Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2077/25.7YRLSB-B.S1
Nº Convencional: 5.º SECÇÃO
Relator: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Descritores: HABEAS CORPUS
EXTRADIÇÃO
PRESSUPOSTOS
DETENÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
PRISÃO ILEGAL
CUMPRIMENTO DE PENA
CIDADÃO ESTRANGEIRO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 11/26/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
De acordo com o disposto no artº Artigo 52.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto

1 - A detenção do extraditando deve cessar e ser substituída por outra medida de coação processual se a decisão final do Tribunal da Relação não for proferida dentro dos 65 dias posteriores à data em que foi efetivada.

2 - Se não for admissível medida de coação não detentiva, o prazo referido no número anterior é prorrogado até ao limite máximo de 25 dias, dentro do qual deve ser obrigatoriamente proferida a decisão da Relação.

3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, a detenção subsiste no caso de recurso do acórdão da Relação que conceder a extradição, mas não pode manter-se, sem decisão do recurso, por mais de 80 dias, contados da data da interposição deste.

4 - Se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional, a detenção não pode prolongar-se por mais de três meses contados da data da interposição daquele.

O peticionante foi detido, apresentado a juízo no Tribunal da Relação no dia imediatamente a seguir à sua detenção – dia 30 Julho. Opôs-se à sua extradição.

A 3 de Outubro o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão a autorizar a extradição e reapreciou a medida coativa imposta ao ora peticionante mantendo-o em prisão preventiva.

A 12 de Outubro foi interposto o recurso para o STJ que foi decidido a 5 de novembro. Foi reapreciada e mantida a situação processual do peticionante a 10 de novembro.

Ora, tendo em conta os ilícitos pelos quais o requerente se encontra preso ( tráfico de estupefacientes, branqueamento de capitais e de associação), o prazo de 65 dias para que o mesmo fosse mantido preso, ate à decisão do Tribunal da Relação é prorrogado até ao limite máximo de 25 dias.

Tendo em conta a posterior interposição de recurso (a 12 Outubro, ainda dentro do prazo previsto pelo legislador), para este Supremo Tribunal (que decidiu o envio dos autos ao Tribunal da Relação para realização das diligências consideradas em falta) e, porque ainda não estamos perante uma decisão final, teremos necessariamente que passar à aplicação do número 3 do artº 52º da Lei 144/99 .

A detenção subsiste no caso de recurso do acórdão da Relação que conceder a extradição, por mais de 80 dias, contados da data da interposição do recurso, mas não pode manter-se, sem decisão do recurso para além desses 80 dias.

O STJ não decidiu ainda do recurso interposto já que, só parcialmente se pronunciou, ainda não há, pois, “decisão de recurso” quanto ao objeto do processo – a execução (ou não) da extradição.

Ir além desta interpretação, extravasaria claramente os poderes de cognição do Supremo Tribunal em matéria de habeas corpus.

Decisão Texto Integral:

Acórdão proferido na 5.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça após audiência de Habeas Corpus

Nos presentes autos veio AA, ao abrigo do disposto no artigo 222.º b) e c) do Código do Processo Penal e 31.º da Constituição da República Portuguesa, interpor petição de HABEAS CORPUS invocando prisão ilegal com os seguintes argumentos que se transcrevem na íntegra.

AAenfrenta um processo de extradição, que corre os seus termos no Tribunal da Relação de Lisboa - 3.ª Secção, com o número de processo 2077/25.7YRLSB, estando atualmente encarcerado no Estabelecimento Prisional de Lisboa.

O Requerente entende que se encontra de forma manifestamente ilegal privado da sua liberdade. Porque em 29.07.2025, pelas 20 horas e 26 minutos, foi detido no Aeroporto Humberto Delgado, sito em Lisboa, durante uma escala/conexão de um voo que o levaria da Guiné-Bissau para Barcelona - sendo este último o aeroporto mais próximo da sua residência.

Tal detenção ocorreu em execução de um pedido de detenção internacional inserido no sistema da Interpol, com a referência n.º ........68, peticionado pelas autoridades judiciárias da República da Costa do Marfim que visava a captura do Requerente para fins de submissão a procedimento penal naquele país.

Os factos constantes e descritos na notícia vermelha, e posteriormente vertidos em sede de pedido de extradição, alegadamente deterão correspondência no ordenamento jurídico português, sendo suscetíveis de integrar os crimes de tráfico de estupefacientes, branqueamento de capitais e associação criminosa.

E aquela detenção a que fora submetido vem prevista no artigo 39.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (LCJIMP), com a epigrafe “Detenção não diretamente solicitada”.

Tudo porquanto, segundo aquele normativo, será “lícito às autoridades de polícia criminal efetuar a detenção de indivíduos que, segundo informações oficiais, designadamente da INTERPOL, sejam procurados por autoridades competentes estrangeiras para efeito de procedimento ou de cumprimento de pena por factos que notoriamente justifiquem a extradição.”.

Em 30.07.2025, o Extraditando foi ouvido junto do douto Tribunal da Relação, onde o mesmo declarou expressamente opor-se à extradição solicitada, bem como declarou não renunciar ao princípio da especialidade sendo o Requerente conduzido ao estabelecimento prisional de Lisboa, onde de resto permanece até à data de hoje.

Em 26.08.2025 foi informado aquele douto Tribunal da Relação da chegada do Processo de Extradição, declarando a Procuradoria não só a chegada do Processo de Extradição, mas igualmente a determinação de um pedido de esclarecimentos complementares ao abrigo da informação prestada pelo Estado Requerente - no caso a Costa do Marfim.

