Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SANTOS CARVALHO | ||
Descritores: | PRINCÍPIO DA DUPLA VALORAÇÃO AGRAVANTES TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO ILICITUDE PREVENÇÃO GERAL MEDIDA DA PENA MEDIDA CONCRETA DA PENA DIREITO DE DEFESA DIREITO AO SILÊNCIO PERDA DE BENS A FAVOR DO ESTADO CRIMINALIDADE ORGANIZADA CRIMINALIDADE ECONÓMICA-FINANCEIRA ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | SJ200610240031635 | ||
Data do Acordão: | 10/24/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE. | ||
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Sumário : | I - O princípio da proibição de dupla valoração impede que a mesma circunstância agravativa seja valorada por duas vezes, num primeiro momento fazendo-a funcionar como agravante modificativa do tipo de crime, com alteração da moldura da pena abstracta, num segundo momento fazendo-a operar como agravante de natureza geral, para justificar que a pena concreta seja mais elevada do que seria sem ela. II - O crime de tráfico agravado, previsto no art. 24.º do DL 15/93, de 22-01, verifica-se quando o agente pratica os factos que integram o crime simples de tráfico de estupefacientes e, ao fazê-lo, concorrem uma ou mais das circunstâncias ali enumeradas taxativamente, como sejam, as substâncias ou preparações serem entregues ou destinarem-se a menores ou diminuídos psíquicos, ou serem distribuídas por grande número de pessoas, ou o agente ter obtido ou procurado obter avultada compensação remuneratória, etc. III - Tratam-se, efectivamente, de circunstâncias que agravam em especial a ilicitude e cuja consideração faz aumentar as exigências de prevenção geral do crime. Com efeito, nesses casos, a moldura penal modifica-se, com a agravação do mínimo e do máximo da pena em um quarto, pois, como se lê no preâmbulo do diploma legal em causa, "os crimes mais graves de tráfico de droga devem merecer equiparação ao tratamento previsto... para a criminalidade violenta ou altamente organizada e para o terrorismo". IV - Contudo, verificada que esteja uma dessas circunstâncias que determina a agravação da moldura penal abstracta, há que ponderar o seu grau de intensidade quando se procede à determinação do quantum da pena, pois pode ser maior ou menor dentro desse quadro - pense-se que é mais reduzido o grau de ilicitude pela venda de estupefacientes a um só menor do que a uma centena de menores, como também tal grau é mais reduzido se o agente obtém na venda desses produtos cem mil euros de remuneração em vez de um milhão de euros. V - Assim, não se está a fazer uma dupla valoração da circunstância agravativa, mas a proceder a análises diferentes, a primeira de ordem qualitativa para saber se a circunstância é uma das que estão enumeradas na lei, a segunda de ordem quantitativa para apurar a sua ordem de grandeza no quadro já definido. VI - A violação da proibição de dupla valoração só existe se a apreciação da circunstância modificativa for feita mais do que uma vez sob a mesma perspectiva, qualitativa ou quantitativa, em prejuízo do arguido - seria o caso de admitir-se que a venda de estupefacientes a um só menor já é tráfico agravado - apreciação qualitativa - e na fixação da pena considerar-se tal circunstância como agravante de natureza geral, já que do ponto de vista quantitativo representa a mais reduzida licitude dentro desse quadro agravativo. VII - O uso do silêncio a perguntas feitas por qualquer entidade, designadamente no decurso do julgamento, não pode prejudicar o arguido, pois é um direito consagrado na lei (arts. 61.°, n.º l, al. c), e 343.º, do CPP). VIII - Todavia, ao não falar, o arguido prescinde de poder gozar de circunstâncias atenuantes de relevo, como sejam a confissão e o arrependimento. IX - Por outro lado, embora a mentira do arguido não seja sancionada penalmente, também não é um direito que lhe assiste, pelo que a tentativa de enganar a investigação e de prejudicar gravemente outra pessoa cuja responsabilidade é menor representa uma conduta processual censurável. X - A Lei 5/2002, de 11-01, veio estabelecer medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, configurando um regime especial de recolha de prova, de quebra do segredo profissional e de perda de bens a favor do Estado relativa aos crimes de tráfico de estupefacientes, nos termos dos arts. 21.º a 23.º e 28.º do DL 15/93, para além de outros crimes aí discriminados. XI - A não referência ao art. 24.º do DL 15/93 não nos deve iludir, pois tal preceito legal não define um outro tipo de crime, não é um crime «qualificado» com outros elementos típicos, antes representa o crime tipo do art. 21.°, agravado. XII - A Lei 5/2002 alterou, não só as regras processuais, como também algumas regras substantivas, relativas à perda de bens a favor do Estado. XIII - Na realidade, o legislador, tendo considerado que nem sempre se afigura fácil a prova de que os bens patrimoniais dos arguidos em certos crimes organizados ou económico-financeiros são vantagens provenientes da actividade ilícita e, portanto, sujeitos a perda a favor do Estado, nos termos dos arts. 109.º a 111.° do CP, veio estabelecer algumas regras que impedem os agentes criminosos de se refugiarem, quanto a esse aspecto, numa mera aparência de legalidade, ou de pretenderem prevalecer-se da dúvida. XIV - Por isso, nesses crimes são declarados perdidos para o Estado os bens ou vantagens económicas que não se provarem serem de origem lícita, o que é uma regra substantiva diferente da estabelecida no CP (e na lei da droga) para a generalidade dos crimes, onde só a prova positiva da origem ilícita permite a perda para o Estado. XV - E, assim, para crimes de tráfico de estupefacientes e outros mencionados, presume-se constituir vantagem da actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito (art. 7.° da Lei 5/2002), remetendo-se para o arguido o ónus de provar a licitude do seu património. XVI - Para tal, o MP na acusação ou até 30 dias antes do julgamento liquida o montante que deve ser perdido para o Estado (art. 8.º). Depois, o Tribunal pode oficiosamente, na sua livre convicção, considerar que tal montante é de origem lícita ou o arguido tem a possibilidade de ilidir a presunção através de todos os meios de prova permitidos na lei (art. 9.º). XVII - O facto de contas e valores apreendidos remontarem a datas anteriores à dos factos versados no processo e de alguns desses valores serem de contas que não eram (supostamente) de propriedade exclusiva do arguido, mas de sociedades de que o mesmo não seria o único nem principal sócio, não os fazem deixar de pertencer ao "património do arguido", para o efeito do art. 7.°, n.º 1, da Lei 5/2002, pois são situações que se integram nas hipóteses definidas no n.º 2 dessa disposição. * * Sumário elaborado pelo Relator. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. "AA" foi julgado pelo Tribunal de Círculo de Matosinhos, no âmbito de processo do 3º Juízo Criminal dessa cidade, pronunciado por um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelos art.ºs 21.° n.º 1 e 24.º, alíneas b), c) e f) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, e de um crime de branqueamento, previsto e punido nos termos do art.º 368.º-A, n.º 2 do CP. A final veio a ser absolvido do crime de branqueamento, mas condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelo art. 21.° n.º 1 e 24.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 14 anos de prisão. Foram declaradas perdidas a favor do Estado, não só as substâncias estupefacientes, como todos os bens e quantias também apreendidos, estes nos termos dos art.ºs 36.