Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1100/11.7PGALM-A.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
FUNDAMENTOS
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
Data do Acordão: 01/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS / REVISÃO / FUNDAMENTOS E ADMISSIBILIDADE DA REVISÃO.
DIREITO PENAL – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO / CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE / FURTO.
Doutrina:
- M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II volume, 2.ª edição, Editora Rei dos Livros, p. 1042;
- Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, notas ao artigo 449º;
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, anotação 12. ao artigo 449.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 449.º, N.º 1, ALÍNEA D) E 453.º, N.º 2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 203.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 29.º, N.º 6.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 10-01-2007, PROCESSO N.º 4087/06;
-DE 17-04-2008, PROCESSO N.º 4840/07;
- DE 20-11-2008, PROCESSO N.º 1311/08.
Sumário :

I - Para efeitos do fundamento de revisão constante da al. d) do n.º 1 do art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP, são novos apenas os factos e os meios de prova que fossem desconhecidos ou não pudessem ser apresentados ao tempo do julgamento, quer pelo tribunal, quer pelas partes, consabido que o n.º 2 do art. 453.º impede o requerente da revisão de indicar testemunhas que não hajam sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou caso estivessem impossibilitadas de depor. II - É de autorizar a revisão se do exame da nova prova produzida no processo (declarações de co-arguida no sentido de que foi outra pessoa a co-autora dos crimes e depoimentos das restantes testemunhas no sentido de que não se recordam da ora recorrente e que as autoras dos furtos foram identificadas verbalmente) resultam justificadas dúvidas sobre a identidade da autora dos factos delituosos que conduziram à condenação da ora recorrente na sentença revivenda, com destaque para o facto de se ter concluído que B, no âmbito do processo comum colectivo n.º X, se identificou como sendo C, para além de que nos presentes autos a recorrente foi julgada sem que estivesse presente na audiência, tendo sido identificada, aquando da sua suposta detenção, por mera indicação verbal, estando deste modo posta em causa a justiça da condenação da recorrente.
Decisão Texto Integral:

                                          *

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, devidamente identificado, interpôs recurso extraordinário de revisão da sentença proferida no antigo 1º Juízo Criminal de ..., que a condenou pela autoria material de um crime de furto simples, previsto e punível pelo artigo 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 5,50.

É do seguinte teor a motivação de recurso[1]:


FUNDAMENTAÇÃO DO RECURSO


Artº 449°/1-a) do CPP) - Falsidade dos meios de prova

Fundamentação:

FALSIDADE DO MEIO DE PROVA:

Compulsados os presentes autos constata-se que a alegadamente Arguida praticou conjuntamente com outras duas Arguidas ou seja em co-autoria um crime de furto simples previsto e punido pelo artº 203 do C.P.

Acontece que a Arguida AA não praticou os factos pelos quais foi condenada, nem nunca esteve no dia e locais indicados com as outras Arguidas.

A titulo de exemplo, note-se que aquando da "sua" detenção o contacto telefónico que foi informado foi o numero ..., numero este que nunca foi da AA.

Mais, se estivermos atentos ás diversas assinaturas realizadas ao longo do processo pela alegada AA, podemos verificar que nada tem a ver com a verdadeira assinatura da AA, nomeadamente a fis. 68, a fls 169, a fls 200 onde é passada a procuração ao ilustre mandatário (que obviamente desconhecendo a verdadeira identidade acreditou tratar-se de AA) onde podemos entre outros aspetos verificar que ... está assinado com "u", ou seja ....

O QUE ACONTECEU DE FACTO FOI QUE A VERDADEIRA ARGUÍDA, E QUEM PRATICOU OS FACTOS DOS PRESENTES AUTOS NÃO FOI AA, MAS SIM, SUA IRMÃ BB.

A sua irmã BB, sabe a identificação completa de AA e identificou-se como tal, tendo assim esta sido condenada em factos que nunca praticou.

