Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5964/04.2TBSTB.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BENTO
Descritores: INVENTÁRIO
ACTAS
DOCUMENTO AUTÊNTICO
FORÇA PROBATÓRIA
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
LICITAÇÃO
ADJUDICAÇÃO
ANALOGIA
COISA COMUM
Data do Acordão: 10/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - A acta consubstancia a realização e o conteúdo de um acto presidido pelo juiz, sendo documento autêntico que faz prova plena do que nela consta (arts. 371.º do CC e 159.º, n.º 1 do CPC).
II - Nada constando da acta de conferência de interessados, em processo de inventário, quanto a uma verba deve entender-se que os interessados nada deliberaram quanto ao bem nela relacionado.
III - Sendo a verba não licitada o recheio de outra verba (imóvel) a mesma é uma coisa acessória (art. 210.º, n.º 1, do CC), com valor autónomo, desafectável da principal, mas sem a qual esta fica com a sua utilidade normal reduzida.
IV- A coisa acessória acompanha a coisa principal, de harmonia com o princípio acessorium sequitur principale.
V - Em conformidade com o referido em IV a verba não licitada deve ser adjudicada aos interessados que licitaram a verba principal, em analogia com o que se prescreve na parte final da al. d) do art. 1374.º do CPC, considerando que o n.º 2 do art. 210.º do CC – “os negócios jurídicos que têm por objecto a coisa principal não abrangem, salvo declaração em contrário, as coisas acessórias” – apenas contempla as coisas acessórias com valor autónomo, desafectável da principal, e sem as quais esta mantém a sua utilidade normal.
VI - Com efeito, relativamente à principal, a coisa pode ser acessória no valor e na utilidade.
VII - Segundo o critério do valor, as coisas acessórias podem ter, ou não, valor autónomo, desafectável da principal; segundo o critério da utilidade, as coisas acessórias podem ser, ou não, essenciais para a coisa principal manter a sua utilidade normal.
VIII - As coisas acessórias que, de acordo com o n.º 2 do art. 210 º CC, em princípio, não são abrangidas pelos negócios jurídicos sobre a coisa principal, são apenas as coisas acessórias com valor autónomo, desafectável da principal e sem as quais esta mantêm a sua utilidade normal.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

RELATÓRIO

No Tribunal de Setúbal correu termos o processo de inventário por óbito de AA, no qual desempenha o cargo de cabeça de casal BB, cônjuge sobrevivo da “de cujus” e são interessados, para além do cabeça de casal, CC e DD, em representação sucessória de descendente daqueles, pré-falecida.

Nesse inventário foram relacionados diversos bens, dos quais interessam para o caso sub júdice, os descritos sob as verbas 1ª, 2º e 8º, nestes termos:

Verba Um

Crédito a favor da herança, decorrente de um empréstimo no valor de trinta mil euros, efectuado em Janeiro de 2003 ao herdeiro CC, depositado na conta n° 00000000000 do Banco Totta & Açores, de que este é titular – 30.000,00 Euros;

Verba Dois

Crédito a favor da herança, decorrente de um empréstimo no valor de quinze mil euros, efectuado em Dezembro de 2002 a EE, depositado na conta da Caixa Geral de Depósitos de que este é titular – 15.000,00 Euros;

Verba Oito

Recheio do imóvel, descrito na verba onze, composto por mobília da sala, quarto e electrodomésticos – 500,00 Euros.

Por sua vez, esta verba 11 foi assim descrita:

Fracção autónoma designada pela letra “AB”, correspondente ao andar .... do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Av. D. ..........., n() ........, Freguesia de S. Sebastião” Concelho de Setúbal, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal com o n° 00000 a fls. 10 do livro B-95, inscrito na respectiva matriz predial sob o act. 00000000, avaliado em cem mil ouros -100.000,00 Euros

Os interessados CC e DD reclamaram, além do mais, a exclusão dos créditos descritos nas verbas nºs 1 e 2, mas tal reclamação, nessa parte, não foi atendida, não tendo sido ordenada a exclusão dos créditos que integram essas verbas.

Na conferência de interessados, estes acordaram, por unanimidade, adjudicar as verbas nºs 1 e 2 do activo a cada um dos interessados, BB, CC e DD, na proporção dos respectivos quinhões hereditários, pelos valores de € 30.000,00 e € 15.000,00 euros, respectivamente.