º da Lei nº 15/93, de 22.1., e 7.º da Lei n.º 5/02, de 11.1. 2. O arguido recorre da sentença condenatória para este Supremo Tribunal de Justiça e, da sua motivação, conclui o seguinte: a) - Viola o princípio da "proibição de dupla valoração ", e faz, pois errónea interpretação do artigo 71 °, n.ºs 1 e 2, "in proemium" do C. Penal, utilizar o "juiz para determinação da medida da pena... a circunstância valorada pelo legislador como factor de agravação ao fixar a moldura penal", como ensina e exemplifica o Prof. F. Dias, in "Direito Penal Português", págs. 234 e 235 -, se, como no caso concreto, considera como factor de determinação do "quantum" de pena a ilicitude dos factos, "elevada, considerando os bens jurídicos violados, em última instância, com este tipo de crime, que é a saúde e o bem estar dos cidadãos e da pessoa humana em geral", demais quando a mesma douta decisão sublinhara que agravação "preconizada pelo ...artigo 24°, b), c) e j) tem em conta, no caso em análise, a escala, já muito elevada em que o crime é praticado, sendo o seu agente um elemento muito preponderante na prática do mesmo" (sic). e a necessidades de prevenção, que "se prendem com a necessidade de ....combater...que fomenta o consumo e a desgraça humana" (sic - fls. 44 do douto acórdão), ou seja, "...desrespeito pelos valores da ...pessoa humana, como sejam os da saúde e da sua integridade física, em prol apenas do seu enriquecimento patrimonial e do seu bem-estar e dos seus" b) - Viola a regra do artigo 71 do C.P., considerar como agravação na determinação da pena em concreto, o facto de o arguido fazer deste tipo de condutas o "seu modo de vida", se, em momento algum da douta decisão há a tal alusão, sendo que a subalternidade ou dependência que decorre da matéria de facto consubstanciada nos itens 38 e 39 da douta decisão e a fundamentação quanto à absolvição do crime de branqueamento é a demonstração de que o douto tribunal não tem elementos para concluir que só de actividades ilícitas viva - vivia - o arguido. c) - Viola a regra do artigo 71, n.º 2 do C.P. - conduta posterior ao facto - considerar agravante a "postura em audiência e durante toda a instrução do processo (a revelar) personalidade desviante, avessa a valores preconizados pela comunidade em que se insere"; se: - os elementos probatórios que existiam nos autos, são fruto de uma longa, paciente e paulatina investigação com mais de dois anos e a colaboração de um "agente encoberto " que todos menos o arguido como tal conheciam, - se o mesmo arguido viu dar como não provado que "obnubilasse a criminosa origem de quantias depositadas e movimentadas" - se é princípio geral, reforçado no direito anglo - saxónico, o aforismo "nemo auditur perrire volens", ou a tutela conferida pelo artigo 14, n.º 3 do Pacto internacional relativo a direitos civis e políticos, pelo que agia a defender-se; - se daqui se não pode inferir que, em termos de razoabilidade veja-se a extensão da tutela das declarações do arguido dada no ac. do STJ de 29-03-2000, no proc. n.º 1134/99, acima citado se pudesse concluir que o seu comportamento processual era "ineludivelmente de imputar à intenção de prejudicar o decurso normal do processo" Fazendo funcionar como valoração contra o arguido o seu comportamento processual, violou-se a regra acima (apud. autor e obra citada, pág. 255). Fixar em CATORZE anos, neste caso, uma pena aplicada, quando o limite máximo abstracto era de QUINZE anos, é violar o regime do artigo 71° do C. Penal. d) - Viola a regra do artigo 30°, n.º 4 da C. Rep., e o regime dos artigos 7°, n.º 1 da Lei 5/02, com referência ao artigo 111°, n.º 2 do C. Penal, considerar verificada a "presunção de conexão com actividade criminosa" quando - as contas e valores apreendidos remontam a datas muito anteriores - n.ºs 28, 29 e 30 da matéria fáctica dada como provada - à dos factos versados neste processo, ocorridos que foram em "data indeterminada de 2004", - alguns desses valores eram de contas que não são de propriedade exclusiva do arguido, mas de sociedades de que o mesmo não é o único nem principal sócio; - a conexão imposta pela "essência político - criminal da regulamentação contida no artigo 109° (hoje 111°) parece só poder alcançar-se de um propósito de prevenção da criminalidade em globo, ligado à ideia de que o "crime não compensa " - Prof. F. Dias, op. cit. pág. 632 -, mas sempre a exigir causalidade necessária, como "consequência directa", certamente que não quanto ao montante, mas já quanto à proveniência genética dessa vantagem, quando, a tal respeito, na douta decisão se "trabalha" com "presunções" em sede de condenação! Não é isso que resulta do trecho em que se lê: "têm proveniência ilícita designadamente que provêm do tráfico de estupefacientes a que o arguido se vem dedicando há já algum tempo, embora sem ter sido nunca apanhado ...nomeadamente as 4 importações de mercadorias, muito duvidosas, que efectuou, que passaram pelo nosso país" ( sic - a fls. 47)? Aqui, não se pode dizer que "cesteiro que faz um cesto, faz um cento...!" Ou fez - ou não fez! Termos em que, reduzindo o montante da condenação para o máximo de sete anos de prisão, tendo em conta o lugar paralelo do acórdão do SJ200405060004535, de 06-05-2004, relatado pelo Sr. Cons. Pereira Madeira - com a consequente e posterior expulsão, e revogando a douta decisão quanto à perda de "vantagens" decretada, e relativamente aos valores referenciados a fls. 13 da douta decisão, se fará JUSTIÇA. 3. O Ministério Público junto do tribunal recorrido respondeu ao recurso e pronunciou-se pela sua improcedência. A Excm.ª PGA junto deste Supremo requereu que fosse fixado prazo para as alegações escritas. O relator, nos termos do art.º 417.º, n.ºs 5 e 6, do CPP, fixou o prazo de dez dias para as alegações e enunciou assim as questões que merecem exame especial: A - Sobre a medida da pena: 1ª- Há violação do princípio da "proibição de dupla valoração" se o colectivo considerou que a agravação do tráfico "preconizada pelo...artigo 24°, b), c) e j) tem em conta... a escala, já muito elevada em que o crime é praticado, sendo o seu agente um elemento muito preponderante na prática do mesmo" e se na determinação do quantum da pena atentou na ilicitude elevada dos factos e nas necessidades de prevenção? 2ª- Viola a regra do artigo 71.º do CP, considerar como agravação na determinação da pena em concreto, o facto de o arguido fazer deste tipo de condutas o "seu modo de vida", se em momento algum da decisão há tal alusão, sendo que a absolvição do crime de branqueamento é a demonstração de que o tribunal não teve elementos para concluir que só de actividades ilícitas vivia o arguido? 3ª- Viola a regra do artigo 71.º, n.º 2 do CP - conduta posterior ao facto - considerar agravante a "postura em audiência e durante toda a instrução do processo (a revelar) personalidade desviante, avessa a valores preconizados pela comunidade em que se insere", se o arguido tem direito a usar o silêncio e se o seu comportamento processual só deve ser valorado contra ele se for ineludivelmente de lhe imputar uma intenção de prejudicar o decurso normal do processo? 4ª- Fixar em 14 anos de prisão, neste caso, quando o limite máximo abstracto é de 15 anos, é violar o regime do artigo 71.º do C. Penal? B - Sobre a perda dos bens para o Estado: 5ª- Viola a regra do artigo 30°, n.º 4 da CRP e o regime dos artigos 7.º, n.º 1 da Lei 5/02, com referência ao artigo 111.º, n.