A '"Arguida" AA, só agora se apercebeu de tal situação uma vez que foi pedir o seu certificado de registo criminal para efeitos de reapreciação do seu visto de residência, e onde verificou para surpresa sua que tinha duas condenações, uma do Tribunal da Comarca ..., ..., Juiz de Instância Criminal-Juiz..., atual Tribunal da Comarca de ... Iust. Central - Secção Criminal- ..., e a condenação dos presentes autos.

Acontece que no processo da Comarca de ..., aconteceu exatamente a mesma coisa que nos presentes autos (A Arguida BB identificou-se como sendo ...) tendo a "Arguida" AA sido condenada na pena de 3 anos e seis meses de pena suspensa.

Só que neste processo foram obtidas impressões digitais da Arguida onde se veio a constatar nos próprios autos de que as impressões digitais recolhidas correspondiam a BB e não a AA.

Aliás, são juntas inclusive fotos da BB onde se concluiu que de facto era esta a pessoa que praticou os factos objeto desses autos.

Por esse motivo encontra-se a decorrer também recurso de Revisão de Sentença, com os despachos que para os devidos efeitos se junta cópia.

Entretanto requer-se para descoberta da verdade material que mandem que seja junta aos presentes autos certidão de fls, 358, 359,360,370,379 do processo 42/l0.8GASTC- A da Comarca de ..., Inst. Central Criminal-....

Entretanto nos presentes autos à que terem conta e não podemos de deixar de referenciar o seguinte:

a) A Arguida apenas se identificou verbalmente

b) Deu o numero da "sua" autorização de residência, que é o numero que é de facto da AA e ao qual a BB teve acesso, aliás como também aconteceu no já referenciado processo de Setúbal.

c) Não compareceu na audiência de discussão e julgamento conforme acta de fis. 148, tendo sido realizado o julgamento na sua ausência.

d) A fls 169 consta certidão de notificação pessoal efetuada pela P.S.P. no dia 30 de Setembro de 2011 mas em cuja assinatura mais uma vez ... vem escrito ... (Não nos podemos esquecer que a BB é ..., talvez daí o lapso).

e) Fls. 200 na Procuração que é junta a favor do Dr. CC e DD, mais uma vez na assinatura da alegada arguida BB, .....

O que é certo é que a BB acabou por pagar a multa a que foi condenada a Arguida AA, e assim esta ficou sem nunca saber de nada até à presente data, uma vez que nunca necessitou de nenhum certificado de registo criminal.

Entretanto a fis. 228 é referido em requerimento do seu ilustre mandatário que na sequencia de contacto telefónico com a mãe ..., veio justificar que a falta de pagamento da multa se deveu ao facto de a Arguida AA se tinha ausentado a ... a fim de prestar assistência a uma filha doente e que só regressará a 16-02-2013.

Ora a Arguida AA não tem filhos, e não se deslocou a ... nessa altura, quem o fez foi a Arguida BB.

É do seguinte teor a resposta apresentada pelo Ministério Público:

Os presentes autos instrutórios de recurso extraordinário de revisão iniciaram-se com a petição de fls. 1 a 19 em que, em síntese, AA alega que a sua irmã BB usou a sua identidade e fez-se passar por ela nos autos de processo sumário n.º 1100/11.7PGALM que correram termos na instância local criminal de ..., que culminou com a condenação da AA pela prática de um crime de furto simples (p.p. pelo 203.º, n.º 1, do CP).

O recurso foi admitido liminarmente a fls. 70.

No âmbito do processo foi junta certidão do processo n.º 42/10.GASTC-A onde se discutiu a mesma questão (a BB fez-se passar pela AA) de fls. 81 a 93, 104 a 111.

Foram inquiridas as testemunhas a fls. 186-188, sendo que a testemunha EE, co-arguida nos autos referiu que quem comparticipou consigo no furto foi a Bruna e não a AA.

