Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
9452/18.1T8PRT.P1-F.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: RECURSO DE REVISTA
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
TEMPESTIVIDADE
EXTEMPORANEIDADE
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
PRAZO PERENTÓRIO
IMPEDIMENTOS
JUIZ
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 02/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO. CONFIRMAR O DESPACHO DO RELATOR
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O recurso interposto ao abrigo do disposto no nº 5 do art.116º não é recurso que incida sobre decisão que comporte revista (art. 671º), mas antes recurso interposto de decisão interlocutória (art. 673), sendo o prazo de interposição do recurso de 15 dias, conforme preceitua o art. 677º, do CPC e não de 30 dias como pretendem os recorrentes.

II - Não faria qualquer sentido, antes revelaria incongruência do sistema processual, que a decisão que apreciasse o impedimento do juiz da 1ª Instância tivesse de ser impugnada, por via de recurso, no prazo de 15 dias, como dispõe textualmente a lei (interpretação literal) - arts. 644º, nº 2 al. a) e 638º, nº 1, segunda parte, do CPC, e a decisão que apreciasse o impedimento de juiz de tribunal superior pudesse ser impugnada, por via de recurso, no prazo de 30 dias.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes do Supremo do Tribunal de Justiça, 1ª Secção:


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1 - Do acórdão, em Conferência, proferido pelo Tribunal da Relação …, no qual foi tomada decisão de indeferimento de impedimento de Juiz Desembargador,  vieram os réus/recorrentes, FUTEBOL CLUBE …, FUTEBOL CLUBE …, FUTEBOL, SAD, FCP MEDIA, S.A., AVENIDA … – SOCIEDADE DE COMUNICAÇÃO, S.A., AA, BB, CC e DD, interpor recurso de revista, ao abrigo do disposto no art. 116.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.

2 - Em despacho proferido pelo Desembargador relator (original), que não se declarou impedido, não foi admitido o recurso de revista, sustentando: “O art. 116º, nº 5 do Cód. de Proc. Civil estatui que da decisão de indeferimento do impedimento do juiz, suscitado pela parte, é sempre admissível recurso para o tribunal imediatamente superior.

Por seu turno, o art. 673º do Cód. de Proc. Civil diz-nos que «Os acórdãos proferidos na pendência do processo na Relação apenas podem ser impugnados no recurso de revista que venha a ser interposto nos termos do nº 1 do artigo 671º, com exceção: a) Dos acórdãos cuja impugnação com o recurso de revista seria absolutamente inútil; b) Dos demais casos expressamente previstos na lei.»

A este preceito subjaz a ideia de limitar a possibilidade de interposição de recursos de revista intercalares, tendo-se estabelecido, como regra geral, o diferimento da impugnação dos acórdãos interlocutórios para o recurso do acórdão final ou para recurso autónomo a interpor depois do trânsito em julgado deste.

Como tal, a regra aplicável aos acórdãos, como o presente, que são proferidos na pendência do recurso na Relação é o da sua irrecorribilidade autónoma, a qual, porém, conhece duas exceções: i) a dos acórdãos cuja impugnação com o recurso de revista seria absolutamente inútil, onde a forma adverbial utilizada, similar à do art. 644º, nº 2, al. h), introduz, contudo, uma importantíssima limitação à admissibilidade dos recursos intercalares; ii) a dos demais casos expressamente previstos na lei, máxime quando seja invocada alguma das situações acauteladas pelo art. 629º, nº 2 (Cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 3ª ed., Almedina, 2016, págs. 358/359).

Na situação dos autos, entendemos que o recurso ora interposto pelos réus, não se reconduzindo, a nosso ver, a nenhuma das situações excecionais referidas nas alíneas a) e b) do art. 673º do Cód. de Proc. Civil, está sujeito à regra geral do diferimento da impugnação dos acórdãos interlocutórios para o recurso do acórdão final, o que significa a prematuridade da sua interposição neste momento processual.

