada como provada é insuficiente, faltando elementos que podem e devem ser indagados ou descritos, para fundamentar um juízo seguro de condenação ou de absolvição. E, o vício previsto no art. 410º, nº 2, al. c), do Cód. Proc. Penal (o erro notório na apreciação da prova), só ocorrerá quando se verifica um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental. Assim, para que este vício ocorra terão de dar-se como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado, ou são contraditados por documentos que fazem prova plena. Estamos perante um vício de raciocínio na apreciação das provas que revelam um sentido, e a decisão recorrida extrai um outro sentido contrário. Ora, os recorrentes AA, GG, e DD, não podem vir novamente questionar a matéria de facto, pondo novamente em causa a credibilidade que o Tribunal da Relação deu à prova produzida, e fundamentando novamente esta sua pretensão com o entendimento de que tal prova é insuficiente e deveria ter sido valorada de forma diferente, uma vez que esta matéria de facto já foi duplamente confirmada e dada como assente. Os recorrentes AA, GG, e DD pretendem afirmar, com a invocação dos indicados vícios do art. 410º, nº 2, do Cód. Proc. Penal, que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação deveria ter extraído da prova produzida uma conclusão diferente daquela extraiu, o que consubstancia uma nova impugnação da matéria de facto, que se encontra excluída do conhecimento do Supremo Tribunal de Justiça, como impõe o art. 432.º, do citado diploma legal. Na verdade, não cabe nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça reapreciar novamente a prova, de forma a sindicar a valoração que o Tribunal da Relação fez dessa mesma prova, nomeadamente dizendo se a apreciou e valorou de uma forma correcta ou incorrecta. O Supremo Tribunal de Justiça não pode funcionar como uma segunda instância de recurso sobre a matéria de facto, sob pena de serem violados os arts. 434º e 428º, ambos do Cód. Proc. Penal. Contudo, já o princípio in dubio pro reo, enquanto princípio geral e estruturante do processo penal, decorrente do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, poderá ser apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista Contudo, este princípio constitucional está directamente correlacionado com a matéria de facto fixada e, uma vez que se entende que a decisão proferida em 1ª Instância e a decisão proferida pelo Tribunal da Relação estão devidamente fundamentadas, não existindo qualquer dúvida quanto à factualidade dada como provada e não provada, temos que tal princípio não terá sido violado. Por fim, caberá emitir parecer relativamente à medida da pena aplicada a cada um dos recorrentes AA, GG, e DD pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo agravado pelo resultado morte, p. p. pelo art. 210º, nº 1, e nº 3, do Cód. Penal. O art. 210º, nº 1, do Cód. Penal, refere que, quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. Nos termos do nº 3, deste art. 210º, se, do facto resultar a morte de outra pessoa, o agente é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos, uma vez que estamos perante a prática de um crime complexo, em que se ofendem bens jurídicos patrimoniais e bens jurídicos pessoais. No caso dos autos, os recorrentes AA, GG, e DD, acompanhados por mais indivíduos não identificados, entraram no dia 13 de Julho de 2017, na residência do ofendido, retiraram-lhe o telemóvel e a carteira, que continha no seu interior, além do mais, o seu cartão de eleitor, e o seu cartão de débito da Caixa Geral de Depósito, ao mesmo tempo que lhe provocaram lesões que foram a causa directa e necessária da sua morte, que veio a ocorrer, no dia seguinte, pelas 06H56, no Hospital de ..., local para onde foi transportado, a fim de lhe ser prestada assistência médica. Como já se disse, a moldura penal deste crime situa-se entre os 8 e os 16 anos de prisão, sendo inequívoco que os recorrentes AA, GG, e DD agiram em comunhão de esforços e intentos, executando conjuntamente um plano, que foi por todos previamente delineado e posteriormente executado, circunstâncias que espelham uma acentuada ilicitude das suas condutas. Ora, atendendo à natureza dos bens subtraídos (telemóvel e carteira com documentos) considera-se que a conduta dos recorrentes AA, GG, e DD, na vertente da lesão patrimonial do crime de roubo, assumiu uma dimensão económica sem relevo. Na vertente da ofensa de bens pessoais do crime de roubo, há que atender à violência, relativamente ao modo de actuação dos recorrentes AA, GG, e DD, que desferiram socos e pontapés no corpo e na cabeça da vitima, provocando-lhe lesões traumáticas, ao nível da cabeça, do tórax e do abdómen, que o deixaram prostrado, incapaz de reagir, e que lhe causaram a morte. Entende-se que o crime de roubo, agravado pelo resultado morte, levado a cabo pelos recorrentes AA, GG, e DD, configura um ilícito de elevada gravidade, sendo que os mesmos saberiam que a vitima era uma pessoa de poucas posses, já que vivia numa habitação social, sita na Rua ..., n.º 0 – …, no Bairro da ..., em …, não tendo demonstrado qualquer tipo de arrependimento, nem interiorizado a gravidade dos factos que praticaram, revelando uma personalidade totalmente desconforme aos valores da sociedade. Assim, há que ponderar o elevado grau de ilicitude dos factos, tendo os recorrentes AA, GG, e DD actuado de uma forma súbita e inesperada, com superioridade numérica, e sem dar hipótese de defesa à vítima, que maltrataram de uma forma violenta, deixando-a em estado bastante critico, abandonando o local com o único propósito de tentarem levantar dinheiro através da utilização do cartão multibanco que tinham acabado de retirar. A frieza e o desprezo pela vida humana que demonstraram com esta actuação comprovam as elevadas as necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir, entendendo-se que a ausência de antecedentes criminais dos recorrentes GG e DD, e a condenação de pouco relevo do recorrente AA, não deverá ter valor atenuativo neste tipo de criminalidade. E, situando-se a moldura penal deste crime entre os 8 e os 16 anos de prisão, não se considera excessiva a pena de prisão aplicada a cada um dos recorrentes AA, GG, e DD. Em nossa modesta opinião, entende-se que a diminuição da medida da pena aplicada aos recorrentes AA, GG, e DD não alcançará o efeito positivo de ressocialização que se pretende, não se mostrando excessiva a pena de 11 (onze) anos de prisão que lhes foi aplicada, a qual está conforme com a necessidade de tutela do bem jurídico violado, mostra-se ajustada à culpa, e responde às necessidades de prevenção especial de socialização. Face ao exposto, considera-se justa e adequada a pena aplicada aos recorrentes AA, GG, e DD, pelo que somos de parecer que os recursos devem improceder, subscrevendo, no demais, as respostas apresentadas pela Ilustre Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa.»
11. Os recorrentes não replicaram.
12. O objecto dos recursos – tal como definido pelo teor das conclusões que cada um dos recorrentes extrai da respectiva motivação – reporta ao exame das seguintes questões:
12.1. Quanto ao recurso interposto pelo arguido AA: (i) da nulidade do acórdão recorrido, (ii) da violação do princípio in dubio pro reo; (iii) do erro notório na apreciação da prova; (iv) do erro de jure, em matéria de medida da pena.
12.2. Quanto ao recurso interposto pelo arguido DD: (i) da nulidade do acórdão recorrido, (ii) do erro de julgamento em matéria de facto, (iii) da violação do princípio in dubio pro reo, (iv) do erro de jure, em matéria de medida da pena.
12.3. Quanto ao recurso interposto pelo arguido GG: (i) do erro notório na apreciação da prova, (ii) da violação do princípio in dubio pro reo, (iii) do erro de jure, em matéria de medida da pena.
II
13. As instâncias sedimentaram a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
«Da discussão da causa, e com relevo para a decisão da mesma, resultaram demonstrados os seguintes factos (sendo que não será feita referência à matéria meramente conclusiva ou de direito): Da acusação/pronúncia 1. NN residiu numa habitação social pertencente à “TT”, sita na Rua ..., n.º 0 – …, no Bairro da ..., em …, no período compreendido entre os dias 16 de Abril de 2016 e 14 de Julho de 2017, data em que veio a falecer. 2. Entre os dias 22 de Março e 7 de Julho de 2017, NN foi sujeito a internamento, por doença e para desabituação do consumo de álcool, primeiro no Hospital de ..., em …, e depois, em duas instituições sitas em ... – ... e ... (...). 3. No dia 6 de Abril de 2017, depois de ter sido arrombada, a porta daquela residência foi “chapeada” pela “TT”, a pedido de VV, irmã de NN, a fim de evitar que terceiros ali se introduzissem. 4. No dia 7 de Julho de 2017, findo o referido internamento, a “TT” retirou a chapa protectora da porta e NN regressou à sua residência, tendo procedido ao arranjo da fechadura da porta. 5. Entre esse dia e o dia 13 de Julho de 2017, NN fez a sua vida normal no bairro, frequentando os cafés com amigos e conhecidos. 6. No dia 13 de Julho de 2017, por volta das 02.00 h, os arguidos AA, DD, GG, acompanhados de cerca de três indivíduos não concretamente identificados, deslocaram-se à residência de NN, sita na Rua ..., n.º 0, …, no Bairro da ..., em …, com o propósito previamente formulado de se apropriarem dos bens e valores que ali encontrassem e lhes interessassem. 7. Lá chegados, aqueles três arguidos e os indivíduos não identificados que os acompanhavam utilizaram a força física dos seus corpos contra a porta da residência do ofendido e, com um pontapé, lograram rebentar a sua fechadura e abri-la. 8. Depois, entraram no interior da residência e, encontrando-se ali o ofendido, desferiram-lhe socos e pontapés pelo corpo e cabeça, deixando-o prostrado e incapaz de reagir, assim conseguindo neutralizar qualquer oposição do mesmo aos seus intentos. 9. Do interior da residência, os mencionados arguidos e os seus acompanhantes retiraram o telemóvel e a carteira do ofendido, que continha no seu interior, além do mais, o seu cartão de eleitor e o seu cartão de débito da Caixa Geral de Depósitos, com o número 4000000000000000, associado à conta bancária por ele titulada com o NIB 0035.0000.0000.0000.00000. 10. Na posse de tais objectos, os arguidos AA, DD, GG, e os indivíduos não identificados que os acompanhavam, abandonaram o local e dirigiram-se ao terminal multibanco sito no Supermercado UU ... (à data JJ), onde, por três vezes, pelas 02.45 h, 02.50 h e 03.23 h, introduziram o cartão multibanco do ofendido com o intuito de proceder ao levantamento das quantias de € 20,00, € 100,00 e € 20,00 em numerário, o que não conseguiram, por não terem digitado o PIN correcto do referido cartão, que acabou por ser retido naquele terminal. 11. Como consequência directa e necessária do comportamento dos referidos arguidos e dos indivíduos não identificados que os acompanhavam, NN sofreu as seguintes lesões traumáticas ao nível da cabeça, tórax e abdómen: a) Ao nível da cabeça, as seguintes lesões traumáticas crânio-encefálicas – equimose peri-orbitária esquerda, hematomas epicranianos bilateralmente, infiltração sanguínea dos músculos temporais, hemorragia subaracnóide dispersa bilateralmente e do cerebelo, pequenos focos confusionais encefálicos e hematomas epicranianos; b) Ao nível do tórax – lesões traumáticas constantes das fracturas de 10 costelas bilateralmente; c) Ao nível do abdómen – lesão traumática ao nível do rim esquerdo. 12. Tais lesões foram causa directa e necessária da sua morte, que veio a ocorrer, no dia 14 de Julho de 2017, pelas 06.56 h, no Hospital de ..., local para onde fora transportado a fim de lhe ser prestada assistência médica. 13. Os arguidos AA, DD, GG, e os indivíduos não identificados que os acompanhavam, quiseram e conseguiram molestar física e psicologicamente o ofendido NN, deixando-o na impossibilidade de resistir à sua actuação, para, desse modo, fazerem seus, como fizeram, os bens supra descritos, apesar de bem saberem que os mesmos não lhes pertenciam nem eram devidos a qualquer título. 14. Os arguidos AA, DD, GG, e os indivíduos não identificados que os acompanhavam, podiam e deviam ter previsto que as agressões que cometeram contra o corpo do ofendido, atenta a sua superioridade física e numérica, a intensidade da força utilizada e a extensão das regiões corporais atingidas, seriam aptas a causar a sua morte, como veio a suceder. 15. Os arguidos AA, DD, GG, e os indivíduos não identificados que os acompanhavam agiram em execução de plano previamente traçado, em comunhão de esforços e com divisão de tarefas, para mais facilmente alcançarem os seus intentos. 16. Os arguidos AA, DD, GG, e os indivíduos não identificados que os acompanhavam agiram, em todos os momentos, de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Dos relatórios sociais Nos relatórios sociais dos arguidos, elaborados pela DGRSP, refere-se: 17. O arguido AA é o terceiro de cinco irmãos, tendo crescido no interior de uma família de ..., ..., em ambiente familiar cujas normas, valores, afectos e solidariedade eram específicos desta etnia, numa situação socioeconómica modesta. 18. A sua socialização decorreu num meio comunitário caracterizado pela marginalidade social, onde terá realizado as suas amizades. 19. Os dois irmãos mais velhos tiveram contactos com o Sistema de Justiça, contexto que terá tido alguma influência, menos positiva, no processo de socialização do arguido, embora o próprio afirme ter-se afastado das dinâmicas vivenciais dos irmãos. 20. Num enquadramento pouco favorável em contexto escolar, com falta de assiduidade e desmotivação para os estudos, o arguido veio a abandonar a escola quando frequentava o 0.º ano, para se dedicar à ... com os pais, actividade a que sempre se dedicou até ao presente. 21. Com cerca de 00 anos de idade, o arguido iniciou um relacionamento marital com uma companheira (casamento segundo as normas e valores da ...), tendo o casal residido no agregado de origem dos pais. 22. Da relação, que durou alguns meses, nasceu um filho, actualmente com cerca de 0 anos de idade, que o arguido não conheceu por conflitos entre os familiares de origem. 23. Veio a constituir nova relação marital (casamento segundo as normas e valores da ...), pouco tempo depois, tendo constituído agregado familiar próprio. 24. Da relação nasceu o seu segundo filho, actualmente com cerca de 0 anos e 0 meses de idade. 25. No período que antecedeu a sua prisão, o arguido constituía agregado familiar próprio com a companheira e o filho, no mesmo prédio onde habitam os pais, agregado onde passaria parte do seu tempo. 26. Mantinha a actividade como ..., sendo a situação socioeconómica modesta, mas sustentável, usufruindo do Rendimento Social de Inserção. 27. Na sequência da sua reclusão, o arguido veio a separar-se da companheira. 28. Os tempos livres eram passados em contexto de amizades, algumas conotadas com exibição de condutas pro criminais, em actividade lúdicas pouco estruturadas, apresentando uma problemática aditiva ao haxixe desde os 00 anos de idade, a qual refere não se constituir como um problema para a normal funcionalidade da sua vida, estando, contudo, motivado para controlar os consumos no futuro, intenção que poderá estar mais consolidada por se manter abstémio durante a sua presente reclusão. 29. Presentemente o arguido beneficia do apoio investido dos pais e irmãos, sendo que em termos futuros e após liberto da presente situação jurídico-penal, projecta vir a integrar o seu agregado familiar de origem, constituído pelos pais, ..., e dois irmãos mais novos, e retomar a sua actividade de .... 30. Em contexto prisional o arguido tem revelado um comportamento adequado. 31. A infância e adolescência do arguido DD, embora flageladas pela perda de … do progenitor, no seguimento de um acidente de trabalho do qual nunca foi ressarcido, quando o arguido tinha 00 anos de idade, caracterizaram-se pela transmissão de normas e de competências emocionais, constituindo-se o agregado de origem (progenitores e três irmãos) como uma fonte de suporte e segurança afectiva para o arguido. 32. Integrados no antigo Bairro das ..., a família do arguido socorria-se do suporte económico prestado pela avó materna, debatendo-se ainda assim com acentuadas dificuldades financeiras. 33. Neste sentido, o percurso escolar do arguido não se revestiu de particular investimento, tendo o próprio concluído apenas o 0.º ano de escolaridade, aos 00 anos de idade. 34. No que refere à trajectória laboral, as primeiras experiências do arguido centraram-se na área da restauração onde colaborava com uns tios, embora formalmente apenas tenha começado a trabalhar aos 00 anos de idade, na área da progenitora, em …. 35. Segundo a narrativa do arguido, o seu ofício é o de oficial de ..., área em que tem desenvolvido actividade de forma inconsistente, sujeito a contratos de trabalho de curta duração. 36. Paralelamente, o arguido dedica-se ao ... e revenda de ... que lhe são oferecidos ou que recolhe na via pública e a pequenas reparações requeridas pela vizinhança. 37. A nível afectivo, o arguido iniciou uma relação amorosa aos 00 anos de idade, da qual resultaram dois filhos, nascidos em 0000 e 0000. 38. O arguido menciona a existência de um filho de 00 anos de idade, fruto de um relacionamento pontual, actualmente a residir em .... 39. Há três anos atrás, em período precedente aos alegados factos, o arguido iniciou uma fase emocionalmente impactante, na sequência do processo de separação, iniciado aparentemente por uma infidelidade da companheira, com quem posteriormente granjeou uma relação de amizade. 40. Após a separação, período ao qual reagiu de forma depressiva, o arguido inscreveu-se num curso profissionalizante promovido pela Santa Casa da Misericórdia, tendo concluído o 4.º e o 6.º ano de escolaridade, investimento que realizou também como tentativa de se reerguer emocionalmente. 41. Neste encadeamento, o arguido auspicia a frequência de um novo curso que lhe permita concluir o 9.º ano e obter a carta de .... 42. À data dos alegados factos subjacentes ao presente processo, o arguido residia com os progenitores, com quem voltou a residir após a separação, no Bairro da ... onde reside há 00 anos. 43. A renda, cujo valor não é do conhecimento do arguido, é assegurada pelos progenitores e arrendada pela TT. 44. O progenitor do arguido encontra-se a vivenciar um período de doença .... 45. Antes de ser preso preventivamente, o arguido encontrava-se a trabalhar na sua área há cinco meses, auferindo o vencimento ilíquido de € 800,00, ao qual associava o valor de € 60,00 mensais derivados da … de um prédio que efectuava. 46. Após o período de prisão preventiva de oito meses no Estabelecimento Prisional de …, o arguido não singrou na sua área profissional, continuando a realizar pequenos ofícios aos vizinhos do bairro e a efectuar ... de … para revenda, o que lhe permite um ganho mensal de sensivelmente € 500,00. 47. Presentemente o arguido é ainda benificiário de Rendimento Social de Inserção. 48. Ainda no plano económico, o arguido afirma ter contraído uma dívida através da utilização de um cartão de crédito, pelo que antes da detenção se encontrava a liquidar € 200,00 mensais para esse efeito, através de uma penhora no ordenado, situação que ainda não está colmatada em valores que não é capaz de especificar. 49. No que concerne ao enquadramento social do arguido, o mesmo frequenta uma colectividade, o Grupo Recreativo dos ..., onde realiza a tarefa de … aos fins-de-semana ou em períodos festivos. 50. Neste aspecto, o arguido é descrito pelos vizinhos como objecto do afecto e respeito por parte de toda a comunidade que, inclusive, se sensibilizou e mobilizou no sentido de o apoiar no presente processo, contribuindo financeiramente para a contratação de um defensor particular. 51. Afirmam que o arguido é um indivíduo extremamente solícito, desprendido e trabalhador, corroborando o relato do próprio arguido ao referir que trabalhava para a vítima, de quem era amigo. 52. Em termos de características pessoais, o arguido apresenta-se humilde, responsável e expansivo, ainda que com uma forte necessidade de verbalizar pensamentos e de expressar sentimentos, num quadro ansiogéneo. 53. Ainda que o arguido tenha sempre registado tendência para desenvolver ataques de ansiedade, perante a emergência de um contacto com a Justiça, os mesmos ter-se-ão agravado. 54. O arguido GG é natural de …, sendo o segundo filho de uma fratria de quatro, tendo dois irmãos mais velhos e uma irmã mais nova. 55. A infância do arguido decorreu quase sempre no ... - …, sendo que a sua família se dedicava à ... em …. 56. Segundo refere dedicavam-se ao comércio de … e … e a … sazonal de …. 57. A nível escolar refere ter estudado até ao 0.º ano, referindo que nunca teve qualquer tipo de problema. 58. Refere que deixou de estudar porque a sua companheira ficou grávida, passando a dedicar-se a ... com a sua família. 59. Deste seu matrimónio refere ter quatro filhos, dois rapazes e duas raparigas com idades compreendidas entre os 0 anos e os 0 meses. 60. Desde há … anos a residir em …, no Bairro da ..., este é o segundo processo em que o arguido se vê envolvido, sendo que actualmente está em prisão preventiva à ordem do presente processo. 61. À data dos factos, o arguido refere que se encontrava a residir no agregado familiar dos seus pais com a sua companheira e filhos. 62. Refere que a nível laboral, mantinham o trabalho da .... 63. O arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional de … em 20 de Abril de 2018, vindo transferido do Estabelecimento Prisional junto da Policia Judiciaria, onde entrou a 30 de Março de 2018, preso preventivamente à ordem do presente processo. 64. A situação de privação de liberdade em que o arguido se encontra não parece ter afectado de forma significativa a sua vida, uma vez que não tinha, à data da detenção, uma situação laboral estável, e segundo refere e se confirma, continua a contar com o apoio da família. 65. Em termos institucionais, o arguido tem mantido um comportamento adequado, isento de medidas disciplinares, apresentando postura condigna com as normas. 66. O arguido WW é o segundo filho de uma fratria de oito irmãos, oriundo de uma família de baixo nível socio-económico, residente em bairros sociais e problemáticos de …. 67. Os pais eram ambos ... de produtos …, que …, e envolviam, segundo o arguido, toda a família no trabalho de … de … ou …, facto que imprimiu uma dinâmica pouco estruturada ao quotidiano do arguido e contribuiu para uma frequência escolar irregular e pouco investida. 68. Proporcionou-lhe, igualmente, uma proximidade precoce ao grupo de jovens do bairro e a um modo de vida com poucas condicionantes e sem regras, por parte dos progenitores, que deixaram de ter controlo sobre a sua conduta desde a idade escolar deste. 69. Há referência de que o seu pai tinha hábitos alcoólicos e era um indivíduo maltratante com a família, para além de ter cumprido duas penas de prisão efectiva. 70. O arguido deixou a escola aos 00 anos, com a frequência da 0.ª classe, havendo indicações de que teria dificuldades de aprendizagem. 71. Terá trabalhado algum tempo numa fábrica de …, actividade que abandonou, quando a mesma encerrou, tendo posteriormente outras ocupações laborais de carácter irregular, no âmbito da .... 72. Regista consumos regulares de álcool a partir dos 00 anos, junto dos pares, assim como haxixe, numa fase posterior, ligados também à convivialidade com os grupos de referência locais, não percepcionando o arguido esta questão com sentido crítico ou como potencialmente condicionadoras do seu trajecto de vida. 73. Assumiu também precocemente uma relação marital com uma companheira, autonomizando-se da família, relação da qual nasceu um filho. 74. Justifica o seu envolvimento posterior no crime de tráfico de estupefacientes pela necessidade de garantir a sustentabilidade familiar, assim como pela influência dos pares de convívio do bairro onde residia, situação que o conduziu aos primeiros contactos com o Sistema de Administração da Justiça e à condenação numa pena de prisão efectiva, iniciada em 8 de Maio de 2003. 75. Durante o período de reclusão e quando beneficiou da segunda LSJ, em 7 de Maio de 2008, não regressou ao Estabelecimento Prisional e permaneceu em casa da mãe, verificando-se que no período de ausência ilegítima cometeu outros crimes, acabando por ser condenado, em cúmulo jurídico, a 7 anos de prisão. 76. Manteve o acompanhamento da companheira até cerca de 2/3 da pena, quando se separou da mesma, ficando na época com um apoio familiar frágil, assente no agregado da progenitora e seu companheiro, com a qual não mantinha laços de proximidade significativos. 77. Posteriormente deu referências de uma alegada prima, como suporte para liberdade condicional, tendo sido no agregado desta que se inseriu quando saiu em liberdade condicional, aos 5/6 da pena, em 17 de Janeiro de 2017. 78. Junto do agregado que o acolheu, constatou-se que o arguido permaneceu apenas uns dias, já que veio a aproximar-se de uma namorada que conheceu quando cumpria pena no Estabelecimento Prisional de ..., e passou a residir em casa de familiares, pai e avó, que residiam mais próximo desta nova companheira. 79. Durante o período em que permaneceu em liberdade inscreveu-se no Instituto de Emprego e Formação Profissional, para trabalho e formação profissional, mas não foi integrado em qualquer projecto formativo ou laboral, durante os cerca de 10 meses que mediaram as suas reclusões. 80. A sua subsistência era garantida através da ajuda de familiares e de alguns biscates que fazia junto de amigos, na … ou cargas e descargas de …, e da namorada. 81. Contava igualmente com o suporte desta namorada, a trabalhar como empregada de …, e com uma situação socio profissional estável, não se verificando assim problemas económicos significativos. 82. Constatou-se, contudo, da parte do arguido, algumas dificuldades de adaptação iniciais, que se reflectiram a nível da convivialidade com grupos locais sem critérios de escolha das amizades e em consumos excessivos de álcool nesse contexto, os quais, segundo o arguido, estiveram na origem de novos problemas com a justiça. 83. A intervenção posterior da família e da namorada terão, não obstante, contribuído para que o arguido abandonasse esse modo de vida e ocupasse o quotidiano com actividades mais úteis, nomeadamente apoiar a namorada no trabalho ou localmente, alguns vizinhos. 84. Como projecto futuro, o arguido pretende iniciar vida em comum com a namorada, a qual tem contudo a intenção de emigrar em breve para ..., onde dispõe de familiares e possibilidade de integração socio laboral e poderá futuramente apoiar o arguido. 85. Enquanto esse projecto não for exequível, o arguido pretende habitar em casa de familiares, nomeadamente a mãe, onde reside, além da própria, um companheiro desta e uma irmã. 86. O agregado materno mostra-se disponível para o acolher, subsiste sem dificuldades dos rendimentos obtidos pelos três elementos, todos profissionalmente activos, não se colocando a esse nível constrangimentos com o seu acolhimento. 87. Dispõe, ainda, do suporte de alguns familiares próximos, que exploram estabelecimentos comerciais (café), onde poderá vir eventualmente a trabalhar. 88. À data da instauração da presente situação processual e até ao presente, o arguido XX encontra-se a residir na morada constante em processo, junto da companheira YY e cinco filhos do casal, que apresentam actualmente idades compreendidas entre os 00 e 0 ano de idade. 89. Com relacionamento marital encetado aos 00 anos, o arguido refere conservar uma dinâmica familiar equilibrada e coesa com a companheira, pese embora as disfuncionalidades assumidas nos primeiros anos de relação, designadamente com episódios de comportamentos agressivos por si perpetrados para com aquela. 90. De acordo com ambos os elementos do casal, tais comportamentos teriam origem na manutenção de consumos de substâncias canabinóides e consumos abusivos de álcool mantidos à data, cessados há cerca de seis anos. 91. Com habilitações ao nível do … ano, o trajecto escolar do arguido foi caracterizado pelo insucesso e reprovações em contexto de alegados comportamentos impulsivos, razão porque refere ter repetido o ensino básico em instituição escolar da Santa Casa, onde esteve integrado até aos 00/00 anos de idade. 