º 2 do C. Penal, considerar verificada a "presunção de conexão com actividade criminosa" quando as contas e valores apreendidos remontam a datas muito anteriores à dos factos versados neste processo, ocorridos que foram em "data indeterminada de 2004", se alguns desses valores eram de contas que não são de propriedade exclusiva do arguido, mas de sociedades de que o mesmo não é o único nem principal sócio, se não se provou que a sua proveniência fosse directamente relacionada com o tráfico de estupefacientes e, assim, tais contas e valores não deviam ter sido declarados perdidos para o Estado? 4. A Excm.ª PGA neste Supremo Tribunal alegou por escrito e concluiu o seguinte: 1- Improcedendo as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação, salvo no que diz respeito às reportadas questões que, suscitados, se prendem com a medida judicial da pena e declarada perda a favor do Estado dos bens e valores apreendidos. Efectivamente, 2- Considerando a moldura abstracta (5 a 15 anos de prisão) do ilícito em causa e o condicionalismo que, extrínseco ao tipo legal, depõe contra e a favor do arguido concede-se que alguma redução (embora não da envergadura pretendida pelo recorrente) possa sofrer a pena a impor-lhe, de sorte a quedar-se à volta dos 10 / 11 anos de prisão. 3- E, com respeito à declarada perda a favor do Estado dos bens e valores apreendidos, ela justificar-se-á, não tanto pelo estabelecido na Lei n.º 5/2001 de 11.01 mas, pelo previsto no Dec.-Lei n.º 15193 de 22.01 (art.ºs 35° e seguintes), aliás invocado para o efeito no douto acórdão impugnado, por expressa referência ao art.º 36.°, n.º 2 do citado diploma, 4- Visto que, obedecendo a um formalismo próprio o processamento do perdimento de bens a favor do Estado ao abrigo da mencionada Lei n.º 5/2002 de 11.01 (art.ºs 8° e 9°) e não resultando dos autos que o mesmo tenha sido observado, tal imporá que, a haver lugar à mencionada declaração de perda, ela ocorra de acordo com o previsto no Dec.-Lei n.º 15/93 de 22.01 (art.º 35° e seguintes). 5. O recorrente também alegou por escrito, mas manteve a sua posição anterior, renovando as conclusões apresentadas no recurso. 6. Colhidos os vistos e realizada a conferência com o formalismo legal, cumpre decidir. A matéria de facto é a seguinte: A - Factos provados da Acusação: 1- Em data indeterminada do ano de 2004, os arguidos AA, BB, CC e DD, investigados num processo autónomo, deliberaram, de forma voluntária e de comum acordo, urdir um plano criminoso, com a finalidade de introduzirem produtos estupefacientes, nomeadamente Cocaína, em Espanha, de molde a poderem auferir lucros elevados e ilícitos, no qual cada um dos arguidos desempenharia funções diferentes, mas todas elas viradas para a boa prossecução de tal plano. 2- E, se melhor urdiram tal plano criminoso melhor o levaram à prática. 3- Com efeito e de acordo com tal plano criminoso, o arguido AA e os indivíduos acima identificados, residentes na República Federativa do Brasil, tinham por função arranjar o produto estupefaciente, acima referido, e na posse de tal produto, procederem ao transporte do mesmo para esta cidade e comarca, onde procederiam à sua entrega ao arguido AA, o qual, e no desempenho das funções que lhe estavam adstritas, deveria diligenciar para a desalfandegamento do produto ou substância estupefaciente e para o seu transporte para Espanha, a fim de se proceder à sua comercialização. 3- Com a finalidade de ultimarem os mais diversos pormenores que tal operação envolvia, o arguido AA, juntamente com o BB e DD deslocaram-se, por várias vezes, a Portugal. 4- Numa destas deslocações, efectuada no dia 6 de Junho de 2003, estiveram reunidos no Hotel ..., em Lisboa, conforme consta do auto de relato de diligência externa junta a fls. 129 e 130 dos autos e fotografias juntas a fls. 131, 132 e 133 dos autos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos para todos os legais efeitos. 5- Sempre com o objectivo e finalidade acima referidos, o arguido AA e o DD, no dia 6 de Dezembro de 2003, deslocam-se novamente a Portugal, hospedando-se no Hotel ..., em Lisboa, depois de terem chega do Milão, no Voo TP 5207, com reserva marcadas para o voo TP 15175, com destino a São Paulo - Brasil, conforme consta do relato de diligência externa junto a fls. 196 e 197 dos autos e do documento junto a fls. 198 dos autos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos para todos os legais efeitos. 6- No dia 20 de Janeiro de 2004, e com o mesmo objectivo, o arguido AA, deslocou-se a Portugal, aonde, cerca das 12 horas, dá entrada no Hotel ....., abandonando o mesmo cerca das 14 horas e 20 minutos, na companhia do DD e do EE, a fim de se dirigirem para a sede do Banco BBVA, sita na Rua Áurea - 40, em Lisboa, onde entraram, conforme consta do auto de relato de diligência externa junto a fls. 245 dos autos e fotografias juntas a fls. 247 e 248 dos autos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os legais efeitos. 7- Sempre com os mesmos objectivos e finalidades, no dia 16 de Abril de 2004, o arguido AA, efectua nova deslocação a Portugal, aonde se encontra com EE, devidamente identificado a fls. 89 dos autos, no interior do Hotel ...., em Lisboa, conforme consta do relato de diligência externa junto a fls. 365 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos. 8- Na sequência das investigações entretanto efectuadas, a Polícia Judiciária do Porto - SRCB -, conseguiu apurar que o arguido AA se iria deslocar a Portugal, no dia 5 de Julho de 2004, ficando hospedado no Hotel ...., sito nesta cidade e comarca, com a finalidade de tratar dos últimos pormenores relacionados com a importação do produto ou substância estupefaciente, que entretanto já tina saído da República Federativa do Brasil, por via marítima. 9- Na data acima referida, o arguido AA chegou cerca das 16 horas e 40 minutos, ao hotel referido, fazendo-se transportar no veículo automóvel de aluguer - TÁXI - de matrícula PJ, conforme consta do relato de diligência externa junto a fls. 407 e seguintes dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos depois de ter viajado de São Paulo - Brasil, conforme consta do Bilhete de avião junto a fls. 817 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos. 10- No dia 7 de Julho de 2004, o arguido AA, cerca das 12 horas e 05 minutos, embarcou no Voo TP 7760, com destino a Madrid, sendo que tinha reservas para o Voo TP 715 Madrid-Lisboa a efectuar no dia 8 de Julho de 2005 e para o Voo TP 185 Lisboa - São Paulo, a efectuar no dia 12 de Julho do mesmo ano, pelas 9 horas e 45 minutos, conforme consta do relatório de serviço no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, junto a fls. 410 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais e do bilhete de avião junto a fls. 817 dos autos. 11- Nesse mesmo dia, 7 de Julho de 2004, deu entrada no Porto de Leixões e proveniente de Roterdão - Holanda, o navio North Express, que atracou junto do terminal de contentores, existente no Cais Norte - Leça da Palmeira, conforme fotografais juntas a fls. 432 dos autos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os legais efeitos. 12- Foram descarregados, para além de outros, cinco contentores com a identificação - MATRÍCULA - CMCU 210514-0, GLDU 223878-7, SUDU 374455-6, CAXU 604462-7 e SUDU 362003-0 -, que continham pavimentos cerâmicos para chão e eram provenientes de Santos - República Federativa do Brasil. 13- Tais contentores que eram considerados suspeitos, face aos elementos probatórios existentes nos autos, nomeadamente transcrições das chamadas telefónicas, devidamente autorizadas, de fls. 169, 170, 172, 178, 179, 191, 192, 193, 194, 195, 199, 200, 220, 221, 222, 223, 224, 226, 227, 228, 229, 230, 232234, 235, 236, 237, 238, 239, 240, 241, 242, 243, 285, 286, 383, 384, 395, 396, 397, 398, 399, 400, 401, 402, 403, 404, 405 e 406 dos autos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os legais efeitos, porquanto tudo levava a crer que no seu interior estivessem acondicionados e dissimulados produto ou substância estupefacientes. 