Por outro lado, se considerássemos, diferentemente, que o presente recurso se integrava numa das duas hipóteses de recorribilidade autónoma previstas no art. 673º do Cód. de Proc. Civil sempre haveria que ter em atenção o preceituado no art. 677º deste mesmo diploma, onde se diz que «nos casos previstos no artigo 673º e nos processos urgentes, o prazo para a interposição de recurso é de 15 dias.»

Aliás, o caminho seguido pelos recorrentes, incorretamente na nossa perspetiva, foi o da recorribilidade autónoma e nesse caso o recurso sempre seria intempestivo, porque quando a revista se reporta a decisões interlocutórias da Relação, de que seja admissível recurso autónomo, nos termos do art. 673º, ou respeite a processos de natureza urgente, prevê-se a redução a 15 dias do prazo para a respetiva interposição.

De resto, o mesmo prazo de 15 dias está previsto para as decisões da Relação de que não seja admissível recurso autónomo. A não ser que a sua impugnação se integre no recurso do acórdão final, o prazo para a interposição do recurso de revista é de 15 dias e conta-se a partir do trânsito em julgado daquele acórdão, nos termos do art. 671º, nº 4 do Cód. de Proc. Civil (Cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 376).

E sendo então o prazo de 15 dias o mesmo não foi respeitado pelos recorrentes, uma vez que estando a notificação do seu ilustre mandatário certificada pelo Citius relativamente ao dia 9.6.2021 o recurso só viria a ser interposto no dia 13.7.2021, daí decorrendo, em caso de recurso autónomo, a sua manifesta intempestividade.

Todavia, conforme já atrás afirmámos, a interposição do presente recurso pelos réus mostra-se prematura e apenas com o recurso do acórdão final deverá ser impugnado o acórdão interlocutório de 8.6.2021, que indeferiu o requerimento por estes apresentado com vista à declaração de impedimento do presente relator.

Impõe-se, pois, a sua rejeição.


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Nestes termos, decide-se indeferir o requerimento de interposição de recurso apresentado pelos réus Futebol Clube …, “Futebol Clube …, Futebol, SAD”, “FC… Media, SA”, “Avenida … – Sociedade de Comunicação, SA”, AA, BB, CC e DD.

Custas a cargo dos recorrentes”.

3 - Os recorrentes apresentaram reclamação, da não admissão do recurso, para o STJ.

A sustentar o seu requerimento formulam as seguintes conclusões:

“I. Vem a presente Reclamação interposta do douto Despacho proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto em 15.10.2021, o qual decidiu indeferir o requerimento de interposição de recurso de revista por aqueles apresentado – requerimento esse visando impugnar o Acórdão do Tribunal da Relação …, proferido em Conferência, e datado de 08.06.2021.

II. Entendeu o Despacho reclamando que, tratando-se da impugnação de uma decisão de indeferimento de impedimento do Juiz, o prazo para a interposição do recurso de revista seria de 15 (quinze) dias, nos termos previstos nos artigos 673.º e seguintes do Código do Processo Civil, razão pela qual o recurso apresentado pelos Reclamantes era extemporâneo.

III. Insurgem-se os Reclamantes contra a argumentação e o sentido decisório vazado no Despacho reclamando, sustentando que o caso em apreço nos autos configura uma situação de aplicação da norma do artigo 671.º, número 2, alínea a) do Código de Processo Civil – norma essa que a que a decisão reclamanda nem sequer alude e cuja aplicação conduziria a uma solução radicalmente diversa daquela que ora se impugna.

IV. Resulta cristalinamente da lei que cabe revista dos Acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias nos casos em que «o recurso é sempre admissível». (artigo 671.º, número 2, alínea a) do Código de Processo Civil)

V. Uma das hipóteses em que o recurso é sempre admissível consiste, precisamente, na situação ajuizada, mormente quando em causa está a decisão de indeferimento da declaração de impedimento do Juiz suscitada por uma das partes (ut. Artigo 116.º, número 5 do Código de Processo Civil).

VI. Concatenando as referidas normas – e não oferecendo nenhumas delas qualquer dificuldade interpretativa, dada a coincidência das locuções verbais empregues – é inquestionável que da decisão que indefere a declaração de impedimento cabe sempre recurso de revista – recurso esse subsumível à previsão do artigo 671.º, número 2, alínea a) do Código de Processo Civil.