Chegado o Pedido formal de Extradição, o Extraditando foi ouvido sobre o seu conteúdo no dia 10.09.2025, tendo-lhe sido concedido prazo para se opor.

Sendo que a Oposição à Extradição em causa foi deduzida e deu entrada naqueles autos a dia 18.09.2025.

Nessa sequência, em 03.10.2025 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o mesmo decidido pela autorização da extradição requerida.

Cumprindo elucidar que aquele Acórdão do doutro Tribunal da Relação foi proferido no 66.º dia de prisão do Requerido AA.

Desta feita, depositando-se olhar no vertido no número 1 do artigo 52.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, que determina que “a detenção do extraditando deve cessar e ser substituída por outra medida de coação processual se a decisão final do tribunal da Relação não for proferida dentro dos 65 dias posteriores à data em que foi efetivada.”, entende-se que a manutenção daquele encarceramento havia já sido contrária à lei.

E, não obstante, nesse mesmo dia, o Requerente ter solicitado a substituição da sua medida de encarceramento com base naquele preceito, tal não sucedera. Escudando-se o douto Tribunal da Relação no facto de, naquele sexagésimo sexto dia, ter proferido Acórdão – ainda que disso não tivesse o Requerente sido notificado.

Tudo mesmo quando o supra referido preceito declara que, para que não cesse a detenção, desde a data da detenção até à data de proferimento de Acórdão por parte do Tribunal da Relação, não poderão decorrer mais de 65 dias – o que foi o caso. Pelo que, salvo melhor entendimento em contrário, já desde o dia do proferimento daquele Acórdão não deveria AA estar privado de liberdade, pois que estavam já excedidos os prazos para o efeito quando fora proferida decisão...

Num circunstancialismo que, apesar de tudo, salvo melhor opinião em contrário, se mantém ou, no limite, se renova, se não vejamos,

Com se disse, mesmo tendo o Requerente requerido a libertação, nesse mesmo dia 03.10.2025, este foi notificado do despacho com o seguinte teor que se cita, “quanto a esses fundamentos, bem como à manutenção da detenção, foi proferido Acórdão que deverá ser imediatamente notificado ao I. mandatário nada mais havendo a apreciar (esgotou-se o poder jurisdicional). Especificamente em relação ao prazo da detenção, tendo sido proferido Acórdão final, ainda que agora seja notificado, que aguardar pelo prazo previsto no artº 52.º, nº3, da Lei n.º 144/99 de 31 de Agosto, não sendo a detenção ilícita.”.

Alegando assim a primeira instância, no essencial, ter-se esgotado o poder jurisdicional do Tribunal da Relação após ser proferido Acórdão.

Aqui chegados, em face da não conformação, por parte do Requerente, com a decisão de autorização daquela extradição, em 12.10.2025 o Requerente intentou junto deste douto Supremo Tribunal de Justiça o competente recurso daquela decisão.

Sucedendo que, em 05.11.2025, foi proferido por este Supremo Tribunal de Justiça decisão que julgou parcialmente procedente a tese do Recorrente e, no essencial, decidiu revogar o acórdão recorrido e determinar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para obtenção das garantias em falta e reapreciação do pedido de extradição em consonância com aquelas que forem fornecidas.

Sendo óbvio e manifesto que, se por maioria de razão já anteriormente tinham sido ultrapassados os prazos de manutenção de encarceramento do Requerente, presentemente, em qualquer caso, isso tonar-se ainda mais óbvio e manifesto.

E desde logo porque a lei é clara: o acórdão do Tribunal da Relação tem de ser proferido no sexagésimo quinto dia após a detenção do sujeito processual, sob pena da sua libertação imediata – devendo alterar-se a medida a que o Extraditando esteja sujeito.

Sendo que, é importante ter-se presente que no caso concreto o Requerido à data de hoje está encarcerado há mais de uma centena de dias!

Mantendo-se agora a aguardar por novo Acórdão do Tribunal da Relação – isto é, por nova decisão em sede de primeira instância. E assim o é essencialmente por força de em sede daqueles autos, por manifesta incúria e desleixo judicial, não terem sido solicitadas informações e esclarecimentos que a lei desde logo impunha como absolutamente essenciais em sede de processo de Extradição para a prolação de decisão – tendo o Requerente já disso alertado em sede de Oposição à Extradição, em sede de Recurso e em sede de Resposta (que é o mesmo que dizer que, apenas com base nas alegações do Extraditando, poderia já em fase anterior terem sido supridas aquelas necessidades).

Sendo que, inclusivamente à luz do vertido em sede de fundamentação e decisão de recurso, o Requerente entende que não pode, por força de uma deficitária atuação das entidades judiciais, ser prejudicado nos seus direitos, liberdades e garantias.

Quando ademais tudo tem feito para ser colaborante com a Justiça – tendo ademais, , alertado consecutivamente para os sucessivos erros de que vem sendo alvo. Tendo sido cometidos contra si grosseiros erros judiciais que infelizmente apenas agora, depois de sindicados em sede deste douto Supremo Tribunal de Justiça, se encontram a tentar ser supridos.

Isto já que, , resultou do Acórdão (decisão de recurso) proferido em 05.11.2025 que os autos haveriam de baixar à primeira instância e que haveria o Tribunal da Relação de Lisboa de procurar obter as garantias em falta, não se extinguindo desde logo o processo, mas antes sendo solicitada a renovação de atos que pela jurisdição de primeira instância haveriam de ter sido praticados e não o foram.

