Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | HELDER ROQUE | ||
Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO REQUISITOS PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA OPOSIÇÃO LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ DIREITO PATRIMONIAL | ||
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Data do Acordão: | 06/28/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCEDIMENTOS CAUTELARES | ||
Doutrina: | - Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10ª edição reelaborada, Almedina, 2006, 495 e 496. - Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1970, Almedina, 320 e 321 e nota (305), 324 e 325. - Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1997, 200. - Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, reimpressão, 1990, AAFDL, 53, 54, 56 e nota (568). - Pereira Coelho, O Enriquecimento e o Dano, Separata da RDES, 27 e 42 e ss.. - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4ª edição, revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987, 455 e 456. -Vaz Serra, Realização coactiva da prestação. Execução, regime civil, BMJ nº 73, 71. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 473.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 47.º, NºS 1 E 4, 381.º, Nº 1, 388.º, NºS 1, B) E 2, 389º, Nº 1, 390.º, º1. CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO (CIVA): - ARTIGOS 27.º, N.º1, 37.º, N.º1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 6-6-2000, CJ (STJ), ANO VIII, T2, 100. | ||
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Sumário : | I - Para que se constitua uma obrigação de restituir fundada no enriquecimento, não basta que uma pessoa tenha obtido uma vantagem patrimonial, à custa de outrem, sendo ainda necessário que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, quer porque nunca a houve, por não se ter verificado o escopo pretendido [condictio ob causam futuram] ou, porque, entretanto, deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento [condictio ob causam finitum], quer, finalmente, porque é inválido o negócio jurídico em que assenta. II - O eixo directriz da definição da ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial tem a ver com a correcta ordenação jurídica dos bens, aceita pelo sistema jurídico, de modo que, de acordo com a mesma, se o enriquecimento deve pertencer a outra pessoa, carece de causa justificativa. III - Não se provando que a autora litigou de má fé ao instaurar a providência cautelar comum, apesar da procedência da oposição, não praticou qualquer acto temerário quando, após a sua decisão provisória e antes do julgamento da oposição, tendo obtido o consentimento da ré sobre o conteúdo da revista, e de esta lhe ter disponibilizado o ficheiro com os nomes e moradas dos associados e a respectiva relação do tratamento informático editou e distribuiu 60 248 exemplares da mesma revista. IV - Não basta que a providência venha a ser considerada injustificada para que o requerente responda culposamente pelos danos ao requerido, nos termos do disposto pelo art. 390.º, n.º 1, do CPC, porquanto tal pressupõe, igualmente, que aquele não tenha agido com a prudência normal. V - A entender-se que a autora deveria aguardar pelo desenlace final da oposição à providência cautelar, por esta ter sido decretada sem a prévia audiência da ré, descaracterizar-se-ia a essência da providência, destinada a assegurar a efectividade do direito ameaçado, retirando-lhe a eficácia preventiva e cautelar e condicionando o seu resultado, mesmo quando decretada, não só à ulterior propositura da acção, mas, também, à procedência final desta última e com trânsito em julgado. VI - À vantagem patrimonial obtida por uma pessoa corresponde, por via de regra, sob pena da sua insuficiência para a constituição da obrigação de restituir, numa relação intersubjectiva, uma perda, também, avaliável em dinheiro, sofrida por outra pessoa, que mais não representa do que o suporte do enriquecimento por outrem, o locupletamento à custa alheia. | ||
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Decisão Texto Integral: |
ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: “AA – , CRL”, cooperativa de responsabilidade limitada, com sede na R................., nº ....., ...., Lisboa, propôs a presente acção declarativa comum, sob a forma ordinária, contra a Câmara dos Técnicos Oficiais da Contas, com sede na Avenida ......, nº ....., Lisboa, pedindo que, na sua procedência, a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de €73.836,72, acrescida de juros, a contar da citação. Com vista a sustentar a sua pretensão, atendendo à finalidade visada com a presente acção, alega, em síntese, que criou e editou a revista «Eurocontas» e, atendendo a que era, como a ré, uma entidade constituída por técnicos oficiais de contas, ajustou com esta, em Outubro de 1997, um protocolo, mediante o qual se comprometeu a distribuir aquela revista a todos os membros da ré. Em Fevereiro de 1999, a ré comunicou à autora a prorrogação do protocolo firmado e, em Dezembro desse ano, solicitou-lhe que a revista, veículo privilegiado para os técnicos oficiais de contas, antes de ser publicada, lhe fosse presente para aprovação. Porém, em Janeiro de 2000, a ré faz saber que tinha condições para editar a sua própria revista e denunciou o protocolo, segundo comunicou à autora, por esgotamento de um dos pressupostos que estivera na base da sua celebração, isto é, não reunir condições para ter uma revista própria. Contudo, não tendo a autora aceite esta declaração da ré, instaurou contra a mesma um procedimento cautelar que ordenou, em suma, que o protocolo continuasse em execução, sendo certo que a ré que, entretanto, deduzira oposição aquela pretensão cautelar, cumpriu o determinado, acordando com a autora uma nova edição da revista, editando e distribuindo esta 60.248 exemplares da mesma, com o custo de 14.802.934$00. Ora, vindo a oposição ao procedimento cautelar a ser julgada procedente, a ré rejeitou efectuar o pagamento daquela quantia à autora. Alegou ainda que, em anterior acção judicial que interpôs contra a ré para obter o pagamento, com base em responsabilidade contratual, o Supremo Tribunal de Justiça absolveu-a do pedido e, não obstante a autora, em alegações, ter suscitado o instituto do enriquecimento sem causa, o Supremo declarou improcedente a pretensão, entendendo que, por esta não constar da petição inicial, tal envolveria uma inadmissível alteração da causa de pedir, só invocável em acção autónoma. É, por isso, este o derradeiro fundamento da presente acção, considerando que foi por exigência do procedimento cautelar que a edição e distribuição da revista teve lugar, sendo certo que a ré colaborou