VII. Ao invés de integrar a situação subjudicio na norma do artigo 671.º, número 2, alínea a), o Despacho reclamando desconsiderou integralmente aquela normativo, tendo optado pela integração da mencionada situação no âmbito do artigo 673.º e seguintes do Código de Processo Civil.

VIII. Caso o Despacho reclamando tivesse optado pela integração do requerimento de recurso entretanto indeferido na norma do artigo 671.º, número 2, alínea a) – como, de resto, se afigura a solução processualmente ajustada – tal automaticamente determinaria: (i) a manifesta tempestividade do recurso apresentado, por força da norma do artigo 638.º, número 1 do Código de Processo Civil; e (ii) o total acerto do modo de subida indicado pelos ora Reclamantes, por força da norma do artigo 675.º, número 2 do Código de Processo Civil.

IX. Não existe, por isso, qualquer razão para indeferir o recurso apresentado pelos ora Reclamantes, posto que o mesmo se afigura manifestamente oportuno e devidamente instruído.

X. Ao decidir conforme decidiu, a decisão reclamanda violou, ou fez errada interpretação, do disposto, designadamente, nos artigos 116.º, número 5 e 671.º, número 2, alínea a), ambos do Código de Processo Civil.

XI. Impondo-se, assim, a prolação de decisão que defira a presente Reclamação, julgando o recurso entretanto indeferido tempestivamente apresentado, ao abrigo do disposto nos artigos 671.º, número 2, alínea a) ex vi artigo 116.º, número 5, do Código de Processo Civil.

Termos em que, mui respeitosamente, se requer a Vossas Excelências se dignem deferir a presente Reclamação e, consequentemente, se dignem proferir decisão a admitir o recurso de revista interposto pelos ora Reclamantes, nos termos e com os fundamentos explanados e ao abrigo das normas dos artigos 671.º, número 2, alínea a) ex vi artigo 116.º, número 5, ambos do Código de Processo Civil”.

4 - Não foi apresentada resposta.

5 - Pelo aqui relator foi proferido despacho no qual se indeferiu a reclamação, com os seguintes fundamentos:


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DECIDINDO:

A questão a ter em conta é somente a de saber se o recurso de revista foi interposto em tempo, ou se é extemporâneo.

- Saber se se trata de recurso autónomo de decisão interlocutória incidente sobre relação processual e referente a caso em que o recurso é sempre admissível – arts. 671º, nº 2 al. a) e, 116º, nº 5, do CPC –, como sustentam os reclamantes, com o prazo de recurso de 30 dias, conforme primeira parte do nº 1, do art. 638º, do mesmo CPC.

- Ou se se trata de recurso interposto de decisão interlocutória, com prazo reduzido para 15 dias, conforme segunda parte do nº 1, do art. 638º, do CPC.

O art. 638º do CPC indica os prazos de interposição de recurso, tratando-se de prazo perentório pois o decurso do prazo implica a extinção do direito de praticar o ato (no caso recorrer ao tribunal superior).

Conforme o nº 1, “- O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644º e no artigo 677º”.

Sendo de considerar que o prazo de 30 dias é o prazo normal de interposição do recurso, “prazo geral”, como se lhe refere Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 139.

Abrantes Geraldes in ob. cit. pág. 142 e esquematizando os recursos interpostos na 2ª instância e referindo-se aos prazos indicados no nº 1 do art. 638º, do CPC, situações de prazo reduzido a 15 dias e situações de prazo normal de 30 dias, considerando este, “aplicável aos recursos de revista interpostos de acórdãos da Relação (sobre decisões da 1ª instância) que conheçam do mérito ou que ponham termo total ou parcial ao processo (art. 638, nº 1)” (sublinhado nosso).