II. DOS CONCRETOS FUNDAMENTOS DE DIREITO

Sucede que o artigo 52.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, com a epigrafe “Prazo de detenção”, determina que

A detenção do extraditando deve cessar e ser substituída por outra medida de coação processual se a decisão final do tribunal da Relação não for proferida dentro dos 65 dias posteriores à data em que foi efetivada.

Se não for admissível medida de coação não detentiva, o prazo referido no número anterior é prorrogado até ao limite máximo de 25 dias, dentro do qual deve ser obrigatoriamente proferida a decisão da Relação.Sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, a detenção subsiste no caso de recurso do acórdão da Relação que conceder a extradição, mas não pode manter-se, sem decisão, por mais de 80 dias, contados da data da interposição deste.


, em qualquer caso, tendo como bom que já anteriormente se haveria incumprido a previsão legal disposta no número 1. do referido artigo, porquanto a decisão final do Tribunal da Relação Como se disse, em qualquer caso, tendo como bom que já anteriormente se haveria incumprido a previsão legal disposta no número 1. do referido artigo, porquanto a decisão final do Tribunal da Relação não foi proferida dentro dos 65 dias após a data em que foi efetivada a detenção e o Requerente manteve-se encarcerado, as ilegalidades permanecem.não foi proferida dentro dos 65 dias após a data em que

Pois que, proferida aquela decisão de primeira instância, em face do disposto no número 3. do artigo 52.º da referida Lei, declarou o Tribunal da Relação que a detenção havia de subsistir –por renovação do circunstancialismo, desta feita, não já ao abrigo do número 1, mas antes ao abrigo do número 3 do artigo 52.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto.

Essencialmente porquanto aquela detenção, ao abrigo do preceito supra citado, poderá manter-se em caso de interposição de recurso da decisão da Relação que concedeu a extradição – o que ocorrera, por parte do Requerente, em 12.10.2025.

Sucede que aquele mesmo preceito esclarece-nos igualmente até quando subsistirá a referida privação da liberdade neste contexto, declarando que a mesma se manterá pelo período máximo de 80 dias, contados desde a interposição do Recurso e até proferimento de Acórdão por parte da jurisdição a que se recorreu – no caso o Supremo Tribunal de Justiça, correspondente à segunda instância.

Visando tal prazo impedir, por excessiva, a supressão de direitos, liberdades e garantias, além do hiato temporal que o legislador entendeu como suficiente para proferimento de decisão de recurso em processo desta natureza – em que sobretudo sequer cumpre à jurisdição portuguesa julgar do mérito da matéria factual em si mesma que vem imputada ao sujeito requerido na extradição, mas antes apenas averiguar do cumprimento dos fundamentos e formalidades daquele pedido de extradição à luz do estabelecido no regime jurídico da cooperação judiciária internacional em matéria penal subscrita por Portugal.

Cumprindo desde logo concluir que, naturalmente, o decurso do tempo não impedirá a tomada de decisão por parte do tribunal em que fora intentado o Recurso, mas antes que, volvidos 80 dias, o Recorrente não se mantenha a aguardar aquela decisão de recurso privado da sua liberdade.

Sobretudo em face do constrangimento de direitos fundamentais que isso acarreta, ou, no limite, pretendendo-se evitar a sua excessiva compressão.

Sucedendo que, no caso daqueles autos, a decisão de Recurso em causa foi proferida por este douto Supremo Tribunal de Justiça no passado dia 05.11.2025.

Esgotando-se assim, naquele momento, a aplicabilidade daquele preceito – isto é, do número 3. do artigo 52.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto.

Porquanto, de acordo com o ali preceituado, o mesmo vigorará, e em consequência os prazos nele previstos, até que seja proferida decisão de Recurso de segunda instância.

Que, , ocorrera já em 05.11.2025.

Pois que a delimitação da lei é clara quando declara que “não pode manter-se [a detenção], sem decisão do recurso, por mais de 80 dias”.

Estabelecendo assim como métrica de aplicabilidade do preceito o proferir de decisão de recurso em sede de segunda instância.

Sendo facilmente percetível que a aplicabilidade daquele prazo se esgota com a prolação da decisão por parte do Supremo Tribunal de Justiça - essencialmente se se atender à sistemática do artigo, que vai habilitando novos prazos de encarceramento em face da marcha processual normal de um processo de Extradição.

Pois que, observada a integralidade do artigo52.º, compreende-se que o processo legislativo obedeceu e acompanhou o regular escalar da marcha processual: os números 1 e 2 preveem os prazos de encarceramentopara a fase judicial a ocorrer em primeira instância,o número 3 prevê aquele mesmo prazo, mas desta feita aplicável em sede de segunda instância, e, por fim, o número 4 prevê e delimita os prazos máximos a que deve obedecer a privação de liberdade em casos de sindicância para o Tribunal Constitucional.

E tudo tendo em linha de conta a tipicidade dos casos, em que o resultado das decisões, quer de primeira, quer de segunda instância, determinariam ou o prosseguimento da extradição, ou a extinção do processo (este último por não se conceder a extradição requerida). Sucedendo no entanto que, em termos hermenêuticos, fica claro que o espírito do legislador foi o de prevenir que em sede de processo de Extradição a possível ineficiência dos Estados (quer Estado requerente, quer Estado requerido) prejudique os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos submetidos a processos desta natureza – alicerçando tal espírito no princípio da presunção de inocência e, ademais, pugnando-se por, a ser o caso, se tentar atingir, no patamar mínimo, o núcleo de direitos fundamentais dos extraditandos, ainda mais quando estão em causa processos que se destinem a submeter alguém a processo penal, pois que nestes casos concretos os requeridos sequer foram julgados ou sentenciados.