14- Tais contentores foram despachos pela firma LLEGUS COMERCIO IMP. E EXP., LTDA, com sede na Rua Monte Serrat - 631 - Tatuapé, em São Paulo, República Federativa do Brasil, do porto de Santos, na mesma república, no dia 1 de Junho de 2004, com destino a Leixões, conforme consta BLs com os números STS 3293 POR, STS 3295 POR, STS 3294 POR, STS 3297 POR e STS 3296 POR, juntos a fls. 421, 422, 423, 424 e 425 dos autos e documentos juntos a fls. 427, 428, 429, 430 e 431 dos autos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos para todos os legais efeitos. 15- Face às legítimas suspeitas existentes sobre o conteúdo dos referidos contentores, fora m estes imediatamente desalfandegados e transportados, sob vigilância policial, para o parque industrial da Sociedade Portuguesa de Contentores - SPC -, sito na Rua .... - ...., em S. Mamede de Infesta, conforme fotografia junta a fls. 433 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os legais efeitos. 16- Procedeu-se à abertura dos referidos contentores, verificando-se que cada um dos mesmos, continha, no seu interior, 10 (dez) paletes de pavimento cerâmico com as medidas de 31x31x6,8, sendo que, cada palete, continha 90 (noventa) caixas desse produto cerâmico, conforme se constata da fotografia junta a fls. 434 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os legais efeitos. 17- Porém e confirmando as suspeitas iniciais, no contentor com os números CMCU 210514-0, nas paletes com os números 11 a 20, 34 caixas que continham 8 embalagens, cada uma, com o peso aproximado de um quilograma e no contentor com o número GLDU 223878-7 vieram a ser encontrados, nas paletes com os números 21 a 30, igualmente dissimulado no interior das caixas de pavimento cerâmico, de um produto de cor branca com o peso global de 2.231,615 quilogramas, que foi imediatamente apreendido, conforme consta do auto de apreensão junto a fls. 447 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos, produto este que, analisado laboratorialmente, foi identificado como sendo COCAÍNA e está abrangido pela Tabela I - B anexa ao DL. 15/93, de 22 de Janeiro conforme consta do relatório de exame junto a fls. 2369 e seguintes dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos. 18- Para dissimular o produto ou substância estupefaciente acima referido, de molde a poderem furtar-se à acção das entidades policiais, as caixas que continham o produto ou substância estupefaciente estavam ligadas, duas a duas, formando uma única caixa, contendo azulejo nas faces superior, inferior e lateral, encontrando-se este recortado no seu interior, de molde a poder camuflar e esconder as embalagens do produto ou substância estupefaciente, no seu interior, conforme se verifica das fotografias juntas a fls. 435, 436, 437, 438, 439 e 444 dos autos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os legais efeitos. 19- Uma vez que a densidade e peso do produto ou substância estupefaciente é diferente do azulejo - pavimento cerâmico -, o acerto do peso, relativamente às genuínas caixas com o azulejo - pavimento cerâmico -, era efectuado por placas de chumbo, que serviam de lastro às embalagens do produto ou substância estupefaciente, bem como através de caixas que continham unicamente chumbo fundido no seu interior, conforme resulta das fotografias juntas a fls. 437, 438 e 444 dos autos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os legais efeitos, de molde a que todas as embalagens apresentassem o mesmo peso, para desta forma iludiram a vigilância das autoridades policiais que pudessem exercer uma vigilância sobre as mesmas. 20- Foram organizadas cinco amostra-cofre, correspondentes ao cinco logótipos exteriores do produto estupefaciente, sendo que a amostra n.º 1 contém um grau de pureza de 63,5%, a amostra n.º contém um grau de pureza de 70,4%, a amostra n.º 3 contém um grau de pureza de 67,9%, a amostra n.º 4 contém um grau de pureza de 68,7% e a amostra n.º 5 contém um grau de pureza de 67,8%, conforme consta do relatório de exame toxicológico junto a fls. 2371 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos e fotografias juntas a fls. 440, 441, 442, 443, 1033, 1034, 1035, 1036, 1037, 1038, 1039, 1040, 1041, 1042, 1043, 1044, 1045 e 3113 dos autos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os legais efeitos. 21- O arguido AA estava ao corrente de tudo o que se estava a passar e tinha conhecimento de toda a operação acima referida, conforme facilmente se constata das transcrições das intercepções telefónicas, legalmente autorizadas, que se encontram juntas a fls. 831, 833, 835, 836, 837, 839, 840, 841, 842, 843, 844, 845, 846, 847, 848, 849, 850, 851, 852, 853 e 854 dos autos, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os legais efeitos. 22- Nestas conversas telefónicas, o arguido AA confirma a data da chegada dos contentores, acima identificados, ao Porto de Leixões, em Portugal, depois de ter feito escala em Roterdão, que se encontrará em Portugal na data em que os contentores irão chegar, ou seja, no dia 7 de Julho de 2004, que se deslocará a Portugal a fim de controlar a chegada dos contentores e fazer com que os mesmos cheguem ao seu destino, estabelece contactos com a empresa transitária UNISHIP para facilitar a entrega dos contentores sem a apresentação dos masters, que toda a operação decorreu bem e pretende saber quando o produto chegará ao seu destino final, ou seja, em Espanha, a fim de informar um indivíduo a quem apelida de Roberto. 23- O arguido AA, em cooperação com os indivíduos acima referidos, BB, CC e DD, procederam à compra e constituição das sociedades, abaixo identificadas, para além de outras sociedades, com menor relevância: 24- No dia 22 de Março de 2002, no Cartório Notarial do Centro de Formalidades das Empresas do Porto, constituíram a sociedade denominada por " Empresa-A ", com sede na Rua das ..., ..., na freguesia de S. Nicolau, nesta cidade e comarca, conforme consta da certidão junta a fls. 1023 e seguintes dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os legais efeitos; 25- No dia 22 de Maio de 2002, por contrato de compra e venda de acções, adquiriram, por intermédio de FF, a sociedade denominada por " Empresa-B ", com sede na Lugar da ..., freguesia de Ronfe, concelho de Guimarães, conforme consta do contrato junto a fls. 1060 e seguintes dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais; 26- No dia 28 de Maio de 2002, no 5ª Cartório Notarial desta cidade e comarca, constituíram a sociedade unipessoal designada por " Empresa-C ", com sede na Rua ... - ..., da freguesia de Cortegaça, no concelho de Cortegaça., conforme consta da certidão junta a fls. 934 e seguintes dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os legais efeitos; 27- E procederam à abertura, para além de outras, das contas bancárias, em diversas instituições de crédito, abaixo identificadas: 28- Em nome do arguido AA: - Conta n.º 2116616631 - Depósito a Prazo - no Banco Comercial Português - Porto, no dia 1 de Janeiro de 2001; - Conta n.º 48753736 - Depósito à Ordem - no Banco Comercial Português - Porto, no dia 1 de Janeiro de 2001; - Conta n.º 90/2039054 - Depósito à Ordem - no BANIF - Balcão 256, no dia 0 de Dezembro de 2001; - Conta n.º 25067171.10.001 - Depósito à Ordem - no Finibanco - Setúbal, em 19 de Dezembro de 2001; - Conta n.