na sua produção e edição, devendo, portanto, suportar a devolução desse benefício, que se traduz na entrega à autora, a título de enriquecimento injusto, de €73.836,72, atendendo ao custo envolvido para aquela e ao benefício gozado pela ré, dado o interesse e a importância da revista para os seus associados. Na contestação, a ré pede a absolvição do pedido, arguindo, desde logo, a excepção da prescrição do direito à restituição, e, em síntese, alega que carecem de verificação os pressupostos do instituto do enriquecimento sem causa, por não se encontrar demonstrado o enriquecimento, porquanto os beneficiários da revista foram os seus associados, que não se mostra o «quantum» do alegado enriquecimento, nem do correspectivo empobrecimento, para além de que o valor que a autora facturou como custo da revista não permite concretizar, com rigor, qualquer daqueles. Ademais, sempre o enriquecimento/empobrecimento estariam justificados, pois que o protocolo firmado fundou-se no facto de a ré não ter condições para dispor de uma revista própria, mas, desde que reunidas e comunicadas essas condições, deixou de haver fundamento para a edição e distribuição a que a autora procedeu, a coberto, apenas, da decisão cautelar que veio a ser, mais tarde, julgada injustificada; ou seja, foi o risco que a autora, voluntariamente, quis assumir e que bem sabia ser contra a vontade da ré que agora deve suportar. Na réplica, a autora defende a improcedência da arguida excepção peremptória da prescrição. No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção da prescrição, por decisão confirmada pela Relação que, apesar de recorrida, não foi objecto de conhecimento, por este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, assim, transitado em julgado o despacho saneador que a declarou não verificada. A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora o montante de €32.083,44, acrescido de juros, desde a citação, à taxa de 4% ao ano, absolvendo a mesma do demais peticionado. Desta sentença, a ré interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado, com um voto de vencido, a apelação improcedente e, em consequência, confirmou, inteiramente, a sentença recorrida. Do acórdão da Relação de Lisboa, a ré interpôs agora recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação, absolvendo-se a mesma do pedido formulado pela autora, fundado no enriquecimento sem causa, apresentando as seguintes conclusões que se transcrevem, integralmente: 1ª – A recorrente sustenta que, in casu, falece o requisito da falta de causa justificativa da edição e distribuição da Revista Eurocontas, pelo que, nos termos do artigo 473.° do CC, não deveria a recorrente ter sido considerada civilmente responsável pelo pagamento da quantia em que foi condenada. Esse foi, aliás, também o entendimento plasmado no voto de vencido ao acórdão sob sindicância; 2ª - O Tribunal a quo analisou a questão de saber se, não obstante a anulação integral de todo o processado operada através da revogação da providência cautelar, deveria o seu requerente merecer, no caso concreto, alguma tutela. Ou seja, se deveria ou não, no caso concreto, ser merecedor de tutela o acto da edição e distribuição das revistas praticado no período que mediou a decisão provisória e a decisão definitiva de revogação daquela; 3ª - O Tribunal a quo decidiu que o comportamento da recorrida fora assumido a coberto de uma decisão válida e eficaz que não lhe deixava margem de opção, pelo que entendeu existir um tempo de tutela que crê não ser apagado, pura e simplesmente, por efeito da revogação da providência cautelar, podendo dar-se o caso de alguns dos efeitos jurídicos, então provisoriamente produzidos, ainda poderem continuar a subsistir para o futuro; 4ª - Sucede que, no entendimento da recorrente, a recorrida sabia, melhor que ninguém, que havia uma fortíssima probabilidade de a providência vir a ser revogada. Com efeito, a recorrida sabia que a sua argumentação era frágil e infundada, que a providência cautelar tinha sido julgada sem qualquer contraditório por parte da recorrente, que a providência cautelar assim decretada era um meio judicial eminentemente provisório, que a recorrente deduzira oposição à providência e que, atento o carácter urgente deste expediente, a decisão definitiva deveria ser julgada num curto espaço temporal; 5ª - Ora, a decisão da recorrida de criar e distribuir as revistas só a ela pode ser imputada, pois constitui um risco que a mesma quis e decidiu assumir, apesar de conhecer o acima exposto, atentas as referidas circunstâncias presentes in casu. Foi esse, aliás, o entendimento do voto de vencido ao acórdão do Tribunal a quo; 6ª - A verdade é que a providência cautelar não implicava que a recorrida tivesse que editar e distribuir as revistas, pelo que discorda a recorrente do Tribunal a quo quando este fundamentou que "a cobertura do tribunal não deixava 7ª - O Tribunal a quo deveria, outrossim, curar de definir exactamente a medida da tutela merecida in casu. Ora, atento o risco criado e provocado pela própria recorrida, a sua actuação vai para além da tutela do direito; 8ª - A conclusão pela necessária assunção do risco pela recorrida tinha também sido já versada e decidida tal e qual pelo Supremo Tribunal de Justiça. Essa conclusão, tendo em conta a identidade das circunstâncias das acções, aplica-se rigorosamente ao presente caso. Aliás, em situações como a dos autos, atenta a intensidade da identidade das circunstâncias, pode mesmo conjecturar-se a existência de autoridade de caso julgado; 9ª - Dessa douta decisão há duas conclusões, intimamente ligadas por derivarem da mesma actuação, a retirar. Por um lado, que a actuação totalmente temerária da recorrida, com evidente má fé, isto é, sem a prudência normal que lhe era exigível, é susceptível de a fazer incorrer em responsabilidade civil por requerer uma providência injustificada, à luz da disposição estabelecida no artigo 390.