Tentando-se assim impedir ao máximo o que pode ser entendido como o cumprimento de uma pré-sentença, privando-se a liberdade de alguém que sequer se conhece se chegará a ser condenado (por oposição a processos de extradição que visam já a extradição de indivíduos sentenciados para efeitos de cumprimento de penas antes imputadas).

Pelo que, mesmo não só cingindo-nos à letra da lei, mas através da interpretação dos elementos sistemáticos e teleológicos, integrando-se o preceito no conjunto das normas onde se insere, se chega facilmente à conclusão que o legislador, se pretendesse depois da decisão de recurso em segunda instância manter a vigorar o prazo de 80 dias previsto no número 3. do artigo 52.º da Lei n.º 144/99 de 31 de Agosto, o teria declarado expressamente.

Partindo-se sempre do princípio que o legislador se expressa de forma correta - isto é, que se expressou exatamente como se pretendera expressar -, o que obriga a concluir que, pretendendo legislar de forma diversa, este o teria feito.

Aqui chegados, e tendo em linha de conta que em 05.11.2025 foi proferido Acórdão, por parte da segunda instância, que determinou que os autos baixassem à primeira instância para recolha de elementos que deveriam ter sido solicitados nessa anterior fase processual, menos sentido faz que, se em termos procedimentais, estando a ser recolhidos elementos e desenvolvidos atos que fariam parte integrante da conduta a adotar numa fase processualmente anterior, sejam aplicáveis ao Requerente os prazos estabelecidos e sindicáveis numa fase prós recursiva.

Assim entendendo-se que o prazo previsto no número 3. do artigo 52.º está funcionalmente ligado à pendência do recurso, e que, por força disso, o mesmo já não é aplicável ao Requerente.

Se assim não fosse, por absurdo, a título de exemplo, poder-se-ia dar o caso de estando por ora a correr aquele prazo de 80 dias e tendo a primeira instância de solicitar novos elementos à Costa do Marfim, de proferir Acórdão, de ser permitido ao Requerente intentar Recurso e, de, a final, ter ainda de ser proferido Acórdão em sede de segunda instância, não restar simplesmente tempo para as várias jurisdições seguirem o seu curso normal de prazos.

Se não vejamos: se se assumir que, contrariamente ao que aqui e pugna, atualmente vigora para o Requerente o prazo previsto no número 3. daquele artigo 52.º, significará que o mesmo tem de ser libertado numa janela de intervalo de 80 dias após a interposição do seu Recurso junto do Supremo Tribunal de Justiça, iniciando-se a contagem desses dias a dia 12.10.2025.

Pelo que, tendo presente a data de hoje, o mesmo é dizer que foram já consumidos mais de 30 desses 80 dias, restando menos de cinquenta dos mesmos para que:

1) sejam prestadas as garantias solicitadas em sede de Acórdão de segunda instância,

2) seja proferida decisão em primeira instância,

3) sendo essa favorável à extradição, seja concedido o prazo de dez dias ao Requerente para recorrer para a segunda instância e, ainda,

4) seja proferido novo Acórdão de segunda instância.

Transvestindo-se em absoluto o engenho do artigo.

Sendo que, se atendermos à possibilidade de AA

 usufruir de todo o prazo para interposição de Recurso, que é de 10 dias, já só restariam menos de 40 dias para todas as restantes e enunciadas etapas e decisões legalmente previstas. O que evidência que a aplicabilidade, neste momento, daquele preceito, naturalmente desequilibraria a mecânica de prazos ali estabelecida, que foi pensada para harmonizar a posição das partes “em confronto” – quer do Estado requerido (espelhado no órgão decisor), a fim de que o mesmo tenha o seu tempo de preparo e profira decisão em consciência, quer do Extraditando objeto da decisão, que por força das primeiras necessidades citadas não pode ver os seus direitos fundamentais sucumbir a anormais tempos decisórios.

Acrescendo que, entender-se aplicável o número 3. do artigo 52.º, tem a aptidão de trazer novas consequências: pois que, aqui chegados, no caso concreto, se por hipótese for novamente proferida decisão de primeira instância que determine a extradição, intentando-se novo Recurso, poderá colocar-se a hipótese de se renovar o prazo ali previsto após essa nova interposição de Recurso para a segunda instância?! Permitindo que se caia num círculo interminável e infinito de renovações de prazos - que astuciosamente vão permitindo ao poder judicial manter o Requerente encarcerado?

Ainda mais quando a decisão do Supremo Tribunal de Justiça manifestamente enunciou que fora a primeira instância quem mal andou não tendo sido diligente na requisição das garantias necessárias...?

Sem nunca olvidar que a solução a adotar, de acordo com a integralidade do sistema de Direito, sempre tendo em conta os valores que alicerçam o Estado de Direito Democrático, sempre terá de ser a mais favorável ao Requerente – que atualmente está privado da sua liberdade há mais de uma centena de dias!

Que é o mesmo que dizer que, posto o presente circunstancialismo, deve entender-se que, tendo os autos baixado à primeira instância, o prazo aplicável para manutenção de encarceramento é o vertido em sede do número 1. do artigo 52.º daquela Lei – no caso, 65 dias desde a data da detenção.

E no caso, tendo o mesmo já há muito decorrido, o Requerente deve imediatamente ser restituído à liberdade. Sendo que, ainda sob outro possível prisma de leitura do preceito, tão pouco se poderá declarar que o tema, pautado por um aparente vazio legislativo, se vê resolvido com a aplicação subsidiária dos prazos máximos de aplicação de prisão preventiva previstos no ordenamento jurídico português, e mormente no Código de Processo Penal.