E reforça a pág. 358 que o recurso de revista previsto no art. 671º, do CPC se reporta a acórdão da Relação que apreciou decisão da 1ª Instância sendo que, “em regra, não admitem recurso de revista os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias da 1ª Instância sobre questões de natureza adjetiva (art. 671º, nº 2)”, “porém, foram estabelecidas duas vias excecionais que permitem que possam ser apreciadas pelo Supremo questões emergentes de decisões interlocutórias com incidência processual”, que são as previstas nas als. a) e b), do nº 2.

O que expressamente resulta do normativo do art. 671º referido, ou seja, que os recursos de revista previstos no art. 671º, quer por via do nº1, quer por via do nº 2, se reportam a acórdãos da Relação proferidos “sobre decisão da 1ª Instância”.

Sendo que as decisões previstas no nº 1 conhecem do mérito da causa, ou poem termo ao processo absolvendo da instância e as decisões previstas no nº 2 são decisões interlocutórias que recaem sobre a relação processual, mas numas e noutras o acórdão da Relação sobre o qual se pede revista incidiu sobre decisão da 1ª Instância.

Sendo que no caso em apreço se trata de acórdão proferido na pendência do processo na Relação, as denominadas decisões interlocutórias, com recurso previsto no art. 673º, diferentes das decisões que comportam revista, previstas no art. 671º, as quais, como já referimos incidem sobre decisão da 1ª Instância.

Os casos em que o recurso é sempre admissível, previsto no nº 2 al. a), do art. 671º, reporta-se ao nº 2 do art. 629º, do mesmo diploma, aqui se indicando, de forma taxativa, as situações em que o recurso é sempre admissível e que, logicamente pressupõem decisão da 1ª Instância.

Sendo que o recurso de revista pretendido interpor não se enquadra em nenhuma das alíneas deste nº 2, do art. 629º, do CPC.

No caso concreto, o recurso incide sobre acórdão da Relação que indeferiu o requerimento a pedir declaração de impedimento, sendo que, conforme nº 5 do art. 116º, do CPC “é sempre admissível recurso da decisão de indeferimento para o tribunal imediatamente superior”.

A expressão “é sempre admissível recurso”, constante deste nº 5 do art. 116º não tem o mesmo sentido da constante do nº 2 do art. 629º ou da da al. a) do nº 2 do art. 671º, todos do CPC.

A expressão “é sempre admissível recurso” tem de se enquadrar na norma que a integra, sendo que no caso que importa, nº 5 do art. 116º, do CPC, “é sempre admissível recurso … para o tribunal imediatamente superior”.

Ou seja, é sempre, e apenas, admissível recurso em um grau. Se a questão do impedimento respeitar a juiz da 1ª Instância é sempre admissível recurso, mas apenas, para o Tribunal de Relação.

A expressão do nº 5 do art. 116º tem o mesmo significado da incluída no nº 3 do art. 542, do CPC, que refere, “é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé”.

A expressão do nº 5 do art. 116º, “é sempre admissível recurso” não tem o significado, por exemplo da expressão “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”, conforme estatui o nº 2 do art. 370º, ou art. 854º, do CPC (entre outros) referentes a recursos em procedimentos cautelares, ou revista em processo executivo, sendo que a possibilidade de recurso de revista apenas ocorrerá se se verificar alguma das previsões contempladas nas als. do nº 2 do art. 629º, ex vi nº 2 al. a) do art. 671º, do CPC.

Acresce que no caso de o impedimento respeitar a juiz da 1ª Instância cabe apelação nos termos do nº 2 al. a), do art. 644º, do CPC “da decisão que aprecie o impedimento do juiz”, sendo o prazo de interposição de 15 dias conforme nº 1, segunda parte, do art. 638º, do CPC.

Do exposto resulta que no caso o recurso interposto ao abrigo do disposto no nº 5 do art.116º não é recurso que incida sobre decisão que comporte revista (art. 671º), mas antes recurso interposto de decisão interlocutória (art. 673), sendo o prazo de interposição do recurso de 15 dias, conforme preceitua o art. 677º, do CPC e não de 30 dias como pretendem os recorrentes.


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Face ao exposto, indefere-se o requerimento de reclamação contra o despacho que não admitiu o recurso de revista, por extemporaneidade.