Não consta da acta da conferência de interessados qualquer deliberação dos interessados sobre o destino da verba nº 8 do activo.

Mas, a verba nº11 – de que a verba nº 8 constituía o recheio - foi adjudicada por acordo de todos os interessados a CC e DD

No despacho sobre a forma de operar a partilha dos bens, foi determinado, além do mais, que “o preenchimento do quinhões será efectuado de acordo com o deliberado em conferência de interessados, sendo que a verba nº 8 do Activo deverá ser adjudicada aos interessados CC eDD, nos termos do art. 1374°, b) do Código de Processo Civil

E elaborado o mapa de partilha em conformidade, foi o quinhão de cada um dos interessados CC e DD integrado, entre outros, com ½ da referida verba nº 8.

Os interessados e ora recorrentes CC e DD reclamaram da elaboração do mapa de partilha, solicitando a correcção dos cálculos designadamente relativos a tornas que tinham a receber, em virtude da verba nº 8 do activo não lhes ter sido adjudicada, devendo tal lapso ser corrigido.

Sobre esta reclamação incidiu despacho, proferido em 27/05/2010, pelo qual se indeferiu a mesma em virtude da verba nº 8 do activo ter sido por despacho de 08/07/2009 adjudicada aos interessados, ora recorrentes, o qual lhes foi notificado a 13/07/2009.

Em 30/06/2010 foi proferida a sentença homologatória da partilha constante daquele mapa.

Contra tal sentença recorreram os interessados FF e DD através de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, insurgindo-se contra a adjudicação a eles da verba nº 8 e defendendo a remessa para os meios comuns das verbas nº 1 e 2 do activo por serem créditos litigiosos ou não suficientemente provados.

Tal apelação foi julgada improcedente.

Inconformados, interpuseram – e alegaram - os recorrentes recurso que qualificaram como de revista e que, nessa espécie, foi admitido na Relação.

Distribuído neste STJ na espécie Revista, foi depois ordenada a correcção da espécie para agravo.

Seguidamente, foi proferido o despacho liminar e corridos os vistos.

Nada continua a obstar ao conhecimento do recurso.

FUNDAMENTAÇÃO


Os factos juridicamente relevantes constam do relatório que antecede.

O objecto do recurso consta delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes; daí a conveniência da transcrição da síntese conclusiva proposta por eles:

1. A verba 8 do activo não deve ser adjudicada aos ora Recorrentes, os quais não acordaram na sua adjudicação, não licitaram a mesma e - mais importante -, na conferência de interessados foi acordada a sua eliminação da relação de bens face ao seu valor reduzido, o que se constata pela mera análise da respectiva acta, tudo apontando para um manifesto lapso do Meritíssimo Juiz a quo, devendo o despacho determinativo da partilha ser repetido e corrigido em conformidade (cfr art.°s 1353, 1373, 1374 e 1375, todos do C.P.C.); Em consequência, as tornas a receber pelos Recorrentes são superiores às descritas no mapa de partilha;

2. As verbas 1 e 2 do activo devem ser considerados créditos litigiosos ou não suficientemente provados, remetendo-se os interessados para os meios comuns, porque não foi apresentada qualquer prova testemunhal, documental ou outra, tendo as mesmas sido expressamente impugnadas pelos Recorrentes, tudo no termos do disposto nos art.s 1350 e 1336, ambos do C.P.C.

3. Foram violados os art.s 1350, 1336,1344, 1352, 1353, 1373, 1374, 1375, 1379
e 1382, todos do C.P.C.

Concluem, pedindo a procedência do recurso e, em consequência,
A - Ser reformada a sentença recorrida, por forma a não adjudicar aos ora
Recorrentes a verba 8 do activo, devendo a mesma considerar-se suprimida da relação de bens e as tornas dos Recorrentes aumentadas em conformidade;
8 - Serem as verbas 1 e 2 do activo consideradas litigiosas, remetendo-se os interessados para os meios comuns, nos termos e para os efeitos do art. 1350º do C.P.C..

Não foram apresentadas contra-alegações.