Pois que, como bem enunciado por Vossas Excelências em sede do Acórdão proferido no âmbito do processo 1252/22.0YRLSB-B, datado de 06.10.2022, “sindicar em processo de extradição a detenção como se fosse prisão preventiva é amalgamar realidades normativas diversas.

A detenção em processo de extradição, pese embora a remissão do art. 3.º/2, Lei 144/99, não pode ser confundida com a medida de coação de prisão preventiva, pois responde a exigências e finalidades diversas das salvaguardadas pela prisão preventiva, nomeadamente, afirmar a República Portuguesa como Estado de Direito confiável no âmbito da cooperação judiciária internacional.”..

Pelo que, , apenas restará concluir que a partir do momento em que é proferida, sem segunda instância, decisão de Recurso no sentido de os autos serem remetidos ao Tribunal da Relação, qualquer manutenção da detenção por prazo superior a 65 dias, carece de fundamento legal.

E ainda mais quando aquela baixa é motivada exclusivamente pelo suprimento de necessidades que poderiam e deveriam ter sido já supridas anteriormente pela primeira instância – que teve já não só essa oportunidade, como esse poder (e, no mais, essa obrigação).

Pois que uma decisão em sentido contrário significará que o Requerente esteja habilitado a manter-se privado da liberdade por, de entre outras coisas, asfixia e incompetência de natureza burocrática - da qual não tem culpa e, ademais, para a qual alertou aquela primeira instância consecutivamente!

Existindo dupla penalização do Requerente (por, no mínimo, sistemática sujeição a renovações de prazos) e, por outro lado, “premiando-se” os comportamentos erróneos da primeira instância, que dispõe, à custa da liberdade do Requerente, de novo prazo para requer e produzir o que já deveria ter efetuado há muito (e disso foi alertada!).

(...) Tudo uma vez quem, terminada em 05.11.2025 aquela pendência sobre a decisão, com a prolação do acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, esgotou-se a aplicabilidade do preceito — e, consequentemente, o fundamento que legitima a continuação da detenção.

Pois que o que se entende é que todo o processo sofreu fenómeno repristinatório, retomando-se ao momento de verificação do prazo vertido em sede do artigo 52.º, número 1., da Lei n.º 144/99, de 31de Agosto. Estando assim o Requerente privado da sua liberdade há muitíssimo mais de 65 dias, devendo ser de imediato ser restituído à liberdade.

Considerando-se, naturalmente, a possível aplicabilidade de outra medida que, dentro na legalidade, se demonstre adequada e suficiente aos fins a que propõe as medidas cautelares nesta fase.

Nestes termos e nos melhores de Direito que doutamente Vossas Excelências suprirão, requer-se que seja julgada procedente por provada a presente petição de HABEAS CORPUS, em virtude de estar em causa manifesta prisão ilegal, motivada por facto pelo qual a lei não permite e, igualmente, por em qualquer caso estar a ocorrer além dos prazos fixados pela lei, devendo em consequência restituindo-se de forma imediata AA à liberdade.

Assim decidindo farão Vossas Excelências o que é de inteira

JUSTIÇA!

*****

(...)

Em cumprimento do artigo 223.º, n.º1, parte final, do Código de Processo Penal (doravante CPP), o Exmo Juiz Desembargador proferiu a seguinte informação:

O requerido AA foi detido a 29 de Julho de 2025, pelas 20h26, no Aeroporto Internacional de Lisboa, dando cumprimento a um pedido de detenção internacional inserido no Sistema da Interpol, com a referência o n° 2022/28068, pelas autoridades da Costa do Marfim.

Tendo sido ouvido a 30 de Julho de 2025, em procedimento para efeitos de extradição, foi mantida a sua detenção, tendo declarado opor-se à mesma.

No dia 31 de Agosto de 2025 (ref. 774518 de 1/9/2025) foi apresentado nos autos principais o pedido formal de extradição.

O requerido foi ouvido sobre tal pedido formal no dia 10 de Setembro de 2025, mantendo a sua oposição.

Após a dedução da oposição pelo requerido e da resposta do Ministério Público, logo que foram recebidos os elementos considerados adequados das autoridades da Costa do Marfim, foi proferido Acórdão por este Tribunal da Relação de Lisboa a autorizar a extradição no dia 3 de Outubro de 2025 e a reapreciar a situação coactiva do requerido.

Interposto recurso de tal decisão para o STJ no dia 12 de Outubro de 2025, foi o mesmo admitido no mesmo dia.

No dia 5 de Novembro de 2025 foi comunicado pelo STJ o Acórdão proferido nessa sequência.

Já posteriormente a tal comunicação, nos traslado aqui pendente, foi reapreciada a situação coativa do requerido por despacho de 10 de Novembro de 2025.

Os autos principais ainda se encontram do STJ.

Instrua estes autos com certidão do requerimento inicial do processo e seus elementos, do auto de audição de 30 de Julho de 2025, do requerimento ref. 774518 de 1/9/2025 (pedido formal), do auto de audição de 10 de Setembro de 2025, do Acórdão deste TRL de 3 de Outubro de 2025, do requerimento de interposição de recurso de tal decisão para o STJ de 12 de Outubro de 2025, do Acórdão do STJ de 5 de Novembro de 2025 e do despacho de 10 de Novembro de 2025 proferido no traslado, apenso A.

Após, suba imediatamente esse apenso ao Supremo Tribunal de Justiça.

(...)