Conforme art. 643º nº 4, do CPC, mantem-se o despacho reclamado.

Custas a cargo dos recorrentes/reclamantes, com taxa de 3 UC.

Notifique”.

6 - De novo inconformados, vêm os recorrentes reclamar para a Conferência (requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão), concluindo:

“I. Vem a presente Reclamação interposta da douta Decisão proferida pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, datada de 29.11.2021, na qual se indeferiu a Reclamação apresentada pelos ora Reclamantes contra o Despacho do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 15.10.2021, o qual indeferiu o recurso de revista entretanto apresentado pelos Reclamantes, com fundamento na respectiva extemporaneidade.

II. Entendeu a Decisão ora em crise – à semelhança, aliás, da decisão precedente - que, tratando-se da impugnação de uma decisão de indeferimento de impedimento do Juiz, o prazo para a interposição do recurso de revista seria de 15 (quinze) dias, nos termos previstos nos artigos 673.º e seguintes do Código do Processo Civil, razão pela qual o recurso de revista apresentado pelos Reclamantes era extemporâneo.

III. Insurgem-se os Reclamantes contra a argumentação e o sentido decisório vazado no Despacho reclamando, sustentando que o caso em apreço nos autos configura uma situação de aplicação da norma do artigo 671.º, número 2, alínea a) do Código de Processo Civil – norma essa que a Decisão reclamanda desconsidera e cuja aplicação conduziria a uma solução radicalmente diversa daquela que ora se impugna.

IV. Resulta cristalinamente da lei que cabe revista dos Acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias nos casos em que «o recurso é sempre admissível». (artigo 671.º, número 2, alínea a) do Código de Processo Civil) V. Uma das hipóteses em que o recurso é sempre admissível consiste, precisamente, na situação ajuizada, mormente quando em causa está a decisão de indeferimento da declaração de impedimento do Juiz suscitada por uma das partes (ut. artigo 116.º, número 5 do Código de Processo Civil).

VI. Concatenando as referidas normas – e não oferecendo nenhumas delas qualquer dificuldade interpretativa, dada a coincidência das locuções verbais empregues – é inquestionável que da decisão que indefere a declaração de impedimento cabe sempre recurso de revista – recurso esse subsumível à previsão do artigo 671.º, número 2, alínea a) do Código de Processo Civil.

VII. Todavia, a Decisão em crise afastou a aplicação da referida norma com base, essencialmente, na tese de que a aludida norma apenas é aplicável quando exista, previamente, uma decisão proferida pela primeira instância.

VIII. Como se deixou dito e evidenciado, tal interpretação não logra qualquer acolhimento na letra da lei e, bem assim, desconsidera um conjunto de situações de recorribilidade autónoma ou especial - entre as quais a prevista no artigo 116.º, número 5 do C.P.C. – para as quais a lei prevê a possibilidade de interposição de recurso independentemente da instância em que a questão é suscitada.

IX. De resto, deixou-se devidamente evidenciado que a Doutrina é unívoca no sentido preconizado pelos Reclamantes, integrando a hipótese do artigo 116.º, número 5 na situação recortada na norma do artigo 671.º, número 2, alínea a) do Código de Processo Civil (vide LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, 3.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2014, pp. 236-237; SALVADOR DA COSTA, Os Incidentes da Instância, Coimbra, Almedina, 10.ª edição, 2019, p. 326; ABRANTES GERALDES/ PAULO PIMENTA / L.F. PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, Almedina, 2018, p. 145).

X. Caso o Despacho reclamando tivesse optado pela integração do requerimento de recurso, entretanto indeferido, na norma do artigo 671.º, número 2, alínea a) – como, de resto, se afigura a solução processualmente ajustada – tal automaticamente determinaria a manifesta tempestividade do recurso apresentado, por força da norma do artigo 638.º, número 1 do Código de Processo Civil.

XI. Não existe, por isso, qualquer razão para indeferir o recurso apresentado pelos ora Reclamantes, posto que o mesmo se afigura manifestamente oportuno e devidamente instruído.