° do Código de Processo Civil. Por outro lado, que a recorrida quis, não obstante as circunstâncias da situação, editar e distribuir as revistas, assumindo o risco desses custos, pelo que não os pode vir exigir à recorrente, quando os mesmos foram por aquela provocados com a sua actuação; 10ª - Essas mesmas conclusões não foram retiradas pelo Tribunal a quo, como se impunha e, ao decidir que a actuação da recorrida era merecedora de tutela, incorreu numa evidente contradição no acórdão ora em crise. Para o Tribunal a quo, a circunstância de a recorrida ter agido temerariamente, assumindo uma actuação totalmente arriscada, através de uma providência cautelar infundada, é susceptível de gerar um juízo de censura sobre a mesma que, concede, poderia constitui-la na obrigação de indemnizar. Concomitantemente entendeu que essa mesma actuação da recorrida tinha protecção do direito; 11ª - Existe, assim, um erro de raciocínio patente no acórdão em crise, pelo facto de conceder que a mesma actuação provocada, censurável, temerária da recorrida poderá, por um lado, quiçá suscitar responsabilidade civil da sua parte mas, por outro, legitimar o pedido de indemnização com fundamento em enriquecimento sem causa; 12ª - Face a todo o exposto, a justificação das despesas e encargos alegadamente sofridos pela recorrida encontram-se na sua actuação temerária, teimosa, provocada, que se traduz numa evidente má fé. Com efeito, a deslocação patrimonial em causa foi provocada e imposta pela recorrida, pelo que não pode admitir-se que o instituto do enriquecimento sem causa proteja a sua situação, sob pena de fazer repercutir na esfera de quem foi antecipado, diligente e cumpridor, os custos de quem o previu e quis deliberadamente provocar; 13ª - Mesmo que este colendo Tribunal não entenda falecer o pressuposto da causa injusta, sempre deverá deixar-se referido que o Tribunal de 1.a instância e o Tribunal a quo erraram na interpretação e aplicação do direito aos factos relativos ao empobrecimento da recorrida; 14ª - De facto, os Tribunais inferiores, em concreto o Tribunal a quo, desatenderam ao facto de que os custos da produção e edição das revistas foram primeiramente sofridos na esfera de uma terceira entidade, a Gráfica Maia Douro, e só eventualmente posteriormente sofridos pela recorrida com o pagamento desses custos àquela terceira entidade; 15ª - O Tribunal a quo entendeu que, pela conjunção do facto assente de que foi a recorrida quem editou e distribuiu as revistas, com o facto dado como provado de que a edição e distribuição dessas revistas importou o montante de €32.083,44, podia daí retirar-se a medida do empobrecimento da recorrida e, como tal, que se verificava esse pressuposto do enriquecimento sem causa; 16ª - A inferência, como se de um silogismo categórico se tratasse, realizada pelo Tribunal a quo através da conjugação dos referidos factos resulta numa subsunção dos factos ao direito que não é idónea a concluir pelo empobrecimento da recorrida. Ao invés, deveria o Tribunal a quo ter indagado sobre se houve ou não um custo suportado pela recorrida através do pagamento à Gráfica Maia Douro; 17ª - Tal resulta do facto de não ter sido a recorrida quem material e efectivamente procedeu à edição e distribuição das revistas, tendo, outrossim, encomendado essa actuação a uma terceira entidade, a Gráfica Maia Douro; 18ª - Assim, o custo que a recorrida pretende, pela presente acção, imputar à recorrente não é um custo seu, directa e internamente produzido na sua esfera, mas antes baseia-se no custo mencionado nas facturas n° 00000 e 0000 emitidas pela Gráfica Maia Douro à recorrida a que o Tribunal a quo atendeu para fixação do quantum do empobrecimento; 19ª - O facto constante da alínea n) da matéria assente deveria, portanto, ter sido interpretado, para efeitos da subsunção dos factos ao direito, no sentido que a recorrida apresentou em juízo e que o Tribunal a quo aceitou quando teve em conta as facturas emitidas pela Gráfica Maia Douro, isto é, no sentido de que a recorrida encomendou a edição e distribuição das revistas, não tendo procedido efectiva e materialmente a essa actuação ela própria; 20ª - Se este facto for assim correctamente interpretado, é absolutamente necessário que se prove o empobrecimento da recorrida pelo pagamento dos custos que o terceiro - Gráfica Maia Douro - suportou com a edição e distribuição da revista. Sucede que tal, como se enfatizou na apelação interposta pela recorrente, não ficou minimamente provado, pelo que deve falecer o pressuposto do empobrecimento da recorrida nos presentes autos; 21ª - Ao deparar-se com as facturas da Gráfica Maia Douro apresentadas pela recorrida, o Tribunal a quo aceitou que não tinha sido a recorrida quem efectivou materialmente a edição e distribuição das revistas, pelo que, na subsunção que fizesse ao direito, teria naturalmente que interpretar o facto em causa nesse sentido, o que não fez; 22ª - Assim, não pode o Tribunal a quo, sob pena de uma insanável contradição, tomar em consideração a prova documental para efeitos do montante do custo da edição e distribuição das revistas, ignorando, contudo, a contradição táctica que esses documentos trariam caso se interpretasse a alínea n) do modo estrito e incorrecto como foi interpretado por aquele; 23ª - É que, não deve esquecer-se, o valor no qual os Tribunais inferiores condenaram a recorrente corresponde nem mais nem menos às quantias referidas nas facturas emitidas pela Gráfica Maia Douro, sendo que o empobrecimento da recorrida foi quantificado por esses valores; 24ª - Assim, entende a recorrente que, tivesse o Tribunal a quo interpretado e subsumido correctamente os referidos factos ao instituto do enriquecimento sem causa, não poderia concluir-se pela verificação do empobrecimento da recorrida; 25ª - Mesmo que este colendo Tribunal venha a entender que a subsunção dos factos provados ao direito permitem concluir por um efectivamente empobrecimento da recorrida, sempre se dirá que o Tribunal a quo não calculou devidamente o montante da indemnização em que condena a recorrente, pois nunca poderia incluir na indemnização julgada devida pela recorrente o valor correspondente ao IVA alegadamente pago pela recorrida; 26ª - Com efeito, não tendo ficado provado, como deveria para poder concluir-se pelo empobrecimento da recorrida, que esta tenha efectivamente pago os valores das quantias em causa, nunca poderá o valor a suportar pela recorrente a título de enriquecimento sem causa incluir o IVA liquidado pela Gráfica Maia Douro através da emissão das suas facturas; 27ª - Mas mesmo que se entenda, como fez o Tribunal a quo, que apenas importa para a quantificação do valor indemnizatório o valor de custo da prestação que ela efectivamente realizou, a parte do montante de €32.083,44 correspondente ao IVA não é um custo suportado pela recorrida. Ora, não sendo um custo suportado pela recorrida, não integrando o seu empobrecimento, não pode também esse valor integrar a indemnização em que venha a ser condenada a recorrente por enriquecimento sem causa; 28ª - Com efeito, como sujeito passivo de IVA que é, a recorrente pode deduzir, nos termos dos artigos 19.° e 20.° do Código do IVA, as quantias correspondentes ao IVA que tenha suportado no decorrer da sua actividade; 29ª - E mesmo que a recorrida não tenha quaisquer entregas de IVA a fazer (ou tenha um valor superior de deduções em relação ao valor a entregar), a recorrida tem o direito de recuperar o IVA suportado no exercício da sua actividade (ou o excedente), nos termos do artigo 22.