92. No domínio profissional, referencia ter iniciado funções como aprendiz de ... por volta dos 00 anos, percurso que veio a ser demarcado por períodos de actividade (sobretudo na área da canalização, que valoriza) alternados por períodos de desemprego. 93. À data da presente situação processual encontrava-se profissionalmente inactivo, situação que veio a ser posteriormente invertida (em inicio de 2018), através do exercício de funções para empresa de trabalho temporário. 94. Presentemente e desde Setembro de 2018 mantem contrato com a empresa ZZ Unipessoal, Lda., na qual exerce funções como ..., auferindo uma remuneração mensal na ordem dos € 600,00 ilíquidos. 95. A companheira refere beneficiar de rendimento social de inserção na ordem dos € 400,00 mensais, ao que acrescerão os abonos respeitantes aos cinco filhos menores do casal, pelo que o agregado usufruirá de uma condição económica suficiente para fazer face às necessidades básicas familiares. 96. No que se refere ao seu trajecto vivencial, o arguido terá vivenciado um percurso de socialização marcado por algumas disfuncionalidades, designadamente no âmbito do quadro familiar de origem, que ditaram a separação dos progenitores e a posterior alternância de agregados. 97. Pese embora a referência a vínculos afectivos – que se mantêm até à actualidade – o arguido aparenta ter usufruído de parca contenção ou supervisão parental e estabelecimento de limites, aquando em idade jovem, enquadramento que terá facilitado a sua convivialidade precoce com pares do meio de residência (antigas ... - zona periférica conotada com a existência de problemáticas de exclusão social) com as mesmas características, junto dos quais iniciou consumos de haxixe e consumos abusivos de bebidas etílicas (supra-referenciados), alegadamente debelados. 98. Ao nível social e residencial, o arguido habita actualmente no bairro da ..., onde refere manter relações de conflitualidade com vários vizinhos/famílias ali residentes, face à sua insurreição relativamente a alegados comportamentos abusivos daqueles – circunstâncias que têm resultado em ocorrências e represálias para consigo e seus familiares. 99. O arguido verbaliza neste âmbito ter sido alvejado com vários tiros nas pernas e na mão e ter sido alvo de agressões físicas, bem como a sua companheira – enquadramento que terá estado na origem da aquisição de várias armas por parte do arguido, para alegada defesa pessoal. 100. No contexto de animosidade vicinal, perspectiva abandonar o bairro de residência, referindo encontrar-se a aguardar pelo desenvolvimento de processo submetido à Câmara Municipal de …. 101. Ao nível individual, o arguido assume apresentar algumas dificuldades no domínio do controlo da sua impulsividade, sobretudo quando confrontado com situações adversas ou frustres, perante as quais não apresenta alternativas normativas. 102. Pese embora reconheça a manifestação de lacunas ao nível do pensamento reflexivo e consequencial, verbaliza encontrar-se mais ponderado, sobretudo desde o abandono dos consumos de álcool. 103. Nascido em Portugal, o arguido AAA é descendente de pais ..., que emigraram na década de …, com o objectivo de procurar melhores condições de vida, trabalhando a mãe nas … e o pai na ..., fixando-se num bairro de habitação clandestina, sem as condições desejáveis de habitabilidade, na zona de ..., onde permaneceu até aos 0 anos de idade. 104. Posteriormente foram integrados no bairro de habitação social, reconhecido pela sua complexidade transgressora, na Quinta ..., em .... 105. É o quarto filho da fratria, tendo mais três irmãs, relembrando uma infância e adolescência sem problemas de relevo, embora, por falta de motivação pelo sistema escolar, absentismo e agressividade, tivesse originado a sua reprovação por três vezes, bem como a sua suspensão por questões comportamentais. 106. Segundo a sua progenitora, houve intervenção da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), despoletando o acompanhamento dos serviços de saúde, com recursos a terapêutica medicamentosa, mas com fraca adesão. 107. Todavia, refere que veio a concluir o 0.º ano de escolaridade, através da frequência de um curso técnico profissional de ..., quando tinha 00/00 anos de idade, no Agrupamento de Escolas ..., no .../.... 108. Ao nível relacional, assume uma relação mais conflituosa com a sua progenitora, originando a saída do agregado dos pais, fixando-se na residência de uma namorada, em habitação social, na ..., onde permaneceu até terminar a relação, tinha cerca de 00/00 anos de idade. 109. No domínio laboral, o arguido refere ter a sua primeira experiência com os familiares, desenvolvendo tarefas na ..., onde permaneceu durante três anos. 110. Posteriormente, encetou actividades como … de ..., embora sem vínculo contratual. 111. No ano a que se reportam os alegados factos criminais, o arguido alterou de residência por três vezes, sendo que à data dos alegados ilícitos residia no …, num espaço arrendado, tendo mudado para a morada actual, pouco tempo depois da ocorrência do processo em avaliação. 112. Encetou novo relacionamento há dois anos, com quem vive em união de facto, sendo o agregado familiar constituído pelo arguido, pela companheira e pela filha de ambos com 0 meses, habitando uma casa arrendada, de tipologia 0, cujas condições de habitabilidade se apresentam deficitárias ao nível das infra-estruturas. 113. Assim, permanecem, por vezes, na habitação dos pais do arguido por ter melhores condições, principalmente pelo conforto para a filha do casal. 114. Segundo a progenitora, embora a relação entre ambos (mãe e filho) não seja pacífica, estará sempre disponível para o apoiar. 115. No âmbito profissional, refere continuar a trabalhar como …, mas de forma precária, ainda que sem contrato de trabalho, admitindo estar a aguardar a integração noutra actividade laboral, mas com vínculo contratual. 116. A sua companheira além de ser estudante universitária (frequenta o curso de ...), também trabalha como …, bem como tem um part-time na …, desde há um mês, uma vez que se encontrava de licença de maternidade. 117. Ao nível financeiro, o arguido refere poder auferir, por vezes, € 800,00 por mês, depende dos trabalhos que executar, e a sua companheira cerca de € 600,00 mensais, tendo de despesas fixas a renda da habitação, no valor de € 200,00, assim como as despesas inerentes à mesma (água/luz/gás). 118. Dos contactos realizados com os familiares, o arguido é descrito como uma pessoa adaptável aos meios, nomeadamente ao nível laboral, bom comunicador, tendo evoluído favoravelmente ao nível comportamental, estando mais calmo e receptível aos conselhos dos familiares. 119. Ainda é visível alguma imaturidade, sendo ainda um dos problemas a sua proximidade a pares com comportamentos disruptivos, embora, no presente, apresente maior percepção dos riscos, informação corroborada pelo arguido. 120. Pese embora reconheça um passado onde adoptava uma postura de agressividade, no presente, admite estar mais calmo e controlado, estando a actual relação e o nascimento da filha despoletado uma postura mais adequada e reflectida, assim como nas escolhas das pessoas com quem acompanha regularmente. 121. A situação jurídico-penal não tem afectado significativamente o quotidiano do arguido, mantendo as suas rotinas, admitindo, contudo, o seu afastamento de alguns pares, com quem convivia no passado. Dos certificados de registo criminal dos arguidos 122. Do certificado de registo criminal do arguido AA consta a seguinte condenação anterior: - em 21 de Fevereiro de 2017, pela prática, em 12 de Maio de 2015, de um crime de ofensas à integridade física simples, na pena de 200 dias de multa, posteriormente convertida - em prestação de trabalho a favor da comunidade e, entretanto, já declarada extinta – processo n.º 375/15.7PZLSB. 123. Do certificado de registo criminal do arguido DD nada consta. 124. Do certificado de registo criminal do arguido GG nada consta. 125. Do certificado de registo criminal do arguido WW constam as seguintes condenações anteriores: - em 30 de Setembro de 2002, pela prática, em 10 de Janeiro de 2002, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de multa, já declarada extinta pelo cumprimento; - em 21 de Maio de 2003, pela prática, em 28 de Junho de 2002, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de multa; - em 17 de Dezembro de 2003, pela prática, em 28 de Junho de 2002, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos; - em 25 de Outubro de 2004, pela prática, em 18 de Março de 2003, de um crime de injúrias agravado, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário e de um crime de homicídio na forma tentada, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão; - em 27 de Fevereiro de 2004, pela prática, em 3 de Agosto de 2002, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos; - em 8 de Fevereiro de 2006, pela prática, em 29 de Novembro de 2002, de um crime de tráfico de estupefacientes e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena única de 6 anos e 4 meses de prisão; - realizado cúmulo jurídico em 28 de Fevereiro de 2007, abrangendo algumas das condenações supra referidas, foi o arguido condenado na pena única de 9 anos de prisão e 90 dias de multa, pena esta já declarada extinta pelo cumprimento; - em 15 de Maio de 2009, pela prática, em 11 de Novembro de 2006, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, um crime de detenção de arma proibida e um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 7 anos de prisão; 126. Do certificado de registo criminal do arguido XX nada consta. 127. Do certificado de registo criminal do arguido AAA nada consta. Do pedido de indemnização civil 128. O demandante é uma pessoa colectiva de direito público integrada no Serviço Nacional de Saúde. 129. Em resultado dos factos supra descritos o demandante prestou, no exercício da sua actividade, a seguinte assistência médica ao ofendido NN: - Cuidados de saúde, em episódio de internamento (GDH 930 – Traumatismos múltiplos significativos, sem procedimento em BO – nível severidade: 4), no Serviço de Medicina Intensiva, de 13 de Julho de 2017 a 14 de Julho de 2017, no valor de € 2.625,01. Quanto aos factos não provados ficou consignado no Acórdão recorrido: Da discussão da causa não resultaram demonstrados os seguintes factos constantes da acusação/pronúncia ou das contestações: a) Que entre o dia 7 e o dia 13 de Julho de 2017 NN tenha pago diversas bebidas a amigos e conhecidos, gabando-se de ter juntado o valor das pensões de reforma que recebia mensalmente e o subsídio de férias já pago naquele mês por causa do internamento a que se vira sujeito, o que se tornou do conhecimento geral no bairro. b) Que nos momentos referidos de 6 a 16 estivessem presentes os arguidos WW, XX e AAA. c) Que no momento referido em 6 os arguidos pretendem-se apropriar-se concretamente do valor correspondente à reforma e subsídio de férias recebido pela vítima poucos dias antes. Relativamente à fundamentação da decisão de facto, ficou expresso no referido Acórdão (transcrição): O artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, depois de enunciar os requisitos do relatório (regulado no respectivo n.º 1), afirma dever seguir-se a fundamentação, onde deverá constar a enumeração dos factos provados e não provados (o que está feito), “bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de factos e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. Trata-se, pois, de explanar os elementos que, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência. Neste âmbito, teremos sempre que ter presentes os princípios fundamentais da prova em processo penal, e designadamente o ínsito no artigo 127.º do Código de Processo Penal, segundo o qual a prova, salvo diferente disposição da lei, é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador. Cumpre, assim, explicitar o processo de formação da convicção deste tribunal relativamente à matéria de facto, sendo certo que se formou a convicção no que respeita à factualidade considerada como demonstrada na apreciação conjugada e de acordo com as regras da experiência comum dos seguintes elementos de prova: E não deixaremos de salientar que a análise da prova produzida no âmbito do presente processo não se trata de uma situação linear de prova directa. O Tribunal Constitucional tem afirmado o princípio da verdade material como valor constitucional, e uma justiça material baseada na verdade dos factos como valor indisponível (cf., entre outros, Acórdão TC nº 137/2002). Mas a verdade material que se pretende alcançar no processo, através das provas livremente apreciadas, é uma verdade pratico-jurídica. E para a alcançar o tribunal teve que socorrer-se da prova indirecta e da avaliação que da mesma foi possível fazer recorrendo às regras da experiência comum, sem prejuízo da prova científica que também acabou por assumir particular relevância no caso de um dos arguidos. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 6 de Outubro de 2010, relatado por Henriques Gaspar (in www.dgsi.pt), afirma-se que “a verdade processual, na reconstituição possível, não é nem pode ser uma verdade ontológica. A verdade possível do passado, na base da avaliação e do julgamento sobre factos, de acordo com procedimentos, princípios e regras estabelecidos. Estando em causa comportamentos humanos da mais diversa natureza, que podem ser motivados por múltiplas razões e comandados pelas mais diversas intenções, não pode haver medição ou certificação segundo regras e princípios cientificamente estabelecidos. Por isso, na análise e interpretação – interpretação para retirar conclusões – dos comportamentos humanos há feixes de apreciação que se formaram e sedimentaram ao longo dos tempos: são as regras da experiência da vida e das coisas que permitem e dão sentido constitutivo à regra que é verdadeiramente normativa e tipológica como meio de prova – as presunções naturais.” Também no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Fevereiro de 2013, relatado por Carlos Almeida (in www.dgsi.pt), se desenvolve: “Nas questões humanas não pode haver certezas... Também não se pode pensar que é possível, sem mais, descobrir “a verdade”. (...) A reconstrução que o tribunal deve fazer para procurar determinar a verdade de uma narrativa de factos passados irrepetíveis assenta essencialmente na utilização de raciocínios indutivos que, pela sua própria natureza, apenas propiciam conclusões prováveis. Mais ou menos prováveis, mas nunca conclusões necessárias como são as que resultam da utilização de raciocínios dedutivos, cujo campo de aplicação no domínio da prova é marginal. O cerne da prova penal assenta em juízos de probabilidade e a obtenção da verdade é, em rigor, um objectivo inalcançável, não tendo por isso o juiz fundamento racional para afirmar a certeza das suas convicções sobre os factos. A decisão de considerar provado um facto depende do grau de confirmação que esses juízos de probabilidade propiciem. Esta exigência de confirmação impõe a definição de um “standard” de prova de natureza objectiva, que seja controlável por terceiros e que respeite as valorações da sociedade quanto ao risco de erro judicial, ou seja, que satisfaça o princípio in dubio pro reo.” E o processo de valoração da prova in casu processou-se exactamente percorrendo esse caminho, através dos vários elementos de prova disponíveis que, relativamente a alguns dos arguidos, e fazendo uso da prova indirecta ou indiciária, nos permitiu alcançar com um grau de certeza seguro e firme que os factos ocorreram tal como se deu como provado, o que já não foi possível relativamente a parte dos arguidos, como abaixo se explanará. Sobre a força latente da prova indirecta pode ver-se o trabalho de Euclides Dâmaso, dando notícia da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de Madrid sobre provas indirectas (cf. Euclides Dâmaso, Prova Indiciária, Julgar n.º 2). Aí, em 2007, o autor incita a um “movimento de ultrapassagem dos rígidos cânones de apreciação da prova que leve descomplexadamente à assunção dos critérios da prova indirecta, indiciária ou por presunções, como factores válidos de superação do princípio da presunção da inocência”. Dos dez acórdãos do Supremo Tribunal de Espanha que sumaria, destaca-se o Acórdão nº 560/2006 de 19 de Maio de 2006: “Para que o juízo de inferência resulte em verdade convincente é necessário que a base indiciária, plenamente reconhecida por prova directa: a) seja constituída por uma pluralidade de indícios, embora excepcionalmente possa admitir-se um só se o seu significado for determinante, b) que não percam força creditória pela presença de outros possíveis contra-indícios que neutralizem a sua eficácia probatória, c) e que a argumentação sobre que assente a conclusão probatória resulte inteiramente razoável face a critérios lógicos do discernimento humano”. No acórdão de 22 de Maio de 2006, nº 557/2006, acentua-se como pressuposto para a correcta aplicação deste tipo de prova: a) a existência de “factos básicos” plenamente provados que, em regra, hão-de ser plurais, concomitantes e interrelacionados, b) e o estabelecimento entre esses factos básicos e o facto que se pretende provar (“facto consequência”) de uma ligação precisa e directa segundo as regras do critério e experiência humanos, c) o órgão judicial que utilize esse tipo de prova deve expressar na sua decisão os fundamentos da prova dos “factos básicos” e da sua conexão com o “facto consequência. Em Portugal, também o Santos Cabral tem desenvolvido em muitos acórdãos e trabalhos publicados o tema da prova indiciária. Salienta-se o escrito Prova indiciária e as novas formas de criminalidade, in www.stj.pt, “A actividade probatória é constituída pelo complexo de actos que tendem a formar a convicção da entidade decidente sobre a existência, ou inexistência, de uma determinada situação factual. Na formação da convicção judicial intervêm provas e presunções, sendo certo que as primeiras são instrumentos de verificação directa dos factos ocorridos e as segundas permitem estabelecer a ligação entre o que temos por adquirido e aquilo que as regras da experiência nos ensinam poder inferir. É clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta, ou indiciária, se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova (v.g., uma coisa é ver homicídio e outra encontrar o suspeito com a arma do crime). Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervêm a inteligência e a lógica do juiz. A prova indiciária pressupõe um facto, demonstrado através de uma prova directa, ao qual se associa uma regra da ciência, uma máxima da experiência ou uma regra de sentido comum. Este facto indiciante permite a elaboração de um facto-consequência em virtude de uma ligação racional e lógica (...). (...) Verificados os respectivos requisitos pode-se afirmar que o desenrolar da prova indiciária pressupões três momentos distintos.: - a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência, ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento. Assim, Em primeiro lugar é necessário que os indícios sejam verificados, precisados e avaliados. Em seguida tem lugar a sua combinação ou síntese. Esta operação intelectual efectiva-se com a colocação respectiva de cada facto ou circunstância acessória, e a sua coordenação com as demais circunstâncias e factos, e dá lugar é reconstrução do facto principal. Esta síntese de factos indicadores constitui a pedra de toque para avaliar a exactidão e valor dos indícios assim como também releva para excluir a possibilidade de falsificação dos indícios. Ao ocupar-se da prova por concurso de indícios e estabelecer que condições devem estes reunir para fazer prova plena os autores exigem, uniformemente, como se irá explanar a concordância de todos os indícios pois que sendo estes factos acessórios de um facto principal, ou partes circunstâncias de um único facto, de um drama humano devem necessariamente ligar-se na convergência das três unidades: o tempo, o lugar e acção por forma a que cada indício está obrigado a combinar-se com os outros, ou seja, a tomar o seu lugar correspondente no tempo e espaço e todos a coordenar-se entre si segundo a sua natureza e carácter ou segundo relações de causa a efeito. Em ultima análise está presente no nosso espírito a improbabilidade de aquela série de índicos poder apontar noutro sentido que não o atingido (Exemplo: feridas múltiplas – ódio; ameaças de morte; arma pertencente ao arguido) O terceiro momento reside no exame da relação entre facto indiciante e facto probando ou seja o funcionamento da presunção. Como refere Duran a essência da prova indiciária reside na conexão entre o indício base e o facto presumido, fundamentada no princípio da normalidade conectado a uma máxima da experiência é a essência de toda a presunção. A máxima da experiência constitui a origem de toda a presunção- em combinação com o facto presumido que é o ponto de partida inverso e é o fundamento da mesma por aplicação do princípio da normalidade.” Concluímos, pois, que mesmo que a prova seja indiciária, ela pode ser valorada, desde que as conclusões que dela se retirem correspondem a processos lógicos de inferência de factos concretos. E este foi o processo seguido pelo tribunal, partindo de premissas lógicas que conjugadas e analisadas sequencialmente conduzem à conclusão segura de que os factos provados ocorreram tal como foi considerado demonstrado. Passaremos, assim, à análise crítica e concreta da prova produzida nos autos, percorrendo todo o caminho probatório que foi desenvolvido quer na fase de inquérito quer em audiência de julgamento, sendo que, naturalmente, enquanto alguns elementos de prova se revelaram determinantes, outros pouca ou nenhuma relevância assumem (sendo que quando a estes últimos o tribunal optou por, em algumas situações, não lhe fazer referência). Desde logo, há a considerar a prova pré-constituída e já existente nos autos à data da realização da audiência de julgamento, que o tribunal valorou, de forma concatenada, com a demais prova produzida em audiência de julgamento (sendo que alguma dela merecerá maior destaque ao nível da sua valoração em momento posterior desta decisão), designadamente: «O relatório de inspecção judiciária de fls. 12 a 28, elaborado pela Polícia Judiciária no dia 14 de Julho de 2017, na residência da vítima, sendo que de fls. 16 a fls. 17 constam os vestígios que foram recolhidas nessa residência, a fls. 20 a 26 fotografias do local, designadamente da porta com sinais de arrombamento (fls. 20 a 21, onde se pode concluir que no dia em que os factos ocorreram a porta foi, efectivamente arrombada por acção de um pontapé desferido na mesma, pois embora já anteriormente a mesma tivesse sido arrombada e tenha sido reparada – como algumas testemunhas referiram –, tratando-se de uma porta claramente pouco forte, houve um pontapé desferido na mesma, o que significa, por um lado, que a porta não foi aberta pela vítima, e, por outro, que a porta não estava tão danificada a ponto de não ser necessário arrombá-la), a fls. 21 e 22 os fotogramas retratam uma casa claramente remexida, o que revela que quem ali se deslocou procurava bens/objectos para deles se apropriar, e a fls. 25 consta um fotograma da sanita, onde foi deixada uma toalha, e também um fotograma do alçapão da casa de banho aberto, mostrando que se procurou também aí por bens/valores que pudessem estar escondidos), salientando-se que na residência não foi encontrada nem a carteira, documentos, telemóvel ou quaisquer valores da vítima. Este elemento de prova é bastante relevante porque as testemunhas foram por diversas vezes questionadas sobre as condições em que se encontraria a porta na noite em que os factos ocorreram, pretendendo-se que por vezes deixar a dúvida sobre a possibilidade de o multibanco do ofendido ter sido objecto de apropriação em momento anterior, uma vez que aquela casa já teria sido assaltada outras vezes. Todavia, como veremos, fez-se prova de que no dia 7 de Julho de 2017, quando regressou a casa, o ofendido trazia consigo os seus documentos, incluindo o cartão multibanco, que mandou arranjar a fechadura da porta, e como agora se vê, ainda que não se tratasse de uma porta forte, houve claramente um arrombamento da mesma com um pontapé na noite em que estes factos aconteceram, de tal modo que esse vestígio foi deixado no local. Do mesmo modo, pese embora possam ter ocorrido anteriores assaltos àquela residência, para daí retirarem um determinado objecto (como se chegou a falar de um LCD), nunca ninguém se referiu a ter encontrado a residência no estado em que nesta noite a mesma ficou, ou seja, toda revirada, com o claro intuito de encontrar quantias monetárias ou meios de as obter (tal como o cartão multibanco), pois quem pretende apropriar-se de um determinado objecto, como seja uma televisão, limita-se a levá-lo, sem necessidade de remexer toda a casa. Acresce que o grau de violência exercido sobre o ofendido – como abaixo denotam as lesões apuradas no respectivo relatório de autópsia – também revela que, para além de poder estar relacionado com algum tipo de resistência que o mesmo tenha oferecido, antes se prendeu com a necessidade de obter do mesmo o PIN do seu cartão multibanco, pois tratando-se de uma única pessoa, perante mais de três agressores, caso o mesmo tivesse oferecido apenas resistência a um normal assalto, bastaria manietá-lo, o que os arguidos facilmente conseguiriam. Tendo o ofendido sido brutalmente agredido, só podemos concluir que os arguidos pretenderam obter dele o PIN do cartão multibanco de que se apoderaram, o que acabaram por não conseguir, muito embora tenham deixado o ofendido praticamente à beira da morte (ou porque este optou por não o entregar mesmo que com isso tenha colocado em causa a sua vida ou porque em algum momento os arguidos se excederam nas agressões e terão deixado o ofendido inconsciente). » O auto de apreensão de fls. 30 (do dia 17 de Julho de 2017), no âmbito do qual, durante uma inspecção por parte da Polícia Judiciária em casa do ofendido, se recolheram vestígios para análise pericial. Esta recolha de vestígios, como veremos, só terá assumido revelo determinante no que tange com uma impressão lofoscópica palmar do arguido DD, sobre a qual mais alongadamente falaremos. » A reportagem fotográfica de fls. 35 a 39 (posteriormente junto o original a fls. 299 a 303), elaborada pela PSP no dia 14 de Julho de 2017, uma vez que foi esta força policial a primeira a deslocar-se à residência da vítima, sendo também aqui patente que toda a residência foi remexida à procura de bens/valores, estando a fechadura da porta arrombada e a ombreira partida, tudo sinais de que a entrada na residência foi forçada e tendo em vista a obtenção de valores patrimoniais, nos termos já acima expostos. » O auto de diligência de fls. 46, realizado no dia 17 de Julho de 2017 pelo Inspectores da Polícia Judiciária BBB e CCC, onde se dá conta de que, na sequência de um contacto por parte de MM, sobrinho do falecido, dando conta de que lhe havia sido entregue o cartão de eleitor do seu tio, por parte de uma senhora que o encontrou perto das instalações do Supermercado JJ, se deslocaram ao local, tendo constatado que aí existia uma caixa multibanco e também que esse supermercado tem câmaras de vigilância no seu interior, tendo sido visionadas as imagens desse sistema de videovigilância. Estas imagens de videovigilância, sobejamente abordadas e analisadas em audiência de julgamento, permitiram a identificação dos arguidos AA e GG nas tentativas de levantamento de dinheiro com a utilização do cartão multibanco do ofendido. » O auto de apreensão de fls. 47 e 48 (do dia 17 de Julho de 2017), relativo à apreensão do cartão de eleitor do ofendido/falecido, que foi encontrado por um transeunte na Rua ..., na ... e posteriormente entregue ao sobrinho daquele, a testemunha MM. » Na informação de fls. 52 dos autos, fez-se constar que a Polícia Judiciária recebeu a informação de que, no âmbito do processo n.