Não foi ouvida a outra comparticipante FF e a BB por não ter sido possível

o seu contacto pessoal e notificação.

            O artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República, estatui que «os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos».

Na concretização desse princípio, o Código de Processo Penal, entre os recursos extraordinários, consagra o de revisão, nos artigos 449.º e ss., que “se apresenta como um ensaio legislativo com vista ao estabelecimento do equilíbrio entre a imutabilidade da sentença decorrente do caso julgado e a necessidade de respeito pela verdade material” M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II volume, 2.ª edição, Editora Rei dos Livros, p. 1042. .

Só circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma “apelação disfarçada” Neste sentido, também Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, anotação 12. ao artigo 449.º

No caso dos nossos autos está em causa o fundamento da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º – a revisão da sentença transitada em julgado é admissível quando «se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação».

Deve interpretar-se a expressão “factos ou meios de prova novos” no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão. Com efeito, só esta interpretação observa a natureza excepcional do recurso de revisão e os princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado.

Para além de os factos ou meios de prova deverem ser novos, no sentido apontado, é, ainda, necessário que eles, por si ou em conjugação com os já apreciados no processo, sejam de molde a criar dúvidas fundadas sobre a justiça da condenação.

Todos os elementos probatórios com que o presente recurso foi instruído apontam no sentido de que quem efectivamente cometeu o crime forneceu uma falsa identidade, atribuindo-se a si próprio a identidade de AA.

Há, por isso, indícios fortes de ter sido cometido um erro de identificação do arguido. Sendo certo que esse conhecimento só adveio ao processo após o trânsito em julgado da decisão

condenatória, uma vez que a verdadeira AA não esteve na audiência de julgamento condenatória em 1ª instância, assim como a BB, e apenas a EE compareceu e nada disse relativamente à inocência da AA.

Porém V.Exas. Colendos Conselheiros não deixaram de realizar a JUSTIÇA.

O Exmo. Juiz prestou a informação seguinte:

Cumpre, pois, elaborar informação dirigida ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça quanto ao mérito do recurso interposto, em obediência ao estatuído na parte final do artigo 454º do Código de Processo Penal.

Assim,

Nos termos do disposto no artigo 449º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal (alínea em que se fundamenta o presente recurso de revisão), “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação.”

Factos ou meios de prova novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderem ser apresentados antes deste. Portanto, não basta que os factos sejam desconhecidos do tribunal, sendo que o arguido só pode indicar novas testemunhas se justificar que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou elas não puderam ser apresentadas (artigo 453º, nº 2, do Código de Processo Penal).

Nos termos do disposto no artigo 453º, nº 1, do Código de Processo Penal, “Se o fundamento da revisão for o previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 449º, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas.”

Os meios de prova e de obtenção de prova novos só podem ser permitidos se eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderem ser apresentados antes deste. A impossibilidade a que a lei se refere é das testemunhas (dos meios de prova) e não do arguido.

Ora,

A arguida AA foi condenada pela prática, em autoria material, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), por sentença proferida em 15/09/2011.

A arguida AA foi julgada na ausência, tendo sido pessoalmente notificada da sentença em 30/09/2011 (fls. 168 e 169), da qual não foi interposto recurso, tendo transitado em julgado em 23/11/2011.

Por despacho datado de 03/07/2013 a pena de multa em que a arguida foi condenada foi julgada extinta pelo cumprimento.

Em sede do presente recurso de revisão, a arguida AA veio alegar não ser ela a autora dos factos, mas sim a sua irmã BB, a qual deu os seus dados de identificação e foi notificada da sentença em 30/09/2011.

 - Ouvida em declarações a arguida AA afirmou que desconhecia a existência do presente processo, só tendo conhecimento do mesmo quando foi renovar o seu Titulo de Residência e constatou no seu certificado de registo criminal duas condenações, a do presente processo e a do PCC nº nº 42/10.8GASTC. Mais referiu que a morada do TIR a fls. 8 é a morada da sua mãe e a assinatura constante do TIR a fls. 8, do Auto de Apreensão a fls. 15 e da notificação a fls. 169 não é a sua.