XII. Ao decidir conforme decidiu, a Decisão em crise violou, ou fez errada interpretação, do disposto, designadamente, nos artigos 116.º, número 5 e 671.º, número 2, alínea a), ambos do Código de Processo Civil.

XIII. Impondo-se, assim, a prolação de decisão que admita a presente Reclamação, julgando o recurso entretanto indeferido tempestivamente apresentado, ao abrigo do disposto nos artigos 671.º, número 2, alínea a) ex vi artigo 116.º, número 5, do Código de Processo Civil.

Termos em que, mui respeitosamente, se requer a Vossas Excelências se dignem admitir a presente Reclamação e, consequentemente, se dignem revogar a Decisão Singular proferida pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, substituindo-a por outra que admita o recurso de revista interposto pelos Reclamantes, julgando-o totalmente tempestivo, nos termos e com os fundamentos explanados e ao abrigo das normas dos artigos 671.º, número 2, alínea a) ex vi artigo 116.º, número 5, ambos do Código de Processo Civil”.


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Como salientam os reclamantes, a questão “consiste em aquilatar da tempestividade do recurso de revista, entretanto indeferido, mormente em saber se ao recurso interposto da decisão que aprecia o impedimento do Juiz se aplica o prazo ordinário de 30 (trinta) dias ou se, ao invés, o prazo para impugnação de tal decisão se reconduz ao prazo de 15 (quinze) dias previsto no artigo 638.º, número 1 do Código de Processo Civil”.

Os reclamantes reafirmam o entendimento já antes expresso e que é divergente do entendimento expressado no despacho reclamado.

Os reclamantes entendem que “a Decisão ora sindicada se integra plenamente no âmbito de previsão da norma do artigo 671.º, número 2, alínea a) do Código de Processo Civil (e não na norma do artigo 673.º do antedito diploma, talqualmente sustentada pela Decisão ora impugnada)”.

E o despacho reclamado entende, em contrário, que no caso tem aplicação o disposto no art. 673º e não o preceituado no art. 671º, nº 1, al. a), do CPC.

Como no despacho reclamado se disse, refere Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª ed., pág. 358 que o recurso de revista previsto no art. 671º, do CPC se reporta a acórdão da Relação que apreciou decisão da 1ª Instância sendo que, “em regra, não admitem recurso de revista os acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias da 1ª Instância sobre questões de natureza adjetiva (art. 671º, nº 2)”, “porém, foram estabelecidas duas vias excecionais que permitem que possam ser apreciadas pelo Supremo questões emergentes de decisões interlocutórias com incidência processual”, que são as previstas nas als. a) e b), do nº 2 (sublinhado nosso).

E acrescenta: “Assim: a)- admitem revista (rectius, revista continuada) os acórdãos da relação que, incidindo sobre decisões interlocutórias de conteúdo adjetivo, integrem alguma das previsões constantes do art. 629º, nº 2”, sendo, por conseguinte, que o nº 2 al. a), do art. 671º, do CPC remete para os casos previstos no nº 2 do art. 629º e não para quaisquer outros.

Sendo que a citação trazida pelos reclamantes não contraria este entendimento. Citam o “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra, Almedina, 2018, p. 145, de PAULO PIMENTA /ABRANTES GERALDES/ L.F. PIRES DE SOUSA: “Configurada alguma situação prevista no art. 115.º, é dever do juiz declarar-se impedido de intervir no processo, com subsequente substituição, podendo qualquer das partes requerer que esse impedimento seja assumido. Da decisão que admita o impedimento há sempre recurso, nos termos gerais (art. 644.º, n.º 2, al. a). Já a decisão que o recuse admite sempre recurso, independentemente do valor da acção”.

O que está em causa não é a admissibilidade de recurso, mas sim o prazo de interposição do mesmo.

E não faria qualquer sentido, antes revelaria incongruência do sistema processual, que a decisão que apreciasse o impedimento do juiz da 1ª Instância só pudesse ser impugnada, por via de recurso, no prazo de 15 dias, como dispõe textualmente a lei (interpretação literal) - arts. 644º, nº 2 al. a) e 638º, nº 1, segunda parte, do CPC, e a decisão que apreciasse o impedimento de juiz de tribunal superior pudesse ser impugnada, por via de recurso, no prazo de 30 dias.