º 29/17.0SLSLB, cuja investigação está a cargo da PSP, foi interceptada uma comunicação telefónica que se considerou ter interesse para a investigação dos autos. » O auto de apreensão de fls. 55, realizado no dia 19 de Julho de 2019, em que foi apreendido um DVD contendo imagens captadas pelo serviço de videovigilância da JJ, Supermercados …, sito na Rua ..., Lote 0, na ..., em …. » O auto de visionamento de registo de imagens de fls. 56 a 83 dos autos, onde é perceptível que existem movimentações na parte frontal das instalações daquele supermercado e do ATM localizado na sua fachada principal, sendo que estas imagens respeitam ao dia 13 de Julho de 2017, entre as 02:46:47 h e as 03:26:39 h, sendo que nos fotogramas de fls. 73 (o segundo) a 83 são visíveis pelo menos dois indivíduos (neste particular o tribunal terá oportunidade de avaliar concretamente as próprias imagens que foram objecto de visualização em audiência de julgamento, quer os depoimentos das testemunhas que se pronunciaram sobre as mesmas). » O relatório de exame pericial de fls. 139 a 167, relativo à concreta e detalhada localização dos vestígios recolhidos na residência da vítima e especificação das áreas de criminalística ou biologia do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária onde cada um deles foi entregue, assumindo aqui particular relevo o vestígio 14 – um vestígio palmar revelado e recolhido na gaveta esquerda de um móvel com secretária de cor branca, que se encontra na sala. » O relatório de exame pericial de fls. 169 a 174, respeitante às conclusões sobre os vestígios de marcas de rastos de calçado fotografados e recolhidos em casa da vítima. » A fls. 177 a 178 dos autos consta um ofício da CGD relativo aos movimentos da conta bancária do falecido entre o dia 13 de Julho de 2017 e o dia 3 de Agosto de 2017, onde apenas se regista um débito directo a favor da … no valor de € 30,48, o que revela que com o cartão de débito da vítima não se lograram concretizar levantamentos ou pagamentos em ATMs após o dia 13 de Julho de 2017, o que é natural, uma vez que esse cartão ficou retido no próprio ATM. » O relatório de exame pericial de fls. 251 a 256, onde se conclui, quanto aos vestígios lofoscópicos, que das pesquisas e comparações realizadas no Sistema Automatizado de Identificação Lofoscópica não resultou, até à data, qualquer identificação. » O ofício da CGD de fls. 261, que, em complemento a anterior ofício, informa que, em 13 de Julho de 2017, na máquina ATM localizada no Supermercado ocorreram três tentativas de levantamento com o cartão do ofendido, designadamente: - a 1.ª às 02:45:49 h, no montante de € 20,00; - a 2.ª às 02:50:57 h, no montante de € 100,00; - a 3.ª às 03:23:53 h, no montante de € 20,00, sendo que nas três tentativas o PIN estava errado, pelo que à terceira tentativa a máquina capturou o cartão, de onde resulta que o cartão multibanco da vítima foi utilizado em três tentativas de levantamento na caixa ATM junto ao supermercado onde foram recolhidas as imagens de vigilância e em hora coincidente, ainda que com um ligeiro desfasamento, sobre o qual mais abaixo nos pronunciaremos. » O exame pericial de fls. 293 a 294 verso, relativo a exame a vestígios de sangue e ADN, que se concluiu pertencerem a mais do que um indivíduo do sexo masculino, mas não identificados. » O auto de informação de fls. 306, de acordo com o qual o cartão multibanco do ofendido que ficara retido na caixa ATM existente junto ao Supermercado JJ foi solicitado à CGD para realização de exames periciais. » O exame pericial de fls. 310 a 312, onde se conclui que não foi possível revelar qualquer vestígio lofoscópico com valor identificativo do cartão multibanco da vítima. » O relatório de diligência de fls. 313 a 314, realizado em 19 de Outubro de 2017, pelos Inspectores da Polícia Judiciária CCC e DDD, que se deslocaram ao Supermercado JJ, sito nas traseiras da Rua ..., Lote 0, na ..., …, onde procederam à recolha de imagens e tentam proceder à demonstração gráfica das circunstâncias em que ocorreram os factos, mormente dos percursos que os suspeitos poderão ter seguido até chegar àquele local; salienta-se que está junto CD com filmagem 360º, para melhor compreensão das circunstâncias do local. Este relatório, bem como o respectivo CD, permitem concluir que as tentativas de utilização do cartão foram realizadas num ATM bastante perto da residência do ofendido, num percurso que os arguidos facilmente terão feito a pé num curto período de tempo, e ao mesmo tempo suficientemente afastado daquela residência, por forma a que, caso o ofendido fosse desde logo descoberto – o que na verdade só acabou por ocorrer na manhã seguinte – não permitiria logo que fossem associados aos factos. Por outro lado, também há a considerar que os factos ocorreram durante a noite, tanto os que se passaram na residência do ofendido como as tentativas de levantamento de dinheiro no ATM, pelo que os arguidos puderam estar neste último local sem grande receio de serem detectados, de tal forma que a única preocupação que tiveram foi em esconder a cara, no caso do arguido GG, que terá sido quem fez mesmo as tentativas de levantamento do dinheiro (como o próprio assume), e preocupado com as câmaras que a caixa de ATM tivesse, dado que desconheciam a existência de câmaras de videovigilância no interior do supermercado JJ e que as mesmas pudessem detectar movimentações no exterior da rua em frente ao supermercado, sendo que o ATM se localiza na mesma fachada que esse supermercado (daí que ao passar em frente ao supermercado o arguido GG tenha retirado a peça de roupa que utilizou para tapar a cara quando se deslocou ao multibanco). » O exame pericial de fls. 320 a 320 verso, onde se conclui que parte do ADN recolhido na residência da vítima pertence à própria. » A certidão de fls. 333 a 355, extraída de um inquérito em que a companheira do arguido EEE, de nome FFF e alcunha “GGG” se encontrava com intercepções telefónicas, e que, no dia 13 de Julho de 2017 (a data que consta da certidão, como se veio a constatar durante a inquirição de uma destas testemunhas, contém um lapso quanto ao ano, pois esta conversa até por razões lógicas, só poderia ter ocorrido após a morte do ofendido), manteve com uma outra mulher, de nome HHH, a seguinte conversa: - HHH – “... estava com um ódio GGG, do que fizeram ao homem... ai GGG o homem a morrer... estes … para roubarem o homem... porque a reforma veio ontem...”; - GGG – “... Porque as reformas vieram a dobrar este mês, isso foi para roubarem o homem... mas já me disseram quem foi... eu já sei quem foi... está muito mal o que fizeram, o III devia prender o JJJ e o KKK, porque foram eles que fizeram isto ao homem, toda a gente ali sabe, estão é caladas, estão com medo, eles é que fizeram isto ao homem...”. Embora se compreenda do ponto de vista da investigação, o relevo destas intercepções, por dar a indicação de dois dos intervenientes nos factos, o que é certo é que, em audiência de julgamento uma das testemunhas se recusou, com fundamento legal, a responder às perguntas do tribunal, e a outra afirmou não se recordar da conversa. Consequentemente, por se desconhecer porque razão estas mulheres terão falado na participação dos arguidos GG e AA nos factos, daqui não resultou nenhuma prova que possa ser valorada contra os mesmos, podendo estar-se perante mais uma das situações tantas vezes ouvidas em audiência de julgamento, de a informação em causa ter sido por aquilo que se comentava no bairro. » O exame pericial de fls. 379 a 383, onde se conclui que o vestígio palmar recolhido na gaveta do móvel branco da sala da vítima se identifica com a impressão palmar correspondente à região superior da palma da mão direita do arguido DD. Como já se adiantou, este meio de prova será determinante para a conclusão de que o arguido DD foi um dos autores dos factos, em termo que em local próprio melhor desenvolveremos. » O auto de reconhecimento de pessoas de fls. 408 a 410, em que a testemunha LL, sobrinho da vítima reconheceu o arguido AA ou “KKK”, como sendo um dos indivíduos que visionou nos fotogramas extraídos da gravação realizada pelo sistema de videovigilância do Supermercado JJ da ..., concretizando ser o primeiro indivíduo a aparecer em frente à porta principal do supermercado. Este reconhecimento, que não foi nunca impugnado, foi posteriormente confirmado pela testemunha em audiência de julgamento e relevante para a conclusão de que o arguido GG foi um dos autores dos factos. » A fls. 439 a 445 consta a transcrição de nova conversa telefónica extraída do inquérito acima referido, entre as já mencionadas HHH e GGG (companheira do arguido EEE), no dia 21 de Fevereiro de 2017, com o seguinte teor (quanto ao que para os autos releva): “HHH – Esse agoiro do teu marido... GGG – Eu hoje nem vi o EEE, vê lá. HHH – Ai ele estava desesperado. Ele estava com um ódio GGG. Do que fizeram ao homem. Ai GGG. O homem a morrer, não respirava. GGG – Diz que sim. Mas o que é que aconteceu? Eu não percebi nada. HHH – GGG, ele assim, isto dá-me um ódio. Isto foi os … para roubarem o homem. Porque a reforma veio ontem. Se eles fazem isto à minha avó mato eles. GGG – Porque o homem, as reformas vieram a dobrar este mês. Estás-me a ouvir? Isso foi para roubar o homem. Mas já me disseram quem foi. HHH – Já? GGG – Eu já sei quem foi. HHH – Olha o EEE estava possuído. GGG – Tá muita mal o que fizeram. O III devia de prender o JJJ e o KKK. Porque eles fizeram isto ao homem. HHH – Foi? GGG – Foi sim senhora. Tá toda a gente. Tosa a gente ali sabe. Tão é caladas. Tão é com medo de falar. Mas eles é que fizeram isto ao homem. Contaram-me há bocado no supermercado. Até estou toda arrepiada porque conheço o homem desde pequenina. HHH – Porque é assim, roubar não precisavam de o matar. O homem tinha sido operado aos … GGG. GGG – Mas o homem morreu? HHH – Ó GGG, o homem não respirava. O homem foi muita mal para o Hospital. Então o homem, se a gente não chamasse o INEM o homem morria em casa, o senhor do INEM disse, ele morria ali. Mais dois minutos e o homem morria ali. GGG – Mas como é que deram, como é que deram por aquilo, ainda não percebi? HHH – Sabes aquela velhota pequenininha que costuma lá ir? Ela é que disse: Ó filha está ali op meu vizinho com a porta toda aberta e tudo no chão e eu tenho medo de lá ir. Mas o EEE disse assim: Quem?... Mas quem é o NN? Ele não sabia quem era. É aquele homem. Foi quando a gente foi lá. O EEE disse: Vizinho! Vizinho! Vizinho! E ele nada, só mexia os olhos. Tudo no chão, tudo partido. GGG – Tadinho, diz que o homem é uma casa mais pobrezinha que os pobrezinhos. HHH – É. GGG – Disseram-me. Sim, sim. HHH – Coitado do homem. GGG – Olha essas pessoas que fazem isso às pessoas que não se podem defender. HHH – O EEE estava a dizer isso. GGG – Deviam ter um fim triste. HHH – O EEE estava a dizer. Foda-se. Roubar, Matarem um velho. Não é um gajo. É um velho. Se fizessem isso à minha avó matava-os. Oh mas eles sabem a quem fazem né? GGG – Mas o homenzinho não se mete com ninguém pá. O homenzinho nem se vê. HHH – Pois não. Ele nem conhece o homem vê lá tu. GGG – Ele conhece o homem. Ele não se lembra do homem. Morava ao pé da mãe dele, então? Só que o homem tá muito, o homem bebe muito estás a entender? E está deformado e acho que não está bem da cabeça...”. Dá-se aqui por reproduzido o que acima já havia sido mencionado quanto a outra certidão junta aos autos em idêntica situação e que acabou por não assumir relevo para a prova positiva produzida nos autos, face ao depoimento da testemunha. Aliás, neste caso concreto, o teor da conversa até aponta mais para a circunstância de o arguido WW ter ficado revoltado com o que ocorreu com a vítima do que para que tenha sido ele um dos autores dos factos. » O relatório de Autópsia Médico-Legal de fls. 544 a 553, onde se conclui o seguinte: 1. A morte de NN foi violenta, devido às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, torácicas e abdominais, em indivíduo com patologia reumatológica grave e fístula recto-vesical abcedada. 2. Tais lesões denotam ter sido produzidas por acção de natureza contundente, compatíveis com informação clínica hospitalar de suspeita de agressão. 3. O exame toxicológico efectuado ao sangue do cadáver de NN não revelou a presença de drogas de abuso nem etanol, revelando a presença de substâncias medicamentosas, em concentrações terapêuticas e supra-terapêuticas, cuja presença muito provavelmente está relacionada com o internamento hospitalar. O exame de autópsia do falecido assume particular importância, não só pela razão óbvia da determinação da causa da morte do falecido, mas também para aferir do elevado e totalmente injustificado nível de violência que os arguidos empregaram na pessoa do ofendido, denotando claro desvalor e falta de respeito pela vida e sofrimento alheios, particularmente tendo em vista o objectivo final de obtenção do cartão multibanco e PIN do mesmo, a fim de se apropriarem das quantias que o mesmo pudesse ter na sua conta e que sempre seriam de valor não significativo, atendendo a que o mesmo antes do seu internamento hospitalar por cerca de quatro meses era uma pessoa que vivia na miséria e que, durante aqueles meses, quanto muito poderia ter amealhado o valor da parca reforma que auferia, num total nunca superior a € 1500. » As declarações prestadas pelo arguido AA perante o Ministério Público, em 19 de Março de 2018 – cf. fls. 612 a 613 – em que refere, quanto ao que aqui possa assumir relevo que “tinha sido chamado à PJ e que depois lhe disseram que ia ficar detido por causa de uma filmagem em que aparecia junto ao multibanco do supermercado “JJ”. A esse respeito esclarece que naquela altura ia todos os dias para o … e que naquele dia tinha vindo do …, porque a noite estava fraca e pretendia ir para as sedes e as roulottes de cachorros. Que nessa noite estava com a LLL, que já indicou como testemunha e que tinham estado no bar … e no …. Que esteve toda a noite com ela mesmo depois de ter ido ao multibanco e que já se separaram depois das 5 horas da manhã. Que se dirigiu àquele multibanco para efectuar um levantamento com o cartão multibanco do Montepio do seu pai, cuja cópia se junta em anexo, e que ao aproximar-se encontrou um rapaz que conhece por nome “MMM” e que reside na Rua ..., o qual lhe disse que o multibanco não tinha dinheiro, motivo pelo qual nem chegou a tentar levantar dinheiro. O referido “MMM” estava sozinho e conhece-o porque “parava com ele de vez em quando”, uma vez que como o próprio também o MMM era consumidor de haxixe e às vezes encontravam-se no mesmo grupo para fumar. Disse ainda que costumava fumar haxixe com o seu grupo de amigos, junto do prédio onde o ofendido faleceu porque, sendo … não podiam fumar junto da família sem lhes faltar ao respeito e ali era um local onde estavam à vontade e ainda conheciam pessoas. Soube que o ofendido morreu logo no dia seguinte e chegou a estar junto do prédio com a irmã do falecido e o filho desta, a conversar, enquanto a polícia judiciária lá estava em diligências. Conhece a irmã do falecido, por VV, por esta ser cliente da sua mãe na venda de …. Não sabe o que aconteceu naquela noite ao ofendido, ouviu falar de teorias lá no bairro, mas não tem a certeza e por isso prefere não comentar.” Uma vez que estamos perante as primeiras declarações de arguido, impõe-se, desde já, tecer aqui algumas considerações sobre a prova produzida através de declarações de arguidos e que valerão para todas as outras situações deste mesmo meio de prova. Um primeiro aspecto a assinalar é que mesmo as declarações prestadas pelos arguidos em sede de inquérito, perante o Ministério Público ou o Juiz de Instrução Criminal, poderão ser valoradas em audiência de julgamento, ficando sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, ainda que esses arguidos (como ocorreu com os arguidos AA e GG) em audiência de julgamento tenham optado pelo silêncio. Isto porque os arguidos, na altura em que prestaram declarações, foram advertidos expressamente para os termos do disposto nos artigos 141.º, n.º 4, alínea b), 143.º, n.º 2, e 144.º, n.º 1, do Código de Processo penal, consoante o caso de estarem a ser interrogados perante o Ministério Público ou o Juiz de Instrução Criminal. Outra norma que aqui assume relevo, mormente no que tange com a valoração das declarações dos arguidos no que tange com os factos praticados por co-arguidos, é a do artigo 345.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, ou seja, saber se podem ser valoradas as declarações prestadas em julgamento ou ainda em fase de inquérito por um arguido relativamente a co-arguido no caso em que o arguido que presta declarações se recuse a ser sujeito ao contraditório, ou seja, a responder às questões que lhe sejam colocadas pelo tribunal ou pelos intervenientes processuais. Ao contrário do que defenderam os arguidos em sede de alegações finais, as declarações prestadas pelos arguidos em sede de inquérito relativamente aos co-arguidos até poderiam ser valoradas, uma vez que o tribunal lhes deu a possibilidade de sobre elas se pronunciarem ou exercerem o contraditório, uma vez que em audiência de julgamento, após a reprodução sonora dessas declarações, o tribunal questionou os arguidos sobre se se queriam pronunciar sobre as declarações dos arguidos, sendo que apenas os arguidos DD e XX manifestaram vontade de prestar declarações nessa fase, em que aliás ocorreu na sala de audiências uma altercação entre arguidos e familiares presentes na sala de audiências, que careceu da intervenção das autoridades policiais para ser debelada e que em nada dignifica o normal funcionamento de um órgão de soberania. Nesse sentido, veja-se o que se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º 320/14.7GASPS.C1, em 21 de Junho de 2017 (in www.dgsi.pt), “Estabelece o artigo 125º do CPP o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, indicando o artigo 126º aquelas que são proibidas, não constando nesse elenco as declarações dos co-arguidos. “Nada impede que um arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento e que constituam objecto de prova, quer de factos que só a ele digam directamente respeito, como sobre factos que também respeitem a outros arguidos. O n.º 3 do art. 344.º do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova resultante das declarações do arguido, mas apenas que, nesses casos, as declarações do arguido não têm o valor de força probatória pleníssima que deve ser atribuída aos casos do n.º 2.” - cfr. Ac. de 30-5-97 (proc. n.º 498/96), citado no Ac. do STJ, de 272007, in www.dgsi.pt. Portanto, as declarações de co-arguido constituem um meio de prova válido a apreciar livremente pelo tribunal (artigos 344º, n.º 3 e 127º do CPP), revelando-se essencial o respeito pelo princípio do contraditório e que as declarações sejam corroboradas com outro(s) meio(s) de prova. Este tem sido o entendimento da doutrina e da jurisprudência. Como salienta Medina de Seiça, a propósito da valoração das declarações do co-arguido, “(...) o aplicador, dentro da sua margem de apreciação livre, pode condenar um co-arguido baseado exclusivamente nas declarações de outro arguido. Julgamos, no entanto, que se torna possível, descortinar para além do geral bom senso (que não sendo critério legal é factor não despiciendo na aplicação do direito), elementos normativos que justificam o apelo à regra da corroboração das declarações do co-arguido na parte respeitante à responsabilidade de outro arguido, corroboração que surge, repetimos, como momento integrador do juízo valorativo dessa informação probatória.”. Germano Marques da Silva considera que o valor das declarações do co-arguido «exige uma especial ponderação pelo julgador». E, Teresa Beleza afirma mesmo que o depoimento do co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida no direito português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia. Como se escreveu no Ac. do STJ, de 7-5-2009, in www.dgsi.pt, referenciando um outro Ac. do STJ, de 12-7-2006, onde se cita um parecer do Prof. Figueiredo Dias “Como nos dá conta Figueiredo Dias naquele Parecer, entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do co-arguido, avulta a doutrina da corroboração, com o que se quer significar «a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura duma fundamentação insuficiente. Significa que as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe alguma prova adicional a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações»”. Teremos, assim, de concluir que inexiste impedimento legal a que as declarações dos arguidos ou dos co-arguidos sejam valoradas como meio de prova, com a credibilidade que o tribunal lhes atribuir. “Como o Supremo Tribunal de Justiça tem maioritariamente defendido, as declarações do arguido, sendo um meio de prova legal, podem e devem ser valoradas no processo, podendo, por si só, fundamentar a condenação do co-arguido, ou seja, mesmo que desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, consabido que as declarações incriminatórias do co-arguido estão sujeitas às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo. O Tribunal deve, no entanto, ter um especial cuidado na valoração e apreciação das declarações incriminatórias” – cfr. Oliveira Mendes in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 1101. Porém, como uma limitação: a prevista no n.º 4 do artigo 345º do CPP (aditado pela Lei n.º 48/2007, de 29-08), onde se estabelece que «Não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2». Ou seja, não valem como meio de prova as declarações de co-arguido em prejuízo de outro co-arguido, quando o primeiro se recusar a responder (no exercício do direito ao silêncio) às perguntas que lhe sejam feitas, quer pelo tribunal, quer pelo Ministério Público, advogado do assistente e dos defensores. Do que se trata, aqui, é de retirar valor probatório a declarações totalmente subtraídas ao contraditório (cfr. Ac. STJ de 15-4-2015). Assegurado o funcionamento dos referidos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo artigo 32º da CRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova – Ac. STJ de 3-9-2008 no proc. 08P2044. No caso vertente, não estão em causa as declarações prestadas em audiência de julgamento, mas as declarações prestadas em anterior fase do processo, que serão livremente apreciadas pelo tribunal, mesmo que, quem então as prestou, não preste declarações em audiência de julgamento. Ora, na audiência de julgamento o exercício do contraditório é exercido pelo defensor do arguido (artigos 63º, n.º 1 e 345º do CPP). Na fase de julgamento em que pontifica a oralidade e a imediação, o exercício do contraditório pressupõe a possibilidade de o arguido, por intermédio do seu defensor, sugerir as perguntas necessárias para aquilatar da credibilidade do depoimento que se presta e infirmá-lo caso tal seja adequado. Alega o recorrente que “não podia ser atribuído valor probatório às declarações anteriormente prestadas em sede de inquérito, pelo co-arguido A... , em desfavor do ora recorrente, se este último se viu impossibilitado de efectuar, mesmo através do próprio tribunal, um contra-interrogatório, pois neste caso, e ao assim não ser entendido, o Tribunal de 1ª Instância violou o princípio do contraditório, da verdade material e da igualdade de armas.” Não tem razão o recorrente. Não esteve o recorrente impedido de esclarecer o tribunal ou infirmar as declarações que haviam sido prestadas pelo co-arguido A... (a cuja leitura o ora recorrente assistiu porque esteve presente em audiência). Na verdade, o Mmº Juiz perguntou ao ora recorrente «se queria dizer alguma coisa, designadamente sobre as declarações que leu», tendo o arguido respondido que não queria – cfr. gravação da audiência, às 11.48.40. Por conseguinte, não se podendo afirmar que as declarações do co-arguido A... ficaram totalmente subtraídas ao contraditório, não foi violado o disposto no n.º 4 do artigo 345º do CPP, como alegou o recorrente. Deste modo, entendemos que nenhum reparo nos merece a decisão recorrida quando utilizou as declarações prestadas pelo arguido A... para fundamentar a convicção do tribunal e, consequentemente, a responsabilização criminal do recorrente (e também a do próprio A...). A salientar, que de tais declarações não resulta qualquer interesse do arguido A... na incriminação do ora recorrente, apenas se limitando a relatar o que aconteceu, e daí que tenham sido condenados, como co-autores. Por outro lado, no que respeita à credibilidade das mesmas, como ficou consignado na Motivação da matéria de facto da sentença recorrida: «Tais declarações não nos mereceram qualquer reserva, pois que, para além de produzidas em condições que salvaguardam a sua espontaneidade e liberdade, mormente com a presença de defensor, não foram de algum modo colocadas em crise por qualquer dos arguidos, os quais, tendo ouvido a sua pública leitura, não lhes apontaram nenhuma objecção.” Pese embora este seja o entendimento do tribunal, consigna-se expressamente que, no caso em apreço, o tribunal apenas valorou as declarações prestadas pelos arguidos em sede de inquérito no que tange com a participação dos próprios nos factos e já não com os co-arguidos, dado que estando estas declarações sujeitas ao princípio da livre apreciação da prova, não as entendeu o tribunal como isentas e seguras relativamente a co-arguidos, excepto quando corroboradas por outros meios de prova, como ocorreu no caso dos arguidos AA e GG (que nas suas declarações confirmaram ter estado ambos junto ao supermercado JJ para levantar dinheiro no multibanco, ainda que com versões distintas dos factos, mas o que é certo é que essa sua presença naquele local foi confirmada pelas imagens de videovigilância desse supermercado). O caso do arguido DD assume contornos distintos, como abaixo se deixará exposto. Ou seja, o que resulta evidente da leitura dos autos foi que os três arguidos que tomaram conhecimento de que havia contra eles elementos de prova que os poderiam incriminar nos factos em investigação – arguidos DD (impressão lofoscópica), AA e GG (imagens de videovigilância) – apressaram-se a ir ao processo fornecer explicações para contrariar esses elementos de prova e, para o efeito, prestaram declarações em que assumem ter estado presentes no local onde esses elementos de prova foram recolhidos, embora tenham depois procurado explicar essa presença com justificações que resultaram contrariadas pela demais prova produzida e pelas regras da experiência comum. No caso dos arguidos AA e GG, como sabiam que as imagens de videovigilância os tinham detectado juntos ao pé do terminal de ATM onde foram realizadas as tentativas para proceder aos levantamentos com o cartão multibanco do falecido, forneceram versões dos factos em que se encontraram realmente naquele local. Assim, quanto a essa especificidade, as declarações prestadas em inquérito pelo arguido AA (na presença do Ministério Público) e pelo arguido GG (na presença do Juiz de Instrução Criminal), são coincidentes, não se colocando sequer a necessidade de serem contraditadas. Vertendo ao caso concreto das declarações prestadas pelo arguido AA em sede de inquérito, para além daquilo que foi corroborado pelas imagens de videovigilância – que foi a circunstância de ter estado presente junto ao ATM do supermercado JJ juntamente com o arguido GG – tudo o mais que o arguido declarou não assume foros de credibilidade, não só porque a cronologia dos factos que está comprovada revela que o mesmo esteve naquele local em horário diferente daquele que indicou, ao mesmo tempo que a testemunha que afirmou que o acompanhava não confirmou em audiência de julgamento ter estado com o mesmo nesse local, na sequência de uma qualquer saída nocturna. Aliás, não deixa de ser curioso que o arguido quando prestou declarações tenha junto aos autos cópia do cartão multibanco do seu pai, que alegadamente teria utilizado para ir levantar dinheiro, mas logo tenha encontrado uma explicação para não ter levantado dinheiro (que seria o arguido GG tê-lo informado de que não havia dinheiro no ATM), o que não foi comprovado no processo e facilmente poderia tê-lo sido – aliás, a Ilustre Mandatária do arguido AA viu deferidas todas as diligências de prova que apresentou, incluindo no que tange com informações solicitadas à CGD, pelo que também esta factualidade poderia facilmente ser comprovada, não tendo o arguido em momento algum diligenciado para esse efeito. » As declarações prestadas pelo arguido GG, que confirmou ter a alcunha de “JJJ”, aquando do seu primeiro interrogatório judicial, em 31 de Março de 2018, onde declarou que no dia em questão estava em casa, quando eram cerca de 00.30 h, tendo saído de casa para “ir fumar uma ganza”, para o que foi para junto do café do Sr. .... Estavam quatro indivíduos a jogar às cartas, designadamente os arguidos AA, DD, WW (NNN) e