° do Código do IVA; 30ª - O Tribunal a quo errou quando decidiu incluir o montante de IVA, dedutível ou recuperável, no casto da edição e distribuição das revistas. É que, como se viu, esse montante não se traduz num custo para recorrida, não se traduz num empobrecimento seu. A não decidir-se desse modo, legitimar-se-ia que a recorrente recebesse duas vezes o mesmo valor: por um lado, receberia o montante do IVA, pois deixava de entregá-lo através da dedução a que tem direito ou recuperá-lo-ia através do reembolso que lhe é conferido nos termos da lei; por outro, receberia exactamente esse mesmo montante, incluído desta feita no valor da condenação da recorrente. A autora não apresentou contra-alegações. O Tribunal da Relação entendeu que se devem considerar demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça aceita, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 3 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, acrescentando-se, porém, novos factos, sob os pontos nºs 20, 21, 22 e 23, resultantes de documento, com base no estipulado pelos artigos 369º, nº 1 e 371, nº 1, do Código Civil, 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC: 1. A autora é uma cooperativa constituída, em 15 de Dezembro de 1993, que se insere no ramo de utentes e serviços, e tem como actividade principal a prestação de serviços de apoio técnico, de informação, de formação e de secretariado, aos Técnicos Oficiais de Contas, através da edição de publicações e de outros meios, nomeadamente, audiovisuais - A). 2. No desempenho da sua actividade, a autora criou e editou a revista “Eurocontas”, que distribuiu aos Técnicos Oficiais de Contas - B). 3. A ré é uma pessoa colectiva, a quem compete representar, mediante inscrição obrigatória, os interesses profissionais dos Técnicos Oficiais de Contas e superintender todos os aspectos relacionados com o exercício das suas funções - C). 4. A autora e a ré outorgaram o documento cuja cópia se encontra junta a folhas 60, intitulado "Protocolo", datado de 2 de Outubro de 1997, com o seguinte teor: «Tendo em conta que: - não se encontram reunidas, de momento, condições para a criação e produção de uma revista própria da Associação; AA, serviços de apoio técnico profissional, CRL ... e ASSOCIAÇÃO DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS, ... um acordo que se regerá pelas seguintes cláusulas: 3. Em contrapartida será estabelecido entre a AA CRL e a um valor do preço de cada número, o qual, devidamente fundamentado, variará em função dos custos de produção e distribuição aos membros da ASSOCIAÇÃO DOS TÉCNICOS OFICIAIS DE CONTAS "Nos termos do n° 5 do protocolo assinado entre esta Associação e V. Ex"s, em 97.10.02, a validade do mesmo termina nos sessenta dias imediatos à tomada de posse dos órgãos eleitos da Associação. 6. A ré enviou à autora a carta que se encontra junta a folhas 64 e 65, datada de 7 de Dezembro de 1999, com o seguinte conteúdo: "...Nos termos do protocolo assinado entre a Comissão Instaladora da Associação dos Técnicos Oficiais de Contas, prorrogada a sua vigência, nos termos e condições constantes da comunicação oportunamente enviada pela Direcção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, a revista Eurocontas constitui um veículo privilegiado de informação e formação dos Técnicos Oficiais de Contas. Nos termos das disposições Estatutárias, é da competência da Direcção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas a sua representação em juízo e fora dele. Nos termos do exposto, informa-se essa cooperativa que a revista Eurocontas deverá, previamente à sua publicação, ser apresentada na sua forma definitiva à Direcção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, em dois exemplares, sendo um deles, devolvido a essa cooperativa com as folhas numeradas e rubricadas pela comissão nomeada, tendo, em caso de empate; voto de qualidade as pessoas que dela fazem parte pela Direcção da CTOC. No caso de publicação e distribuição aos Técnicos Oficiais de Contas de qualquer revista que não obedeça aos requisitos enunciados, a Direcção da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas reserva-se o direito, de não proceder ao seu pagamento. "ASSUNTO: Denúncia do Protocolo de 02.10.97... Em consequência disso foi deliberado pela Direcção, no passado dia 4 do corrente, criar a revista da CTOC, o que determina a caducidade do protocolo em epígrafe, celebrado com V. Exas., e que foi prorrogado, nos termos da nossa carta de 26.02.99, por esgotamento do seu pressuposto - a CTOC não estar em condições de ter uma revista própria. 7. A autora enviou à Rré, e esta recebeu, um fax datado de 24 de Outubro de 2000, que se encontra junto a folhas 72, com o seguinte teor: "ASSUNTO: EUROCONTAS N° 62 - Edição de Setembro/Outubro Vimos por este meio comunicar a V. Exas. que foi entregue nas vossas instalações o PRINT e respectivo duplicado da Edição 62 da Revista Eurocontas, recepcionada ontem, dia 23 de Outubro. As alterações efectuadas no presente PRINT referem-se à substituição do artigo «Dirigentes eleitos da CTOC suspensos dos seus cargos» por um novo artigo, intitulado «Novos fundamentos e realidades da estratégia». Esperamos deste modo, obter a vossa concordância para a edição acima mencionada a fim de podermos iniciar a distribuição da Revista Eurocontas a todos os Técnicos Oficiais de Contas, cumprindo assim o decretado pela Providência Cautelar" - H). 8. A ré enviou à autora, e esta recebeu, uma carta datada de 3 de Novembro de 2000, que se encontra junta a folhas 74, com o seguinte teor: "... Ass: Eurocontas Tendo já merecido a devida análise, junto se remete o draft da revista «Eurocontas» n° 62, sendo que, em nada nos opomos ao respectivo conteúdo" - I). 9. A autora enviou à ré, e esta recebeu, um fax datado de 6 de Novembro de 2000, que se encontra junto a folhas 76, com o seguinte teor: "... ASSUNTO: Edição 62 da Revista EUROCONTAS Tendo V. Exas. aprovado o PRINT da Edição de Setembro/Outubro da Revista Eurocontas, conforme referido na Vossa carta de 3 de Novembro, e de modo a possibilitar a sua distribuição, solicitamos o envio de ficheiro o mais urgente possível com os nomes e moradas dos Vossos associados, para a M....... - S.A. e remetendo em simultâneo para a AA a relação do tratamento informático desses mesmos dados, conforme vinha sendo praticado pelo vosso Departamento de Informática à data da vigência do Protocolo. A edição supra mencionada será debitada a pronto pagamento à Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas a 234$00 mais IVA por exemplar, dois dias após se efectuar a sua distribuição... " - J). 