****

Entretanto interpôs o peticionante recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a 12 de outubro, que foi decidido, a 5 de Novembro, no sentido de baixarem os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa e (sumariamente) ordena:

A existência de um processo de extradição noutro país, da nacionalidade do extraditando, pertencente à União Europeia, que não passou da fase administrativa por falta de recebimento de pedido formal do Estado requerente, e foi arquivado antes da detenção do arguido em Portugal, que deu origem aos presentes autos, não configura a excepção de non bis in idem a que se refere o artigo 19º da referida Lei.

Uma vez que o país da nacionalidade do extraditando se recusou formalmente a exercer a acção penal, resta apreciar o pedido de extradição feito pela República da Costa do Marfim.

O pedido de extradição reporta-se necessariamente à matéria de facto referida no pedido formal, daqui derivando que, em caso de dúvida sobre algum dos elementos relevantes para a respectiva compreensão se impõe a obtenção dos necessários esclarecimentos pelo Estado requerente, o que se aplica à falta de menção da concreta moldura penal a que o extraditando se sujeita, no caso de condenação por cada um dos crimes imputados.

Não existindo convenção relativa à cooperação judiciária penal entre Portugal e a República da Costa do Marfim, há que aplicar a Lei 144/99, de 31/8, supletiva, exigindo do Estado requerente as garantias necessárias ao cumprimento das normas imperativas que, não sendo fundamentos de recusa, são requisitos gerais negativos de cooperação internacional, nos termos do artigo 6º/ da referida Lei.

Tais garantias reportam-se, também, aos compromissos de cumprimento da regra da especialidade, ao impedimento de reextradição.

Quando a autoridade judiciária do Estado‐Membro de execução dispõe de elementos que comprovam um risco real de tratamento desumano ou degradante carecem de ser pedidas, igualmente, garantias formais ao Estado requerente, relativas à pessoa do extraditando, de que não será sujeito a tortura, nem a um sistema carcerário desrespeitador da dignidade humana, que ponha em risco a sua segurança, saúde, na sua vertente de integridade física e psicológica e até a própria vida.

No caso da Costa do Marfim, atentas as “Observações finais sobre o relatório inicial da Costa do Marfim”, elaborado pelo Comité contra a Tortura das Nações Unidas, no âmbito do Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos que ou Degradantes impõe-se ainda a obtenção de garantias relativas ao julgamento por um Tribunal independente e à obtenção de condições de defesa condignas, proporcionados por acompanhamento por um advogado.

VIII- Decisão:

Pelo exposto, acorda-se em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se o acórdão recorrido e determina-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para obtenção das garantias em falta e reapreciação do pedido de extradição em consonância com aquelas que forem fornecidas.

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Os autos encontram-se instruídos com a documentação pertinente.

Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e o Ilustre Defensor do requerente, realizou-se a audiência com observância das formalidades legais.

A matéria factual relevante para o julgamento do pedido resulta da petição de habeas corpus, da informação prestada, da certidão que acompanha os presentes autos e da consulta efetuada através do CITIUS, extraindo-se os seguintes dados de facto e processuais (em súmula):

O Requerente entende que se encontra de forma manifestamente ilegal privado da sua liberdade desde 29.07.2025, pelas 20 horas e 26 minutos, dia e hora a que foi detido no Aeroporto, com base num pedido de extradição peticionado pela Costa do Marfim

Em 30.07.2025, o Extraditando foi de imediato ouvido pelo Tribunal da Relação e conduzido ao estabelecimento prisional de Lisboa, onde permanece preso até esta data.

Em 03.10.2025 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tendo o mesmo decidido pela autorização da extradição requerida e mantendo a situação de prisão do peticionante.

Da mesma decisão do Tribunal da Relação de Lisboa recorreu o peticionante em 12 de Outubro.

Em 05.11.2025, foi proferido por este Supremo Tribunal de Justiça decisão que decidiu revogar “o acórdão recorrido e determinar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para obtenção das garantias em falta e reapreciação do pedido de extradição em consonância com aquelas que forem fornecidas.”.

Acresce com importância para a decisão que se vai proferir que, foi determinada a entrega do arguido AA, de nacionalidade Espanhola, às autoridades da República da Costa do Marfim, para efeitos de prosseguimento de processo judicial perante a imputação da prática dos crimes de tráfico de estupefacientes, branqueamento de capitais e de associação criminosa, iniciados em data desconhecida e que decorreram até 15 de abril de 2022, data em que foram apreendidos pelo menos, 1.818 quilos de cocaína sendo que, resultou de prova produzida, entre ela por depoimentos de outros membros do grupo criminoso a que pertencia, que era este arguido quem se encarregava da gestão da clientela e da prospeção de mercados como o do Mali e da Guiné Bissau, viajando com um passaporte diplomático falso, aparentemente proveniente da Guiné-Bissau.

Cumpre apreciar.

A providência de habeas corpus não decide sobre a regularidade de actos do processo, não constitui um recurso, não é o meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão, cumprindo apenas determinar se os actos do processo produzem alguma consequência que se possa reconduzir aos fundamentos referidos no artº 222.º, n.º 2, do CPP.

Preceitua, então, o artº 222.º do CPP, sob a epígrafe “Habeas corpus em virtude de prisão ilegal”, que o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa (n.º 1).
E por força do n.º 2, a ilegalidade da prisão deve provir de uma das seguintes circunstâncias:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei o não permite;

c) Se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

De acordo com o disposto no artº 27º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe direito à liberdade e à segurança, reconhece a Lei Fundamental o direito à liberdade individual, à liberdade física, à liberdade de movimentos.

Todos têm direito à liberdade e à segurança e ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão .

Porém, o direito a não ser detido, preso ou total ou parcialmente privado da liberdade não é um direito absoluto.