um de … (AAA), sendo que esteve naquele local a “fumar a sua ganza” e depois foi para casa por volta da 01.00 h da manhã. Algum tempo depois de estar na sua casa apareceram lá junto à mesma o AA e os outros indivíduos, tendo gritado por ele. Os indivíduos perguntaram-lhe se queria ir “fumar uma ganza” com eles e foi. Foram então para o parque e surgiu uma conversa em que lhe perguntaram se queria ir com eles lá acima, levantar dinheiro, ao que acedeu por pensar que o cartão multibanco era deles. Quando chegaram lá acima eles estavam a “fazer uma ganza” sentados, e o AA, como estava com as mãos ocupadas, pediu-lhe a ele para ir levantar dinheiro. Nessa altura perguntou-lhe se o cartão era dele, ao que aquele respondeu que sim. Justificou ter perguntado se o cartão era dele porque estava com medo, não conseguindo concretizar porquê ou de quê. Foi, então, levantar dinheiro e como o PIN estava errado (mais adiante disse que o écran ficou vermelho e não ter a certeza de que o ATM deu indicação de PIN errado) não conseguiu, e devolveu o cartão. Quem foi com ele levantar dinheiro foi o AA, o OOO, o de … (o arguido AAA, conhecido por PPP), o QQQ e o RRR. Depois afirmou que veio com três indivíduos para casa, quando eram umas 02.00 h da manhã, tendo os outros indivíduos ficado lá em cima. Esclareceu que foram da Rua ... até ao sítio onde foram levantar o dinheiro a pé. Não conseguiu explicar porque razão foram àquela hora levantar dinheiro, dizendo apenas que os outros lhe pediram para ir com eles, tendo-os acompanhado porque não tinha nada para fazer. Mais afirmou que recebe de RSI € 750,00 e € 350,00 de abono dos filhos, pelo que não precisa de roubar. Explicou que quem vivia ali no mesmo bairro eram ele e o OOO, sendo por isso conhecidos. Os outros (o AA, o RRR e o AAA) também os conhece por viverem ali em zonas próximas e frequentarem o bairro. Esclareceu que quem lhe forneceu o PIN para fazer o levantamento foi o AA. Questionado sobre a razão pela qual se ausentou de … depois de ter estado na Polícia Judiciária, justificou que o fez porque o pai o pôs fora de casa, por ter agredido a sua companheira, tendo ido para …. Dá-se por reproduzido quanto às declarações do arguido GG tudo quanto acima já se mencionou relativamente às declarações do arguido AA. Com efeito, à excepção da circunstância – confirmada por estes dois arguidos nas suas declarações – e corroborada pelas imagens de videovigilância, de que o arguido esteve juntamente com o AA no ATM junto do supermercado JJ, todas as restantes explicações que forneceu para essa sua conduta são totalmente descabidas e irrazoáveis. Desde logo, se já tinha fumado uma ganza e já estava em casa porque motivo saiu novamente já depois da meia noite para fumar novamente outra ganza e fez um percurso que demora entre 7 a 10 minutos com outros indivíduos até um local onde existe um ATM e acabou por tentar levantar dinheiro com um cartão multibanco que lhe é entregue por outra pessoa que não vai ela própria levantar dinheiro porque tem as mãos ocupadas. Mais, afirmou ter perguntado ao arguido AA se o cartão multibanco era dele, sem que tenha conseguido explicar a razão de ser dessa pergunta. No fundo, este arguido procurou, de forma atabalhoada e manifestamente incoerente, ir justificando por todas as formas o ter estado a tentar levantar dinheiro com um cartão multibanco que não lhe pertencia, com o que só logrou revelar uma atitude de tentar ludibriar e confundir o tribunal. » As declarações prestadas pelo arguido DD, perante o Ministério Público, no dia 16 de Abril de 2018, em que afirmou que fez diversos trabalhos de reparações, algumas vezes, em casa da vítima, sendo que a última vez foi cerca de um mês antes de estes factos terem ocorrido (passou um cabo de antena da sala, ao quarto e cozinha, sendo que para fazer esse trabalho foi necessário desviar móveis, daí que lá tenha ficado a sua impressão digital). Quem o chamava para lá ir fazer esses trabalhos era habitualmente uma vizinha, de nome SSS. Referir conhecer os outros arguidos do processo de vista, por viver por cima da colectividade que aqueles frequentam. No bairro sabe-se tudo. Sabe que quem fez isto foi o AA, o GG, o EEE, o QQQ e o AAA. Ouviu da boca deles, directamente, que foram estas pessoas. Designadamente o arguido AA contou-lhe tudo, quando estiveram juntos na Polícia Judiciária. Ora, como se disse já, também o arguido DD, no afã de tentar excluir a possibilidade de ser incriminado por uma impressão lofoscópica sua que foi encontrada no local do crime, apressou-se a ir ao processo prestar declarações e justificar a existência dessa sua impressão lofoscópica com trabalhos que teria realizado em casa da vítima cerca de um mês antes da sua morte. Esqueceu-se, porém, o arguido, de que nessa altura o ofendido não estava na sua residência, mas sim num internamento hospitalar e em instituições de reabilitação por período prolongado, do qual só regressou a 7 de Julho de 2017, poucos dias antes da sua morte. Logo, essa sua versão dos factos cai logo por terra e não pôde ser considerada pelo tribunal. Já em audiência de julgamento, este arguido alterou essa versão dos factos, precisamente porque foi confrontado com a impossibilidade de os trabalhos terem sido realizados cerca de um mês antes da morte da vítima. Sobre essas declarações nos pronunciaremos no momento próprio. Salienta-se, porém, que também estas declarações prestadas pelo arguido DD em inquérito revelam uma personalidade de alguém que procurou arranjar forma de desviar as provas da sua pessoa, mas também de quem não teve qualquer pejo em incriminar os co-arguidos, invocando ter ouvido dos próprios que foram eles os autores dos factos (o que em audiência de julgamento já não conseguiu afirmar). Assim, como veremos, as declarações prestadas pelo arguido DD foram relevantes para o valor probatório que a sua impressão lofoscópica irá assumir para a demonstração dos factos, pois as datas que indica como datas possíveis para essa impressão ter sido aposta num móvel existente na sala do ofendido não são compatíveis com a cronologia dos factos e só revelam discrepâncias e incoerências nas suas declarações. No que tange com aquilo que afirmou relativamente aos demais arguidos, o tribunal, aqui como quanto ao que afirmou em julgamento, não lhe atribui valor, posto que o próprio arguido se contradisse e acabou a afirmar que se limitou a reproduzir o que se dizia no bairro. » O auto de reconhecimento de pessoas de fls. 843 a 844, em que o arguido DD identificou o arguido XX como sendo um dos autores do crime investigado nos autos. Este auto de reconhecimento tem que ser apreciado conjugadamente com as declarações do arguido DD que, como se disse já, neste particular, não foram credíveis para o tribunal. » O auto de reconhecimento de pessoas de fls. 845 a 847, em que o arguido GG identificou o arguido XX como sendo um dos indivíduos com quem esteve na noite em que ocorreram os factos em investigação, nomeadamente com quem esteve pelas 00.00 h e, mais tarde, pelas 02.30 h, quando foi levantar dinheiro numa caixa ATM do supermercado JJ, na ..., com um cartão que o AA lhe entregara. Dá-se aqui por reproduzido o que acaba de se referir quanto ao reconhecimento de pessoas acima mencionado, posto que as declarações do arguido GG no que tange com a participação do arguido XX nos factos não foram suficientemente esclarecedoras e, logo, susceptíveis de valoração positiva. » A infografia de fls. 904 dos autos, elaborada pelo Laboratório de Polícia Científica relativamente ao posicionamento do vestígio palmar do arguido DD recolhido na residência da vítima. Este elemento de prova irá ser analisado conjugadamente com a demais prova relativa à impressão lofoscópica do arguido DD recolhida no local do crime. » O auto de reconhecimento de pessoas de fls. 1107 a 1109 dos autos, em que a testemunha LL reconheceu o arguido GG (conhecido por JJJ) como sendo um dos indivíduos que visionou nos fotogramas extraídos da gravação realizada pelo sistema de videovigilância do Supermercado JJ, na ..., especificando que se trata do segundo sujeito que vem a aparecer e retira uma camisola da cabeça. Este auto de reconhecimento de pessoas, que não foi impugnado, foi confirmado e analisado conjugadamente com o depoimento da testemunha LL em audiência de julgamento, bem como com o depoimento do irmão deste, MM, assim como com a própria análise que o tribunal fez de toda a prova associada ao vídeo das imagens de videovigilância recolhidas no supermercado onde foram feitas as tentativas de levantamento com o cartão multibanco do ofendido. » O documento de fls. 1406, comprovativo do valor dos cuidados médicos prestados à vítima durante o curto período em que permaneceu com vida após as agressões. Relativamente à prova documental, já no decurso da audiência de julgamento e na sequência de requerimentos apresentados pelos arguidos, foram juntos aos autos os seguintes documentos: » Os documentos de fls. 1872 a 1877, que comprovam a existência de um inquérito em que um dos suspeitos é o arguido XX, bem como outro inquérito em que este mesmo arguido figura como ofendido. Adiante iremos referir-nos a este e outros documentos, que estão associados às declarações que o arguido XX acabou por prestar em audiência de julgamento. » O documento de fls. 1886 a 1891, que esclarece que a vítima esteve internado na Unidade de ..., ao abrigo do protocolo para camas de retaguarda existente entre o Centro Hospitalar … e a CERCITOP, CRL, entre 19 de Maio de 2017 e 25 de Maio de 2017. Mais informam que, estando o utente, na altura do internamento, consciente e orientado no tempo, espaço e pessoa, desconhecem se o mesmo trazia consigo os seus documentos pessoais. Finalmente, esclarecem que o ofendido teve alta daquela Unidade por ter surgido vaga na Unidade da Santa Casa da Misericórdia do .... Este documento, como muitos outros que a pedido da defesa foram juntos aos autos, tinham em vista uma tentativa de comprovar a eventual possibilidade de o ofendido não ter o cartão multibanco consigo quando foi brutalmente agredido, mormente porque, por exemplo, algum dos seus familiares poderia ter ficado com ele e o poderia ter utilizado. Ora, o que diremos aqui vale para os demais documentos adiante referidos e até prova testemunhal que a este propósito foi produzida. Conforme resulta das regras da experiência comum, parece manifesto que tendo o ofendido sido agredido na noite de 13 de Julho de 2017, por volta das 2.00 h da manhã, tendo o seu cartão multibanco sido utilizado em tentativas de levantamento de dinheiro pouco tempo depois dessa hora, em local onde estavam os arguidos e que era um ATM próximo da residência daquele, que o cartão multibanco, para aquilo que releva, que era a noite em que os factos ocorreram, estava na sua posse. De todo o modo, de toda a prova documental e testemunhal produzida, em momento algum resulta que os pertences do ofendido, designadamente a sua carteira e cartão multibanco, alguma vez tenham saído da sua posse e tenham sido utilizados por outras pessoas, tais como familiares seus. Apenas quando o ofendido saiu do Hospital de ... e esteve em duas instituições de reabilitação há provas de que o cartão multibanco foi utilizado, mas sempre em ATMs das zonas onde o mesmo se encontrava, pelo que o foi o próprio ou alguém a seu mando que fez essas utilizações. Nada nos autos permite, pois, a conclusão de que outros que não os arguidos relativamente aos quais os factos se comprovam se tenham apropriado do cartão multibanco da vítima. » O documento de fls. 1893, que também ele comprova a pendência de um inquérito, ainda em investigação, no qual o ora arguido XX é denunciado. » O documento de fls. 1895 a 1897, que dá consta da existência de um inquérito, que se encontra findo com despacho de arquivamento, em que se investigava a prática de um crime de ofensa à integridade física, em que seria ofendida YY. » O documento de fls. 1905 a 1909, correspondente a um extracto bancário da conta do ofendido, no período entre 22 de Março de 2017 e 7 de Julho de 2017, em que se constata terem ocorrido créditos (tudo indicando tratar-se de pensões), débitos (para pagamento de um crédito à …), pagamentos e levantamentos. » O documento de fls. 1912 a 1916, emitido pelo serviço de pneumologia do CHLN, onde o ofendido esteve internado, onde se informa que o mesmo no dia 22 de Março de 2017 deu entrada na Unidade de Cuidados Intensivos Respiratórios, proveniente do serviço de Urgência Central, tendo tido alta em 19 de Maio de 2017. Mais informam que o espólio do doente foi, a pedido deste, levantado e levado para a UCIR e entregue ao próprio, sendo que os bens em causa são: um telemóvel, uma carteira com documentos e uma carteira com uma navalha. No documento de descrição dos bens em causa consta a assinatura do doente e a de TTT. » Os documentos de fls. 1941 a 1974, relativos a documentação clínica/hospitalar do arguido XX, comprovativa de que, no dia 2 de Março de 2017, o mesmo apresentou ferimentos numa perna e mão com arma de fogo, tendo voltado posteriormente ao hospital por complicações nesses ferimentos, a 26 de Setembro de 2017 recorreu novamente aos serviços de urgência por alegada agressão com ferro/faca ao nível da cervical lateral direita e cervical posterior, apresentando três feridas incisas, tendo posteriormente tido acompanhamento médico no Centro Hospitalar … devido às mencionadas lesões. » O documento de fls. 1978 a 1980, emitido pelo Hospital de ..., refere-se, igualmente, a um internamento do arguido XX, ocorrido em 5 de Março de 2017, para realização de cirurgia. » O documento de fls. 1981 a 1983, onde o Hospital de ... esclarece que a vítima esteve internado no Serviço de Medicina Intensiva entre os dias 13 e 14 de Julho de 2017, tendo falecido nesta última data, durante o internamento. Mais se esclarece que entre os dias 20 de Março de 2017 e 7 de Julho de 2017, o mesmo não esteve internado naquele Serviço de medicina Intensiva. » O documento de fls. 1987, em que o Hospital de ... informa que o arguido XX foi vítima de «acidente» com arma de fogo a 2 de Março de 2017, do qual decorreu ferida do escavado popliteu à direita sequelar a exploração de hematoma escavado popliteu por lesão não reconstrutiva da veia popliteia + imobilização com fios K de M2 ME. » O documento de fls. 1988 a 1990, em que a Santa Casa da Misericórdia do ... informa que o ofendido quando aí esteve internado – de 25 de Maio de 2017 a 7 de Julho de 2017 – trazia consigo o cartão de cidadão, sendo que por estar orientado na sua pessoa, espaço e tempo, desconhecem se tinha o cartão de multibanco. » O documento de fls. 1999 que comprova que TTT, mencionada no documento de fls. 1895 a 1897 é funcionária do Centro Hospitalar … – Hospital de .... » O documento de fls. 2006 em que a Santa Casa da Misericórdia do ... informa que no interior da instituição não existe caixa de multibanco e que, de acordo com os registos da instituição, o ofendido se ausentou daquela unidade, no dia 7 de Julho de 2019, para ir à praia na ..., acompanhado pela animadora Socio Cultural. Compulsado o documento de fls. 1905 a 1909, constata-se que nessa data ocorreu um levantamento de € 60,00 da conta titulada pelo ofendido, o que conjugado com o documento de fls. 2180 se constata ter ocorrido já quando o mesmo regressou à .... » O documento de fls. 2009 a 2011, emitido pelo Hospital de ..., comprovativo de que, em 22 de Março de 2017 foram recebidos os pertencentes do ofendido no armazém, designadamente roupas, um telemóvel, uma carteira com documentos e uma carteira com uma navalha. » Os documentos de fls. 2015 a 2097 verso, juntos pelo arguido DD, reportados a estudos sobre a durabilidade de impressões digitais. Sobre estes documentos iremos pronunciar-nos de forma mais alongada quando analisarmos a prova pericial lofoscópica em causa nestes autos. » O documento de fls. 2180, em que a CGD informa que, com o cartão multibanco do ofendido, em 1, 10, 24 de Junho e 6 de Julho de 2017, os levantamentos de, respectivamente, € 10,00, € 190,00, € 100,00 e € 50,00, foram efectuados em ATMs sitos no ..., sendo que o levantamento de € 60,00, ocorrido no dia 7 de Julho de 2017, foi efectuado num ATM sito na Rua ..., em … (que se situa na zona de residência do ofendido, o Bairro da ...). » O documento de fls. 2106, que foi extraído do Google Maps, e que corresponde à zona onde se situa o supermercado e a caixa ATM onde ocorreram as tentativas de levantamento com o cartão da vítima, na noite em que a mesma foi agredida. Este documento procurou esclarecer dúvidas levantadas durante a audiência de julgamento sobre a fachada do supermercado JJ, onde ficava a caixa ATM, designadamente se se trava de uma fachada a direito ou se entre o ATM e a porta do supermercado onde são visionados os arguidos existia alguma curva. Do documento resulta claro que a fachada do supermercado, onde também se situa a caixa ATM é uma recta, pelo que o visionado do interior do supermercado também corresponde a esse exterior em que os arguidos se terão movimentado, sendo vistos a caminhar, em linha recta, da caixa ATM e a passar em frente à porta do supermercado. Quanto a declarações de arguidos, já em audiência de julgamento, num primeiro momento, apenas o arguido DD voltou a manifestar intenção de prestar declarações, o que fez, afirmando negar a acusação. Referiu-se logo à existência de uma impressão palmar sua num móvel da sala, invocando que foi ele quem vendeu esse móvel ao Sr. NN, o que ocorreu antes de o mesmo ter sido internado. Não só vendeu esse móvel à vítima como também o transportou para casa do mesmo. Acabou por se referir a outros trabalhos que realizou em casa da vítima – aliás a grande preocupação do arguido nas suas declarações foi realçar os trabalhos realizados em casa da vítima, por forma a justificar a impressão palmar que foi encontrada num móvel branco da sala. Afirmou conhecer os outros arguidos por os mesmos irem à colectividade onde costuma estar e por cima da qual reside, sendo que em relação ao arguido XX chegaram a trabalhar juntos há alguns anos, sendo que este arguido também é vizinho dos seus pais. Por existirem divergências nas declarações que prestou em julgamento e aquelas que havia prestado aquando do seu interrogatório no Ministério Público, designadamente quanto à data em que teria estado em casa da vítima, foi confrontado com essas divergências, acabando por afirmar que teve que mexer no móvel quando foi montar o cabo de antena. Também quanto ao que havia dito relativamente à participação dos outros arguidos em declarações prestadas no processo, disse não ter a certeza de quem praticou os factos, tendo apenas ouvido uns «zuns-zuns» lá no bairro, não tendo ouvido dizer isso da «boca dos co-arguidos». Acabou por dizer que não esteve junto ao Supermercado onde foi utilizado o cartão multibanco da vítima, pois deita-se sempre cedo. Questionado novamente sobre a data em que, pela última vez, teria estado em casa da vítima a fazer trabalhos, referiu que foi três semanas a um mês antes deste ter falecido, para arranjar o aro da porta, que tinha sido arrombado, mas nessa ocasião não se deslocou pelo interior da residência. Relativamente à impressão palmar que foi encontrada num dos móveis, afirmou que deve ter sido quando esteve na residência daquele, antes dele ser internado, há já algum tempo, talvez um mês ou dois depois de a vítima ter ido residir para aquela casa, quando foi colocar o cabo da televisão e teve que afastar o móvel em questão. Tendo sido confrontado com os fotogramas de fls. 77 e ss. dos autos, afirmou não conseguir reconhecer quem neles surge. Também foi confrontado com fls. 22 e ss. dos autos, para esclarecer quais os … que vendeu ao falecido, tendo identificado tais … e explicitado os móveis que desviou para montar o cabo de antena, precisando mais concretamente as movimentações que fez junto da gaveta onde foi recolhido o vestígio da sua impressão palmar. Como acima já se havia referido, o arguido DD, apesar da sua grande preocupação em justificar trabalhos realizados em casa da vítima – o que em parte foi confirmado por algumas testemunhas – foi peremptório em afirmar que quando mexeu no móvel branco, colocando a sua mão na posição que consta da impressão lofoscópica palmar que foi recolhida numa gaveta desse móvel, foi quando foi montar o cabo da antena da TV, o que num primeiro momento referiu ter ocorrido um mês antes do falecimento do ofendido, mas depois quando confrontado com a impossibilidade de tal ter ocorrido nessa data, porque nessa ocasião o ofendido estava internado (o que ocorreu a partir do final do mês de Março de 2017), disse ter ocorrido um mês ou dois depois de a vítima ter ido residir para aquela casa – o que aconteceu no verão de 2016. Assim, e perante esta segunda versão das declarações do arguido, a impressão lofoscópica estaria naquela gaveta desde Setembro ou Outubro de 2016. Mesmo a admitir-se que o arguido tenha feito confusão e tenha assente essa afirmação no pressuposto de que o ofendido se mudou para aquela residência no início do ano de 2017, a impressão lofoscópica seria de Janeiro ou Fevereiro de 2017, e em qualquer dos casos, anterior ao internamento do ofendido ocorrido em 22 de Março de 2017. Consequentemente, na data em que foi revelada – Julho de 2017 – estaria no local, no mínimo, há mais de cinco ou seis meses. Realça-se que o arguido, nas suas declarações, se mostrou sempre atabalhoado, impreciso, incoerente, fazendo afirmações sem nexo, designadamente sobre o motivo pelo qual terá mencionado a intervenção dos demais arguidos nos factos e também sobre as razões pelas quais, por exemplo, o arguido GG teria dito que os acompanhava na noite em que os factos ocorreram. Perante estas declarações, bem como pela prova testemunhal produzida – e que no que se refere a habitantes do Bairro da ... esteve longe de ser linear – ficou o tribunal com a convicção de que o arguido DD efectivamente executou alguns trabalhos na residência do ofendido, mas qualquer um deles em data anterior ao seu internamento ocorrido em finais de Março de 2017. Quanto à data em que executou o trabalho que o levou a deslocar o móvel branco – a colocação de um cabo de antena – pelas declarações flutuantes do arguido, tanto poderá ter sido entre os meses finais do ano de 2016 ou os meses iniciais de 2017, o que implica que isso ocorreu a uma distância temporal de 5 a 9 meses relativamente à noite em que o ofendido foi agredido, sabendo-se que em Março de 2017 aquele foi internando e só regressou do internamento a 7 de Julho, data a partir da qual o arguido não esteve na sua residência, conforme o próprio confirma. Estes factos e as diversas incongruências nas explicações do arguido quanto às datas em que executou trabalhos na residência do ofendido são aquilo que de relevo positivo se pode retirar das suas declarações. Tudo o mais foram afirmações sem valor probatório, incluindo no que tange com o envolvimento dos co-arguidos nos factos. Ao nível da prova a ponderar, temos ainda que analisar a prova testemunhal. Ao nível da prova testemunhal é de realçar que muitas das testemunhas revelaram claramente receio em depor em audiência de julgamento. Isso já ressaltava do processo, por exemplo a fls. 1118, onde a testemunha UUU reportou à Polícia Judiciária ter sido ameaçada de morte pelo pai do arguido GG. Por outro lado, muitas delas surgiram em julgamento com a ideia pré-concebida de que vinham testemunhar a favor do arguido DD, constatando-se que a grande maioria pouco conhecimento directo tinha de factos que fossem relevantes para os autos, sendo notório que tinham ouvido falar de muitas coisas sobre esta ocorrência pelo se se comentava no bairro, mas que concretamente pouco sabiam. Daí que na análise da prova testemunhal o tribunal tenha dado mais destaque às testemunhas que contribuíram de forma mais completa para o esclarecimento dos factos, ainda que alguns deles reportando-se também a narrativas alternativas para o sucedido que as defesas pretenderam desbravar. Do elenco das testemunhas que passamos a referir consigna-se que – à excepção das que no local próprio se mencionará – trata-se de testemunhas que fizeram depoimentos claros, isentos e escorreitos, e que o tribunal considerou como verdadeiros. VVV, Inspector da Polícia Judiciária, responsável pela investigação a partir de Janeiro de 2018. Afirmou que nessa altura já tinham sido realizadas diversas diligências, tais como inspecção ao local, com recolha de vestígios. Próximo dessa altura teve conhecimento do resultado de um exame lofoscópico positivo e que correspondia a uma impressão palmar do arguido DD. Foi-lhe então determinado que fosse localizar esse arguido, assim como os arguidos AA e GG. Foi possível localizar os dois primeiros daqueles arguidos, que se prontificaram a acompanhá-los às instalações da Polícia Judiciária. O arguido GG, nessa altura, não conseguiram localizar, mas cerca de um mês depois e porque já sabia que andavam à sua procura, o mesmo compareceu também nas instalações da Polícia Judiciária. Quando recebeu o inquérito também já existiam nele as imagens de videovigilância do supermercado JJ e, embora não tenha sido quem realizou o auto de visionamento das mesmas, acabou por as visualizar e nelas, com imagem corrida, é inequívoco que são os arguidos AA e GG quem surge nas mesmas, quer pela sua postura, pelo modo de locomoção. Logo quando foram visualizadas as imagens em causa os arguidos AA e GG foram identificados pelos sobrinhos da vítima. Também já estavam comprovadas no processo as tentativas de utilização do cartão multibanco da vítima. Depois, já na sequência das declarações prestadas pelos arguidos, acabaram por interpelar também os arguidos RRR, QQQ e AAA. Realçou que quer o arguido GG quer o arguido AAA se ausentaram das suas residências durante cerca de um mês, o que a investigação entendeu como podendo estar associado à sua participação nos factos. Quanto à intercepção de uma conversa telefónica em que estes factos são mencionados, foi obtida no âmbito de uma investigação da PSP, que sabia que esta outra investigação estava em curso e que acabou por remeter para este processo esse elemento de prova. Questionado sobre a durabilidade de uma impressão lofoscópica, a testemunha afirmou não ter conhecimentos técnicos sobre essa matéria, e porque se questionou durante o inquérito sobre a tal problema, falou com os técnicos do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária que, embora lhe tenham referido que não é possível «datar» uma impressão lofoscópica, ou seja, saber em que data concreta a mesma foi aposta no local onde acabou por ser recolhida, mas que existe um período de duração dessa impressão e que, segundo lhe foi informado, não era compatível com a data em que o arguido DD afirmou ter estado na residência da vítima e lá ter deixado a sua impressão palmar. Explicou que também recolheram informações na rua sobre a participação dos arguidos nos factos, mas sendo este um bairro muito complicado, em que as pessoas têm muito receio de falar, não conseguiram trazer tais pessoas a testemunhar nos autos. Questionado, confirmou que não existem testemunhas oculares dos factos ocorridos na residência da vítima. Quanto às imagens de videovigilância recolhidas, referiu que as mesmas correspondem ao que é visto do ponto de vista de quem está no interior do supermercado e, de acordo com essa perspectiva, o ATM fica do lado direito, na fachada do edifício do supermercado. Também reiterou que essas imagens comprovam que à mesma hora que os indivíduos são vistos naquelas imagens são feitas as tentativas de levantamento com o cartão multibanco. Esclareceu que inicialmente foram os sobrinhos da vítima que identificaram os arguidos AA e GG, desconhecendo se o fizeram vendo as imagens de videovigilância do supermercado ou só os fotogramas (dado que nessa altura não era o titular da investigação), mas posteriormente os mesmos fizeram reconhecimentos presenciais desses arguidos, já quando estava a participar na investigação. Questionado sobre a possibilidade de a investigação ter explorado a possibilidade de ter sido um dos irmãos da vítima, RR, o autor dos factos, porquanto o mesmo teria tido um desentendimento com a vítima no dia em causa, esclareceu que não seguiram essa linha de investigação por as chefias terem entendido que não seria de o fazer, até porque a prova que recolheram contra os arguidos indicava que tinham sito