10. A ré enviou à autora, e esta recebeu, um fax datado de 8 de Novembro de 2000, que se encontra junto a folhas 78, com o seguinte teor: «... ASSUNTO: Revista "Eurocontas", n°.... Pelo presente acusamos a recepção do V/fax sobre o assunto supra e informamos que os ficheiros com os nomes e moradas dos membros da CTOC se encontram disponíveis nas nossas instalações, podendo ser levantados por V. Exas. a todo o momento. Quanto às condições de pagamento o mesmo processar-se-á os termos normais das condições de pagamento da CTOC, sendo a factura paga até ao dia 20 do mês posterior à sua recepção, situação que aliás se encontrava em prática no âmbito do protocolo...» - K). 11. A ré enviou à autora, e esta recebeu, o documento datado de 9 de Novembro de 2000, cuja cópia consta de folhas 80, com o seguinte teor: «RECIBO Na presente data a AA, CRL, através da sua representante, Sra. D. BB, declara que recebeu da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, os ficheiros dos Técnicos Oficiais de Contas a quem vai ser distribuída a revista "Eurocontas", os quais serão devolvidos pela AA, CRL, à CTOC, logo após a referida utilização...» - L). 12. A autora enviou à ré, e esta recebeu, um documento datado de 13 de Novembro de 2000, o qual consta de folhas 82, com o seguinte teor: "Vimos por este meio proceder à devolução de ficheiros em suporte magnético (duas disquetes) contendo os nomes e endereços respectivos dos Técnicos Oficiais de Contas, cedidos no dia 9 de Novembro por essa Câmara parta efeitos de distribuição da Revista Eurocontas. O presente documento serve de comprovativo de entrega, pelo que solicitamos a sua devolução devidamente assinado e carimbado pelos vossos serviços" - M). 14. A autora enviou à ré, e esta recebeu, uma carta datada de 6 de Dezembro de 2000, a qual se encontra a folhas 84, com o seguinte teor: "Junto enviamos nossa factura n° 162, no valor de Esc. 14.802.934$00 (Catorze milhões, oitocentos e dois mil, novecentos e trinta e quatro escudos) referente à venda da Edição n° 62 da Revista Eurocontas, distribuída a 60 248 membros da vossa Organização, conforme ficheiro facultado por V. Exas., para os destinos a seguir descritos: Continente 58 701 Ilhas 1502 Europa 8 PALOP's 15 Macau 14 Resto do Mundo 8 total 60248" - O). 15. A ré enviou à autora, e esta recebeu, uma carta datada de 18 de Dezembro de 2000, carta essa que se encontra junta a folhas 86, com o seguinte teor: «Recebemos no passado dia 7 do correntes a v/factura n° 162 relativa aos serviços de edição e de distribuição pelos nossos associados da revista "Eurocontas". Até à data não foi distribuída a revista "Eurocontas", a que demos a nossa concordância no passado dia 09.11.2000, pelos nossos associados. Como vos transmitimos anteriormente, e de acordo com as regras pelas quais se pautou a execução do protocolo de Outubro de 1997, não estamos na disposição de efectuar quaisquer pagamentos antecipados, isto é, antes do cumprimento por parte de V. Exas. das obrigações que vos incumbem. 16. A autora enviou à ré, e esta recebeu, uma carta datada de 19 de Dezembro de 2000, que se encontra junta a folhas 88, com o seguinte teor: "Contrariamente ao que V. Exas. afirmaram na vossa carta de 18 de Dezembro, a distribuição da Edição 62 da Revista Eurocontas, encontra-se em curso. Por isso voltamos a remeter a nossa factura 162 referente à venda da referida edição da Eurocontas. Não se trata pois de qualquer pagamento antecipado mas sim do pagamento da revista que está a ser distribuída. Se porventura estão a verificar alguns atrasos na recepção da revista, tal facto é inteiramente alheio à AA pelo que esta não pode ser por ele responsabilizado. (...) Esta factura é referente à edição nº 62 da Eurocontas, cuja distribuição foi realizada ao abrigo da Providência decretada em 10 de Agosto. Por isso, estavam V. Exas. obrigados a pagar esta revista como, aliás, reconheceram não só perante a AA, como publicamente na Vossa circular dirigida em 28 de Dezembro aos Técnicos Oficiais de Contas. Assim, solicitamos que procedam ao pagamento desta factura no plano de 24 horas (...) " - R). 18. A autora instaurou contra a ré acção declarativa de condenação, a qual correu termos, na 15a Vara Cível de Lisboa, 2a Secção, sob o n° 101/2001, tendo aí sido proferida sentença e acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos que constam da certidão junta de folhas 23 a 57 destes autos - S). 19. A edição e distribuição dos 60.248 exemplares da Edição n° 62 da revista "Eurocontas" importam, pelo menos, no valor de €32.083,44 - 1o. 20. A autora instaurou contra a ré um procedimento cautelar comum, tendo, em 10 de Agosto de 2000, sido proferida decisão, sem audiência da parte contrária, que determinou que a ré se abstivesse de praticar quaisquer actos, qualquer que seja a sua natureza, que impeçam a execução do Protocolo, e que a mesma fosse notificada para cumprir as suas obrigações dele decorrentes, especialmente, a de pagar à autora a edição e distribuição da revista "Eurocontas", nos termos e segundo os valores aprovados na assembleia geral da ré de 13 de Dezembro de 1999 (certidão judicial de folhas 222 e ss). 21. A ré deduziu oposição à providência, em 28 de Agosto de 2000, e, em 8 de Setembro desse mesmo ano, requereu a substituição da providência decretada por caução (certidão judicial de folhas 222 e ss). 22. A oposição veio a ser julgada procedente, por decisão proferida em 21 de Dezembro de 2000, tendo sido revogada a providência decretada (certidão judicial de folhas 222 e ss). 23. Da decisão, aludida em 22, foi interposto recurso pela autora, julgado improcedente, por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 8 de Outubro de 2001 (certidão judicial de folhas 222 e ss). Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre, finalmente, decidir. As questões a decidir, na presente revista, em função das quais se fixa o objecto do recurso, considerando que o «thema decidendum» do mesmo é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, com base no preceituado pelas disposições conjugadas dos artigos 660º, nº 2, 661º, 664º, 684º, nº 3, 685º-A e 726º, todos do CPC, são as seguintes: I – A questão da falta de causa justificativa do enriquecimento. II – A questão do empobrecimento da autora. III – A questão do montante indemnizatório. I. DA FALTA DE CAUSA JUSTIFICATIVA DO ENRIQUECIMENTO