º 319.202512663, no Barclays Bank - Aveiro, no dia 1 de Janeiro de 2002; - Conta n.º 25069322.10.001, no FINIBANCO, em Aveiro, no dia 12 de Dezembro de 2001 29- Em nome da Sociedade Empresa-C: - Conta n.º 45240024874, no BCP - ATLÂNTICO, no dia 5 de Maio de 2003; - Conta n.º 319.202512580, no BARCLAYS BANK - Porto, em 27 de Junho de 2002; - Conta n.º 57600241000.3 - em Euros -, no BES - OFFSHORE DA MADEIRA, no dia 27 de Agosto de 2003; - Conta n.º 57600242000.9 - em Dólares USD -, no BES - OFFSHORE DA MADEIRA, no dia 27 de Agosto de 2003; 30- Em nome da sociedade Empresa-A: - Conta n.º 28270202.10.001, no FINIBANCO - SETÚBAL, em 27 de Agosto de 2003; - Conta n.º 0004924621.12, no BCP - ATLÂNTICO, em 11 de Dezembro de 2001; 31- O arguido AA, um dos sócios da Sociedade Empresa-D, com sede na Rua Estela - ... - Conjunto ... - ... - ... - CEP 04011 - 002, em São Paulo, República Federativa do Brasil, efectuou as transferências bancárias, abaixo discriminadas, para a conta n.º 57600242000.9, titulada pela sociedade Empresa-C: - 114.345,00 USD, em 19 de Janeiro de 2004 - 115.203,70 USD, em 30 de Setembro de 2003 - 150.165, 61 USD, em 28 de Maio de 2004 - 37.343, 50 USD, em 3 de Setembro de 2003 - 4.675, 95 USD, em 16 de Setembro de 2003 - 50.000, 00 USD, em 2 de Junho de 2004 - 55.616, 20 USD, em 16 de Setembro de 2003 - 57.536, 20 USD, em 17 de Setembro de 2003 - 57.716, 20 USD, em 10 de Outubro de 2003 32- Por sua vez, a sociedade Empresa-C, procedeu às transferências bancárias, abaixo discriminadas: - Para a conta n.º 903046850009, titulada pela firma... S.A.: - 120.000,00 USD, em 17 DE Fevereiro de 2004 - 13.000, 00 USD, em 22 de Março de 2004 - 170.000, 00 USD, em 30 de Dezembro de 2003 - 5.000, 00 USD, em 18 de Setembro de 2003 - 50.127, 00 USD, em 10 de Dezembro de 2003 - 61.000, 00 USD, em 12 de Novembro de 2003 - 50.500, 00 USD, em 19 de Dezembro de 2003 - Para a conta n.º 9030055251001, titulada pela firma BAYSIDE FIN. INC: - 150.000, 00, em 28 de Maio de 2004 - 100.000, 00, em 8 de Outubro de 2003 - 100.000, 00, em 12 de Novembro de 2003 - 100.000, 00, em 16 de Outubro de 2003 - 75.000, 00 USD, em 26 de Julho de 2004 - 80.000, 00 USD, em 19 de Setembro de 2003 - Para a conta n. º 03672088389 do BANK OF CORAL CABLES/MONEY EXPRESS: - 120.000, 00 USD, em 25 DE Setembro de 2003 - Para a conta n.º 0240549172 do UBS GENEVE SUISSE - NISA K: - 60.000, 00 USD, em 10 de Dezembro de 2003 - Para a conta n.º 32968102239 do HISCOK AND BALAY: - 2.000, 00 USD, em 20 de Abril de 2004 - Para a conta n.º 44850720276 do BANK INTESA BCI GÉNOVA ITÁLIA: - 1.087, 50 USD, em 11 de Maio de 2004 - Para a conta n.º 39687759615 do NORDEA BANK SWEDEN: - 2.100, 61 USD, em 11 de Maio de 2004 - Para a conta n.º 012-0-607767 do HONG KONG & SHANGAI BANKING CORP. LDA: - 14.087, 33 USD, em 11 de Maio de 2004 - Para a conta n.º 004968183298 do COMERCIAL CARGO INTERNTIONAL INC BANK OF AMÉRICA: - 1.413, 12 USD, em 21 de Maio de 2004 - Para a conta n.º 90305373005 da YES CARGO: - 6.346, 28 USD, em 2 de Julho de 2004 33- Todas estas transferências bancárias, em dólares - USD -, foram efectuadas para e da conta bancária atrás mencionada, titulada pela sociedade Empresa-C, no BES - OFFSHORE DA MADEIRA, sem que esta sociedade tivesse, alguma vez, exercido qualquer actividade para a qual foi supostamente criada, nem tenha intenção de o vir a fazer, conforme resulta do relatório e parecer emitido pela Direcção-Geral dos Impostos - Direcção de Finanças de Aveiro - junto a fls. 2534 e seguintes dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos. 34- Estão apreendidas, à ordem dos presentes autos, as quantias em notas do Banco Central Europeu e aplicações financeiras, que passamos a discriminar: - 88.890, 14 €, relativos à conta n.º 45240024874, titulada pela Empresa-C, no Banco Millennium - BCP; - 12.500, 00 €, relativos à conta n.º 2116616631, titulado pelo arguido AA, no Banco Millennium - BCP; - 32.080, 10 €, relativo à conta n.º 48753736, titulada pelo arguido AA, no Banco Millennium - BCP; - 69316166 Unidades de Participação, AF Prudente - 22651903 Unidades de Participação e Capital BCP/05 18.000 Obrigações do arguido AA, no Banco Millennium - BCP; - 650, 82 €, relativos à conta n.º 576002410003, titulada pela Empresa-C, no BES; - 20.390, 90 €, relativos à conta n.º 3192025125809, titulada pela Empresa-C, no BARCLAYS BANK; - 14.944, 03 €, relativos à conta com o NIB 003203190020251266388, titulada pelo arguido AA, no BARCLAYS BANK. 35- O arguido AA agiu de modo livre, consciente e deliberado, em comunhão de intentos e conjugação de esforços, na execução de plano previamente acordado entre ele, BB, CC e DD, com o propósito conseguido, desde data não concretamente apurada, de introduzirem produtos ou substâncias estupefacientes em Portugal e Espanha, a fim de venderem a inúmeros consumidores e toxicodependentes, conhecendo a natureza e características estupefacientes do produto que fizeram chegar a Portugal. 36- O arguido AA agiu voluntária e conscientemente, de forma reiterada, com o intuito de introduzir produtos estupefacientes na Europa, designadamente em Portugal e Espanha, a fim de serem transaccionados por inúmeras pessoas, obtendo, desta forma, lucros ilícitos, avultados e fáceis, bem sabendo que a detenção, venda, compra, distribuição, transporte, importação e exportação de tais substâncias é interdita e proibida por lei e que a sua conduta era, para além de reprovável, punida por lei. 37- Conseguiu, desta forma, o arguido AA e restantes indivíduos identificados, realizar avultados rendimentos pecuniários com os quais proveram, desde logo, à satisfação não só das suas necessidades pessoais mas também de mais produtos estupefacientes venderem a terceiros. 38- Mediante a concretizada utilização, através das descritas operações de depósito e levantamentos de montantes pecuniários, que venceram juros creditados nas contas previamente abertas, como único titular ou co-titular das mesmas, ou tituladas pelos outros indivíduos já identificados anteriormente, o arguido AA tinha poder para, única e exclusivamente, poder movimentar tais contas bancárias e a disponibilidade para deter e conservar a disponibilidade das quantias em dinheiro existentes, até ordens em contrário. B - Outros Factos Provados decorrentes da Audiência de Julgamento: 39- O arguido, além de gerir as empresas acima referidas, de que é sócio, explora uma produção agrícola de bananas e hortaliças, numa fazenda que possui em S. Paulo, Brasil, denominada "...". 40- Vivia, antes de preso, com a esposa, doméstica, e com dois filhos adultos, um deles deficiente, em casa própria (retratada nos autos). 41- Do seu C.R.C. nada consta. Factos Não Provados: Não ficou provado: 1- Que tenha sido com a finalidade de converter no sistema bancário os avultados e ilícitos rendimentos pecuniários provenientes da venda de produtos estupefacientes em lícitos montantes, que o arguido AA, na sequência do plano criminoso referido na acusação, e em cooperação com os indivíduos acima referidos, BB, CC e DD, tenham procedido à compra e constituição das sociedades acima identificadas, para além de outras sociedades, com menor relevância, mas sempre para serem utilizadas, de acordo com os fins visados no plano criminoso previamente delineado. 2- Que tenha sido na sequência do plano criminoso previamente elaborado, que o arguido AA, um dos sócios da Sociedade ..., tenha efectuado as transferências bancárias, acima discriminadas, para a conta n.º 57600242000.9, titulada pela sociedade Empresa-C. 3- Que tenha sido para dar sequência ao referido plano criminoso, que a sociedade Empresa-C, tenha procedido às transferências bancárias, acima discriminadas. 