estes os autores dos factos e não aqueles, ao que acresce que a discussão havida entre os dois irmãos foi reportada a assuntos familiares, nada tendo a ver com dinheiro. Também tiveram conhecimento de que a residência do ofendido foi assaltada uma outra vez anteriormente, mas isso ocorreu durante o internamento do mesmo, e quando a casa estava desocupada, pelo que também não tiveram qualquer motivo para seguir essa linha de investigação. Teve conhecimento de que o arguido XX há algum tempo antes dos factos tinha sido alvejado numa das pernas, facto que se reflectia na forma própria como o mesmo se locomovia. LL Sobrinho da vítima, que afirmou conhecer bem os arguidos AA e GG (embora pelas alcunhas), por serem do mesmo bairro, tendo chegado a acompanhar com os mesmos quando eram mais novos. Afirmou que ficou a saber que algo tinha ocorrido com o seu tio através de um telefonema que, do hospital ou da polícia, fizeram para a sua mãe, tendo acabado por ir ver o tio ao hospital, o qual acabou por falecer na manhã seguinte. Depois ouviu boatos no bairro sobre quem teria cometido os factos, mas o primeiro contacto que teve com a investigação foi quando participou na identificação precisamente dos arguidos AA e GG nas imagens de videovigilância recolhidas no supermercado JJ, que fica perto da residência do seu tio e onde existe uma caixa ATM, sendo que viu essas imagens e identificou os arguidos no próprio supermercado, na presença de um funcionário do supermercado e de um inspector da Polícia Judiciária. Quando confrontado com os fotogramas existentes nos autos e retirados dessas imagens, afirmou que no filme corrido que viu era muito mais fácil identificar as pessoas, até porque era possível fazer zooming. O que viu foi o próprio vídeo das imagens corridas, em que é perceptível um dos arguidos a passar em frente ao supermercado e depois o outro que, nessa altura, retira uma camisola que tinha a cobrir a cabeça, sendo que já não consegue recordar qual dos arguidos teve essa atitude. Nessas imagens tem a percepção de haver umas sombras de outros indivíduos, que não foi possível reconhecer. Quanto aos arguidos AA e GG reconheceu-os sem qualquer margem para dúvidas, até porque se trata de duas pessoas que conhece bem. Quanto aos dois arguidos que reconheceu, já vinham do multibanco. Mais tarde fez um reconhecimento pessoal, a pedido da Polícia Judiciária, não tendo tido dificuldade em identificar o arguido, pois qualquer um dos dois mencionados arguidos são pessoas que conhece bem. Confirmou que antes dos factos o seu tio tinha estado internado, primeiro no Hospital depois em Centros de Recuperação, durante quase quatro meses. A única explicação que encontra para estes factos terem ocorrido foi a circunstância de as pessoas pretenderem apoderar-se do dinheiro que o seu tio juntou enquanto esteve internado (pensando que juntou dinheiro porque recebia a reforma e não teria onde a gastar), dado que ele recebia uma pensão de reforma, e poderá ter falado nisso no bairro, pois o mesmo nunca teve inimigos, nem pessoas que lhe quisessem mal. Também teve conhecimento de que o cartão de eleitor do tio foi encontrado no caminho para o supermercado e entregue lá, onde depois a testemunha o foi buscar, precisamente no dia em viu as imagens. Questionado sobre a existência de conflitos entre a vítima e o seu irmão RR, disse não ter conhecimento de nada de relevante, sabendo que houve um desentendimento entre o seu tio RR e uma sua prima próximo dos factos, em que a vítima teria estado presente, mas acha que não seria nada com este. Também perguntado sobre qual o tempo que demora a percorrer desde a casa da vítima até ao supermercado, afirmou que pelo caminho mais curto, a pé, se demora 10 minutos no máximo. Explicou que enquanto o seu tio esteve hospitalizado a carteira esteve sempre com ele, não havendo nenhum familiar que movimentasse a conta do mesmo. Sabe disso porque o hospital entrega as roupas, mas não a carteira, que ficou guardada num género de cofre do hospital. Tendo sido confrontada com as declarações prestadas, em sede de inquérito, a fls. 84 a 87 dos autos, onde se refere à visualização de fotogramas e não ao filme corrido, a testemunha reiterou que viu o filme no próprio supermercado e foi aí que identificou os arguidos AA e GG. Posteriormente, na Polícia Judiciária, foram-lhe exibidos os fotogramas. VV Irmã do falecido, e que afirmou conhecer dos arguidos o AA, de pequeno. Soube dos factos porque lhe ligaram a dizer que a Polícia estava em casa do irmão, tendo-se deslocado lá na companhia do seu filho mais velho, de nome MM. Aí foi informada do que havia sucedido e de que o irmão estava no hospital. No hospital não chegou a ver o irmão, porque estava a receber tratamentos e depois acabou por falecer na manhã seguinte. Esclareceu que anteriormente a estes factos o irmão tinha estado internado cerca de 4 meses, tendo regressado a casa no dia 7 de Julho de 2017. Sabe que enquanto esteve internado o irmão tinha a sua carteira e documentos com ele (entre os quais o cartão multibanco), os quais ficaram à guarda do hospital, tendo posteriormente sido devolvidos ao ofendido quando o mesmo teve alta do hospital, tendo visto concretamente o seu irmão a conferir os documentos, entre os quais o cartão multibanco. Pensa que o seu irmão terá poupado as reformas enquanto esteve internado, mas desconhece se comentou isso no bairro. Sabe que comprou uma máquina de lavar roupa no dia da véspera da sua morte. Sabe que antes desse internamento havia pessoas que iam a casa do irmão ajudá-lo, tais como a D. SSS, QQ e WWW, que limpavam a casa e lavavam a roupa. Relativamente ao irmão de ambos, RR, tem conhecimento de que, como irmãos, ele e o ofendido tinham alguns atritos, tendo havido um episódio próximo destes factos, mas que foi um desentendimento entre aquele RR e uma sobrinha, sendo que, de todo o modo, não presenciou esses factos. Enquanto o seu irmão esteve no hospital entraram várias vezes na casa do mesmo, tendo acabado por pedir à TT para selar a porta. Sabe que o arguido DD fez umas reparações na casa do irmão, colocando um fio da TV Cabo, porque ela própria o questionou sobre esse assunto. Esses trabalhos ocorreram muito antes de o seu irmão ter estado internado para se recuperar do problema de alcoolismo. Questionada e mesmo confrontada com as declarações que prestou em sede de inquérito, afirmou saber que o seu irmão RR deixou de frequentar a casa do falecido desde o mês de Novembro de 2016, por terem discutido, mas desconhecer os motivos dessa discussão. A única coisa que merece ser salientado em relação a esta testemunha é que, quando cotejado o seu depoimento com o da testemunha seguinte, se constata que ambas procuraram empolar o papel que tinham na ajuda que era dada ao falecido, particularmente no que se refere ao período em que o mesmo esteve internando, não se conseguindo apurar quem na realidade tratou, por exemplo, de chamar a TT para chapear a porta do ofendido ou quem o visitava com mais frequência no hospital. Todavia, isso não respeita aos factos essenciais à prova, pelo que não contaminou o depoimento da testemunha, naquilo que ele teve de relevo. Vizinha do falecido desde criança, conhecendo o arguido DD bem e os restantes arguidos só de vista lá do bairro. Esta foi claramente uma das testemunhas que pensava vir a tribunal defender o arguido DD, de tal modo que chegou a afirmar que “estava no julgamento para defender o Sr. DD”. Também disse muita coisa daquilo que ouvia dizer no bairro e não tinha conhecimento directo e, à semelhança da testemunha anterior, procurou exultar o seu papel na ajuda ao ofendido, sendo nesse particular discordante daquela testemunha em aspectos relacionados precisamente com o auxílio ao falecido. O tribunal, após advertir a testemunha de que apenas poderia referir-se a factos dos quais tinha conhecimento directo, acabou por valorar o seu depoimento quanto a essa factualidade. Assim, a testemunha disse que o falecido estava a morar ali há cerca de um ano antes de ter morrido. A testemunha habitualmente ajudava o falecido, com compras e limpezas, sendo que lhe limpava a casa uma vez por semana. Sabe que o ofendido esteve entre três a quatro meses internado. Durante esse período de tempo entravam muitas vezes lá em casa, não sabendo se levavam alguma coisa. Foi ela quem, com a irmã do arguido, tratou com a TT para ir chapear a porta. O falecido não se dava muito bem com os irmãos, dado que bebia muito e por vezes tinha problemas com eles. Depois de o ofendido regressar do internamento só o viu uma vez, sendo que foi ele quem a chamou para mostrar que estava uma pessoa a arranjar a porta. Também lhe mostrou uma máquina de lavar roupa que comprou. Não sabe se o ofendido dizia às pessoas que tinha juntado dinheiro, o que se comentava é que ele por vezes pedia aos rapazes do bairro para lhe fazerem recados e lhe dava boas gorjetas. Sabia que o arguido DD arranjou alguns … para a casa do ofendido, sendo que eles próprios tratavam desses assuntos entre eles. Enquanto o ofendido esteve no hospital não pediu ao arguido DD para lá ir a casa fazer algum trabalho, assim como isso não aconteceu depois de a vítima ter regressado a casa. Antes do internamento sabe que o arguido DD lá ia tratar de alguns trabalhos. Relativamente ao móvel branco onde foi recolhida a impressão palmar do arguido DD afirmou não saber quando foi levado para a residência do ofendido. Também não consegue precisar qual foi a última vez que o arguido esteve em casa do ofendido a realizar algum trabalho. Confrontada com as fotos recolhidas na residência do ofendido, acabou por afirmar não se recordar do móvel onde foi recolhida a impressão palmar. Também não se recorda da colocação da TV Cabo, nem sabe como e quando é que isso foi instalado. Questionada especificamente se se recordava de ter limpo o móvel onde foi recolhida a impressão palmar do arguido DD, afirmou novamente não se recordar desse móvel, mas que quando limpava a casa limpava todos os móveis, mas como não se recorda do móvel não pode afirmar que o tenha limpo. Também afirmou não ter conhecimento de que o arguido DD acompanhasse com os demais arguidos. Confrontada com as declarações prestadas em sede de inquérito, relativamente à data em que o falecido terá ido residir para aquela casa, afirmou não conseguir precisar bem, mas que terá sido entre Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017, pelo que o arguido DD, a ter levado alguns … para a residência do falecido, terá sido entre esta data e aquela em que o mesmo foi internado. Questionada concretamente sobre as limpezas que fazia na casa do ofendido, explicou que limpava a casa toda, sendo que em relação aos móveis limpava o pó só com um pano, sem utilizar produtos. A última vez que terá estado em casa do ofendido para fazer essas limpezas foi antes de o mesmo ser internado. Explicou, ainda, que para além dela, havia outras duas vizinhas que ajudavam na alimentação e limpeza da casa do falecido. XXX Que era também moradora no bairro, conhecendo o arguido DD. Também esta testemunha se apresentou em tribunal com a postura de quem vinha defender o arguido DD, pois logo adiantou “Se for a minha casa há lá muitas impressões digitais do DD”. Assim, mais uma vez, o tribunal considerou do seu depoimento apenas aquilo de que tinha conhecimento directo. Disse saber que o arguido DD recuperava … e os vendia, desconhecendo se vendeu ou deu algum ao ofendido. Também tinha conhecimento de que o arguido DD estava a frequentar um curso, do qual regressava à tarde. YYY Morador no bairro, de onde conhece os arguidos e também conhecia o falecido. Esteve na residência do falecido, pensa que dois ou três dias (em momento posterior disse um ou dois dias) antes de o mesmo falecer, para arranjar a porta, dado que a mesma tinha sido arrombada, estando a fechadura presa com um prego e um fio. Nessa altura o ofendido disse que a casa tinha sido assaltada, mas viu que a casa estava toda arrumada. Nesse mesmo dia também lá esteve para entregar uma máquina de lavar roupa que o ofendido tinha comprado já depois de sair do hospital, tendo aquele aproveitado para lhe pedir para arranjar a porta. Nesta ocasião o ofendido pagou-lhe o trabalho que fez e ainda lhe pagou um almoço. Tinham combinado depois para o ofendido ir comprar um fogão, mas entretanto deram-se os factos e isso já não se concretizou. Sabe que o ofendido pagou a máquina em dinheiro, tendo tirado o dinheiro de uma carteira pequena, onde cabia um cartão de cidadão ou um cartão multibanco. WWW Moradora no bairro, que conhece bem o arguido DD por arranjar (…) algumas coisas, designadamente …, … ou outras peças, que por vezes lhe dava, assim como outras pessoas faziam o mesmo. Pensa que o arguido depois vendia esses …. Sabe que o arguido era uma pessoa prestável para toda a gente. ZZZ Morador no Bairro, de onde conhece a maioria dos arguidos, mas dá-se bem é com o arguido DD. Também conhecia o falecido. Sabe que o arguido DD faz trabalhos para as pessoas do bairro, sendo uma pessoa estimada na zona. Também o via a …, porque lhe davam muitas coisas. Sabe que o arguido DD falava com os outros arguidos, designadamente no café, onde estariam juntos eles e outras pessoas, mas não os viu andar acompanhados fora disso. AAAA Morador no bairro, de onde conhece o arguido DD. Sabe que aquele arguido fazia obras em casas, tendo confiança nele. BBBB Moradora no bairro, de onde conhece todos os arguidos, mas apenas conhece melhor o arguido WW desde pequeno. Também conhece o arguido DD, sabendo que ele faz favores às pessoas do bairro e trabalhos também, tendo confiança nele. Chegou a dar-lhe … para ele …, pensando que depois vendia esses … ou …. CCCC Moradora do bairro, de onde conhece de vista os envolvidos no processo. Conhece melhor o arguido DD, que é uma pessoa que ajuda os outros, designadamente também o falecido, porque chegou a vê-los juntos, dado que mora no prédio ao lado do falecido. Sabe que o arguido DD também …. DDD Também residente no bairro, de onde conhece de vista as pessoas envolvidas no processo. Era vizinha do falecido. Costumava ir a casa dele, ajudar na limpeza da casa, e levava lhe alimentação. Pensa que depois de o falecido regressar do hospital também chegou a ir lá a casa, e estava tudo bem. Também lá esteve a sua irmã EEEE e a vizinha SSS. Pensa que lá terá ido cerca de três vezes, mas sem certezas. A porta tinha alguma coisa na fechadura, mas não estava arrombada. Para entrar em casa era o falecido que lhe abria a porta, nunca tentou entrar sozinha. Quanto a limpezas, limpava essencialmente a casa de banho e a cozinha. A sala nunca limpou. Sabia que o arguido DD era amigo do falecido, mas nunca o viu lá a fazer coisas. Concretizou que ao todo terá ido a casa do ofendido umas seis vezes, não podendo afirmar com certeza quantas vezes foi a casa do ofendido depois de o mesmo ter vindo do internamento. FFFF Também residente no bairro, de onde conhece o arguido DD. Chegou a dar móveis e uma televisão ao arguido DD para ele arranjar e vender. EEEE Residente no bairro, de onde conhece de vista os arguidos. Conhecia bem o falecido por serem vizinhos. Ajudava-o com a roupa, a deslocar-se para casa, e dava-lhe comida. Depois de ele regressar do hospital foi lá uma vez, para ver a máquina da roupa que o mesmo tinha comprado. A porta tinha dificuldades em abrir e tinha lá umas coisas presas para ajudar a abrir a porta. A porta fechava mal. Foi confrontada com os fotogramas da porta elaborados pela Polícia Judiciária já depois dos factos, tendo afirmado que a porta anteriormente não estava nestas condições. O falecido chegou a queixar-se de lhe terem ido lá a casa tirar coisas, como uma televisão, porque a porta não fechava bem. A última vez que lá esteve a fazer limpezas, antes de o ofendido ter sido internado, não limpou a sala (limpou um móvel branco, mas um que estava à entrada da casa de banho). Quanto ao móvel onde foi recolhida a impressão palmar, nunca o limpou. Chegou a dar uma televisão ao arguido DD e depois viu essa televisão em casa do ofendido. Também tem conhecimento de que o arguido DD vendia … que …. GGGG Morador no bairro, de onde conhece os arguidos. Também conhecia o ofendido. Sabe que davam … ao arguido DD e que ele depois os arranjava e vendia. RR Irmão do falecido. Soube pela irmã VV que o irmão estava no hospital, na sequência de um assalto. Naquela altura não estavam zangados. Anteriormente houve ocasiões em que se desentendiam, por uma questão de feitios. Chegou a vê-lo quando ele regressou do hospital. Houve um problema entre a testemunha e uma sobrinha, num café na ..., já depois do irmão regressar do hospital, sendo que nessa ocasião este estava presente e manifestou-se pelo facto de a testemunha ter desferido um estalo na sobrinha, mas não houve nenhum desentendimento entre os dois. A casa do seu irmão já não ia desde o mês de Novembro anterior (ano de 2016), porque não tinha motivos para lá ir. A última vez que lá tinha estado foi para ligar umas torneiras e o esquentador. Sabe que havia umas vizinhas que lá iam ajudar o seu irmão. Viu as fotos da porta recolhidas pela Polícia Judiciária e embora saiba que a porta estava estragada, porque tinha sido arrombada antes e que tinha um cordel, não conseguiu precisar se estava exactamente com o cordel que está na fotografia ou outro. Isso aconteceu antes do internamento. Também lá esteve a montar umas colunas, e isso foi antes de ser montado o fio da televisão (o seu irmão disse-lhe que foi o arguido DD que montou), o que ocorreu em Junho/Julho de 2016, quando o ofendido se mudou para aquela casa. O seu irmão pediu-lhe para mudar o fio da antena nessa mesma semana, mas como não tinha tempo para o fazer, o irmão disse-lhe depois que já estava feito. Pensa que isso ocorreu nos meses de verão de 2016. Foi antes de lá ter deixado de ir, em Outubro/Novembro desse mesmo ano. A testemunha revelou não ter conhecimento das circunstâncias concretas em que decorreu o internamento do ofendido, nem como o mesmo regressou a casa. Aliás, afirmou ir ver o irmão todos os dias ao hospital, o que claramente não ocorreu, dado que está comprovado nos autos que após sair do hospital o ofendido esteve em duas instituições de recuperação. Disse que o multibanco mais próximo da residência do seu irmão, à data, era um multibanco que havia junto a uma agência da CGD, também junto de um supermercado JJ, perto da mercearia do “HHHH”. No dia em que os factos ocorreram trabalhava no ... (onde era encarregado de … para uma firma), entrou às 16 h e saiu às 4 h da manhã. Finalmente esclareceu que o supermercado JJ referido nos autos se chamava antes IIII. Presentemente, ainda existe um supermercado IIII na ..., mas não tem multibanco. O depoimento desta testemunha, à semelhança do da sua irmã, denotou que o relacionamento entre estes irmãos nem sempre era pacífico e também ele procurou empolar o seu papel na ajuda ao falecido, imputando ao mau feitio daquele quando bebia o facto de não o ajudar mais. De todo o modo, quanto a factos de que tinha conhecimento directo e que assumiram relevo para a prova, não encontrou o tribunal motivos para desacreditar a testemunha. LLL Amiga do arguido AA. Vê o arguido AA todos os dias, porque ele mora ao seu lado. De vez em quando saíam juntos. No dia 13 de Julho de 2017, quando o ofendido foi espancado, não consegue concretizar se saiu com o arguido AA. JJJJ Filha da vítima. Soube da morte do pai no dia a seguir a essa ocorrência. O pai tinha estado internado um pouco mais de um mês no hospital. Depois fez reabilitação, pensa que em ... e depois no .... Ao todo este período foi de cerca de três meses. Foi visitar o pai ao hospital. Não sabe onde estavam os pertences do pai durante esse período de tempo. A testemunha nunca teve qualquer pertence do pai, nem nunca esteve na casa dele. Não sabe se o pai tinha dinheiro, sabe que recebia as pensões na CGD e o que lhe diziam era para poupar enquanto estivesse nas instituições para posteriormente poder ter condições de vida mais dignas. HHH Namorada do arguido EEE há cerca de um ano. Trabalhava no bairro. Lembra-se de esta situação ter ocorrido. Foi confrontada com as intercepções telefónicas juntas aos autos, extraídas de um outro processo, em que fala com a sua amiga UUU (cunhada do arguido EEE), que ocorrerem em 2017, após a morte da vítima. Explicitou que no dia em causa, quando estava no local de trabalho (onde estava desde as 8.30 h e que fica em frente à casa do ofendido) foi lá uma senhora pedir ajuda e o arguido EEE (que naquele dia estava no café “Sociedade Recreativa …” desde as 5 h da manhã) e outras duas pessoas deslocaram-se à casa da vítima, por volta das 10 h da manhã. A testemunha ficou na rua e eles pediram para chamar o INEM. Nada mais sabe sobre os factos. Confrontada com a intercepção telefónica em que fala da morte do falecido e comentam que «foram os … para roubar o homem», incluindo que foi o “JJJ” e o “KKK” que fizeram isso, referiu que não se recorda de ter aquela conversa telefónica. XXX Conhece o arguido DD do bairro. Sabe que ele cuidava da limpeza do prédio dos pais, ajudava com compras. Considera o arguido uma pessoa de confiança e pacata. Sabe que restaurava alguns móveis e vendia. KKKK Moradora no bairro, de onde conhece de vista os arguidos. Conhece bem o arguido DD. É uma pessoa que ajuda os idosos, de confiança. É calmo e educado. Faz uns trabalhos de arranjo de móveis, que depois vendia. LLLL Residente no bairro, de onde conhece todos os arguidos. Também conhecia o falecido. O arguido DD uma vez pediu-lhe uns rolos e umas trinchas para ir pintar a casa do falecido. Pensa que isso deverá ter sido antes de aquele ser internado, mas não sabe quando. É habitual o arguido DD andar por ali a fazer uns trabalhos e a ajudar as pessoas. MMMM Conhece os arguidos porque, tal como ele, são residentes no mesmo bairro. A testemunha denotou ter alguns problemas, talvez decorrentes da idade, do consumo de álcool ou até de algum deficit cognitivo, mas dentro dessas limitações o tribunal teve o seu depoimento como verdadeiro. Afirmou dar-se bem com o arguido GG. Também conhecia o falecido. Frequentava a casa dele. Era habitual ajudá-lo a ir para casa. Eram como irmãos. Também chegou a ir a casa do falecido duas vezes na semana antes de o ofendido falecer. Sabe que o arguido DD foi a casa do falecido fazer alguns arranjos (não sabendo da colocação da antena da televisão), tudo antes de o falecido ter estado internando no hospital. Também sabe que o móvel branco que havia na sala foi comprado ao arguido DD, por € 20,00, antes do já referido internamento. Lembra-se de ter ido com o falecido comprar um LCD, que só lá esteve em casa dois ou três dias, porque depois desapareceu, mas não sabe porquê. Depois o falecido comprou duas televisões ao arguido DD. Sabe que o ofendido tinha uma carteira com o dinheiro e documentos, incluindo o cartão multibanco e cartão de eleitor. Ele costumava andar com essa carteira. Também teve conhecimento de ele ter comprado uma máquina de lavar roupa e um esquentador muito antes de ir para o hospital. Afirmou que nenhum dos irmãos do ofendido «vale nada». À frente dele o irmão RR chegou a «oferecer porrada» ao falecido, mas nunca presenciou agressões. Também esta testemunha disse que “Veio cá pelo Sr. NN e pelo Sr. DD”, pelo que o tribunal desconsiderou alguns comentários menos positivos relativos a outras pessoas que não estes dois sujeitos. NNNN Irmã do falecido, que não mora no bairro nem conhece nenhum dos arguidos. Disse que falava habitualmente com o irmão pelo telefone. Soube que ele esteve internando no Hospital de .... Foi lá visitá-lo em horas diferentes dos restantes familiares. Pensa que o irmão esteve lá cerca de dois meses. Depois saiu para uma instituição que não sabe qual é. O irmão dizia que tinha dinheiro e cartão multibanco lá no hospital com ele. Mas nunca viu. Percebeu-se que a testemunha não tem um bom relacionamento com os restantes irmãos. Disse que o irmão RR foi toxicodependente e sempre quis dinheiro do irmão. Chegou a apresentar uma queixa contra o irmão por causa de uma agressão dele à sua filha. E quando o irmão faleceu voltou à esquadra para falar nisso, porque suspeitou dele. Relatou episódios ocorridos em 2015, em que o falecido lhe afirmou que o irmão RR o tinha tentado assaltar. Mas depois eles acabavam por comer juntos. Chegou a afirmar que a filha faleceu na sequência da conduta do irmão, quando é sabido que aquela faleceu de …. Com a irmã VV referiu que não consegue relacionar-se. Acabou por concluir que já não se dava bem com os irmãos muito tempo antes. À data dos factos não sabe se o irmão RR ainda tinha problemas com droga e se trabalhava. A última vez que o viu foi quando a filha faleceu, em Abril de 2018. Antes disso há vários anos que não convivia com os irmãos em conjunto. Ao bairro da ... nunca foi. Também a testemunha SSS é ex-mulher do marido da testemunha e com esta também tinha vários problemas. Em conclusão, este testemunha não mereceu ao tribunal grande credibilidade, não só por não ter conhecimento de factos com particular relevo para a prova que importava produzir, dado que nunca tinha sequer estado na casa do seu irmão falecido na ... e porque quanto aos outros irmãos e até à testemunha SSS não conseguiu de modo nenhum ser isenta ou imparcial, chegando ao exagero de afirmar que foi o seu irmão RR que causou a morte da sua filha, quando depois de questionada afirmou que a mesma faleceu de …. Notou-se também que a testemunha, talvez por força das circunstâncias da vida, estava algo transtornada, pelo que o seu depoimento pouco ou nada permitiu acrescentar à prova a valorar nos autos. MM Sobrinho do falecido, que dos arguidos apenas conhecia o AA por a mãe do mesmo residir na mesma rua da sua mãe. Na altura em que os factos ocorreram estava em Portugal de férias. Soube do sucedido no dia seguinte, ainda o tio estava vivo. O tio acabou por falecer no dia seguinte no hospital. Depois alguém disse à mãe que tinham encontrado um documento do tio (o cartão de eleitor) e que o tinham entregue no supermercado JJ. A sua mãe foi lá buscar esse documento. Foi ao encontro da sua mãe e voltou ao supermercado, sozinho, onde lhe disseram que foi uma senhora de nome OO que tinha encontrado o documento. Contactou essa senhora, que lhe disse onde tinha encontrado o documento e andou lá a ver se encontrava mais algum outro, não tendo encontrado nada. Tudo isto foi nas proximidades do supermercado. Entrou em contacto com o inspector da Polícia Judiciária e, entretanto, surgiram dois inspectores, com os quais foi ao supermercado e aí viram as imagens de videovigilância no próprio supermercado. Nessas imagens, ao longe vêem-se mais pessoas, mas ao perto vêem-se duas pessoas, dos quais só reconheceu o arguido AA. Como já não morava no bairro há … anos e não conhece as pessoas mais novas, chamaram ao local o seu irmão LL, que sendo muito mais novo conhece as pessoas mais jovens do bairro. Depois o seu irmão viu também o filme, reconhecendo igualmente o arguido AA e o outro indivíduo disse que era o JJJ (arguido GG). Foi confrontado com os fotogramas recolhidos do filme mencionado, tendo confirmado que foi no filme de onde foram recolhidos esses fotogramas que identificaram os arguidos AA e GG e que o filme tem uma qualidade superior àqueles fotogramas. Questionado afirmou ter conhecimento de um desentendimento entre os seus tios, num café da ..., relacionado com a sua prima que faleceu. Quanto ao relacionamento de ambos, disse que o seu tio NN morou muitos anos na … e que, quando regressou, o seu tio RR foi preso. Quando o seu tio RR saiu passaram a dar-se, embora pudessem ter algumas divergências pontuais. Finda a prova testemunhal, e por iniciativa do tribunal, foi inquirido o perito que havia elaborado o exame pericial lofoscópico onde é identificado positivamente o vestígio palmar da mão do arguido DD. Assim: OOOO Perito do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, que foi ouvido em julgamento para prestar esclarecimentos. Foi o perito que fez o relatório pericial lofoscópico que respeita ao vestígio palmar do arguido DD. Desde logo, precisou que não foi ele quem fez a recolha (revelação) da impressão, mas apenas a analisou. Tendo conhecimento das circunstâncias em que a impressão foi recolhida, afirmou que não há resposta certa para a questão de quanto tempo uma impressão digital pode permanecer num local, pois isso dependerá de