No seu nº 2 o mesmo dispositivo legal e a mesma Lei Fundamental, admite que o direito à Liberdade Pessoal possa sofrer restrições à semelhança do que acontece na CEDH com seu artº 5º.

Na verdade, o artº 27º da nossa Lei Fundamental diz-nos que:

3. Excetua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:

a) Detenção em flagrante delito;

b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;

(...)

E o art. 31º, da Constituição da República Portuguesa, consagra no seu nº1 que

«1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.

3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.».

“Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o “habeas corpus” testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade”. (JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigo 1º a 107º, 4ª edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, p. 508).

Na concretização do artº 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa – que estabelece a cláusula geral de que «O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso» – o legislador manteve, no atual Código de Processo Penal de 1987, o regime diferenciado de habeas corpus, por detenção ilegal (art.220.º) e, por prisão ilegal (art.222.º), que advém do Decreto-Lei n.º 35.043, de 20 de outubro de 1945.

Os Fundamentos para interposição da providência de habeas corpus são aqueles que se encontram taxativamente fixados na lei - no artº 222.º, n.º 2. do CPP.

Ou seja, a essência desta providência demonstra que não substitui, nem pode substituir recursos ordinários, uma vez que não é o meio adequado a pôr fim a todas as situações de ilegalidade de prisão ou privação de liberdade nem decide sobre a regularidade de actos do levados a cabo pelo Tribunal visado na sua decisão.

Não ocorrendo nenhum dos fundamentos referidos no artº 222.º, n.º 2, do CPP, a providência não merece deferimento.

Vejamos então o que acontece no caso concreto objeto de análise por este Tribunal

O Requerido/Peticionante AA foi detido a 29 de julho de 2025, no aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, em execução de um pedido de detenção internacional inserido no sistema da Interpol, com a referência nº 2022/28068, pelas autoridades judiciárias da República da Costa do Marfim.

A detenção foi efetuada nos termos do art. 39.º, da Lei nº 144/99, de 31 de agosto (detenção não diretamente solicitada), no âmbito de uma notícia vermelha, segundo a qual era procurado com vista à sua extradição para efeitos de procedimento criminal, pela prática de factos constitutivos dos crimes de tráfico de estupefacientes, de branqueamento de capitais e de associação criminosa, previstos e punidos pelos arts. 2 (1), (4), (5), (6), (7) e (13), da Lei nº88/686, de 22 de julho de 1988, relativa à repressão do tráfico e uso ilícito de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e venenosas; arts.107, 108, 203 e 381 (3) do Código Penal; arts. 7, 99, 113, 115, 117, 118, 124 e 128 da Lei nº 2016-992, de 14 de novembro de 2016, relativa à luta contra o branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

A 30 de julho de 2025 procedeu-se à audição do Detido, com nomeação de tradutor/intérprete, tendo sido validada e mantida a sua detenção.

A 26 de agosto de 2025 foi junto aos autos um ofício da Autoridade Central/PGR, dando conhecimento que as autoridades da Costa do Marfim tinham apresentado pedido formal de extradição de AA, e que tinham sido solicitados elementos complementares, nos termos do art. 45.º, da Lei nº 144/99, de 31 de agosto.

A 1 de setembro de 2025 foi junto aos autos o pedido de extradição apresentado pelas autoridades da Costa do Marfim, respeitante a AA, e cópia do Parecer de admissibilidade de Sua Excelência o Vice-Procurador da República.

Em aditamento, a 4 de setembro de 2025, foi junto o Despacho nº 95/MJ/XXV/2025, proferido Pela Srª Ministra da Justiça, nos termos do qual foi declarado admissível o pedido de extradição.

A 10 de setembro de 2025 procedeu-se à audição do Requerido, em sede de fase judicial, tendo aquele declarado expressamente que se opunha à sua extradição e que não renunciava ao benefício da regra da especialidade.

Atendendo à circunstância do Requerido ter nacionalidade espanhola e ao critério estabelecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no acórdão nº182-C/15, de 16 de setembro de 2016, as autoridades judiciárias de Espanha foram contactadas, tendo a 17 de setembro de 2025 decidido não pretender exercer o procedimento criminal contra o Requerido pelos crimes descritos no pedido formal de extradição das autoridades da República da Costa do Marfim.

Na sequência do pedido de garantias dirigidas às autoridades judiciárias Requerentes, através da Autoridade Central/PGR e por via Diplomática, a 3 de outubro de 2025 o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos da Costa do Marfim apresentou declaração.

Os factos descritos no pedido de extradição são igualmente previstos e punidos no ordenamento jurídico nacional, sendo suscetíveis de integrar os crimes de tráfico de estupefacientes, branqueamento e de associação criminosa, conforme disposto no art. 21.º, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, e arts. 368.º-A e 299.º, do Código Penal português.

O procedimento criminal não se encontra prescrito, nos termos dos arts. 10.º, nº1, e 133.º, nº1, do Código Penal da Costa do Marfim, e nos termos do art. 118.º, nº1, alíneas a) e i), do Código Penal português.

Foi interposto recurso para o STJ a 12 Outubro tendo havido decisão no dia 5 de Novembro e tendo a mesma transitado já em julgado a esta data.

Vejamos então se há ilegalidade na manutenção da prisão do peticionante nos termos do disposto na c) do nº 2 do artº 222º CPP.

Este Supremo Tribunal apenas tem de verificar se a prisão, em que o peticionante atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente, se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e, se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial.

Desde já podemos concluir que o pretendido não se enquadra na apontada alínea c) do artº 222º CPP e esta correspondência é a condição inultrapassável para o êxito da providência.