4- Que o arguido AA tenha agido, de modo livre, consciente e deliberado, em comunhão de intentos e conjugação de esforços com os outros indivíduos acima identificados, na sucessiva execução do plano criminoso acordado, com convergente propósito de converter no sistema bancário os avultados ilícitos rendimentos pecuniários provenientes da venda de produtos estupefacientes em lícitos montantes depositados em várias contas bancárias de diversas instituições bancárias, quer a prazo, quer à ordem. 5- Que perante terceiros, desde logo os funcionários bancários, mas também as autoridades judiciárias e os órgãos de polícia criminal, em caso de investigação criminal, limitada apenas à actividade bancária, o arguido obnubilasse a criminosa origem de tais quantias depositadas e movimentadas, a seu belo prazer, legitimando a sua movimentação no normal circuito económico financeiro bancário e contaminando-o com fundos provenientes da actividade ilícita que vinha sendo desenvolvida por si e pelos restantes indivíduos. 6- Que todas as quantias em dinheiro e aplicações financeiras, apreendidas nos autos, sejam provenientes das actividades ilícitas desenvolvidas pelo arguido AA e restantes indivíduos identificados, nomeadamente da transacção de produtos ou substâncias estupefacientes e que estavam destinadas a servir à prática de actos ilícitos. Os factos provados não padecem de nenhum dos vícios a que se reporta o art.º 410.º, n.º 2, do CPP, pelo que se consideram definitivamente adquiridos. MEDIDA DA PENA: 1ª- Violação do princípio da "proibição de dupla valoração"? O princípio da proibição de dupla valoração impede que a mesma circunstância agravativa seja valorada por duas vezes, num primeiro momento fazendo-a funcionar como agravante modificativa do tipo de crime, com alteração da moldura da pena abstracta, num segundo momento fazendo-a operar como agravante de natureza geral, para justificar que a pena concreta seja mais elevada do que seria sem ela. Esta proibição é um afloramento do princípio geral de direito penal "ne bis in idem". Ora, o recorrente entende que, ao ser condenado por um crime de tráfico agravado, já foi considerado um tipo especial de ilicitude que justifica uma forte exigência de prevenção geral, pelo que, na determinação do quantum da pena o tribunal não podia ter atentado outra vez que a "ilicitude dos factos por ele praticados é muito elevada" e que há "razões fortes...de prevenção geral". Contudo, não lhe assiste razão. O crime de tráfico agravado, previsto no art.º 24.º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, verifica-se quando o agente pratica os factos que integram o crime simples de tráfico de estupefacientes e, ao fazê-lo, concorrem uma ou mais das circunstâncias ali enumeradas taxativamente, como sejam, as substâncias ou preparações serem entregues ou destinarem-se a menores ou diminuídos psíquicos, ou serem distribuídas por grande número de pessoas, ou o agente ter obtido ou procurado obter avultada compensação remuneratória, etc. Tratam-se, efectivamente, de circunstâncias que agravam em especial a ilicitude e cuja consideração faz aumentar as exigências de prevenção geral do crime. Com efeito, nesses casos, a moldura penal modifica-se, com a agravação do mínimo e do máximo da pena em um quarto, pois, como se lê no preâmbulo do diploma legal em causa, "os crimes mais graves de tráfico de droga devem merecer equiparação ao tratamento previsto...para a criminalidade violenta ou altamente organizada e para o terrorismo". Contudo, verificada que esteja uma dessas circunstâncias que determina a agravação da moldura penal abstracta, há que ponderar o seu grau de intensidade quando se procede à determinação do "quantum" da pena, pois pode ser maior ou menor dentro desse quadro. Pense-se que é mais reduzido o grau de ilicitude pela venda de estupefacientes a um só menor do que a uma centena de menores, como também tal grau é mais reduzido se o agente obtém na venda desses produtos cem mil euros de remuneração em vez de um milhão de euros. O que não impede que, em qualquer destas hipóteses indicadas, se verifique a circunstância que o legislador indicou como modificativa da moldura penal, pois o facto cabe no tipo especial de ilicitude enumerado taxativamente. O que existe é uma diferença de grau ou de intensidade da ilicitude, apesar de já agravada, com reflexo na pena concreta. Assim, não se está a fazer uma dupla valoração da circunstância agravativa, mas a proceder a análises diferentes, a primeira de ordem qualitativa para saber se a circunstância é uma das que estão enumeradas na lei, a segunda de ordem quantitativa para apurar a sua ordem de grandeza no quadro já definido. A violação da proibição de dupla valoração só existe se a apreciação da circunstância modificativa for feita mais do que uma vez sob a mesma perspectiva, qualitativa ou quantitativa, em prejuízo do arguido (v.g., admitir-se que a venda de estupefacientes a um só menor já é tráfico agravado - apreciação qualitativa - e na fixação da pena considerar-se tal circunstância como agravante de natureza geral, já que do ponto de vista quantitativo representa a mais reduzida ilicitude dentro desse quadro agravativo ). Ora, a sentença recorrida não fez dupla valoração, pois entendeu que se verificava a circunstância enumerada na al. c) do art.º 24.º do DL 15/93, com fundamento de que «resulta efectivamente provado nos autos que em data indeterminada do ano de 2004, o arguido AA, juntamente com BB, CC e DD, deliberaram, de forma voluntária e de comum acordo, urdir um plano criminoso, com a finalidade de introduzirem produtos estupefacientes, nomeadamente Cocaína, em Espanha, de molde a poderem auferir lucros elevados e ilícitos.» Ser ou não um "lucro elevado" é uma apreciação qualitativa, ainda que baseada em ordens de grandeza. E, na determinação da medida concreta da pena, a sentença recorrida atribuiu à ilicitude, no quadro desse tipo agravado, um grau muito elevado, pois censurou «desde logo ao arguido o facto de gerir o seu negócio, de cariz económico muito elevado, ao mais alto nível, como o seu modo de vida», ponderou que se estava «perante um criminoso ao mais alto nível, um grande traficante, um "chefe" de uma organização, que cria e compra empresas várias (algumas meramente fictícias ou de fachada) para melhor ocultar o seu negócio» e ainda que «disseminava, de forma acentuada, a prática do crime, introduzindo no negócio várias pessoas, a troco de elevadas compensações monetárias (sempre muito inferiores, com toda a certeza, à dos benefícios alcançados com o negócio)». Fez aqui, portanto, uma apreciação de ordem meramente quantitativa (de entre os lucros elevados, estes foram "ao mais alto nível"). Em suma, a sentença recorrida disse que o arguido obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória com o tráfico e graduou essa ilicitude "ao mais alto nível". Não há violação do princípio da dupla valoração se determinada circunstância é analisada qualitativamente e é julgada como integradora da enumeração legal do crime de tráfico agravado e se, posteriormente, a mesma circunstância é avaliada quantitativamente, constituindo então o seu grau elevado ou muito elevado, no quadro desse crime agravado, uma circunstância agravante de natureza geral. 