variadíssimos factores. Afirmou que uma impressão lofoscópica latente recolhida numa gaveta de madeira, em condições normais, com a nitidez com que este vestígio se apresentava, não tem conhecimento de que o mesmo pudesse ser revelado meses depois de ter sido produzido. Embora tenha dito que nenhum perito consegue datar com precisão um vestígio lofoscópico, neste caso concreto até um mês já lhe parece exagerado como prazo possível de duração do vestígio. Concretizou, ainda, que com os anos que tem de experiência e de estudo não tem conhecimento de nenhuma situação em que, com os reagentes e processos utilizados no caso concreto, se tenha revelado algum vestígio lofoscópico com mais de um mês ou um mês e meio, pelo que quatro meses de duração é praticamente impossível. As técnicas utilizadas pela revelação, a superfície onde o vestígio foi colocado, a qualidade das secreções, a pressão exercida, a pessoa estar a suar mais ou menos, as suas condições de saúde, as condições atmosféricas, e muitos outros factores podem influenciar a duração destes vestígios, mas normalmente a evolução do tempo é no sentido negativo, ou seja, no sentido de a nitidez das cristas irem desaparecendo. Com a nitidez que este vestígio apresentava não lhe parece de todo possível que o vestígio tivesse sido produzido há mais de um mês ou um mês e meio. Que tenha conhecimento, na actualidade, não há nenhum método científico que permita datar a formação de um vestígio. Há estudos a serem realizados, por exemplo com a análise de compostos químicos cuja duração é conhecida, por forma a concluir que se tal composto estava presente em determinada altura é porque o vestígio tem uma determinada data. Contudo, trata-se apenas de estudos e que não estão a ser aplicados por nenhum organismo, precisamente porque é apenas um estudo ainda, não estando comprovado cientificamente. Reiterou que, nos 00 anos em que trabalha nesta área, não conhece nenhuma técnica científica que permita datar um vestígio lofoscópico. A experiência diz-lhe que é extremamente difícil datar um vestígio lofoscópico latente. Tem a sua convicção que vem da experiência e estudos que são conhecidos. O Sr. Perito foi confrontado com a documentação da recolha de vestígios. Constata que a superfície não é lacada. Logo é muito mais difícil que o vestígio pudesse ter sido revelado se a impressão lá estivesse há mais de um mês ou um mês e meio. A impressão digital latente, como é a do caso, não é visível. As impressões visíveis (de sangue, sujidade) podem durar imenso tempo. E a superfície onde foi recolhida não é sequer uma superfície lacada ou envernizada, onde tal vestígio poderia permanecer por um maior período de tempo. Iremos pronunciar-nos sobre estes esclarecimentos em momento posterior, quando concluirmos a análise da participação do arguido DD nos factos. É que já na sequência da audição em julgamento da gravação das declarações prestadas por alguns dos arguidos ainda durante o inquérito, o arguido DD voltou a prestar declarações, negando que tenha acompanhado o arguido GG e os restantes arguidos junto ao supermercado onde foram feitas as tentativas de levantamento, sem conseguir explicar porque razão o arguido GG teria afirmado que isso aconteceu, pois disse que não tinham nenhum problema entre eles. Disse ainda que o arguido GG falou no seu nome porque sabia que havia impressões digitais sua na casa do falecido, pois o mesmo comentou isso consigo quando se encontraram na Polícia Judiciária. Também na sequência da audição da gravação das suas próprias declarações em sede de inquérito, o arguido DD foi confrontado com o teor das mesmas, acabando por referir não pretender falar mais sobre essas declarações na parte em que se refere aos demais arguidos. Quanto à circunstância de nessa ocasião ter dito que a sua impressão palmar terá ficado no móvel porque esteve em casa do ofendido a colocar um fio da televisão um mês antes da morte do mesmo, referiu que tinha dito duas a três semanas, acabando a pessoa que o estava a ouvir por colocar um mês porque era mais certo. Disse que nessa altura não sabia bem o tempo, porque tinha-se separado em Outubro de 2016 e estava com uma depressão. Por causa disso esqueceu-se das datas. Questionado, então, porque motivo em julgamento já tem a certeza das datas, optou novamente por afirmar não querer falar mais sobre os factos. Acabou, ainda assim, por afirmar que o que disse sobre os arguidos AAA e QQQ eram mais boatos que se ouviam no bairro, para além daquilo que o arguido AA lhe disse quando estiveram juntos na Polícia Judiciária, em como iria falar com a mãe para esta falar com o advogado para dizerem que ele – DD – estava inocente. O GG disse-lhe que a casa do falecido estava cheia de dedadas suas. Mais uma vez, e à semelhança do que já havíamos afirmado acima, as declarações prestadas pelo arguido DD estão eivadas de contradições e incoerências, sendo-lhe muito fácil imputar a terceiros a responsabilidade inclusive por afirmações suas em sede de inquérito. » Em idênticas circunstâncias, também o arguido XX pretendeu nesta fase prestar declarações em audiência de julgamento, tendo referido que nega ter estado no supermercado ou juntamente com o arguido GG e os demais, até porque não se relacionava com aquele arguido. Houve problemas entre a família do arguido GG e a sua família, tendo sido agredido, tanto ele como a sua filha. Dos restantes arguidos o único com quem costumava acompanhar era com o arguido WW. Sabe que o arguido WW também tinha problemas com o arguido GG e a respectiva família, porque sendo seu amigo foi ele quem o ajudou na situação em que o atacaram quando estava com a sua filha. Entende, assim, que o arguido GG o implicou nestes factos como represália pelos problemas que existiam entre eles. No entanto, não consegue precisar se essas contendas que teve com o arguido GG e a família do mesmo foram antes ou depois dos factos destes autos. Com o arguido AA não tinha nenhum problema, nem sabe se este era amigo do arguido GG. Com o arguido DD dava-se normalmente, por serem do mesmo bairro. Antes destes factos tinha levado uns tiros nas pernas e ficou com lesões nas pernas, tendo andado de muletas, mas desconhece quem foi o autor ou autores desses tiros. Fez fisioterapia de Março a Agosto, sensivelmente. As declarações do arguido XX, quanto às lesões que sofreu estão comprovadas documentalmente, mas da documentação junta não é possível extrair qualquer envolvimento do arguido GG ou de familiares seus nesses factos. Não obstante, das próprias declarações do arguido e dos documentos juntos resulta que essas eventuais divergências seriam já posteriores aos factos destes autos, uma vez que a primeira situação de que foi vítima (em Março de 2017) o arguido não sabe quem foi o autor das agressões. É, pois, possível, que na data dos factos os arguidos GG e XX e as respectivas famílias ainda não estivessem desentendidas e que isso só tenha ocorrido posteriormente, podendo já ter ocorrido quando o arguido GG prestou declarações durante o inquérito. De todo o modo, face à grande altercação e desordem que ocorreu no decurso da audiência de julgamento, envolvendo estes arguidos, ficou patente que, de facto, estão desentendidos, ao ponto de os arguidos se terem ameaçado na sala de audiências, bem como as respectivas famílias, tendo mesmo o arguido GG gritado que “quem matou o homem foi o QQQ”. Nada do que respeita à relação destes dois arguidos pode, pois, ser tido como certo. » O tribunal procedeu, ainda, à visualização em audiência de julgamento, das filmagens de videovigilância recolhidas no supermercado JJ, na presença das testemunhas VVV (inspector da Polícia Judiciária) e MM, sendo que nessas imagens é perceptível a chegada de um grupo de pessoas mais distanciado da parede do supermercado (os quais não é possível identificar), sendo que posteriormente é possível, de facto, visualizar os arguidos AA e GG, por esta ordem, a deslocaram-se vindo já da caixa ATM, sendo o arguido GG quem trazia a cabeça coberta e depois a destapa já em frente ao supermercado, pelo que terá sido ele quem, efectivamente, fez as tentativas de levantamento, como o próprio, aliás, assumiu nas suas declarações, ainda que procurando dar a esse facto um contexto no qual o tribunal não acreditou. Do confronto das imagens com o documento emitido pela CGD relativo às horas em que ocorreram as três tentativas de levantamento, constata-se que existe um ligeiro desfasamento (de cerca de pouco mais de dois minutos) entre o horário da caixa ATM e o horário das câmaras de vigilância do supermercado, sendo certo que esse desfasamento coincide com todas as situações em que os arguidos são visualizados. Por exemplo, existe uma tentativa de levantamento às 3:23:35 h (horário da caixa ATM) e os arguidos são visualizados às 3:26 (horário das imagens de videovigilância do supermercado). Isso revela, inequivocamente, que foram os arguidos visualizados – AA e GG –, mais os indivíduos não identificados que os acompanhavam quem tentou efectuar os levantamentos de dinheiro com o cartão multibanco do falecido. O tribunal ponderou também o teor dos certificados de registo criminal dos arguidos, junto a fls. 450 a 454 e 1222 a 1225 (arguido AA), 456 e 1226 (arguido DD), 1227 (arguido GG), 1228 a 1238 (arguido WW), e 1240 (arguido AAA), que comprovam as anteriores condenações sofridas pelos arguidos, nos casos em que as já sofreram, ou a ausência de antecedentes criminais. Assim como considerou os relatórios sociais elaborados pela Direcção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, relativamente às pessoas dos arguidos, onde se descrevem os dados relevantes do seu processo de socialização, as suas condições pessoais e sociais, bem como o impacto da presente situação jurídico-penal nas suas pessoas –, salientando-se que pelos arguidos foi manifestado em audiência de julgamento interesse na valoração do teor desses relatórios sociais. Da conjugação destes elementos de prova resultaram inequivocamente demonstrados os factos considerados como provados. Com efeito, relativamente aos arguidos AA e GG, resultou directamente comprovado, quer pelas imagens de videovigilância (que quer o tribunal, quer o inspector da Polícia Judiciária, quer as testemunhas sobrinhas do ofendido visualizaram e onde reconheceram os referidos arguidos), quer pelas declarações que cada um deles prestou em sede de inquérito, que ambos estiveram no ATM junto ao supermercado e que isso aconteceu nos horários em que foram feitas as tentativas de levantamento de dinheiro, comprovadas pela documentação remetida aos autos pela CGD, pelo que facilmente se conclui que estiveram lá precisamente para tentar levantar dinheiro com o cartão multibanco do ofendido (e não no contexto que cada um deles descreveu, que como já mencionado, não foi atendido pelo tribunal face à sua incoerência, não deixando de se salientar que o arguido GG assume ter feito uma tentativa de levantamento de dinheiro com um cartão que não lhe pertencia e cujo PIN também não conhecia). Estes factos ocorreram num ATM perto da residência do ofendido, durante a noite e pouco tempo depois das brutais agressões ao mesmo no interior da sua residência. Os arguidos não forneceram qualquer explicação lógica alternativa para estarem na posse daquele cartão e para terem tentado levantar dinheiro àquela hora da noite. Consequentemente, fazendo apelo às regras da experiência comum e à sequência lógica e cronológica dos acontecimentos, não ficou o tribunal com dúvidas de que os arguidos AA e GG foram dois dos indivíduos que entraram à força na residência do ofendido, o espancaram brutalmente depois de obterem o seu cartão multibanco, tendo em vista a obtenção do respectivo PIN, a fim de com esse cartão levantarem dinheiro da conta bancária do ofendido e apropriarem-se do mesmo, o que só não se concretizou porque o ofendido terá resistido e não terá fornecido o PIN do cartão ou porque os agressores se excederam nas pancadas que desferiram e o puseram inconsciente antes que isso acontecesse. Quanto ao arguido DD, a sua participação nos factos ficou demonstrada por prova de diferente natureza, designadamente porque o mesmo deixou na residência da vítima um vestígio lofoscópico da palma da sua mão, enquanto remexia nos móveis e pertences do ofendido. Sabemos que os arguidos AA e GG estavam acompanhados de outros indivíduos quando se dirigiram ao multibanco para proceder ao levantamento do dinheiro, pois os vultos dessas pessoas são visíveis, embora não identificáveis. O arguido DD não forneceu nenhuma explicação para a sua impressão palmar estar na residência do ofendido naquela data, pois a que forneceu foi afastada por prova pericial. Assim, fazendo mais uma vez apelo às regras da experiência comum e à sequência lógica e cronológica dos factos, também não ficou o tribunal com dúvidas de que o arguido DD foi também uma das pessoas que esteve na residência do ofendido quando o mesmo foi brutalmente agredido para ser assaltado, acompanhando os dois mencionados arguidos nestes factos cujo desfecho se veio a revelar fatal para a vítima. Neste momento, não podemos deixar de nos debruçar com maior detalhe sobre a prova pericial produzida nos autos e designadamente sobre a impressão palmar do arguido DD recolhida no local do crime. Note-se que o arguido não pôs em causa a existência dessa sua impressão digital naquele local. O que o arguido pretendeu foi convencer o tribunal, num primeiro momento, de que essa impressão digital teria sido produzida um mês antes de os factos terem ocorrido, e depois, perante a impossibilidade de isso ser verdade (porque à data o falecido estava internado), entre quatro ou mais meses antes das agressões à vítima – sendo que o tribunal já esclareceu que as declarações do arguido ao invés de contribuírem para uma versão alternativa dos factos, antes foram sendo produzidas ao sabor dos entraves que lhes foram apresentadas. E aqui foi novamente a prova pericial que nos permitiu afastar a versão dos factos apresentada pelo arguido, posto que os esclarecimentos prestados pelo perito em audiência de julgamento são prova pericial (não são prova testemunhal). Cumpre esclarecer que a definição da qualidade de um emitente de um conhecimento técnico ou científico é peça base no labor de produção de prova e sua apreciação pelo tribunal. Se esse emitente foi nomeado perito pelo Ministério Público ou pelo Tribunal, é perito de instituição oficial reconhecida por lei é-lhe reconhecida a especial qualidade que é inerente à figura do perito em processo penal, como ocorre no caso em apreço. E os peritos do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária são a nível nacional e internacional reconhecidos pela imensa qualidade do seu trabalho. Veja-se, a esse propósito a notícia publicada no Jornal Público, in https://www.publico.pt/2002/08/13/jornal/detectives-de-impressoes-digitais-da-pj-nunca-erraram-173632, onde se notícia que o sector de Lofoscopia daquele Laboratório recebeu mesmo um "Óscar das impressões digitais", em 1999, nos Estados Unidos, atribuído pelo Printrak Internacional Users Group, tendo sido a primeira vez que uma polícia não americana recebeu este troféu. Não escamoteamos que o arguido juntou aos autos dois estudos em que se conclui que estão em desenvolvimentos técnicas de revelação de impressões digitais que permitem concluir, em ambientes controlados, num dos casos, que impressões digitais latentes podem ser reveladas até um período de 30 dias, e no outro que, impressões digitais latentes colocadas numa superfície de madeira – pois que somente essa situação se assemelha à dos autos – podem ser reveladas, no caso de marcas de suor écrinas até 6 meses e no caso de marcas de suor sebáceo e apócrino até cerca de mais de um ano depois (sendo certo que no caso em apreço se desconhece se as impressões deixadas no local do crime pelo arguido são de que tipo de suor). Não podemos esquecer que estes documentos, em termos processuais, não são perícias, pelo que não contêm um juízo científico para os efeitos do disposto no artigo 163.º do Código de Processo Penal. Logo, esses estudos devem ser apreciados livremente no conjunto da prova produzida. Os documentos que foram juntos aos autos pelo arguido são isso mesmo: documentos. Não são relatórios periciais. Estão, igualmente, sujeitos à regra da livre apreciação da prova. A este propósito, cf. João Henriques Gomes de Sousa, in Revista Julgar, n.º 15. É inquestionável que a prova lofoscópica realizada pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária tem natureza de prova pericial, pelo que juízo técnico-científico inerente a tal perícia presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, devendo a divergência ser fundamentada (cf. arts.151º e 163º, n.1 e 2 do Código de Processo Penal). E, efectivamente, pese embora o esforço realizado pelo arguido no sentido de divergir da conclusão do Sr. Perito, os estudos que junta não permitem, de modo algum alcançar esse desiderato. Também o tribunal, para além de analisar aqueles estudos, procurou investigar a matéria, tendo encontrado notícias de estudos em Portugal que visam a datação de vestígios lofoscópicos. Veja-se a interessante notícia publicada no Diário de Notícias, in https://www.dn.pt/portugal/centro/interior/impressoes-digitais-ja-denunciam-data-do-crime--1326081.html, onde se notícia que investigadores da Universidade de Coimbra fizeram uma descoberta fundamental para a investigação criminal: detectar impressões digitais - através da análise das armas do crime, brancas ou de fogo - que denunciam o momento em que os actos foram cometidos. O método desenvolvido pelos investigadores irá permitir a detecção, revelação e conservação das impressões digitais deixadas em materiais metálicos, ao mesmo tempo que registará também outros vestígios deixados no cenário do crime, como de explosivos e de estupefacientes. Os vestígios que através dos tradicionais métodos lofoscópicos poderiam escapar anteriormente à investigação agora serão detectados com rigor e minúcia. "Para além da vantagem deste novo método de visualizar que ajuda a desvendar um número enorme de impressões digitais latentes (invisíveis), esta técnica permite também estudar a idade das impressões digitais, uma vez que foram testadas as diferenças dos vestígios em superfícies metálicas, deixadas a umas horas, dias e um mês", revela Sofia Ramos, coordenadora desta pesquisa realizada no âmbito de um trabalho de mestrado da aluna Ana Sofia Peixoto. A investigação, realizada no Centro de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra (CEMUC), contou com a ajuda de seis microscópios electrónicos. "O novo método é baseado na pulverização catódica, isto é, uma técnica versátil e flexível de deposição física em fase de vapor que já foi validada positivamente por uma especialista do Laboratório de Polícia Científica, Maria de Fátima Machado, que fez parte do júri do mestrado", disse Sofia Ramos ao DN. A investigadora auxiliar do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra, já pós-graduada, mas com formação-base em engenharia química explica a génese deste avanço científico: "Este trabalho começou, desde logo, baseado na noção de que a ciência dos materiais, designada a engenharia de superfícies, poderia dar um contributo para as ciências forenses, e este trabalho foi efectuado em colaboração com o Núcleo de Polícia Científica da Directoria do Centro da Polícia Judiciária". Traçar um perfil exacto de um suspeito poderá ser uma das inúmeras vantagens deste método, que "usa, neste caso, filmes finos de ouro e cobre, com uma espessura de 20 a 30 nanómetros (os tais 20 a 30 milhões de vezes o milímetro)". É a nanotecnologia ao serviço das ciências criminais. A equipa de investigação acrescentou ainda que este método é dirigido "essencialmente" para a solução de crimes complexos, "que exigem métodos mais expeditos e actuais". Como se pode ver, também em Portugal estão a ser desenvolvidos estudos que visam datar uma impressão lofoscópica, e em parceria com o Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, como, aliás, o Sr. Perito referiu em audiência de julgamento. Se nos socorrermos do sítio da Interpol na internet poderemos também aceder a Vasta e actualizada documentação sobre a matéria (www.interpol.int/Public/Forensic/fingerprint). Importa, contudo, deixar bem expresso o que o Sr. Perito esclareceu em audiência de julgamento, é que todos estes estudos não passam disso mesmo, estudos que não estão ainda implementados no terreno por não se ter comprovado cientificamente serem certos e seguros e, além disso, há que ter presente que uma coisa é a existência de uma impressão lofoscópica, outra a técnica de revelação utilizada para a detectar no local do crime e outra ainda os métodos possíveis para datar uma impressão lofoscópica e que, muitas das vezes, passam precisamente pelas técnicas de revelação da impressão. Já sabemos que métodos para datar impressões lofoscópicas estão em estudo mas nenhum está implementado até este momento. Não negamos, assim, as experiências que os documentos juntos pelo arguido relatam, não deixando de ser curioso que diferentes estudos cheguem a conclusões distintas, o que mostra quão falíveis são estes estudos. De seguro, nada foi, pois, apresentado que contrarie o juízo pericial expresso pelo Sr. perito que confirmou que com os anos que tem de experiência e de estudo que tem (36) não tem conhecimento de nenhuma situação em que, com os reagentes e processos utilizados no caso concreto, se tenha revelado algum vestígio lofoscópico com mais de um mês ou um mês e meio. Perante isto, nem a prova documental junta, nem a pesquisa e análise que o próprio tribunal fez sobre a matéria, permitem afastar o juízo científico expresso pelo Sr. Perito e, consequentemente, dar como boa a explicação do arguido DD de que a impressão palmar encontrada na residência do falecido teria sido produzida há mais de cinco ou seis meses, até porque as próprias explicações do arguido se foram alterando ao longo do processo. Não se trata, pois, apenas da conclusão da prova pericial, como também das incongruências das explicações fornecidas pelo arguido DD. Isto no que tange com a demonstração da prova dos factos relativamente aos arguidos AA, GG e DD. Como veremos, ao nível da fundamentação da matéria de facto não provada, quanto aos restantes arguidos, o acervo probatório não foi suficiente para a demonstração da sua participação nos factos. Dois pequenos apontamentos nos merecem as terias alternativas da narrativa criminosa que as defesas procuraram explorar e das quais já nos distanciamos. Houve uma linha de defesa que apontaria para a possibilidade de a residência do ofendido já ter sido assaltada em ocasiões anteriores – o que efectivamente se provou – talvez procurando demonstrar que teria sido numa dessas ocasiões que o cartão multibanco do ofendido foi subtraído. Provou-se, de facto, que a residência do ofendido fora assaltada, tendo a porta chegado a ser chapeada pela TT enquanto o ofendido esteve internado e depois, quando o mesmo regressou a casa, essa chapa foi retirada, tendo o ofendido mandado reparar a porta. Ainda assim, admite-se que não fosse uma porta muito forte e segura, mas foi preciso o uso da força de um pontapé para a abrir na noite do crime, como revelam os vestígios recolhidos nessa porta. Sucede que se provou que durante o internamento hospitalar e nas instituições de reabilitação o ofendido tinha consigo o cartão multibanco, tendo-os mesmo utilizado. Assim, se ocorreram assaltos anteriores naquela residência não foi o cartão multibanco que foi retirado, nem a casa estava revirada como ficou no dia em que estes factos ocorreram, como confirmou a testemunha que foi reparar a porta a pedido do ofendido. Uma segunda linha de defesa apontaria para a possibilidade de ter sido o irmão do ofendido, RR, quem o teria morto, tanto quanto alcançamos, ou porque tinham discutido na véspera dos factos ou porque aquele poderia pretender dinheiro para financiar o consumo de estupefacientes. Desta possível teoria alternativa, a única coisa que se provou foi a existência de uma desavença entre o referido irmão do arguido e uma sobrinha de ambos, presenciada pelo falecido, que na altura terá tido intervenção para acalmar os ânimos. De resto, embora esta família pudesse ter os seus desentendimentos, não há qualquer motivo, perante o conjunto da prova produzida, para considerar que possa ter sido o irmão do arguido o autor dos factos, tanto mais que não foi este quem foi utilizar o cartão de multibanco da vítima para proceder ao levantamento do dinheiro. Assim, não ficou o tribunal com dúvidas de que, além de outros indivíduos não identificados (que se vislumbram nas imagens de videovigilância) foram os arguidos AA, GG e DD os autores dos factos provados. Estes arguidos podiam até não acompanhar habitualmente uns com os outros, mas as dinâmicas das relações humanas, dos conhecimentos e convívios nos bairros e em grupo, explicam estas situações. Já a convicção do tribunal relativamente aos factos considerados como não provados resultou da ausência de elementos de prova que permitissem a sua demonstração segura, designadamente face ao imposto pela utilização do princípio do in dubio pro reo, ou da total ausência de elementos de prova que permitissem Vejamos, assim, a factualidade não demonstrada. a) Que entre o dia 7 e o dia 13 de Julho de 2017 NN tenha pago diversas bebidas a amigos e conhecidos, gabando-se de ter juntado o valor das pensões de reforma que recebia mensalmente e o subsídio de férias já pago naquele mês por causa do internamento a que se vira sujeito, o que se tornou do conhecimento geral no bairro. Da prova produzida apenas resultou que o ofendido pagou um almoço a uma das testemunhas que esteve na sua residência a fazer alguns trabalhos. Nenhuma prova mais foi produzida que permitisse concluir pela demonstração destes factos. A família do ofendido até poderia estar convencida de que aquele estaria a poupar as suas reformas, isso também poderia ter sido comentado no bairro, mas isto é totalmente diferente de o ofendido andar a pagar bebidas a amigos e conhecidos e a gabar-se de ter junto muito dinheiro. b) Que nos momentos referidos de 6 a 16 estivessem presentes os arguidos WW, XX e AAA. Os arguidos WW e AAA não prestaram declarações em qualquer fase do processo. O arguido XX prestou declarações em audiência de julgamento, negando o seu envolvimento nos factos, e dando uma explicação para o arguido GG ter mencionado o seu nome como um dos envolvidos que não se sabendo se é verdadeira, é bem possível que o seja. Estes arguidos não foram identificados em nenhuma das imagens de videovigilância recolhidas no processo. A prova produzida contra os mesmos resume-se a declarações prestadas em sede de inquérito pelo arguido GG e em inquérito e julgamento pelo arguido DD. O arguido DD embora tenha começado por afirmar que sabia que aqueles arguidos tinham sido alguns dos autores dos factos, por lhe ter sido dito pelos próprios, afirmou depois em audiência de julgamento que não ouviu essa afirmação da boca dos arguidos, tendo apenas reproduzido rumores ou boatos que existiam no bairro. Naturalmente que estas declarações, pela sua incoerência, não são suficientes para demonstrar a participação daqueles três arguidos nos factos. É certo que também o arguido GG afirmou que os arguidos WW, AAA e XX estiveram com ele no bairro e depois no momento em que foram tentar levantar o dinheiro no multibanco. Contudo, também estas declarações, dada a sua incongruência – não foram produzidas em contexto de uma confissão integral e sem reservas dos factos – desacompanhadas de outros elementos de prova, nos deixam com dúvidas insanáveis relativamente à participação dos mencionados arguidos nos factos, dúvidas essas que o tribunal resolveu, por força do princípio do in dubio pro reo, no sentido mais favorável ao arguido, ou seja, dando como não provados os factos respectivos. c) Que no momento referido em 6 os arguidos pretendem-se apropriar-se concretamente do valor correspondente à reforma e subsídio de férias recebido pela vítima poucos dias antes. Face ao referido quanto à matéria da alínea a) e à não demonstração desse facto, também não existe nenhum elemento de prova que permita concluir que os arguidos tivessem em mente apropriar-se concretamente dos valores correspondentes à reforma e subsídio de férias que o ofendido pudesse ter amealhado.»