Apreciando de direito, dir-se-à sumariamente:

- Quanto à verba nº 8:
Como se depreende das conclusões do recurso, a adjudicação da verba nº 8 aos recorrentes é por estes questionada já que não a licitaram, não acordaram em que ela lhes fosse adjudicada na composição dos respectivos quinhões e mais: por tal verba haver sido eliminada por acordo dos interessados na conferência de interessados, dado o seu reduzido valor (o que resultaria da acta de conferência de interessados), pelo que a adjudicação aos recorrentes representaria um lapso manifesto do Mmo Juiz.
Sendo certo que, como se alcança da referida acta, os recorrentes não licitaram tal verba nem anuíram a que a mesma lhes fosse adjudicada, também dela não consta qualquer acordo entre os interessados quanto à sua eliminação.
O teor de tal acta não foi arguido de falso nem objecto de arguição de qualquer outro vício que comprometa a sua exactidão.
Por isso, sendo documento autêntico, faz prova plena do que dela consta, ou seja, dos factos que nela se refere terem sido praticados e dos que nela são atestado com base nas percepções do juiz (art. 371º nº1 CC); com efeito, tratando-se de acto processual presidido pelo juiz, a acta consubstancia a realização e o conteúdo desse acto, documentando-o, e logo, recolhendo as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que nele ocorrerem (art. 159º nº1 CPC).
Logo, nada constando na acta relativamente à verba nº8 deve entender-se que os interessados nada deliberaram quanto a tal bem.
Entendeu o MMo Juiz adjudicá-la aos recorrentes, ordenando o preenchimento dos respectivos quinhões, louvando-se para tanto no disposto no art. 1374º-b) CPC.
Solução discutível esta, contudo, porque não houve conferência de bens sujeitos a colação nem licitações.
A verba nº 8, sendo recheio da verba nº11, constitui uma coisa acessória desta, já que, os respectivos elementos como coisas móveis, não constituem partes integrantes e estão afectadas por forma duradoura ao serviço ou ornamentação da coisa principal (art. 210º nº1 CC), sendo esta constituída pela fracção autónoma descrita na verba nº 11.
E, tendo esta verba 11 sido adjudicada por acordo dos interessados aos recorrentes, a verba nº 8 (que é o seu recheio) acompanhá-la-ia, de harmonia com o princípio acessorium sequitur principale.
Só que o nº2 deste art. 210º CC – segundo o qual, os negócios jurídicos que têm por objecto a coisa principal não abrangem, salvo declaração em contrário, as coisas acessórias – parece impedir o recurso àquele princípio.
De qualquer forma, está em causa a questão de saber qual o destino das verbas que, não constituindo objecto de colação, não foram licitadas nem objecto de acordo entre os interessados quanto à sua adjudicação.
Por outras palavras: a quem adjudicar tal verba compondo o respectivo quinhão.

Parafraseando um acórdão deste STJ, “o art.1374º do CPCivil parece não nos resolver a questão. Nem na al. a) - o bem não foi licitado, doado ou legado; nem na al. b) - não há não conferentes nem não licitantes; nem na al. d) - não se trata de um crédito.

Será caso de aplicação do disposto na al. c) - os bens restantes, se os houver, são repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais?” (cfr. Ac 25-11-2004, Cons. Pires da Rosa).
Na verdade, uma solução possível seria a aleatoriedade do sorteio (art. 1374º-c) CPC: os bens restantes – isto é, os que sobejarem dos adjudicados e licitados - serão repartidos à sorte entre os interessados, por lotes iguais (cfr. neste sentido, Carvalho Sá, Do Inventário, 4ª. Ed., p.237).

Só que, estando em causa a atribuição, não de várias, mas apenas de uma única verba (se bem que composta por mobília da sala, quarto e electrodomésticos com o valor de 500,00 Euros), impunha-se a divisão destes componentes em lotes, tanto quanto possível, iguais (e o valor de cada um deles seria ainda mais reduzido…), deferindo-se à sorte a decisão de um problema que eles não quiseram solucionar.

O que não parece curial, à luz da alínea c) do art. 1374º CC que alude a bens e não a um bem

Alem disso, se tivessem querido solucionar o problema dessa verba, teriam licitado, acordado na respectiva adjudicação ou – porque não – acordado na respectiva venda.

Outra solução possível seria a adjudicação da verba nº 8, em comum e na proporção dos quinhões, a todos os interessados; só que este expediente redunda na imposição de uma compropriedade que não colhe os favores da lei, pois não falta quem sustente que só será lícito “partilhar bens por via da adjudicação em comum de verbas aos interessados, no processo de composição de quinhões, desde que ocorra acordo dos interessados, com expressa manifestação de vontade nesse sentido, sob pena de se aceitar, a requerimento do credor ou por iniciativa do juiz, uma imposição de compropriedade que contrariaria a finalidade do processo de inventário e o regime do art. 1412º do CC” (cfr. Ac. Rel Porto de 10-01-2008, Rel. Fernando Baptista).

Não obstante esta objecção, quanto a nós, a solução do problema passa pela adjudicação aos interessados em comum da verba na proporção dos respectivos quinhões.

Com efeito, da alínea d), 2ª parte, do art. 1374º CPC, extrai-se o princípio que vai nortear a solução da questão.

Segundo tal preceito, “os bens que não tenham valor são distribuídos proporcionalmente pelos interessados”.

No confronto do valor do inventário, o valor da verba nº 8 é muito reduzido (se não se acolher a versão dos recorrentes segundo a qual tal verba não teria valor e por isso, fora acordada a sua eliminação).

Por esta via de solução - a atribuição do bem a todos os interessados em comum e na proporção das suas quotas, em analogia com o que se prescreve na parte final da al.ª d) do art.º 1374 - cumpre-se um dos fins do inventário, qual seja o de, pressupondo igualdade entre os interessados, “fazer quinhoar todos e cada um no bom e no mau" (cfr. Lopes Cardoso, ob cit, p. 627).
Sendo os interessados co-herdeiros titulares em comum dos bens da herança, na partilha desta tais bens ou foram adjudicados por acordo unânime ou licitados; os que o foram integrarão os quinhões dos respectivos interessados e constitui-los-ão devedor do eventual excesso de tornas; os bens que não forem licitados nem objecto de acordo para a composição dos quinhões serão adjudicados em comum aos interessados nas fracções correspondentes à quota-parte de cada um.
Como escreve Lopes Cardoso:
“…à face do Direito vigente, ou a coisa é licitada ou não é: ali, adjudica-se ao licitante e este constitui-se devedor do excesso, tornando-o aos preenchidos a menos; aqui, haverá que adjudicá-la em comum aos interessados, nas fracções respectivas (art. 1375º - 4, in fine)” (cfr. ob cit., p. 629).

O STJ já teve oportunidade de se pronunciar sobre esta questão quando foi chamado a decidir sobre a adjudicação de um prédio não licitado: entendeu então que este devia ser adjudicado em comum e em fracções tanto quanto possível correspondentes aos valores necessários para o preenchimento dos quinhões dos vários interessados de forma a procurar evitar o pagamento de tornas e não nas fracções correspondentes aos quinhões dos mesmos interessados (cfr. Ac 25-05-1965, BMJ 147, 242, in Lopes Cardoso, ob loc cit, p, nota 1726).
Não cremos, porém, que esta solução seja a mais conforme com o espírito do sistema; com efeito, nada legitima a conclusão de que, não tendo licitado determinado bem – porque nele não estava interessado, o herdeiro queira comparticipar na propriedade do mesmo em quota superior à que decorre do seu direito e não prefira o pagamento de tornas para igualar o seu quinhão.
Por conseguinte, a verba nº 8 preterida, porque não querida por qualquer dos herdeiros para compor o respectivo quinhão (nem houve acordo entre eles nem foi objecto de licitação…pelos vistos não a queriam “nm paga”…) – em suma, uma verba má - deve ser integrada no quinhão de cada um dos herdeiros na proporção do quinhão de cada um.
Assim, se tende a assegurar uma partilha equitativa dos bens: se nenhum dos interessados estava interessado em tal verba – de contrário tê-la-ia licitado ou acordado unanimemente na sua atribuição a qualquer dos interessados ou, então, acordado na respectiva venda – não parece justo deferir à sorte a decisão, tanto mais que, por via das solução, bem pode acontecer que o interessado a quem ela viesse a caber, atento o respectivo valor, tivesse ainda por cima e, como se tal não bastasse, que dar tornas aos demais…que assim se ficariam a rir…
Desta forma, como diz o nosso povo, “divide-se o mal pelas aldeias…”.

Para o que se imporia a reformulação do despacho determinativo da partilha em conformidade.

Mas será mesmo assim?

Atentemos na solução a que chegamos: a fracção autónoma (verba 11) foi adjudicada aos interessados CC e DD por acordo de todos os interessados enquanto o respectivo recheio (verba 8) seria, conforme a exposição antecedente, adjudicado a todos os interessados na partilha, a saber, os referidos CC e DD e ainda BB.

Ou seja: a casa era de dois, mas o recheio (entenda-se a mobília…) seria de três (um dos quais não seria comproprietário da casa…) o que, em termos de razoabilidade e de bom senso, representa uma solução, no mínimo, discutível.

Recomenda-se, por isso, uma interpretação restritiva do nº2 do art. 210º CC, porquanto “ao determinar que as coisas acessórias não seguem a principal, nos negócios que a esta respeitam, o preceito impõe que se excluam certas realidades das coisas acessórias sem o que esse regime redundaria em manifesta injustiça” (cfr. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 1983, p. 155).

Por isso, importa distinguir, de acordo com a lição do Prof. Castro Mendes, as coisas acessórias quanto à autonomia do valor e quanto à utilidade da principal; segundo aquele critério da autonomia, haveria coisas acessórias com valor autónomo, desafectável da principal e coisas acessórias, sem valor autónomo, ligadas só economicamente, à coisa principal; segundo este critério da utilidade, haveria, por um lado, coisas acessórias sem as quais a coisa principal mantém a sua utilidade normal e, por outro, coisas acessórias sem as quais a principal perde a sua utilidade normal. (cfr. Direito Civil, vol. II, p. 240-241).

O art. 210º nº2 CC só pode contemplar as realidades que cabem nos dois primeiros termos dessas distinções, ou seja, as coisas acessórias com valor autónomo, desafectável da principal e sem as quais esta mantém a sua utilidade normal.

Ora, o recheio de uma casa tem valor autónomo, diverso do da casa, é desafectável desta, mas sem ele a casa fica com a sua utilidade normal comprometida.

Sendo, no caso sub Júdice, a verba nº8 (recheio da verba nº11) composta por mobília da sala, quarto e electrodomésticos, é óbvio que, sem estes bens, a utilidade da fracção autónoma descrita na verba nº 11 fica reduzida; a funcionalidade de uma casa mobilada e equipada é superior à de uma casa vazia…

Nesta perspectiva, a solução de adjudicar aos interessados CC e DD – a quem coubera a verba nº 11 - a referida verba nº8 é de aplaudir, se bem que, com fundamento diverso do invocado no despacho determinativo de partilha.

Donde a improcedência do recurso, no que concerne ao destino da verba nº8.

- Quanto às verbas 1 e 2:
Pretendem os recorrentes que tais verbas devem ser considerados créditos litigiosos ou não suficientemente provados, remetendo-se os interessados para os meios comuns, porque não foi apresentada qualquer prova testemunhal, documental ou outra, tendo as mesmas sido expressamente impugnadas pelos Recorrentes, tudo no termos do disposto nos art.s 1350 e 1336, ambos do C.P.C.

Sobre esta questão, há caso julgado formal: suscitada a questão na fase da apresentação da relação de bens, foi decidido, por despacho de 14-07-2005, transitado em julgado, não excluir esses bens do inventário (cfr. fls 100-103).

Aliás, esta posição dos recorrentes quanto às verbas 1 e 2 não é compatível com a sua posição na conferência de interessados na qual, com o outro interessado, acordaram por unanimidade, na adjudicação dessas verbas, na proporção dos respectivos quinhões.

Nesta parte, pois, falece-lhes, por inteiro, a razão.


ACÓRDÃO

Pelo exposto, acorda-se neste STJ em negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes.


Lisboa e STJ, 13 de Outubro de 2011

Os Conselheiros


Fernando Bento (Relator)
João Trindade
Tavares de Paiva