I. 1. Defende a ré que inexiste o requisito da falta de causa justificativa do enriquecimento, porquanto foi a actuação temerária da autora, ao editar e distribuir a Revista Eurocontas, no intervalo da decisão provisória para a decisão definitiva da providência cautelar, que se veio a revelar injustificada, para mais sabendo que a ré já deduzira oposição à mesma, reveladora de má fé e de imprudência determinante de responsabilidade civil da sua parte, que não pode encontrar no instituto do enriquecimento sem causa tutela adequada para o respectivo pedido indemnizatório. A obrigação de restituir, fundada no injusto locupletamento à custa alheia, pressupõe a verificação simultânea de três requisitos, que o artigo 473º, nº 1, do Código Civil (CC), enumera, como sendo o enriquecimento obtido por alguém, que este seja alcançado, à custa de quem requer a sua restituição, e que o enriquecimento não tenha causa justificativa. O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem, de carácter patrimonial, susceptível de ser encarada, sob dois ângulos, isto é, o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida, e o do enriquecimento patrimonial, que reflete a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido, e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado[1]. Por seu turno, a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem, de modo especial, por objecto o que for, indevidamente, recebido, ou o que for recebido, por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou, de acordo com o preceituado pelo nº 2, do já citado artigo 473º, do CC, que exemplifica diversas hipóteses de carência de causa e consagra, assim, outras tantas modalidade de enriquecimento injustificado. Na verdade, para que se constitua uma obrigação de restituir, fundada no enriquecimento, não basta que uma pessoa tenha obtido uma vantagem patrimonial à custa de outrem, sendo ainda necessário que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, quer porque nunca a houve, por não se ter verificado o escopo pretendido [condictio ob causam futuram] ou, porque, entretanto, deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento [condictio ob causam finitum], quer, finalmente, porque é inválido o negócio jurídico em que assenta[2]. E o enriquecimento carece de causa, quando o Direito o não tolera ou consente[3], porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios jurídicos, justifique a deslocação patrimonial[4], hipótese em que a lei obriga a restabelecer o equilíbrio patrimonial por ele rompido, por não desejar que essa vantagem perdure, constituindo o accipiens no dever de restituir o recebido[5]. O eixo directriz da definição da ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial tem a ver com a correcta ordenação jurídica dos bens aceita pelo sistema jurídico, de modo que, de acordo com a mesma, se o enriquecimento deve pertencer a outra pessoa, carece de causa justificativa[6]. I. 2. Retornando à matéria de facto que ficou consagrada, neste particular dos dois pressupostos do enriquecimento sem causa, acabados de analisar, importa reter que, no desempenho da actividade a que se dedica, no dia 2 de Outubro de 1997, a autora, que cria, edita e distribui a revista “Eurocontas”, assinou um protocolo com a ré, em que se comprometeu a enviar a aludida publicação a todos os membros desta, mediante um valor do preço de cada número, com o prazo de validade de sessenta dias, após a tomada de posse dos órgãos sociais da ré, posteriormente, prorrogado, até ao momento da assinatura de um novo protocolo ou da rescisão do vigente, o que, a verificar-se, seria comunicado com a antecedência mínima de sessenta dias. Entretanto, a autora instaurou contra a ré um procedimento cautelar comum, tendo, em 10 de Agosto de 2000, sido proferida decisão, sem audiência da parte contrária, que determinou que esta se abstivesse de praticar quaisquer actos que impedissem a execução do protocolo e que a mesma fosse notificada para cumprir as obrigações dele decorrentes, especialmente, a do pagamento à autora da edição e da distribuição da revista "Eurocontas", nos termos e segundo os valores aprovados pela assembleia geral da ré de 13 de Dezembro de 1999. Contudo, a ré, em 28 de Agosto de 2000, deduziu oposição à providência e, em 8 de Setembro desse mesmo ano, requereu a substituição da providência decretada por caução. Seguidamente, por fax datado de 24 de Outubro de 2000, enviado pela autora à ré, que o recebeu, aquela comunicou-lhe a entrega do PRINT e respectivo duplicado da edição nº 62, da Revista “Eurocontas”, tendo a ré respondido, remetendo à autora, que a recebeu, uma carta datada de 3 de Novembro de 2000, onde enviava o draft da correspondente edição da revista, acrescentando que se não opunha ao respectivo conteúdo, tendo a autora, através de fax, datado de 6 de Novembro de 2000, enviado à ré, que o recebeu, solicitado a remessa do ficheiro com os nomes e moradas dos associados desta, para a “M........ – SA”, enviando, em simultâneo, para a autora a relação do tratamento informático desses mesmos dados. Esta edição seria debitada à ré, a pronto pagamento, a 234$00, mais IVA, por exemplar, dois dias após ser efectuada a sua distribuição, tendo os respectivos 60.248 exemplares da mesma sido distribuídos pelos membros da ré, o que importou, pelo menos, no valor de €32.083,44. Aliás, a ré, em carta enviada à autora, afirmava que, até à data de 7 de Dezembro de 2000, não tinha ainda sido distribuída a revista "Eurocontas" pelos seus associados, a que dera a sua concordância, no passado dia 9 de Novembro de 2000, e que não estava na disposição de efectuar qualquer pagamento antecipado, devolvendo a factura n° 162, enquanto aguardava pela distribuição da revista. Entretanto, a oposição à providência cautelar veio a ser julgada procedente, por decisão proferida em 21 de Dezembro de 2000, com a consequente revogação do procedimento decretado. A autora enviou à ré, que a recebeu, uma carta, datada de 25 de Janeiro de 2001, a comunicar o vencimento da factura nº 162, de 29 de Novembro de 2000, referente à edição nº 62 da “Eurocontas”, solicitando o seu pagamento, no prazo de 24 horas. Em acção declarativa de condenação instaurada pela autora contra a ré, foi proferido acórdão, por este Supremo Tribunal de Justiça, em que se entendeu que o pedido não podia fundamentar-se, como aconteceu, em responsabilidade civil, por incumprimento contratual da ré perante a autora, rejeitando-se, porém, a causa de pedir fundada no enriquecimento injustificado, por não ter sido, oportunamente, invocada, na petição inicial, pois que, tão-só, em acção autónoma, atendendo à sua natureza subsidiária, poderia, eventualmente, vir a ser atendido. Efectivamente, a autora editou, publicou e distribuiu os aludidos 60.248 exemplares da aludida revista, pelos membros associados da ré, após a apresentação da oposição à providência cautelar, mas antes da sua decisão final, sendo certo que tal aconteceu depois de a ré lhe ter remetido o draft da revista, acrescentando que se não opunha ao respectivo conteúdo, e de lhe ter disponibilizado o ficheiro, com os