14. Importa, antes de tudo, reestabelecer o objecto dos recursos interpostos pelos arguidos à luz dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, tal como demarcados, maxime, no artigo 434.º, do Código de Processo Penal.
15. Os recursos, na generalidade, não cuidam de resumir as razões do pedido, em cumprimento do disposto na última parte do n.º 1 do artigo 412.º, do CPP, ainda que, sem embargo, não deixem de poder apreender-se as questões que, concretamente, se pretendem ver (re)examinadas pela via recursiva.
16. Importaria, ademais, que as motivações recursivas impugnassem o acórdão do Tribunal da Relação, recorrido, para além de quanto vem como reiteração de quanto foi apresentado àquele Tribunal em dissidência do acórdão proferido em 1.ª instância.
17. Tal piáculo – a repetição da motivação – mereceu já a censura do Supremo Tribunal de Justiça, levada ao ponto de se concluir, em vista do disposto nos artigos 399.º, 410.º n.º 1, 412.º n.º 2 alínea b), 432.º n.º 1 alínea b), 412.º n.º 1, 414.º n.os 1 e 2 e 420.º n.º 1, do CPP, pela rejeição do recurso, por manifesta improcedência, decorrente, designadamente, de falta de motivação, [cfr., vg, os acórdãos, de 21 de Junho de 2017 (processo 85/15), de 17 de Janeiro de 2013 (processo 1202/10) e de 2 de Fevereiro de 2012 (processo 1375/07), disponíveis, como os mais citandos, nas bases de dados do IGFEJ], censura que tem sido temperada, com apelo ao princípio favorabilia amplianda, odiosa restrigenda, decorrente, desde logo da salvaguarda das garantias de defesa do arguido imposta pelo disposto no n.º 1 do artigo 32.º, da Constituição, pelo conhecimento do recurso [cfr., vg, os acórdãos, de 7 de Dezembro de 2016 (processo 119/14), de 31 de Março de 2016 (processo 117/14), e de 18 de Fevereiro de 2016 (processo 85/13], designadamente na medida em que o mesmo reflicta uma dissensão relativamente à decisão do Tribunal da Relação, recorrida.
18. Acresce sublinhar que, por força do disposto nos artigos 432.º n.º 1 alínea b) e 434.º, do CPP, o Supremo Tribunal de Justiça pode apenas reexaminar a matéria de direito (sem prejuízo do conhecimento, de ofício, dos vícios prevenidos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º, do CPP que sejam evidenciados pela decisão recorrida), tal seja, não pode conhecer das questões inerentes ao julgamento sobre a matéria de facto nem das questões que concernem à própria formulação da decisão de 1.ª instância (como as nulidades e os vícios de procedimento, incluindo a questão da alegada inconstitucionalidade, que lhe dizem respeito), que já não está sob apreciação.
19. Por outro lado ainda, a violação do princípio in dubio pro reo, tal como reflectido pelo princípio constitucional da presunção de inocência (artigo 32.º n.º 2, da CRP) e configurado como um limite normativo à convicção probatória (artigos 127.º e 355.º n.º 1, do CPP), vistas as limitações cognitivas decorrentes do disposto no artigo 434.º, do CPP, pode ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça (revista ampliada) quando seja evidenciada pelo texto da decisão recorrida, em forma de vício de procedimento (artigo 410.º n.º 2, do CPP).
20. No plano em que o princípio se reflecte sobre o julgamento da matéria de facto levado nas instâncias, o Supremo Tribunal de Justiça (enquanto tribunal de revista) só pode censurar o julgado (i) quando, a partir do texto da decisão (por si ou em conjugação com as regras da experiência comum), seguindo o iter decisório no cotejo da motivação da convicção (artigo 374.º n.º 2, do CPP), conclua que, diante de um estado de dúvida (aquém da razoável) sobre a culpabilidade do arguido, o Tribunal recorrido decidiu em desfavor deste, ou (ii) quando a conclusão probatória levada pelo Tribunal recorrido se materializa numa decisão contra o arguido, insuficientemente suportada (de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido) pelos elementos probatórios em que (explicita e pontualmente) assentou a convicção.
21. Cabe ainda salientar que a omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão, nos termos do disposto nos artigos 379.º n.º 1 alínea c), 374.º n.º 2, e 97.º n.º 5, do CPP, em decorrência do disposto no n.º 1 do artigo 205.º, da Lei Fundamental, não pode assimilar-se a uma insuficiência motivatória.
22. Repristinando a lição perene do Professor Alberto dos Reis (no «Código de Processo Civil, Anotado», Volume 5, pág. 140), «o que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto». Na mesma linha e sentido, vide Miguel Teixeira de Sousa, nos «Estudos Sobre o Novo Processo Civil», Lex, 1997, pág. 221, e, por mais recente e impressivo, o acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Março de 2014 (processo 15/10).
23. Isto posto, revertendo ao caso, vejamos.
24. O recorrente AA vem arguir a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação, recorrido, com apelo ao disposto nos artigos 122.º n.º 1, 355.º n.º 1 e 357.º, do CPP, sob alegação de que, não tendo sido reproduzidas em audiência as declarações, em inquérito, perante magistrado do Ministério Público, a valoração probatória de tais declarações constitui prova proibida.
25. A questão foi já suscitada perante o Tribunal da Relação, que decidiu, após exaustiva fundamentação (fls. 133-159), que o arguido não sindicou no recurso que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça (limitando-se à reiteração do alegado no recurso interposto para o Tribunal da Relação), decisão de que, pelos fundamentos ali expostos (citando a mais pertinente doutrina e jurisprudência), se não vê razão para divergir, esclarecido que foi, ademais, que tal elemento probatório não foi o único valorado em abono da comprovação da culpabilidade do arguido, e que a omissão da reprodução de tais declarações em audiência (não deixando de estar submetidas a contraditório apesar do silêncio dos arguidos), configura mera irregularidade que sempre teria ficado sanada por não ter sido arguida em tempo, nos termos prevenidos no artigo 123.º, do CPP.
26. O arguido DD vem arguir a nulidade do acórdão do Tribunal da Relação, recorrido, com apelo ao disposto nos artigos 379.º n.º 1 alíneas a) e c), 425.º n.º 4 e 428.º, do CPP, sob alegação de que o Tribunal da Relação declinou a apreciação do recurso interposto sob a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, com fundamento no incumprimento, pelo recorrente, do ónus de impugnação especificada prescrito nos n.os 3 e 4 do artigo 412.º, do CPP.
27. A questão foi apreciada pelo Tribunal da Relação (fls. 112-120 do acórdão recorrido) em termos que desmerecem qualquer reparo – os recorrentes limitaram-se a respigar parcelas de depoimentos de algumas testemunhas, invocando erros de julgamento e, por junto, vícios de procedimento, sem indicação dos elementos probatórios abonadores de que se impunha (não apenas consentia) decisão diversa daquela levada em 1.ª instância, e sem que a decisão recorrida evidenciasse, designadamente, os pretextados erro notório na apreciação da prova e a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
28. O arguido GG alega que o acórdão do Tribunal da Relação, recorrido, padece do vício de erro notório na apreciação da prova prevenido na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º, do CPP, invocando a ausência de prova directa relativamente à decisão, como provado, do facto constante do ponto 6 da decisão sobre a matéria de facto, e que o Tribunal da Relação valorou, contra reo, a prova a respeito produzida.
29. O arguido GG pretexta a verificação de tal vício relativamente à matéria de facto dada como provada no ponto 6, por não ter sido feita prova directa ou indirecta relativamente à matéria contida neste ponto (a hora da prática dos factos).
30. A respeito, o Tribunal da Relação refere que o recorrente tem razão «(…) quando defende que aquilo que consta no auto de notícia quanto à hora (…)», por não se tratar «(…) de um relato directo do agente que lavra o auto de notícia, ou seja, um facto sensorialmente perceptível pelo mesmo, mas apenas relata o que lhe foi feito por desconhecidos. Pelo que na parte em que no Acórdão recorrido se remete para este auto de notícia para fundamentar a determinação da hora, deverá ter-se por não escrita, por não ser tal valoração permitida por lei (…)».
31. Sem embargo, o Tribunal recorrido não deixa de esclarecer a razão pela qual entende não se estar perante qualquer erro notório na apreciação da prova, sublinhando que, para a determinação da hora do crime, o Tribunal da Relação atendeu à convicção do Tribunal de 1.ª instância, que não assentou apenas na análise do auto de notícia, tendo também analisado os vários elementos de prova juntos, nomeadamente a evidência do uso do cartão multibanco (no Terminal de multibanco do supermercado JJ próximo da casa da vítima), na madrugada do dia 13 de Julho de 2017 (pelas 02H45, pelas 02H50, e pelas 03H23), o facto de a porta de entrada da casa da vítima ter sido arrombada, o que indicia ter o assalto acontecido a uma hora tardia durante a noite, concluindo que «(…) a subtracção do cartão MB ao NN por meio de violência, terá necessariamente de ter ocorrido num momento temporal imediatamente anterior e não muito distante da altura em que esse cartão MB foi utilizado no ATM da ... (…)», e esclarecendo como foi possível determinar «(…) de forma segura (embora por presunção) qual a hora da ocorrência do crime de roubo que vitimou o NN, mesmo sem recorrer para tal ao conteúdo do auto de notícia e à menção nele expressa de ter sido ouvido por vizinhos um estrondo numa das portas do prédio pelas 2h da manhã (…)».
32. Daí que o Tribunal da Relação tenha considerado que o recorrente GG tem razão quando alega que o auto de notícia de fls. 5 e 6 não pode ser valorado para a determinação da hora do crime, mas que tal questão não tem qualquer repercussão na matéria de facto descrita no acórdão proferido em 1ª Instância, já que «(…) não tem aptidão para conduzir a qualquer alteração dos factos considerados assentes (…)», considerando existir tão-somente «(…) uma incorrecção na análise de um documento (o auto de notícia) por parte do Tribunal de julgamento (…)», que foi sanada, ao considerar-se por «(…) não escrita essa parte da decisão em que se dá relevância ao conteúdo do auto de notícia nesta parte da determinação da hora do assalto - e que não implica qualquer alteração da matéria de facto provada, nomeadamente da matéria descrita no ponto 6 (…)».
33. Do mesmo passo, quanto à validação probatória do vestígio lofoscópico da palma da mão do recorrente DD na casa da vitima, o Tribunal da Relação explicitou devidamente a razão pela qual acompanhou a decisão proferida em 1.ª instância, ademais esclarecendo que este não foi o único elemento de prova a que atendeu para formar a sua convicção, relativamente à participação do recorrente nos factos dos autos e na sua condenação
34. Como acima se deixou editado, o Supremo Tribunal de Justiça, por via da constrição a que está sujeito pelo disposto no artigo 434.º, do CPP, não pode apreciar o recurso que, directa (por via da invocação de um erro de julgamento da matéria de facto) ou indirectamente (pela invocação de um vício de procedimento que envolva pronúncia sobre o decidido em matéria de facto), vise discutir o julgamento sedimentado, nas instâncias, sobre a matéria de facto.
35. Se os recorrentes, como é o caso, alegam vícios da decisão recorrida a que se refere o n.º 2 do art. 410.º do CPP, mas fora das condições previstas nesse normativo, questionando, designadamente, o modo de valoração e apreciação das provas (por via das declarações prestadas em inquérito, das imagens obtidas pelas câmaras do supermercado e do vestígio lofoscópico determinado), impugnam, afinal, a convicção adquirida pelo Tribunal recorrido sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos os próprios adquiriram em julgamento, com olvido da regra da livre apreciação da prova inserta no artigo 127.º, do CPP, os recursos interpostos, a respeito, para o Supremo Tribunal de Justiça não podem, nessa parcela, ser apreciados.
36. Resta assim para apreciação a questão atinente, em cada um dos recursos, à medida da pena, concretizada em 1.ª instância e confirmada pelo Tribunal da Relação, vindo cada um dos arguidos recorrentes condenado na pena de 11 anos de prisão.
