Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01S4423
Nº Convencional: JSTJ00002107
Relator: MÁRIO TORRES
Descritores: CRÉDITO LABORAL
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO PRÉVIA
Nº do Documento: SJ200204100044234
Data do Acordão: 04/10/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4695/01
Data: 07/27/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: LCT69 ARTIGO 38 N1.
CCIV66 ARTIGO 323 N2.
CPC61 ARTIGO 253.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1999/03/24 IN CJSTJ ANOVII TII PAG251.
ACÓRDÃO STJ DE 1994/06/22 IN AD NXXXIII PAG1329.
Sumário : I - Se, nos termos do nº. 2 do artº. 323º do CC, a citação se realiza dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, não há retroactividade quanto à interrupção da prescrição, atendendo-se ao momento efectivo da citação; se a citação é feita posteriormente por causa não imputável ao requerente, considera-se a prescrição interrompida no 5º. dia posterior ao requerimento da citação; existindo, porém, culpa da demora por parte do requerente, atende-se ao momento em que a citação é de facto concretizada.
II - Assim, o autor, para beneficiar do regime consagrado no n. 2 daquele artigo 323 tem de cumprir duas condições: requerer a citação do réu 5 dias antes do termo do prazo prescricional; e evitar que o eventual retardamento da citação lhe seja imputável.
III - Não beneficia desse regime o autor que só intentou a acção e requereu a citação prévia 3 dias antes da consumação do prazo de prescrição dos créditos laborais reclamados, tendo a citação sido efectivada 8 dias depois de requerida e 5 dias depois da consumação da prescrição.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório:

Vem o presente recurso de revista interposto pelo autor A contra o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de Junho de 2001 (fls. 83 a 89), que negou provimento à apelação pelo mesmo interposta da sentença do Tribunal do Trabalho de Vila Franca de Xira, de 29 de Novembro de 2000 (fls. 56 e 57), que julgara procedente a excepção da prescrição e absolvera a ré "B, Lda.", do pedido de condenação no pagamento de diferenças salariais, trabalho suplementar e subsídios de férias e de Natal vencidos no âmbito de um contrato de trabalho que vigorara desde Janeiro de 1960 até 19 de Junho de 1996, data em que cessara por rescisão por iniciativa do autor com invocação de justa causa.
As decisões das instâncias assentaram em que o autor só propôs a acção em 17 de Junho de 1997 e, embora requerendo a citação prévia da ré, fê-lo apenas 3 dias antes de o prazo prescricional expirar (em 20 de Junho de 1997), o que, apesar da diligência do tribunal, que no mesmo dia 17 de Junho de 1997 proferiu despacho a ordenar a citação e expediu esta, por carta registada com aviso de recepção, não obstou a que a citação só se efectivasse em 25 de Junho de 1997, após se mostrar transcorrido o prazo de prescrição.
O recorrente alegou (fls. 97 a 100), tendo, a convite do relator, formulado as seguintes conclusões (fls. 109 e 110):
"A- O, aliás, douto acórdão recorrido ofendeu preceitos de direito substantivo, como sejam as disposições do artigo 323º, n.º 2, do Código Civil e o princípio constitucional consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea a), pois,
B- O acórdão recorrido não interpretou correctamente o estatuído no n.º 2 do artigo 323º do Código Civil, em articulação com o estatuído na alínea f) do n.º 4 do artigo 234º do Código de Processo Civil,
C- Ao interpretar que também a citação prévia deverá ser requerida em data anterior aos últimos cinco dias do termo do prazo, e bem assim que a prescrição tem-se por interrompida (requeira-se ou não a citação prévia) nos termos do n. 2 do artigo 323 do Código Civil, esvazia de utilidade jurídica aquele pedido de citação prévia.
D- Este erro de interpretação penaliza o trabalhador criando uma situação que, para além de gravemente injusta e sancionatória para aquele, nega-lhe o direito de receber as retribuições que lhe são devidas, violando assim o princípio constitucionalmente consagrado na alínea a) do n. 1 do artigo 59.
E- O pedido de citação prévia e a expedição da carta registada para citação devem interromper o prazo prescricional.
F- Nas diligências efectuadas para a citação prévia, aconteceu uma falha funcional dos Serviços, a qual pôs em causa a eficácia desse pedido de citação com urgência."
A ré, ora recorrida, não contra-alegou.
Neste Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público emitiu parecer (fls. 116 a 121) no sentido da negação da revista.
Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto
As instâncias deram como apurada a seguinte matéria de facto, com interesse para a decisão da causa:
1) O contrato de trabalho entre autor e ré cessou em 19 de Junho de 1996, por rescisão da iniciativa do autor;
2) A presente acção foi intentada, com pedido de citação prévia à distribuição, em 17 de Junho de 1997, conforme carimbo do registo da Secretaria do Tribunal de Trabalho de Vila Franca de Xira aposto na petição;
3) A ré foi citada em 25 de Junho de 1997, conforme aviso de recepção de fls. 20;
4) A carta registada para citação da ré foi expedida em 17 de Junho de 1997, conforme decorre de fls. 13 e 20.