nomes e moradas dos seus associados, e a relação do respectivo tratamento informático. Muito embora a autora tenha procedido à edição, publicação e distribuição dos 60.248 exemplares da revista “Eurocontas”, antes da decisão da oposição à providência cautelar, que já se arrastava, há cerca de quatro meses, beneficiava de uma decisão cautelar provisória que determinara a notificação da ré para cumprir as obrigações decorrentes do Protocolo, especialmente, a de pagar à autora a edição e distribuição da revista, nos termos e segundo os valores aprovados pela assembleia geral de 13 de Dezembro de 1999. I. 3. Tendo o procedimento cautelar comum sido decretado, sem prévio contraditório da ré, esta usou a faculdade de deduzir oposição, com vista a alegar factos que invalidassem os fundamentos da decisão provisória, tendo sido julgada a procedência da oposição, com base na falta do requisito da probabilidade séria da existência do direito, revogando-se o procedimento, anteriormente, decretado, nos temos das disposições combinadas dos artigos 381º, nº 1 e 388, nºs 1, b) e 2, do CPC, mas sem que a autora tenha sido condenada como litigante de má fé, consoante pretensão formulada pela ré. Por seu turno, estipula o artigo 390º, nº 1, do CPC, que “se a providência for considerada injustificada…por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal”. E o requerente da providência é responsável pelos danos causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal, ou seja, sempre que não tenha procurado informar-se com a prudência ou cuidado do homem, normalmente, prudente ou cuidadoso da verdadeira situação[7]. Ora, não tendo a autora litigado com má-fé, como foi decidido, explicitamente, ao julgar-se a procedência da oposição à providência cautelar comum, não lhe pode ser imputada, ao editar e distribuir aqueles 60.248 exemplares da revista, a pratica de um acto temerário, que pressupõe um comportamento revelador de uma imprudência em que um normal cidadão, medianamente, esclarecido e sensato não incorria, tornando-a indesculpável. E, não se provando que a autora actuou com má fé, ao instaurar a providência cautelar, apesar da sua improcedência, não praticou um acto temerário quando, após a sua decisão provisória e antes do julgamento da oposição, tendo obtido o prévio consentimento da ré sobre o conteúdo da revista, e disponibilizando-lhe esta o ficheiro com os nomes e moradas dos associados e a relação do respectivo tratamento informático, decidiu proceder à edição e publicação dos referidos exemplares daquele número da revista. É que não basta que a providência venha a ser considerada injustificada para que o requerente da mesma responda, culposamente, pelos danos causados ao requerido, nos termos do disposto pelo artigo 390º, nº 1, do CPC, porquanto tal pressupõe, igualmente, o que não ficou demonstrado, que aquele não tenha agido com a prudência normal[8]. A entender-se que a autora deveria aguardar pelo desenlace final da oposição à providência cautelar, por esta ter sido decretada sem a prévia audiência da ré, descaracterizar-se-ia a essência do procedimento, destinado a assegurara a efectividade do direito ameaçado, retirando-lhe a eficácia preventiva e cautelar, condicionando o seu resultado, mesmo quando decretada, não só à ulterior propositura da acção, mas, também, à procedência final desta última e, naturalmente, com trânsito em julgado. Efectivamente, a decisão resultante de uma providência cautelar, apesar da sua provisoriedade e ainda que da mesma seja interposto recurso, goza de imediata exequibilidade, atendendo ao efeito meramente devolutivo de que, por via de regra, lhe compete, nos termos do preceituado pelo artigo 47º, nºs 1 e 4, do CPC. Aliás, o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretado, a providência caduca, nas situações contempladas nas várias alíneas do artigo 389º, nº 1, do CPC, o que, com base no argumento «a contrario sensu» da interpretação, perfeitamente, legítimo, «in casu», permite concluir pela produção dos seus efeitos, enquanto tal se não verificar. A não ser assim, enquanto não transitasse em julgado a decisão final a proferir na acção principal, não poderia a autora proceder à edição e distribuição dos exemplares daquela revista. É que, como já se disse, e volta a repetir-se, a ré deu a sua adesão à publicação da revista, ainda antes da decisão final proferida no incidente da oposição à providência cautelar comum, não tendo a autora agido com litigância de má fé ou praticado um acto temerário inútil. E, por isso, não se diga, com o muito devido respeito, que “…a autora quis assumir o risco de editar e distribuir aquele número da revista, pelo que, tendo sido revogada a decisão provisória, não pode agora querer assacar à recorrida os prejuízos que teve com o facto de ter optado por correr aquele risco”. Na verdade, como se vai voltar a reafirmar, a autora emitiu e distribuiu os mencionados 60.248 exemplares do nº 62, da revista “Eurocontas”, antes da decisão da oposição à providência cautelar, que se arrastava, há cerca de quatro meses, mas, posteriormente, ao facto de ter consultado a ré sobre o conteúdo da publicação, que o aceitou e disponibilizou os nomes dos associados destinatários da revista e a relação do tratamento informático desses mesmos dados, pelo que não pode considerar-se surpreendida com essa publicação e distribuição, pois que, certamente, não usou de reserva mental, e, persuadida como estava da bondade da sua posição, que viria a obter êxito com a decisão de procedência da oposição, deveria ter rechaçado qualquer veleidade da autora no sentido da aludida publicação. Não existe, assim, actuação temerária da autora, cujo comportamento se respaldou, ao emitir e distribuir os mencionados 60.248 exemplares da revista, na decisão provisória da providência cautelar comum e bem assim como na adesão da ré, na pendência da oposição à aludida providência, à sua publicação e, consequentemente, mostra-se preenchido o pressuposto negativo, a que se reporta o artigo 473º, nº 1, do CC, isto é, a ausência de causa justificativa do enriquecimento. Tendo sido denunciado pela ré o protocolo celebrado entre as partes, inexiste qualquer negócio jurídico ou facto capaz de justificar a apropriação do valor patrimonial correspondente aos exemplares da revista distribuídos pela autora, obtido à custa desta, e cuja restituição agora pede com fundamento no enriquecimento sem causa que, entretanto, deixou de existir [condictio ob causam finitum]. Diga-se ainda, a terminar, que o acórdão não ocorre no vício da contradição ou no erro do raciocínio, nomeadamente, a propósito de uma alegada pronúncia sobre o acto temerário da autora, susceptível de a constituir na obrigação de