2ª- Existe agravação por o recorrente fazer deste tipo de condutas o "seu modo de vida"? Como resulta das transcrições da sentença supra mencionadas, o tribunal recorrido censurou ao recorrente «o facto de gerir o seu negócio, de cariz económico muito elevado, ao mais alto nível, como o seu modo de vida». Na estrutura da sentença recorrida, o "negócio" a que se reporta esta frase é o do transporte, distribuição e venda de droga. Contudo, o facto do recorrente fazer de tal "negócio" modo de vida não é compatível com o acervo de factos provados e não provados, pois provou-se que o recorrente também «explora uma produção agrícola de bananas e hortaliças, numa fazenda que possui em S. Paulo, Brasil, denominada "...» e não se provou que «que todas as quantias em dinheiro e aplicações financeiras, apreendidas nos autos, sejam provenientes das actividades ilícitas desenvolvidas pelo arguido AA e restantes indivíduos identificados». Assim, assiste ao recorrente alguma razão nesse ponto, pois estaria mais adequado aos factos provados afirmar-se que o recorrente vivia essencialmente, mas não exclusivamente, da actividade ligada ao tráfico de estupefacientes. 2ª- Existe agravação pela conduta processual do recorrente, nomeadamente por ter usado do direito ao silêncio? Sobre este aspecto, disse o acórdão recorrido: "Acresce ainda que o arguido, apesar de ter praticado os factos, provados de forma clara e abundante nos autos, quer pelo depoimento exaustivo das testemunhas de acusação, quer pelo elevado número de documentos existentes nos autos, constituídos neste momento por 16 volumes, não os confessou, nem mostrou sinais de arrependimento pelos mesmos. Pelo contrário, tentou imputar a prática do crime à testemunha EE, um seu mero colaborador, um peão no jogo por ele jogado a partir do Brasil, como se fosse possível acreditarmos na sua versão dos factos e que aquela testemunha tivesse algum dia capacidade financeira ou logística para praticar tal crime, com tais dimensões! Revelou pois o arguido com essa sua postura em audiência, e durante toda a instrução do processo, uma personalidade desviante, avessa aos valores preconizados pela comunidade em que se insere." Ora, dos dois aspectos salientados na sentença recorrida - ausência de confissão/arrependimento e imputação no decurso do inquérito dos factos a uma testemunha - só o segundo pode ser considerado como uma agravante de natureza geral. Com efeito, o uso do silêncio a perguntas feitas por qualquer entidade, designadamente no decurso do julgamento, não pode prejudicar o arguido, pois é um direito consagrado na lei (art.ºs 61.º, n.º 1-c, e 343.º do CPP). Todavia, ao não falar, prescinde de poder gozar de circunstâncias atenuantes de relevo, como sejam a confissão e o arrependimento. Já quanto à circunstância do recorrente ter tentado imputar a prática do crime à testemunha Magalhães no decurso da investigação, afirmação cuja veracidade não pode ser sindicada por este Supremo Tribunal por envolver apreciação do acervo factual recolhido no inquérito, trata-se, efectivamente de uma agravante de natureza geral, pois, embora a mentira do arguido não seja sancionada penalmente, também não é um direito que lhe assiste, pelo que a tentativa de enganar a investigação e de prejudicar gravemente outra pessoa cuja responsabilidade é menor representa uma conduta processual censurável. 4ª- Fixação da pena em 14 anos de prisão? Quanto à medida da pena, vem este Supremo Tribunal de Justiça considerando que é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada. Ora, na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem se perder de vista a culpa do agente, cujo limite é inultrapassável. A finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa "que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada..." (Anabela Miranda Rodrigues, "A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade", Coimbra Editora, pág. 570). "É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica (mesma obra, pág. seguinte). A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes. "Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas..." (ainda a mesma obra, pág. 575). "Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado" (pág. 558). O Código Penal espelhou estas preocupações nos artigos 70º e 71º. Dá-se preferência às penas não privativas da liberdade, mas tal tem de ser feito de uma forma fundamentada, pois há que apurar criteriosamente se a pena não detentiva realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.º 70º). E «1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2. Na determinação da pena, o tribunal atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena» (art.º 71º, n.ºs 1 e 2, do CP). Ora, a ilicitude é muitíssimo elevada, pois estamos em presença de um transporte por navio cargueiro de cerca de 2.200 kg de cocaína, com elevado grau de pureza, a rondar os 70%, do Brasil para Leixões, via Roterdão, para posterior comercialização em Espanha. A droga vinha dissimulada em contentores que transportavam paletes de pavimento cerâmico. Uma vez que a densidade e peso do produto ou substância estupefaciente é diferente do azulejo-pavimento cerâmico, o acerto do peso, relativamente às genuínas caixas com o azulejo-pavimento cerâmico, era efectuado por placas de chumbo, que serviam de lastro às embalagens do produto ou substância estupefaciente, bem como através de caixas que continham unicamente chumbo fundido no seu interior, de molde a que todas as embalagens apresentassem o mesmo peso, para desta forma iludiram a vigilância das autoridades policiais que pudessem exercer uma vigilância sobre as mesmas. Foi, assim, uma operação de alto vulto, envolvendo muitos meios e muitas pessoas. O papel do arguido foi o de contactar com outros indivíduos, dois deles identificados e sujeitos a investigação autónoma, providenciar pelo transporte da droga e posterior desalfandegamento em Portugal, constituir sociedades fictícias, abrir contas bancária para movimentação de grandes somas de dinheiro (por exemplo, entre Setembro de 2003 e Julho de 2004 foram feitas transferências a crédito para diversas contas de sociedades controladas pelo recorrente no valor de cerca de um milhão e novecentos mil USD). Ao recorrente não está imputada a participação em associação criminosa para tráfico de estupefacientes, nem a pertença a um bando, mas, por força de regras de experiência comum, não pode deixar de se admitir que a acção foi altamente organizada, cabendo ao recorrente um papel determinante, embora pareça exagerado falar-se em "chefe" da organização, como fez a sentença recorrida. Sendo elevadíssima a ilicitude dos factos, as exigências de prevenção geral deste tipo de crime são também muito fortes, pelo que o limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas se encontraria nos 12 anos de prisão, o qual seria o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas. Mas, como já dissemos, «abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas.» E, assim, considerando que o recorrente não tem passado criminal, que não se provou que vivesse exclusivamente do tráfico de droga e que fosse o "chefe" da operação, mas tendo também em conta o grau elevadíssimo da sua culpa, considera-se como mais adequado fixar a pena em 11 (onze) anos de prisão. PERDA DOS BENS PARA O ESTADO: O art.º 36.º do DL 15/93 dispõe que são perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiro de boa fé, os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem (n.º 2). Estão compreendidos neste artigo, nomeadamente, os móveis, imóveis, aeronaves, barcos, veículos, depósitos bancários ou de valores ou quaisquer outros bens de fortuna. E o art.º 37.º determina que se as recompensas, objectos, direitos ou vantagens a que se refere o artigo anterior tiverem sido misturados com bens licitamente adquiridos, são estes perdidos a favor do Estado até ao valor estimado daqueles que foram misturados. O disposto nos artigos 35.