3. Fundamentação
É incontroverso que, no caso, a prescrição dos créditos peticionados pelo recorrente consumava-se em 20 de Junho de 1997, "decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho", nos termos do artigo 38º n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969.
A única questão em aberto prende-se com os efeitos que se devem extrair do facto de o autor, ao propor a acção em 17 de Junho de 1997, ter requerido a citação prévia da ré, o que foi deferido e executado (com expedição de carta registada com aviso de recepção) na mesma data, embora a citação só se tenha vindo a concretizar em 25 de Junho de 1997.
As instâncias entenderam que tal não obstou à consumação da prescrição e outra não pode ser a solução jurídica do caso.
Na verdade, atenta a natureza e razão de ser do instituto da prescrição, compreende-se que a sua interrupção ocorra quando chega ao conhecimento do devedor, pela citação ou notificação judicial, a intenção do credor de exercer o direito. A essa situação o n.º 2 do artigo 323º do Código Civil aditou, excepcionalmente, uma situação de "citação ficta": "se a citação não se fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias".

Esta norma alterou o regime até então vigente, estabelecido nos artigos 253º do Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1961 (este antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n. 47690, de 11 de Maio de 1967), segundo o qual no «que respeita à interrupção da prescrição, o efeito da citação demorada por facto não imputável ao autor retrotrai-se à data em que a acção foi proposta». Com efeito, aquando da elaboração do Código Civil vigente, considerou-se deslocada esta estatuição, por não ser ao Código de Processo Civil, mas antes ao Código Civil, que compete regular a interrupção da prescrição, e, por outro lado, por tal norma ter sido fonte de muitas dúvidas e de divergências no que toca à interpretação do conceito de «citação demorada»; por isso se julgou preferível dispor que a prescrição se interrompe com a citação judicial e que, se a citação não tiver lugar dentro de cinco dias, por causa não imputável ao autor, se considera interrompida a prescrição passados esses cinco dias (cfr. Vaz Serra, "Prescrição extintiva e caducidade", Boletim do Ministério da Justiça, n.º 106, págs. 190 a 192).
O regime actualmente em vigor é, pois, o seguinte: (i) se a citação se realiza dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, não há retroactividade quanto à interrupção da prescrição: atende-se, em tal hipótese, ao momento efectivo da citação; (ii) se é feita posteriormente por causa não imputável ao requerente, considera-se a prescrição interrompida logo que decorram cinco dias; (iii) existindo, porém, culpa da demora por parte do requerente, atende-se ao momento em que a citação é de facto concretizada.
Deste modo, o autor somente tem de cumprir duas condições, a fim de poder beneficiar do regime consagrado no n.º 2 do mencionado artigo 323º: (i) requerer a citação do réu cinco dias antes do termo do prazo prescricional; e (ii) evitar que o eventual retardamento da citação lhe seja imputável.
No caso dos autos, o autor desprezou o primeiro pressuposto enunciado, ao requerer a citação do réu apenas 3 dias antes do termo do prazo prescricional. É certo que requereu a citação prévia, mas devia ter previsto que, se esta, por qualquer motivo - incluindo eventual negligência dos serviços do Tribunal (o que não sucedeu) - se frustrasse, ele ficaria completamente desarmado face a uma excepção de prescrição, como ocorreu (cfr., neste sentido, em caso perfeitamente similar ao presente, o acórdão de 24 de Março de 1999, processo n.º 12/99, desta Secção, na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII, 1999, tomo II, pág. 251; cfr. ainda o acórdão de 22 de Junho de 1994, processo n. 3952, em Acórdãos Doutrinais, ano XXXIII, n.º 395, Novembro de 1994, pág. 1329).
É essa orientação que ora se reitera, surgindo como improcedentes os argumentos em contrário esgrimidos pelo recorrente.
Na verdade, não tem qualquer suporte legal a pretensão de ver o efeito da interrupção da prescrição retrotraído à data da proposição da acção com formulação do pedido de citação prévia, pois, como se viu, essa foi solução intencionalmente postergada pelo Código Civil de 1966: actualmente, a prescrição só se interrompe no 5. dia após o requerimento da citação prévia ou com a efectivação da citação, se esta ocorrer antes desse 5. dia, e nunca é reportada à data da proposição da acção ou à data do requerimento da citação prévia.
Pela mesma razão, carece de base legal a pretensão de reportar a interrupção da prescrição à data da expedição da carta registada para citação ou à data em que pretensamente a ré teria tido conhecimento da existência da carta. Quanto a este último ponto, aliás, não existe qualquer prova segura das suspeitas avançadas pelo recorrente de que a ré teria "fugido" à citação, nem sequer de que conhecia o teor da carta que só levantou em 25 de Junho de 1997.
O entendimento sustentado nas instâncias, que se perfilha, não retira sentido útil à previsão do requerimento da citação prévia: é justamente por esta ser requerida que funciona a ficção da citação no 5.º dia posterior ao seu requerimento. Mas para tal é, logicamente, necessário que seja requerida com a antecedência mínima de 5 dias em relação ao termo do prazo prescricional, o que no caso não ocorreu por culpa exclusiva do autor.
Finalmente, a interpretação acolhida não viola o artigo 59, n. 1, alínea a), da Constituição. O direito constitucional à retribuição do trabalho tem de se conciliar com outros valores constitucionalmente relevantes, como o da segurança e certeza das relações jurídicas, que justifica a extinção dos créditos laborais por prescrição, assente no desinteresse manifestado pelo trabalhador na sua cobrança durante um dilatado período de tempo, que se inicia apenas após a cessação da situação de subordinação jurídica típica do vínculo laboral.
Improcedem, assim, na totalidade, as alegações do recorrente.

4. Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso.
Custas pelo recorrente, que beneficia de apoio judiciário (cfr. despacho de fls. 48).

Lisboa, 10 de Abril de 2002
Mário Torres,
Vítor Mesquita,
Emérico Soares.