E não ocorrem as condições inultrapassáveis para o êxito da providência porque não ocorre nenhum dos fundamentos taxativamente previstos no artº 222.º, n.º 2 nomeadamente c) do mesmo número, do CPP.

Não ocorre, porque a prisão foi decretada por entidade competente – O Tribunal da Relação de Lisboa;

não ocorre, porque foi motivada por facto pelo qual a lei a permite, tendo designadamente em conta os crimes fortemente indiciados nos autos de que o peticionante será autor, os quais admitem a aplicação da medida de coação impugnada face aos factos e perigos analisados e indiciados;

não ocorre, porque inexiste excesso do prazo máximo da medida de coação aplicada.

Senão vejamos:

De acordo com o disposto no artº Artigo 52.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto

1 - A detenção do extraditando deve cessar e ser substituída por outra medida de coacção processual se a decisão final do Tribunal da Relação não for proferida dentro dos 65 dias posteriores à data em que foi efetivada.

2 - Se não for admissível medida de coação não detentiva, o prazo referido no número anterior é prorrogado até ao limite máximo de 25 dias, dentro do qual deve ser obrigatoriamente proferida a decisão da Relação.

3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 40.º, a detenção subsiste no caso de recurso do acórdão da Relação que conceder a extradição, mas não pode manter-se, sem decisão do recurso, por mais de 80 dias, contados da data da interposição deste.

4 - Se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional, a detenção não pode prolongar-se por mais de três meses contados da data da interposição daquele.

O peticionante foi detido, apresentado a juízo no Tribunal da Relação no dia imediatamente a seguir à sua detenção – dia 30 Julho. Opôs-se à sua extradição.

A 3 de Outubro o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu acórdão a autorizar a extradição e reapreciou a medida coativa imposta ao ora peticionante mantendo-o em prisão preventiva.

A 12 de Outubro foi interposto o recurso para o STJ que foi decidido a 5 de Novembro.

Foi reapreciada e mantida a situação processual do peticionante a 10 de novembro.

Ora, tendo em conta os ilícitos pelos quais o requerente se encontra preso ( tráfico de estupefacientes, branqueamento de capitais e de associação criminosa, iniciados em data desconhecida e que decorreram até 15 de abril de 2022, data em que foram apreendidos pelo menos, 1.818 quilos de cocaína sendo que, resultou de prova produzida, entre ela por depoimentos de outros membros do grupo criminoso a que pertencia, que era este arguido quem se encarregava da gestão da clientela e da prospeção de mercados como o do Mali e da Guiné Bissau, viajando com um passaporte diplomático falso, aparentemente proveniente da Guiné-Bissau) , a gravidade dos mesmos e as razões de prevenção geral e especial que já aqui se impõem ao decisor, o prazo para que o mesmo fosse mantido preso, ate à decisão do Tribunal da relação e, como o legislador indica, de 65 dias posteriores à data em que foi efetivada a prisão do peticionante e, não sendo admissível medida de coação não detentiva, o prazo é prorrogado até ao limite máximo de 25 dias.

Porém, tendo em conta a posterior interposição de recurso (a 12 Outubro, ainda dentro do prazo previsto pelo legislador), para este Supremo Tribunal (que decidiu o envio dos autos ao Tribunal da Relação para realização das diligências consideradas em falta) e, porque ainda não estamos perante uma decisão final, teremos necessariamente que passar à aplicação do número 3 do artº 52º da Lei 144/99 . Como o legislador indica, entende-se que a detenção subsiste no caso de recurso do acórdão da Relação que conceder a extradição, por mais de 80 dias, contados da data da interposição do recurso, mas não pode manter-se, sem decisão do recurso para além desses 80 dias.

Ora, tendo a decisão da Relação ficado sob apreciação do STJ até que as diligências em falta estejam realizadas, mantém-se o prazo dos 80 dias e mantém-se a situação coativa do peticionante.

Não conseguindo a Relação decidir a tempo do Supremo Tribunal, dentro deste prazo, se pronunciar sobre o acórdão da Relação, o Tribunal de 2ª Instância deverá proceder em conformidade.

No fundo o STJ não decidiu ainda do recurso interposto já que, só parcialmente se pronunciou, ainda não há, pois, “decisão de recurso” quanto ao objeto do processo – a execução ( ou não) da extradição.

Ir além desta interpretação, extravasaria claramente os poderes de cognição do Supremo Tribunal em matéria de habeas corpus.

É, pois, infundada a Petição de Habeas Corpus em análise já que, e desde logo, não há prazo algum que tenha sido ultrapassado tendo em conta o artº 52º da Lei 144/99 de 31/8 aplicável por não existir convenção relativa à cooperação judiciária penal entre Portugal e a República da Costa do Marfim.

Concluiu-se, pois, que, no presente caso, a privação de liberdade em causa não é, por ora, ilegal nem nunca foi.

Assim sendo e pelo exposto,

Acordam os Juízes que compõem a 5ª secção Criminal do
o Supremo Tribunal de Justiça em

Indeferir o Pedido de Habeas Corpus formulado, por falta de fundamento nos termos do disposto no artº 223º nº 4 a) CPP

Custas pela requerente, fixando em 3 UCs a taxa de justiça (art.8.º, n.º 9, do Reg. Custas Processuais e Tabela III, anexa.

Acórdão processado em computador pela relatora e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 26.11.2025

Assinado digitalmente

Pela Juíza Conselheira Adelina Barradas de Oliveira como relatora

Pelo Juiz Conselheiro Jorge Jacob como 1º Adjunto

Pelo Juiz Conselheiro Vasques Osório como 2º Adjunto

Pela Juíza Conselheira Helena Moniz como Presidente da 5ª secção do STJ