Por outro lado, o nº 2 do referido art. 644º reporta-se a “decisão que aprecie”, onde tanto cabe decisão de deferimento como decisão de indeferimento.

E o entendimento de Salvador da Costa in “Os Incidentes da Instância”, Coimbra, Almedina, 10.ª edição, 2019, p. 326, que os reclamantes têm como suporte do entendimento que expressam, na citação que fazem, “Estabelece o n.º 5 ser sempre admissível recurso para o tribunal imediatamente superior da decisão de indeferimento do requerimento no sentido do impedimento do juiz de primeira instância.

No caso de a decisão ter sido proferida por um juiz de primeira instância, o recurso, a interpor, no prazo de 15 dias, com alegações, é de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo. Na hipótese de a aludida decisão ter sido proferida por um juiz da Relação, a decisão da conferência pode ser impugnada no recurso de revista que haja lugar, nos termos do artigo 671.º, n.º 2, al. a) ou, se a ele não houver lugar, no prazo de quinze dias a contar da data do trânsito em julgado do acórdão, de harmonia com o disposto no artigo 671.º, n.º 4” (sublinhado nosso), não implica a impugnação por meio de recurso de revista com prazo de interposição de 30 dias.

Da citação extrai-se que, se indeferido o pedido de impedimento de Juiz Desembargador, a impugnação da decisão de indeferimento pode ser nos termos do art. 671º, nº 2, al. a), do CPC se a recurso nos termos desse preceito houver lugar, e no caso em análise não há, e impugnação nos termos do art. 671º, nº 4 (com prazo de interposição de 15 dias) se não houver lugar a recurso de revista nos termos do nº 2, al. a), do preceito.

Poderia haver dois prazos diferentes de recurso para situações iguais?

Temos que a impugnação da decisão de indeferimento do pedido de impedimento de Juiz Desembargador, não se enquadra no nº 4, do art. 671º, nem na al. a), do nº 2 do art. 671º, do CPC.

A harmonia do sistema implica que sejam tratados do mesmo modo os indeferimentos de pedidos de impedimento, sejam os pedidos indeferidos respeitantes a Juízes da 1ª Instância ou a Juízes Desembargadores.

Por tudo o exposto concluímos como no despacho reclamado, que o prazo de recurso de revista do acórdão que indeferiu o pedido de impedimento de Juiz Desembargador é de 15 dias.

Assim que, em Conferência se entende que o recurso de revista interposto é extemporâneo, mantendo-se o despacho do relator.


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Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art. 663 nº 7 do CPC:

I - O recurso interposto ao abrigo do disposto no nº 5 do art.116º não é recurso que incida sobre decisão que comporte revista (art. 671º), mas antes recurso interposto de decisão interlocutória (art. 673), sendo o prazo de interposição do recurso de 15 dias, conforme preceitua o art. 677º, do CPC e não de 30 dias como pretendem os recorrentes.

II - Não faria qualquer sentido, antes revelaria incongruência do sistema processual, que a decisão que apreciasse o impedimento do juiz da 1ª Instância tivesse de ser impugnada, por via de recurso, no prazo de 15 dias, como dispõe textualmente a lei (interpretação literal) - arts. 644º, nº 2 al. a) e 638º, nº 1, segunda parte, do CPC, e a decisão que apreciasse o impedimento de juiz de tribunal superior pudesse ser impugnada, por via de recurso, no prazo de 30 dias.

Decisão:

Acordam os Juízes desta Secção em indeferir a impugnação e confirmar o despacho de 29-11-2021, que manteve a não admissão do recurso.

Custas pelo impugnante com taxa de justiça de 4 Ucs, nos termos do art. 7º, nº 4 do RCP.


Lisboa, 02-02-2022


Fernando Jorge Dias – Juiz Conselheiro relator

Isaías Pádua– Juiz Conselheiro 1º adjunto

Nuno Ataíde das Neves– Juiz Conselheiro 2º adjunto