indemnizar, e a tutela jurídica concedida à mesma com fundamento em enriquecimento sem causa. II. DO EMPOBRECIMENTO DA AUTORA Defende, igualmente, a ré que os factos demonstrados não permitem concluir pelo empobrecimento da autora, porquanto o Tribunal «a quo» desatendeu a circunstância de que os custos da produção e edição das revistas tinham sido, primeiramente, sofridos na esfera de uma terceira entidade, a “Gráfica Maia Douro”, tratando-se de um custo desta, mencionado nas facturas n°s 0000 e 0000, que a mesma emitiu à autora, e só, eventualmente, suportados por esta com o pagamento desses custos àquela terceira entidade, retirando a inferência inidónea do empobrecimento do facto assente de que foi a autora quem editou e distribuiu as revistas e de que tal importou, no montante de €32.083,44, em vez de ter indagado sobre se houve ou não um custo suportado por aquela, através do pagamento à “Gráfica Maia Douro”. À vantagem patrimonial obtida por uma pessoa, ou seja, ao enriquecimento, corresponde, por via de regra, sob pena da sua insuficiência para a constituição da obrigação de restituir, numa relação intersubjectiva, uma perda, também, avaliável em dinheiro, sofrida por outra pessoa, isto é, o empobrecimento ou dano. Porém, o dano que pode, genericamente, traduzir-se na ideia de desvantagem patrimonial, mais não representa do que o suporte do enriquecimento por outrem, o locupletamento à custa alheia[9]. Provou-se, neste particular, que a factura nº 162, no valor de 14802934$00, referente à venda da edição nº 62, da Revista “Eurocontas”, foi apresentada pela autora à ré, que a aceitou, embora protestando pelo seu pagamento, apenas, aquando da respectiva distribuição. Ora, se os custos da produção e edição da revista foram, primeiramente, suportados por uma terceira entidade, a “Gráfica Maia Douro”, como um encargo desta e não da autora, trata-se de uma realidade fáctica que se não demonstrou e cuja materialidade, consequentemente, por inexistir no processo, não é susceptível de subsunção a qualquer outra realidade jurídica. Assim sendo, ao enriquecimento obtido pela ré correspondeu, correlativamente, um empobrecimento sofrido pela autora, sem que exista, como já se disse, uma causa jurídica justificativa dessa deslocação patrimonial verificada. III. DO MONTANTE INDEMNIZATÓRIO Finalmente, a ré defende que o montante da indemnização em que foi condenada não pode incluir o valor correspondente ao IVA, quer por não ter ficado provado que a autora pagou as quantias em causa, quer porque a parte do montante de €32.083,44, relativo ao IVA, não é um custo suportado por aquela, não integrando o seu empobrecimento, razão pela qual não pode constituir o quantitativo indemnizatório por enriquecimento sem causa. Tendo a factura que consubstancia o valor do custo dos exemplares da revista, editada e distribuída pela autora, em benefício dos associados da ré, inscrita a importância de €32083,44, que a autora suportou, é este o valor da deslocação patrimonial operada para a ré, sem causa jurídica justificativa, que reflete a medida do enriquecimento que esta está obrigada a restituir, nos termos do disposto pelo artigo 473º, nº 2, do CC, independentemente de nele estar incluída, o que se não demonstrou, uma parcela referente ao IVA. Mas, se naquele montante está incorporada uma parcela relativa ao IVA, a mesma faz parte do valor do enriquecimento e da consequente obrigação de restituir, por se tratar de uma exigência legal, imposta aos adquirentes das mercadorias ou aos utilizadores dos serviços, com base no disposto pelo artigo 37º, nº 1, do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado (CIVA). E, depois, como a ré sabe, melhor do que ninguém, a importância recebida pelo prestador de serviços dos respectivos utilizadores, a título de IVA, deve ser por aquela, obrigatoriamente, entregue nos cofres do Estado, nos termos do preceituado pelo artigo 27º, nº 1, do CIVA. Não colhem, assim, com o devido respeito, as conclusões constantes das alegações de revista da ré. CONCLUSÕES: I - Para que se constitua uma obrigação de restituir fundada no enriquecimento, não basta que uma pessoa tenha obtido uma vantagem patrimonial, à custa de outrem, sendo ainda necessário que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, quer porque nunca a houve, por não se ter verificado o escopo pretendido [condictio ob causam futuram] ou, porque, entretanto, deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento [condictio ob causam finitum], quer, finalmente, porque é inválido o negócio jurídico em que assenta. II - O eixo directriz da definição da ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial tem a ver com a correcta ordenação jurídica dos bens, aceita pelo sistema jurídico, de modo que, de acordo com a mesma, se o enriquecimento deve pertencer a outra pessoa, carece de causa justificativa. III - Não se provando que a autora litigou de má fé ao instaurar a providência cautelar comum, apesar da procedência da oposição, não praticou qualquer acto temerário quando, após a sua decisão provisória e antes do julgamento da oposição, tendo obtido o consentimento da ré sobre o conteúdo da revista, e de esta lhe ter disponibilizado o ficheiro com os nomes e moradas dos associados e a respectiva relação do tratamento informático editou e distribuiu 60.248 exemplares da mesma revista. IV - Não basta que a providência venha a ser considerada injustificada para que o requerente responda culposamente pelos danos ao requerido, nos termos do disposto pelo artigo 390º, nº 1, do CPC, porquanto tal pressupõe, igualmente, que aquele não tenha agido com a prudência normal. V - A entender-se que a autora deveria aguardar pelo desenlace final da oposição à providência cautelar, por esta ter sido decretada sem a prévia audiência da ré, descaracterizar-se-ia a essência da providência, destinada a assegurara a efectividade do direito ameaçado, retirando-lhe a eficácia preventiva e cautelar e condicionando o seu resultado, mesmo quando decretada, não só à ulterior propositura da acção, mas, também, à procedência final desta última e com trânsito em julgado. VI - À vantagem patrimonial obtida por uma pessoa corresponde, por via de regra, sob pena da sua insuficiência para a constituição da obrigação de restituir, numa relação intersubjectiva, uma perda, também, avaliável em dinheiro, sofrida por outra pessoa, que mais não representa do que o suporte do enriquecimento por outrem, o locupletamento à custa alheia. DECISÃO Por tudo quanto exposto ficou, acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça, em negar a revista, confirmando, inteiramente, o douto acórdão recorrido. Custas, a cargo da ré. Notifique.
Lisboa, 28 de Junho de 2011 |