 - Foram reinquiridas as seguintes testemunhas inquiridas em sede de julgamento:

A testemunha GG, vigilante no ..., afirmou recordar-se de ter abordado três raparigas, que não conhecia, nem reconhece, tendo chamado a P.S.P. ao local que as deteve.

A testemunha HH, agente da P.S.P., afirmou que foi chamado ao ... por furtos em duas lojas, tendo detido três raparigas, as quais todas tinham objectos consigo, que foram apreendidos. Não conhecia nenhuma das três arguidas, as quais não tinham documentos de identificação e que foram identificadas verbalmente, conforme Auto de Detenção a fls. 2 e 3. A identidade das três arguidas coincidia com a identificação junto do SEF e confirmou a residência destas junto da P.S.P. das respectivas localidades. Atento o tempo decorrido não reconhece a arguida AA como uma das pessoas que deteve.

 - Foi inquirida a testemunha II, agente da P.S.P., cujo depoimento foi prescindido no julgamento de 15/09/2011, o qual afirmou que foi chamado ao ... por furtos em duas lojas, tendo detido três raparigas, as quais todas tinham objectos consigo, que foram apreendidos. Não conhecia nenhuma das três arguidas, as quais não tinham documentos de identificação e que foram identificadas verbalmente, conforme Auto de Detenção a fls. 2 e 3. A identidade das três arguidas coincidia com a identificação junto do SEF e confirmou a residência destas junto da P.S.P. das respectivas localidades. Atento o tempo decorrido não reconhece a arguida AA como uma das pessoas que deteve.

 - A arguida EE, que foi detida aquando dos factos conjuntamente com a arguida FF e AA, foi inquirida, tendo afirmado que aquando dos factos estava a arguida EE, a FF e a BB, irmã da AA, contudo não se apercebeu que esta se tivesse identificado com o nome da irmã.

 - Não se logrou inquirir a arguida FF, nem a BB, por ser desconhecido o paradeiro das mesmas.

 - Dos documentos a fls. 81 a 87 e 104 a 111 resulta que no âmbito do Processo Comum Colectivo nº 42/10.8GASTC, que correu termos na Instância Central Criminal de ..., a arguida AA foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por factos de 18/11/2010, por acórdão proferido em 15/03/2012, transitado em julgado em 23/04/2012, numa pena de três anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, tendo posteriormente, em 07/08/2013, se apurado que a verdadeira identidade da pessoa julgada era BB, facto confirmado por comparações dactiloscópicas.

 - Do Auto de Detenção a fls. 2 e 3, do Auto de Constituição de Arguido a fls. 5, do Termo de Identidade e Residência a fls. 8 e do Auto de Apreensão a fls. 15 resulta que a AA foi identificada verbalmente, sendo que da informação do SEF a fls. 23 não consta a fotografia da mesma.

Ora, da conjugação destes elementos probatórios, designadamente com o elemento novo de se ter concluído que BB se identificou como AA, no âmbito do Processo Comum Colectivo nº 42/10.8GASTC, que correu termos na Instância Central Criminal de Setúbal, J3, reforçado com a circunstância de ter sido identificada verbalmente aquando da sua detenção nestes autos, não tendo sido cumprido o disposto no artigo 250º do Código de Processo Penal, suscitam-se duvidas sobre a identidade da autora dos factos e assim sobre a justiça da condenação imposta nestes autos à arguida, todavia, V. Exas., Mui Colendos Conselheiros, farão, como sempre, a mais nobre e elevada JUSTIÇA.