º a 37.º é também aplicável aos juros, lucros e outros benefícios obtidos com os bens neles referidos (art.º 38.º). As recompensas, objectos, direitos ou vantagens declarados perdidos a favor do Estado (art.º 39.º). Na filosofia deste diploma, em consonância com o disposto nos art.ºs 109.º a 112.º do CP, a perda de bens e de vantagens só se verifica se for feita prova positiva de que aqueles foram obtidos "através do crime". Portanto, se fosse de aplicar esta legislação, o recorrente teria razão quanto à perda de bens decretada na decisão recorrida, já que não ficou provado que os valores em dinheiro e aplicações financeiras apreendidas nos autos fossem provenientes das actividades ilícitas desenvolvidas pelo arguido AA e restantes indivíduos identificados, nomeadamente da transacção de produtos ou substâncias estupefacientes e que estavam destinadas a servir à prática de actos ilícitos. Contudo, a Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, veio estabelecer medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira, configurando um regime especial de recolha de prova, de quebra do segredo profissional e de perda de bens a favor do Estado relativa aos crimes de tráfico de estupefacientes, nos termos dos artigos 21.º a 23.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, para além de outros crimes aí discriminados (terrorismo e organização terrorista, tráfico de armas, corrupção passiva e peculato, branqueamento de capitais, associação criminosa, contrabando, tráfico e viciação de veículos furtados, lenocínio e lenocínio e tráfico de menores, contrafacção de moeda e de títulos equiparados a moeda). Note-se que a não referência ao art.º 24.º do DL 15/93 não nos deve iludir, pois tal art.º 24.º não define um outro tipo de crime, não é um crime «qualificado» com outros elementos típicos, antes representa o crime tipo do art.º 21.º, agravado. Esta lei alterou, não só as regras processuais, como também algumas regras substantivas, relativas à perda de bens a favor do Estado. Na realidade, o legislador, tendo considerado que nem sempre se afigura fácil a prova de que os bens patrimoniais dos arguidos em certos crimes organizados ou económico-financeiros são vantagens provenientes da actividade ilícita e, portanto, sujeitos a perda a favor do Estado, nos termos dos art.ºs 109.º a 111.º do C. Penal, veio estabelecer algumas regras que impedem os agentes criminosos de se refugiarem, quanto a esse aspecto, numa mera aparência de legalidade, ou de pretenderem prevalecer-se da dúvida. Por isso, nesses crimes são declarados perdidos para o Estado os bens ou vantagens económicas que não se provarem serem de origem lícita, o que é uma regra substantiva diferente da estabelecida no C. Penal (e na lei da droga) para a generalidade dos crimes, onde só a prova positiva da origem ilícita permite a perda para o Estado. E, assim, para crimes de tráfico de estupefacientes e outros mencionados, presume-se constituir vantagem da actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito (art.º 7.º da Lei 5/2002), remetendo-se para o arguido o ónus de provar a licitude do seu património. Para tal, o M.º P.º na acusação ou até 30 dias antes do julgamento liquida o montante que deve ser perdido para o Estado (art.º 8.º). Depois, o Tribunal pode oficiosamente, na sua livre convicção, considerar que tal montante é de origem lícita ou o arguido tem a possibilidade de ilidir a presunção através de todos os meios de prova permitidos na lei (art.º 9.º). Ora, no caso em apreço, o M.º P.º indicou na acusação quais os bens que considerava serem de proveniência ilícita, a acusação foi notificada ao arguido e ao seu mandatário, foi permitido ao arguido apresentar todas as provas de que dispunha e estas foram analisadas pelo tribunal, como se vê pelos factos não provados. Não se vê, assim, com o devido respeito pela opinião contrária da Excm.ª P.G.A. neste Supremo, que formalidades previstas nesses art.ºs 8º e 9º não foram cumpridas, tanto mais que a Excm.ª Magistrada não indica quais estão em falta. Os juízes do colectivo, em julgamento, concluíram que o recorrente não fez prova positiva da alegada proveniência lícita dos bens indicados. Certo é que o M.º P.º não fez prova da alegada proveniência ilícita, mas a dúvida assim instalada sobre a proveniência dos bens e valores apreendidos, resolve-se através da presunção de que tais bens e valores constituem vantagens da actividade criminosa, por força do art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002. Por outro lado, o n.º 2 deste artigo determina que, para efeitos desta lei, se entende por património do arguido o conjunto dos bens: a) que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente; b) transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido; c) recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino. Por isso, a perda dos bens para o Estado não é afectada pelo facto do recorrente ter feito transferências de dinheiros para uma conta da "Empresa-C, Lda." (facto n.º 31), pois o recorrente participou na constituição dessa sociedade (facto n.º 26) e procedeu à abertura de contas em nome da mesma sociedade (factos n.ºs 27 e 29), nomeadamente a conta para onde foram esses dinheiros. Assim, o recorrente tinha dos dinheiros o domínio e o benefício à data da constituição como arguido (art.º 7.º, n.º 2-a). Por outro lado, as transferências bancárias feitas de uma conta daquela sociedade, descritas no facto n.º 32, foram bens "transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido" (art.º 7.º, n.º 2-b), já que se provou que esta sociedade nunca exerceu qualquer actividade para a qual foi supostamente criada, nem tinha intenção de o vir a fazer (facto n.º 33). As quantias em notas ou aplicações financeiras referidas no facto n.º 34, ou pertenciam a contas do próprio recorrente ou então daquela sociedade "Empresa-C" de que o recorrente tinha o domínio, pelo que são bens "recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino" (art.º 7.º, n.º 2-c). Em suma, o facto das contas e valores apreendidos remontarem a datas anteriores à dos factos versados neste processo, ocorridos que foram em "data indeterminada de 2004", e de alguns desses valores serem de contas que não eram (supostamente) de propriedade exclusiva do arguido, mas de sociedades de que o mesmo não seria o único nem principal sócio, não os fazem deixar de pertencer ao "património do arguido", para o efeito do art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, pois são situações que se integram nas hipóteses definidas no n.º 2 dessa disposição. Como se disse, o legislador considerou que nem sempre se afigura fácil a prova de que os bens patrimoniais dos arguidos em certos crimes organizados ou económico-financeiros são vantagens provenientes da actividade ilícita e, portanto, constituiu uma série de mecanismos que tornam muito difícil para os agentes de tais crimes prevalecerem-se da dúvida. É o que sucede no caso dos autos, em que o tribunal recorrido decidiu, e bem, declaram-se perdidos a favor do Estado todos os bens e quantias monetárias (ou outras) aprendidas nos autos. 7. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento parcial ao recurso e em condenar o recorrente AA na pena de 11 (onze) anos de prisão, no mais mantendo a decisão recorrida, nomeadamente quanto à perda dos bens e quantias apreendidas nos autos a favor do Estado. Pelo decaimento parcial, fixam-se em 8 UC a taxa de justiça a cargo do recorrente, com 4 UC de procuradoria. Notifique. Lisboa, 24 de Outubro de 2006 Santos Carvalho Costa Mortágua Rodrigues da Costa |