37. Em matéria de escolha e medida das penas, as Mm.as Juízas do Tribunal recorrido ponderaram nos seguintes termos:
«A moldura legal abstracta prevista para o crime de roubo agravado pela qual foram condenados os três arguidos ora recorrentes, é a de pena de prisão de oito a dezasseis anos – artº 210º/1/3 do C.P. Alegam os três arguidos que a pena concreta que lhes foi aplicada é muito elevada por ser desproporcionada, face ao grau da sua culpa, devendo como tal ser alterada. Sublinhou assim o arguido AA que uma pena justa, adequada e proporcional não poderá exceder o seu grau de participação nos factos ora em apreço pelo que não poderá em caso algum ser superior a 8 anos e 6 meses de prisão, pedindo por sua vez o arguido DD uma pena próximo do limite mínimo legal e por fim o arguido GG uma pena que nunca deverá ultrapassar os 9 anos de prisão. Vieram nos termos acabados de indicar, requerer a redução das penas aplicadas na 1ª instância as quais no seu entender se mostram exageradas, desproporcionais e desequilibradamente doseadas, sempre atendendo ao fim educativo que a pena deve ter no sentido de demover o arguido do cometimento de novos crimes, mas também em prol da sua integração e ressocialização. O arguido AA veio alegar: “No caso concreto, abona a favor do Arguido a quase inexistência de antecedentes criminais, o comportamento adequado em meio prisional. Abona ainda o facto de ter crescido num meio desfavorecido e marginalizado. Bem como, abona ainda a sua idade muito jovem. As circunstâncias e critérios do artº 71º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano. Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afetados (…). A culpa constitui um limite inultrapassável, de todas e quaisquer considerações preventivas, sejam elas de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, de segurança ou de neutralização. Com o que se torna indiferente saber se a medida da culpa é dada num ponto fixo da escala penal ou antes como uma moldura de culpa. De qualquer modo, e qualquer que seja a solução encontrada, de uma ou de outra forma, a culpa é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado. Uma tal ultrapassagem, mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, como é nos presentes autos, por razões Jurídico constitucionais, inadmissível (…)”. O arguido GG veio alegar: “O Tribunal a quo avançou para a determinação da medida da pena dando como certa a conclusão retirada pela senhora Técnica subscritora do relatório social, para a qual a condenação do arguido pelos factos constantes da acusação é revelador que o arguido apresenta permeabilidade às oportunidades criminais e que necessita de uma intervenção direcionada á aquisição de censurabilidade e interiorização do valor ético-jurídico, O arguido viu a assim a sua pena erradamente agravada com base num juízo de valor, ou na opinião, emitido pela senhora Técnica subscritora do relatório social. Ora, o nível e a premência das exigências de prevenção especial têm de assentar nas circunstâncias pessoais do agente, na idade, na confissão, no arrependimento e não em opiniões de terceiros que nem sequer foram ouvidos em tribunal. Ora o recorrente tinha 00 anos de idade á data dos factos, tem 4 filhos pequenos, hábitos de trabalho, na ... e sazonalmente na ... e sem quaisquer antecedentes penais, mostra-se integrado familiar e socialmente. A pena aplicada de 11 anos de prisão mostra-se muito acima do seu limite mínimo, afrontando o princípio da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas artº 18º, nº 2, da CRP, bem como as regras da experiência comum Pelo que entende o recorrente que uma pena de prisão de 9 anos será mais equilibrada e proporcional á defesa do ordenamento jurídico”. O arguido DD veio alegar: “O recorrente tinha 00 anos de idade à data dos factos, sendo que não regista quaisquer antecedentes criminais. Apresenta um enquadramento familiar e social bastante positivo, com desempenho laboral instável, mas regular. É uma pessoa querida e respeitada no bairro que simultaneamente corresponde ao local dos factos. Tem três filhos. Não obstante toda a fragilidade emocional que foi despoletada pelo divórcio, o recorrente inscreveu-se num curso profissional promovido pela Santa Casa da Misericórdia, tendo concluído o 4º e 6º ano de escolaridade, perspetivando inscrever-se num curso que lhe permita concluir o 0º ano de escolaridade e obter a carta de .... O recorrente é descrito pelos vizinhos “como objecto do afecto e respeito por parte de toda a comunidade”, sendo “um individuo extremamente solícito, desprendido e trabalhador”. Posto isto, entende o recorrente que uma pena próxima do mínimo legal se revelará mais equilibrada e proporcional.” O M.P na 1ª instância e também nesta Relação, veio defender a manutenção do decidido quanto à medida das penas concretas, por entender nada haver a censurar ao Acórdão recorrido nesta parte, sustentando que as penas aplicadas a todos os arguidos, corresponde a uma correcta ponderação dos factores que no caso concreto, se impunha considerar para determinar a respectiva medida, salientando que o “quantum fixado” ficou muito longe do limite máximo da respectiva moldura legal abstracta (16 anos) e ser muito elevado o grau de ilicitude das suas condutas, atento o facto de se terem prevalecido da sua superioridade física e numérica para anular qualquer resistência que a vítima (pessoa fragilizada pela doença que o havia forçado a um internamento prolongado recente) pudesse oferecer-lhes. Vejamos. Culpa e prevenção são as referências norteadoras da determinação da medida da pena - artº 71º nº 1 do Cód. Penal - a qual visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - artº 40º nº 1 do mesmo diploma legal. A este propósito, refere o Prof. Figueiredo Dias (“in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, pág. 186 e 187”) que, o modelo de determinação da medida da pena consagrado no C.P vigente «compete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente». Há, ainda, que considerar as circunstâncias referidas no nº 2 do artº 71º do Cód. Penal, para a fixação concreta da medida da pena. Assim resulta que a medida da pena não é pura matemática, antes uma operação complexa desenrolada em três fases: 1) escolhem-se os fins das penas: pois só a partir deles se podem ajuizar os factos do caso concreto relevantes para a determinação da pena e para a valoração que lhe deve ser dada (o artº 71º/1 do C.P indica a culpa do agente em primeiro lugar, mas no mesmo nível situa as exigências de prevenção), lembrando o que dispõe o artº 40º/1 sobre as finalidades da punição – protecção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade; 2) fixam-se os factores que influem no doseamento da pena: as circunstâncias concorrentes no caso concreto, que em relação com os fins das penas, têm importância para a determinação do tipo e gravidade da pena (factores esses indicados a título de exemplo no artº 71º/2 do C.P); 3) tecem-se considerandos que fundamentam essa determinação efectuada (de acordo com o artº 71º/3 do C.P.) Ora sendo as finalidades das penas, como já acima referimos, a protecção de bens e valores jurídicos e a reintegração do agente delituoso na sociedade (prevenção geral e prevenção especial respectivamente), há que buscar um ajustado equilíbrio entre elas, equilíbrio esse que não inibe que perante o caso concreto, uma dessas finalidades possa e deva prevalecer sobre a outra. E assim em complemento do que acaba de ser dito, face às finalidades das penas, é ponto assente que em caso algum pode a pena ultrapassar a medida da culpa (artº 40º/2 do C.P). Só desta forma, se atingirá uma das finalidades das penas – a criação de um sentimento de segurança, de utilidade, de punidade e de justiça. No presente caso, da simples leitura do Acórdão recorrido resulta que o Tribunal a quo teve em consideração os seguintes factores na escolha e fixação da medida da pena concreta, para cada um dos três arguidos (com sublinhados nossos): “A moldura pena que devemos ponderar é de prisão de 8 a 16 anos de prisão. As ideias base que devemos ter presentes para alcançar a medida concreta da pena são as de que as finalidades da aplicação de uma pena residem, primordialmente, na tutela dos bens jurídicos, na reinserção do arguido na comunidade e a de que a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º do Código Penal). Assim, em primeiro lugar, a medida da pena há-de ser aferida pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados. Teremos que encontrar, como ponto de referência, o limiar mínimo abaixo do qual já não será comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr em causa a tutela de tais bens jurídicos, respondendo às expectativas da comunidade na reposição contrafáctica da norma jurídica violada. Este ponto será o limite mínimo da moldura penal concreta. Por outro lado, a culpa do arguido fornecer-nos-á o limite absolutamente inultrapassável na medida da pena, mesmo atendendo a considerações de carácter preventivo. Finalmente, considerando o ponto fundamental das necessidades de tutela dos bens jurídicos e o limite inultrapassável fixado pela culpa do arguido, há que encontrar a medida da pena que melhor responde às necessidades da prevenção especial de socialização. Os factores que nos permitirão decidir, face às considerações acima expostas, qual a medida da pena adequada ao caso concreto do arguido constam do artigo 71º do Código Penal. Iremos atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (pois essas já foram consideradas), deponham a favor do agente ou contra ele. Assim, há que atender aos seguintes factos: o grau de ilicitude da actuação do agente, que se revestiu de muito elevada gravidade, atento o modo de actuação descrito, traduzido num roubo com uma violência extrema e com uma desproporcionalidade manifesta para com o objectivo ilícito pretendido – a apropriação de um cartão multibanco; o grau de violação do bem jurídico protegido pela norma, bem como as consequências daí resultantes, que assumem uma relevância claramente elevada face ao resultado da morte da vítima causado por diversos arguidos e perante uma pessoa indefesa; o dolo é directo relativamente ao crime de roubo e o resultado morte foi provocado por uma conduta negligente; a ausência de antecedentes criminais por parte dos arguidos DD e GG e a existência de uma condenação numa pena de multa pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples por parte do arguido AA (condenação esta de pouco relevo, atenta a sua pouca gravidade, traduzida na condenação numa pena de multa); a ausência de demonstração de arrependimento sincero ou de interiorização da ilicitude relativamente à materialidade dos actos praticados; finalmente há a realçar a personalidade revelada pelos arguidos, claramente desconforme aos valores dominantes na sociedade. As necessidades de prevenção geral positiva são aqui de muito relevo, atendendo a que crimes desta mesma natureza vão sendo, lamentavelmente, frequentes na nossa comunidade, onde causam natural alarme social. A culpa dos arguidos aponta-nos para um ponto claramente elevado dentro da moldura penal respectiva, atendendo a que agiram com dolo directo e intenso para se apropriarem do cartão multibanco, e a todo o modus operandi utilizado para consumar o crime (não podendo escamotear-se, uma vez mais, a desproporção da violência utilizada para a finalidade pretendida, revelando um total desprezo pelo valor da vida alheia). Finalmente, as necessidades de prevenção especial de socialização, no presente caso, são de relevo, pois apesar de os arguidos não terem antecedentes criminais ou alterações criminais de relevo há factores de risco relativamente a todos os arguidos que importa acautelar, pelo que a medida concreta da pena deverá andar algo distante do limite mínimo fixado pelas necessidades de prevenção geral positiva. Salientam-se, ainda, e para ponderação da medida concreta da pena, as conclusões dos relatórios sociais elaborados pela DGRSP, em que se refere: - Quanto ao arguido AA – em termos de reinserção social, o arguido apresenta factores de risco ligados ao estabelecimento de eventuais amizades com estilos de vida pouco convencionais, ao meio residencial caracterizado pela existência de problemáticas sociais e ao comportamento aditivo ao haxixe; - Quanto ao arguido DD – os problemas económicos, o desempenho laboral instável e o impacto emocional negativo que uma ruptura afectiva há três anos teve no mesmo; - Quanto ao arguido GG – a permeabilidade às oportunidades criminais e a falta de interiorização dos valores ético-jurídicos. Acresce que, se por um lado, os arguidos AA e GG são mais jovens e, à partida mais permeáveis a condutas desajustadas, o arguido DD, sendo mais velho, parece ser uma pessoas mais integrada na comunidade onde reside, motivo pelo qual, não se associando o crime à idade dos arguidos, mas antes às dinâmicas vivenciais dos grupos e de bairro com problemas criminais, se entende não ser de diferenciar a pena concreta a aplicar a cada um deles. Ponderando, pois, todos estes factores, consideramos adequada a pena de 11 anos de prisão para cada um dos arguidos.” Como já acima foi sublinhado, da conjugação do disposto nos arts 40º e 70º do Código Penal, resulta que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e o reforço da consciência jurídica comunitária na validade da norma infringida (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial). Tendo em conta os assinalados factores e a valoração que deles se fez na 1ª instância, em sede de culpa e prevenção bem como o limite mínimo e máximo da moldura legal abstracta da pena de prisão prevista no C.P para o tipo de crime em causa nestes autos (8 a 16 anos), entende este Tribunal da Relação que a graduação que o Tribunal a quo fez das penas concretas a aplicar, fixando-as em 11 anos de prisão para cada um dos três arguidos AA e GG e DD, é justa e adequada, sendo certo que as referidas penas se situam no ponto médio da respectiva moldura abstracta. Por outras palavras, quanto à graduação da medida concreta da pena, o Tribunal recorrido teve em atenção todos os factores que nos termos da lei devem ser valorados nesta sede. Assim sendo, numa moldura abstracta de 8 anos a 16 anos de prisão (roubo agravado pelo resultado morte), as referidas penas concretas, que foram aplicadas em 1ª instância, não se mostram quanto a nós exageradas, mas antes inteiramente justas, proporcionais e adequadas ao grau da culpa dos três arguidos que ficou demonstrado no presente caso. Com efeito, no caso presente, ponderando em especial o tipo de crime de roubo aqui em análise, importa ter em conta o grau de lesividade da conduta dos agentes no preenchimento deste tipo legal do crime de roubo que é um crime de resultado - ou seja o grau indiscutivelmente elevado da violência que na madrugada de 13.7.2017 foi exercida pelos arguidos, contra a vítima NN, agredida no interior da sua habitação, onde aqueles se introduziram contra a vontade dela (por meio de arrombamento da porta de entrada), atenta a força exagerada utilizada e a extensão das regiões corporais atingidas (cabeça, tórax e abdómen), como bem o demonstram as lesões traumáticas descritas no ponto 11 da matéria de facto provada. É assim notório que os três arguidos e os demais indivíduos que os acompanharam, não identificados nos autos, não se abstiveram de assim actuar, mesmo sabendo que ao agirem dessa forma estavam a molestar o ofendido NN, um homem de 00 anos debilitado por questões de saúde, de noite, no interior do seu lar, prevalecendo-se da sua superioridade física e numérica para anular qualquer resistência que a vítima (pessoa fragilizada pela doença que o havia forçado a um internamento prolongado recente) pudesse oferecer-lhes e podendo e devendo ter previsto que as agressões infligidas no corpo do ofendido, atenta a intensidade da força utilizada e a extensão das regiões corporais atingidas, seriam aptas a causar a morte do agredido, como veio a suceder. Haverá ainda que ponderar por outro lado, os antecedentes criminais do arguido AA (já havia sido condenado em 21.2.2017 no âmbito do processo nº 375/15.7PZLSB, pela prática em 12.5.2015 de um crime de ofensas à integridade física, numa pena de multa convertida para trabalho a favor da comunidade e já declarada extinta, conforme o provado no ponto 122 da matéria de facto provada) e a sua dependência do consumo de haxixe desde os 18 anos de idade; o facto de o arguido DD com 00 anos na data do crime, ser morador no Bairro da ... há 00 anos e amigo da vítima NN, a quem havia anteriormente prestado alguns pequenos serviços de arranjos domésticos (o que deveria ter servido de factor de contenção para evitar que o mesmo cedesse à tentação de violar de forma tão grave os bens jurídicos tutelados pela norma penal aqui em análise) e bem assim todos os outros factores de risco que são referenciados na decisão recorrida, conforme passagem a seguir transcrita: Quanto ao arguido AA – em termos de reinserção social, o arguido apresenta factores de risco ligados ao estabelecimento de eventuais amizades com estilos de vida pouco convencionais, ao meio residencial caracterizado pela existência de problemáticas sociais e ao comportamento aditivo ao haxixe; - Quanto ao arguido DD – os problemas económicos, o desempenho laboral instável e o impacto emocional negativo que uma ruptura afectiva há três anos teve no mesmo; - Quanto ao arguido GG – a permeabilidade às oportunidades criminais e a falta de interiorização dos valores ético-jurídicos Assim o Tribunal recorrido não deixou de ponderar a jovem idade dos arguidos AA e GG (tinham na data do crime 00 e 00 anos respectivamente), o comportamento adequado do AA dentro do E.P bem como e o facto de os arguidos GG e DD serem primários, sendo para nós claro que no Acórdão recorrido, a análise dos factores que podem influir na determinação da medida concreta da pena (nomeadamente no que respeita à suas idades e respectivos percursos de vida e ainda aos actuais enquadramentos familiares e socioeconómicos) foi correctamente elaborada, como se pode ler na fundamentação supra transcrita. Não é de todo verdade, como veio alegar o arguido GG, que a motivação do Tribunal de julgamento tenha assentado nesta parte, fundamentalmente no juízo da técnica que elaborou o seu relatório social, antes resultando expressamente da leitura do Acórdão, que esse foi apenas mais um entre vários factores. Concordamos pois inteiramente com as considerações ali feitas, por traduzirem uma acertada e fiel leitura da realidade e podemos desta forma concluir que o quantum da pena concreta fixada aos três arguidos, não vai além do grau da sua culpa e é adequada a satisfazer as exigências de prevenção geral que são elevadíssimas, bem como as exigências de prevenção especial, igualmente elevadas atentas as personalidades de todos os agentes e os contornos que apresentou o seu modus operandi no caso presente, não obstante a juventude de dois dos arguidos (AA e GG) e a primariedade de outros dois (GG e DD). Não existem também razões que permitam diferenciar o quantum da pena concreta entre os três arguidos, uma vez que todos agiram em co-autoria, tomando parte directa na execução do crime, de acordo com um plano comum e com o mesmo objectivo de se apropriarem de bens que sabiam não lhe pertencer, não tendo sido possível apurar qual o papel exacto de cada um na execução conjunta desse plano e ainda pelos motivos claramente enunciados na 1ª instância, com as quais concordamos, conforme passagem a seguir transcrita: “(…) Acresce que, se por um lado, os arguidos AA e GG são mais jovens e, à partida mais permeáveis a condutas desajustadas, o arguido DD, sendo mais velho, parece ser uma pessoas mais integrada na comunidade onde reside, motivo pelo qual, não se associando o crime à idade dos arguidos, mas antes às dinâmicas vivenciais dos grupos e de bairro com problemas criminais, se entende não ser de diferenciar a pena concreta a aplicar a cada um deles.” Ou seja, foi devida e oportunamente ponderado na 1ª instância, o conjunto dos factos praticados pelos agentes, o dolo directo e as consequências das suas condutas ilícitas, bem como o respectivo percurso de vida e personalidade evidenciada ao longo tempo, como claramente ficou expresso no Acórdão recorrido. É, sem dúvida elevado o grau de ilicitude da conduta dos arguidos que cometeram o crime de roubo objecto destes autos, de noite, contra um homem de 00 anos de idade que se encontrava no interior da sua residência, sendo ainda pessoa particularmente indefesa em razão do seu estado de saúde (com o organismo mais fragilizado em virtude de ter acabado de sair de uma situação de internamento hospitalar por doença, circunstância que não podia deixar de ser conhecida dos arguidos uma vez que o DD era seu conhecido e este arguido e o GG eram moradores na ...), o que revela elevadíssimas exigências de prevenção geral, por causar forte perturbação comunitária. Com efeito, se qualquer crime, por si só cria alarme social por atentar contra bens essenciais à manutenção do status quo comunitário, os crimes contra pessoas no interior do recato do seu lar, potenciam esse alarme social, causando elevada perturbação. O conjunto de todos estes factos – dados por assentes pelo Tribunal a quo – bem como as circunstâncias anteriores e posteriores ao cometimento do crime, o dolo - directo e intenso - fazem-nos concordar com a medida concreta da pena de 11 anos que foi aplicada a todos os recorrentes. Como se sabe, medir e graduar a pena concreta, constitui uma tarefa assaz complexa para o julgador e releva aqui a sua própria intuição assessorada pelas regras da experiência comum, face ao caso concreto em análise e o critério de uniformidade seguido pelo próprio Tribunal em situações idênticas, ponderadas as circunstâncias agravantes e atenuantes provadas; todavia, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. Além do mais, os critérios de determinação da medida concreta da pena, são sempre subjectivos e discutíveis, não obstante as regras definidas pelas normas do Cód. Penal. Subscrevemos pois o entendimento daqueles que defendem na Jurisprudência das Relações, que os Tribunais de recurso, não devem simplesmente alterar a medida das penas, só porque os julgadores no Tribunal “ad quem” possam ter um critério diferente do julgador recorrido. Devem modificá-las sim, mas quando existam razões objectivas para tal, máxime, a violação dos princípios orientadores da determinação da medida das penas concretas e da sua natureza. Ora, no caso presente como resulta da leitura atenta do texto do Acórdão, foram inteiramente respeitadas as normas aplicáveis nesta matéria. Em face da factualidade provada - nomeadamente nos pontos indicados no Acórdão em 1) a 16) quanto aos elementos objectivos e subjectivos que integram o tipo de crime praticado e ainda quanto à situação pessoal dos vários arguidos e seus antecedentes criminais nos pontos descritos em 17) a 127) - matéria que aqui se dá por reproduzida - e ainda da fundamentação do Acórdão, não se verifica terem sido violados quaisquer dos preceitos legais aplicáveis na matéria, nomeadamente aqueles invocados pelos recorrentes. Tudo visto, nada temos pois a censurar à medida da pena concreta que foi fixada na 1ª instância, para cada um dos três arguidos ora recorrentes, medida essa que se mantém por isso inalterada. Com efeito, podemos concluir que a discordância dos arguidos manifestada em sede de recurso, quanto à medida da pena de prisão que lhes foi aplicada, não pode ser atendida, por não estar essa discordância assente em qualquer substrato factual e a sua convicção não se poder substituir à convicção do julgador. Na realidade, os recorrentes não apresentaram nenhum argumento factual susceptível de demonstrar que a medida concreta da pena de prisão aplicada na 1ª instância excede a sua culpa. Em conclusão, a pena concreta aplicada em 1ª instância, em nosso entender, reflecte adequadamente o grau de ilicitude das suas condutas, o que se traduz na sua culpa, assim como dá equilibrada resposta às necessidades de prevenção geral e especial, que o caso sub Júdice suscita, nada tendo sido trazido aos autos pelos arguidos que justifique a sua alteração. Por tudo isto e nos termos acima enunciados, improcedem na íntegra os recursos dos três arguidos AA, GG e DD.»
38. A situação de facto que sedimentada nas instâncias revela, muito em síntese, que os recorrentes e outros (três), na madrugada do dia 13 de Julho de 2017, forçaram a porta a ombro, pontapearam a fechadura e assim entraram na residência do ofendido, retiraram-lhe o telemóvel e a carteira, em cujo interior tinha o cartão de eleitor, e o cartão de débito da Caixa Geral de Depósitos, ao mesmo tempo que, a soco e a pontapé, no corpo e na cabeça, lhe provocaram lesões que foram a causa directa e necessária da sua morte, que veio a ocorrer, no dia seguinte, pelas 06H56, no Hospital de ..., local para onde foi transportado, a fim de lhe ser prestada assistência médica.
39. Em vista da prática de tais factos, cada um dos arguidos foi condenado, pela co-autoria material de um crime de roubo, agravado pelo resultado morte, p. e p., nos termos do disposto no artigo 210.º n.os 1 e 3, do CP, com a pena abstracta de 8 a 16 anos de prisão, na pena concreta de 11 anos de prisão.
40. Os arguidos têm por excessiva a pena concreta que lhes foi aplicada pelo tribunal de 1.ª instância e veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação, pretendendo vê-la reduzida.
41. Em abono de tal redução, alegam:
41.1. O arguido AA, que, tendo em conta os factos provados e as [suas] concretas condições de vida, a pena de 11 anos de prisão deve ser reduzida para não mais do que 8 anos e 6 meses de prisão.
41.2. O arguido DD, que devia ter sido valorado que tinha 00 anos à data dos factos, sem antecedentes criminais, tem três filhos, beneficia de enquadramento familiar e social positivo, sendo respeitado no bairro, e tem um desempenho laboral instável mas regular.
41.3. O arguido GG, que foi penalizado por um relatório social desfavorável, tinha 00 anos de idade ao tempo dos factos, beneficia de inserção familiar e social, com quatro filhos pequenos, tem hábitos de trabalho na ... e na apanha da fruta, bem como beneficia da confissão e do arrependimento.
42. Dispõe o artigo 40.º n.º 1, do CP, que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
43. As finalidades das penas (na previsão, na aplicação e na execução) são, assim, na filosofia da lei penal portuguesa expressamente afirmada, a protecção de bens jurídicos e a integração de agente do crime nos valores sociais afectados.
44. Na protecção de bens jurídicos vai ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores, ou seja, de prevenção geral.
45. A previsão, a aplicação ou a execução da pena devem prosseguir igualmente a realização de finalidades preventivas, que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes, ou seja uma finalidade de prevenção especial.
46. As finalidades das penas (de prevenção geral positiva e de prevenção especial de integração) conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
47. A finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir, por isso em concreto, o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena; de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas, e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.
48. Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser, em cada caso, prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
49. Nos limites da prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização há-de ser encontrado o modelo adequado e a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa como seu limite inultrapassável.
50. A criminalidade contra a propriedade, designadamente quanto praticada através de violência contra as pessoas, no caso, de violência extrema, geradora da morte do ofendido, tem um efeito devastador e potencialmente desestruturante da tranquilidade social comunitária.
51. A frequência, a amplificação de efeitos dos factos pela divulgação nos media, e as dificuldades de investigação determinadas muitas vezes pela fragmentaridade das ocorrências, constituem factores acrescidos de interiorização negativa de factores de insegurança comunitariamente pressentida.
52. Os crimes de roubo, do tipo do crime comprovadamente praticado pelos arguidos recorrentes, constitui, hoje, um dos factores que provoca maior perturbação e comoção social, designadamente em face dos riscos (e danos) para bens e valores fundamentais que causam e da insegurança que geram e ampliam na comunidade.
53. O reconhecimento do fenómeno e da comoção social que provoca, faz salientar a necessidade de acautelar as finalidades de prevenção geral na determinação das penas no crime em referência, como garantia da validade das normas e de confiança da comunidade.
54. As exigências de prevenção geral são pois de acentuada intensidade.
55. As imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores.
56. Na determinação da pena o juiz deve atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais as que estão exemplificativamente enunciadas no artigo 71.º n.º 2 alíneas a) a f), do CP.
57. Elementos de referência na determinação da pena são o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das consequências.
58. No caso, o desvalor do resultado da conduta dos arguidos que, para obterem dinheiro, forçaram a entrada na casa do ofendido, agredindo-o até à morte, não podem deixar de prevenir a aplicação de uma pena concretizada com particular severidade.
59. Por outro lado, os recorrentes não invocam quaisquer circunstâncias que não tivessem sido consideradas pelo Tribunal recorrido, nem se vê sedimentada, como provada, materialidade que possa fundar a mitigação das penas (como é o caso da confissão e do arrependimento), invocadas nas motivações recursivas.
60. Assim, na moldura abstracta de 8 a 16 anos de prisão, a concretização da pena aplicada a cada um dos arguidos em 11 anos de prisão, o Tribunal recorrido valorou as circunstâncias apuradas com adequado, mesmo beneficente, peso prudencial.
61. Importa ademais ter presente (faz doutrina e jurisprudência de há muito sedimentadas) que, em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de «remédio jurídico» (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei.
62. Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida na instância, suscitado pela via recursiva, não deve aproximar-se desta senão quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver qualquer abusiva evicção relativamente a uma concreta pena que ainda se revele congruente e proporcionada.
63. No caso, como se deixou exposto, não se vê que Tribunal recorrido haja valorado as circunstâncias apuradas com inadequado peso prudencial, por isso que o acórdão revidendo não merece nem suscita, também neste particular, qualquer intervenção ou suprimento reparatório.
64. Termos em que os recursos interpostos pelos arguidos não podem, de todo em todo, lograr provimento.
65. O decaimento total nos recursos impõe a condenação dos arguidos recorrentes em custas, sendo individual a taxa de justiça – artigos 513.º e 514.º, do CPP, e artigo 8.º e tabela III, estes do Regulamento das Custas Processuais – ressalvado apoio judiciário e nos estritos termos de tal benefício.
65. Em conclusão e síntese: a) A mera repetição, na motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, na motivação já oferecida no recurso interposto, pelo mesmo arguido, para o Tribunal da Relação, impõe que o mesmo recurso seja conhecido, designadamente na parcela em que se interpela, mesmo por decalque, a decisão do Tribunal da Relação. b) Por força do disposto nos artigos 432.º n.º 1 alínea b) e 434.º, do CPP, o Supremo Tribunal de Justiça pode apenas reexaminar a matéria de direito (sem prejuízo do conhecimento, de ofício, dos vícios prevenidos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º, do CPP que sejam evidenciados pela decisão recorrida), tal seja, não pode conhecer das questões inerentes ao julgamento sobre a matéria de facto nem das questões que concernem à própria formulação da decisão de 1.ª instância (como as nulidades e os vícios de procedimento, incluindo a questão da alegada inconstitucionalidade, que lhe dizem respeito), que já não está sob apreciação. c) a violação do princípio in dubio pro reo, tal como reflectido pelo princípio constitucional da presunção de inocência (artigo 32.º n.º 2, da CRP) e configurado como um limite normativo à convicção probatória (artigos 127.º e 355.º n.º 1, do CPP), vistas as limitações cognitivas decorrentes do disposto no artigo 434.º, do CPP, pode ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça (revista ampliada) quando seja evidenciada pelo texto da decisão recorrida, em forma de vício de procedimento (artigo 410.º n.º 2, do CPP). d) No plano em que o princípio in dubio pro reo se reflecte sobre o julgamento da matéria de facto levado nas instâncias, o Supremo Tribunal de Justiça (enquanto tribunal de revista) só pode censurar o julgado (i) quando, a partir do texto da decisão (por si ou em conjugação com as regras da experiência comum), seguindo o iter decisório no cotejo da motivação da convicção (artigo 374.º n.º 2, do CPP), conclua que, diante de um estado de dúvida (aquém da razoável) sobre a culpabilidade do arguido, o Tribunal recorrido decidiu em desfavor deste, ou (ii) quando a conclusão probatória levada pelo Tribunal recorrido se materializa numa decisão contra o arguido, insuficientemente suportada (de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido) pelos elementos probatórios em que (explicita e pontualmente) assentou a convicção. e) A omissão de pronúncia, geradora de nulidade da decisão, nos termos do disposto nos artigos 379.º n.º 1 alínea c), 374.º n.º 2, e 97.º n.º 5, do CPP, em decorrência do disposto no n.º 1 do artigo 205.º, da Lei Fundamental, não pode assimilar-se a uma insuficiência motivatória, não configurando qualquer invalidade o facto de o Tribunal da Relação ter deixado de sindicar o julgamento levado, em 1.ª instância, sobre a matéria de facto, do passo em que o recorrente não deu cumprimento ao ónus de especificação consignado nos n.os 3 e 4 do artigo 412.º, do CPP. f) A situação de facto sedimentada nas instâncias revela, em síntese, que os recorrentes e outros (três), na madrugada do dia 13 de Julho de 2017, forçaram a porta a ombro, pontapearam a fechadura e assim entraram na residência do ofendido, retiraram-lhe o telemóvel e a carteira, em cujo interior tinha o cartão de eleitor, e o cartão de débito da Caixa Geral de Depósitos, ao mesmo tempo que, a soco e a pontapé, no corpo e na cabeça, lhe provocaram lesões que foram a causa directa e necessária da sua morte, que veio a ocorrer, no dia seguinte, pelas 06H56, no Hospital de ..., local para onde foi transportado, a fim de lhe ser prestada assistência médica. g) Em vista da prática de tais factos, cada um dos arguidos foi condenado, pela co-autoria material de um crime de roubo, agravado pelo resultado morte, p. e p., nos termos do disposto no artigo 210.º n.os 1 e 3, do CP, com a pena abstracta de 8 a 16 anos de prisão, na pena concreta de 11 anos de prisão, que se não vê razão para alterar.
III
66. Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: a) julgar improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos AA, DD, e GG; b) condenar os arguidos nas custas, fixando a taxa de justiça (individual) em 6 (seis) unidades de conta.
Lisboa, 4 de Junho de 2020
António Clemente Lima – Relator Margarida Blasco |