Neste Supremo Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no qual consignou não se opor à revisão requerida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

                                         *

Ao instituto de revisão de sentença, com consagração constitucional (artigo 29º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa), subjaz o propósito de realização da ideia de justiça, da verdade material, sacrificando-se a segurança que a intangibilidade do caso julgado confere às decisões judiciais, face à verificação de ocorrências posteriores à condenação, ou que só depois dela foram conhecidas e que justificam a postergação daquele valor jurídico.

Como refere Maia Gonçalves[2], o princípio res judicata pro veritate habetur não pode impedir um novo julgamento, quando posteriores elementos de apreciação põem seriamente em causa a justiça do anterior. O fundamento central do caso julgado é uma concessão prática à necessidade de garantir a certeza e a segurança do direito. Com o caso julgado, ainda mesmo que com sacrifício da justiça material, pretende-se assegurar a paz, pretende-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Mas este fundamento utilitário não pode ser levado demasiadamente longe. A justiça prima e sobressai acima de todas as demais considerações; o direito não pode querer e não quer a manutenção duma condenação, em homenagem à estabilidade de decisões judiciais, a garantia dum mal invocado prestígio ou infalibilidade do juízo humano, à custa da postergação de direitos fundamentais dos cidadãos.

Em todo o caso, só nas situações expressamente previstas na lei será lícito pôr em causa a intangibilidade do caso julgado.

Tais situações são (artigo 449º, n.º 1, do Código de Processo Penal):

a) Falsidade de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

b) Crime cometido por juiz ou jurado, relacionado com o exercício da sua função no processo;

c) Inconciliabilidade de decisões;

d) Descoberta de novos factos ou meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

e) Constatação de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126º;

f) Declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamentação à condenação;

g) Prolação por uma instância internacional de uma sentença vinculativa do Estado Português que seja inconciliável com a condenação ou suscite graves dúvidas sobre a sua justiça.

A recorrente alega não ter sido co-autora do crime de furto pelo qual foi condenada através da decisão revivenda, antes sua irmã BB, o que fundamenta em prova documental e testemunhal.

Analisando o fundamento de revisão constante da alínea d) – novos factos ou meios de prova dir-se-á, de acordo com a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal[3], que são novos apenas os factos e os meios de prova que fossem desconhecidos ou não pudessem ser apresentados ao tempo do julgamento, quer pelo tribunal, quer pelas partes, consabido que o n.º 2 do artigo 453º impede o requerente da revisão de indicar testemunhas que não hajam sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou caso estivessem impossibilitadas de depor[4].

Do exame da nova prova produzida no processo resultam justificadas dúvidas sobre a identidade da autora dos factos delituosos que conduziram à condenação da recorrente AA na sentença revivenda, com destaque para o facto de se ter concluído que BB, no âmbito do processo comum colectivo n.º 42/10. 8GASTC, que correu termos na Instância Central Criminal de Setúbal, J3, se identificou como sendo AA, para além de que nos presentes autos a recorrente foi julgada sem que estivesse presente na audiência, tendo sido identificada, aquando da sua suposta detenção, por mera indicação verbal.

Deste modo está posta em causa a justiça da condenação da recorrente AA.

                                       ***

Termos em que se decide com fundamento no artigo 449º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, autorizar a requerida revisão.

Sem tributação.     

                                       ***

Oliveira Mendes (Relator)

Pires da Graça

Santos Cabral

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[1] - O texto que a seguir se transcreve, bem como os que mais adiante se irão transcrever, correspondem integralmente aos constantes dos autos.
[2] - Código de Processo Penal Anotado, notas ao artigo 449º.
[3] - Cf. entre muitos outros, os acórdãos de 07.01.10, 08.04.17 e 08.11.20, proferidos nos Recursos n.ºs 4087/06, 4840/07 e 1311/08.
[4] - É do seguinte teor o n.º 2 do artigo 453º do Código de Processo Penal:
«…
2. O requerente não pode indicar testemunhos que não tiverem sido ouvidos no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor».