I. RELATÓRIO
1.1. No 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, no âmbito do processo comum colectivo n.º 617/11.8JABRG, foram julgados os arguidos AA, BB, CC, DD, EE, todos identificados nos autos, para além de outro, que foi absolvido, e condenados por acórdão de 30/10/2012:
a) Arguida AA:
pela prática, em co-autoria, concurso real e forma consumada, de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1, al. a), do CP, de um crime de uso e detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), com referência ao artigo 2.º, n.º 1 als. p) e r) e artigo 3.º, n.º 1 e 6, al. c), bem como al. x) e 3.º, n.º 1 e 2, al. l), e d), com referência ao artigo 2.º, n.º 3, als. e) g) e p), ambos da Lei 5/2006 de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei 12/2011 de 27/04, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 1, al. d), do CP, e de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs. 131º e 132º, nº. 2, als. g), h) e j), do CP, nas penas de 1 ano de prisão, de 2 anos de prisão, 2 anos de prisão e de 21 anos de prisão, respectivamente.
Em cúmulo jurídico, foi a arguida condenada na pena única de 23 anos e 6 meses de prisão.
b) Arguido BB:
pela prática, em co-autoria, concurso real e forma consumada, de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1, al. a), do CP, de um crime de uso e detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), com referência ao artigo 2.º, n.º 1 als. p) e r) e artigo 3.º, n.º 1 e 6, al. c), bem como al. x) e 3.º, n.º 1 e 2, al. l), e d), com referência ao artigo 2.º, n.º 3, als. e) g) e p), ambos da Lei 5/2006 de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei 12/2011 de 27/04, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 1, al. d), do CP, e de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs. 131º e 132º, nº. 2, als. g), h) e j), do CP, nas penas de 1 ano de prisão, de 3 anos e 6 meses de prisão, 2 anos e 6 meses de prisão e de 23 anos de prisão, respectivamente.
Em cúmulo jurídico foi este arguido condenado na pena única de 25 anos de prisão.
c) Arguido CC pela prática, em co-autoria, concurso real e forma consumada, de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1, al. a), do CP, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 1, al. d), do CP, e de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs. 131º e 132º, nº. 2, als. g), h) e j), do CP, nas penas de 1 ano de prisão, de 1 ano e 8 meses de prisão, e de 19 anos de prisão, respectivamente.
Em cúmulo jurídico foi este arguido condenado na pena única de 20 anos de prisão.
d) O arguido DD pela prática, (…) em co-autoria, concurso real e forma consumada, de um crime de uso e detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d), com referência ao artigo 2.º, n.º 3 als. e), g) e p), da Lei 5/2006 de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei 12/2011 de 27/04, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº.1, al.d), do CP, e de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs. 131º e 132º, nº. 2, als. g), h) e j), do CP, nas penas de 9 meses de prisão, 2 anos e 2 meses de prisão e de 17 anos de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de 18 anos de prisão.
e) o arguido EE pela prática, em co-autoria, concurso real e forma consumada, de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1, al. a), do CP, de um crime de uso e detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, al. d), com referência ao artigo 2.º, n.º 3 al. p) da Lei 5/2006 de 23/02, com as alterações introduzidas pela Lei 12/2011 de 27/04, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 1, al. d), do CP, e de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs. 131º e 132º, nº. 2, als. g), h) e j), do CP, nas penas de 1 ano de prisão, de 3 anos de prisão, 5 anos de prisão e de 23 anos de prisão, respectivamente.
Em cúmulo jurídico, foi este arguido condenado na pena única de 25 anos de prisão.
1.2. No que diz respeito ao pedido de indemnização cível, na procedência parcial deste, os arguidos, enquanto demandados foram condenados solidariamente a pagarem o montante de € 120.000 (cento e vinte mil euros) aos demandantes, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima e pelos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes, acrescido dos juros, à taxa de 4%, desde a data da decisão até integral pagamento, e de € 2.050 (dois mil e cinquenta euros), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescido dos juros, à taxa de 4%, desde a data da notificação do pedido até integral pagamento».
2. Inconformados com o decidido, recorreram os arguidos para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão de 18/3/2013, concedeu parcial provimento aos recursos, alterando os factos dados como provados sob os n.ºs 19., 20., 23., 34., 36., 37., 38., 40, 47., 60., 61., 62. e 63. e parte dos factos dados como não provados, tudo nos termos que, no lugar respectivo serão assinalados.
No respeitante à decisão de direito, o tribunal “a quo”, alterou-a nos seguintes termos:
- Absolveu a arguida AA do crime de profanação de cadáver;
Relativamente ao crime de homicídio qualificado,
considerou que os arguidos cometeram, em co-autoria, na forma consumada, um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas g) e h), do Código Penal, assim como 86.º, n.ºs 3, 4 e 5, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei n.º 12/2011, de 27 de Abril, e, em consequência, condenou:
- a arguida AA, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão;
- o arguido BB, na pena de 22 (vinte e dois) anos de prisão;
- o arguido EE, na pena de 20 (vinte) anos de prisão;
- o arguido DD, na pena de 16 (dezasseis) anos e 3 (três) meses de prisão;
- o arguido CC, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão.
Em sede de pena única, fixou as seguintes penas:
- à arguida AA, a pena única de 20 (vinte) anos de prisão;
- ao Arguido BB, a pena única de 24 (vinte e quatro) anos de prisão;
- ao arguido EE, a pena única de 22 (vinte e dois) anos de prisão;
- ao arguido DD, a pena única de 17 (dezassete) anos de prisão;
- ao arguido CC , a pena única de 17 (dezassete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
No mais, manteve a decisão recorrida.
3. Ainda inconformados, recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça os arguidos AA , BB, EE e DD.
Das motivações de recurso extraem-se as seguintes conclusões:
A) Arguida AA :
a) - O Tribunal a quo não se pronunciou sobre os meios de prova especificados pela Recorrente.
b) - É com fundamento nas declarações por si prestadas na audiência de julgamento que a Recorrente visa abalar a relevância probatória atribuída às escutas telefónicas e, consequentemente, pretende ver alterada a matéria de facto.
c) - Impunha-se que o Tribunal a quo analisasse criticamente o teor das declarações que a Recorrente prestou durante o julgamento e se pronunciasse sobre o seu valor e relevância.
d) - O acórdão recorrido padece de nulidade, nos termos do artigo 379º nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, aplicável por remissão do artigo 425°, n° 4 do mesmo diploma, o que expressamente se invoca.
e) - A qualificação do ilícito criminal previsto no artigo 132° do Código Penal não decorre, sem mais, da verificação de alguma das circunstâncias enunciadas nas diversas alíneas do n° 2 da citada norma, sendo necessário o preenchimento do requisito geral mencionado no n° 1.
f) - A mera previsão da morte do "J" e conformação de tal possibilidade não são suficientes para atribuir especial censurabilidade e perversidade à conduta da Arguida AA.
g) - A verificação da possibilidade prevista pelos Arguidos, não estava dependente da vontade da Arguida AA, factor que deve operar a favor desta.
h) - A Recorrente deveria ter sido condenada pela prática de um homicídio simples, previsto e punido pelo artigo 131° do Código Penal.
i) - A decisão do Tribunal a quo viola o disposto nos artigos 131° e 132°, n°s 1 e 2, alíneas g) e h) do Código Penal.
j) - Nos termos do artigo 40°, nº 2 do Código Penal, a pena nunca pode ultrapassar a medida da culpa.
k) - A Recorrente agiu com dolo eventual, ou seja com o dolo que apresenta uma menor intensidade.
1) - A morte da vítima estava menos dependente da vontade da Arguida AA, uma vez que a mesma não estava munida de qualquer arma.
m) - Sendo a culpa do agente o limite da pena a aplicar e mandando o artigo 71°, n.° 2, alínea b) do Código Penal atender à intensidade do dolo, afigurar-se-ia mais adequada a fixação da pena pelo mínimo, ou seja 16 anos de prisão, pela prática do crime de homicídio qualificado.
n) - O facto de a arguida AA não ter antecedentes criminais, de manter um bom comportamento no cumprimento da medida de coacção que lhe foi aplicada e de colaborar com as autoridades ao indicar a arma que matou a vítima deveria merecer outro tipo de valoração por parte do Tribunal a quo.
o) - A arguida AA não empunhou ou usou qualquer arma e não disparou o tiro que vitimou o "J", circunstâncias que deveriam ter sido valoradas na determinação concreta da pena.
p) - Deverão ser tidos em conta os circunstancialismos previstos nas alíneas a), b) e e) do n° 2 do artigo 71° do Código Penal, reduzindo-se substancialmente a pena aplicada à Recorrente.
B) Arguido BB :
A) Não se conformando com a decisão proferida em 18/03/2013, entende o recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro na valoração da prova, designadamente na apreciação do valor probatório das declarações dos co-arguidos, que apesar de não constituírem prova proibida, devem ser submetidas a tratamento específico e retiradas do alcance do regime normal da livre apreciação de prova, violando assim o princípio da presunção de inocência e do in dúbio oro reo, constitucionalmente consagrados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 32º da CRP.
B) O Tribunal a quo, e no que concerne aos factos imputados ao arguido/recorrente BB, baseou a sua convicção única e exclusivamente nas declarações dos restantes co-arguidos AA, EE, CC e DD, já que, não existem testemunhas, nem tão pouco prova directa dos factos descritos na douta Acusação Pública.
C) Não tendo sido produzida outra prova na audiência de julgamento, relativa à intervenção do arguido/recorrente BB, para além das declarações dos demais co-arguidos, não se pode concluir de forma razoavelmente segura que aquele praticou, à excepção do crime de detenção de arma proibida, os crimes pelos quais foi condenado.
D) Na verdade, e após apreciação exaustiva das declarações proferidas pelos co-arguidos AA, EE, CC e DD - todos eles familiares – facilmente se denota a existência de várias contradições e incongruências que não podem passar despercebidas aos olhos do julgador, numa tentativa de se protegerem e desculparem mutuamente mediante a incriminação do arguido/recorrente BB.
E) Com efeito, além das declarações dos co-arguidos, a decisão de condenação do arguido/recorrente BB deveria ter sido completada e corroborada com outros meios probatórios, por forma a dissipar qualquer dessas suspeitas, bem como, fragilidade dessas mesmas declarações, o que efectivamente não aconteceu.
F) Assim sendo, o Tribunal a quo ao fundamentar a condenação do arguido BB única e exclusivamente nas declarações dos co-arguidos, sem qualquer corroboração - já que, as demais provas existentes nos autos nada dizem em relação a este ou à sua hipotética participação nos factos descritos na acusação - violou o princípio da presunção de inocência e do in dúbio pro reo, constitucionalmente consagrados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 32º da CRP.
G) Além disso, a falta de corroboração das declarações dos co-arguidos que serviram de base à condenação do arguido/recorrente BB, e cuja regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, leva a concluir que, a fundamentação do douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo é manifestamente insuficiente, e em consequência a decisão é nula, nos termos do disposto nos artigos 374º, n.ºs 2 e 379º, alínea a) do CPP.
H) Pelo exposto, e face a uma correcta apreciação do valor probatório das declarações de co-arguido, que - como vimos - devem ser submetidas a tratamento específico e retiradas do alcance do regime normal da livre apreciação de prova, o que obviamente passará pela exigência de corroboração, sob pena de falta de fundamentação, impõe-se necessariamente a absolvição do arguido/recorrente BB dos crimes de homicídio qualificado, furto qualificado e profanação de cadáver.
C) Arguido EE :
1. O acórdão recorrido padece do vício do art. 410°, n° 2 do C.P.P., pois ocorre uma discordância lógica entre a própria motivação da matéria de facto que o Douto Tribunal A QUO dá como provada.
2. Tal verifica-se ao observar a descrição do processo de formação do julgador, quando altera a redação do artigo 19° da matéria de facto dada como provada que servirá de substrato para a qualificação jurídica dos factos em apreço, mantendo o dolo do Recorrente, mas alterando de direto para eventual:
3. Quando afirma que o Recorrente admitira como possível que a morte do "J" pudesse resultar durante a execução daquele assalto, em razão do disparo de alguma das armas que os Arguidos usariam no assalto e mesmo assim, CONFORMOU-SE com tal desfecho."
4. Motivando tal conclusão, e admitindo ao mesmo tempo, que o Recorrente estaria convencido que a morte da vítima não era necessária, na medida em que ela não apresentaria queixa contra eles, e que agiria na convicção de que não seria descoberto.
5. Ora tais conclusões simultâneas e justificações são contraditórias, na medida em que quem está convicto de que a vítima terá vergonha de apresentar queixa contra si, e que por isso não será descoberto, prevê necessariamente que esta esteja com vida para apresentar queixa.
6. E o Recorrente não prevendo a morte da vítima, nem com ela se conformando, atua no plano da negligência, grosseira ou não, mas certamente não do dolo.
7. A conduta subsequente do Recorrente é compatível com a ausência de dolo.
8. O princípio Constitucional do In DUBIO PRO REO impede a conclusão pela atuação com dolo do Recorrente, face à motivação apresentada.
9. O Acórdão de que se recorre fundamentou, em massa, e não individualmente, como lhe competia, quanto à valoração da culpa do arguido
10. A pena parcelar de 20 anos de prisão pelo Homicídio, que constituiu o limite mínimo da moldura para a pena unitária de 22 anos de prisão, que veio a ser aplicada, mostram-se e claramente desajustadas, desadequadas, desproporcionais à sua culpa, e por isso, infirmadas de grande injustiça.
11. A pena parcelar de 20 anos de prisão pelo Homicídio, que constituiu o limite mínimo da moldura para a pena unitária de 22 anos de prisão, que veio a ser aplicada não teve em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agente.
12. O Tribunal A Quo valorou duplamente, como de corre da sua fundamentação, na página 186, e portanto, de forma proibitiva, a mesma circunstância agravante da al. h) do n° 2 do 131° do C.P., inflacionando a medida desta.
13. A pena aplicável ao Recorrente a título de participação em co-autoria no resultado morte da vítima deverá ser reduzida, e ter em conta a natureza da sua culpa, que só deverá relevar a título de negligência.
14. O Recorrente não carrega o desvalor intenso de ter sido o executor da morte da vítima.
15. Está dado como provado que o Recorrente vivia do seu trabalho e já contava vários anos de experiência profissional, conforme os pontos 72 a 81 da matéria de facto dada como provada.
16. Na construção da pena parcelar e da pena unitária deverão valorizar-se o comportamento processual do recorrente, designadamente a sua confissão, e participação no inquérito, que ajudou à obtenção de meios de prova usados em audiência de julgamento, e também, quanto à suas condições pessoais, a sua idade jovem, o seu passado difícil, a exposição pelos próprios pais a negligência, violência e modelos antissociais, a sua personalidade vulnerável, a sua inserção numa relação estável, os seus hábitos de trabalho e auto-subsistência, e assim, deverá ser aplicada pena mais próxima do limite mínimo da moldura que lhes couber.
17. Violou, pois, o acórdão recorrido os arts 40, 70 e 71 arts° 1 e 2 als. a), b), c), d) e e) do C. Penal.
D) O arguido DD:
1. O Recorrente, foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 17 anos de prisão.
2. Não pode o Recorrente conformar-se com tal, decisão.
3. O Recorrente não se conforma com a aplicação in casu da agravação prevista no n° 3 do artº 86 da lei 5/2006, na sua redacção actual, no que respeita ao crime de homicídio.
4. A agravação não pode ser aplicada, uma vez que se trata de um regime geral e existe um outro regime especialmente previsto (art° 132 do CP) para a agravação do crime de homicídio.
5. A lei prevê um regime especial de agravação no crime de homicídio, entre outras, quando aquele tenha sido cometido por meio especialmente perigoso.
6. Daí que a norma geral (constante do n° 3 do artº 86 da lei 5/2006) tenha sempre de ceder face ao regime especial previsto pelo C. P.
7. O argumento de que se afastou quanto à utilização da arma a qualificação do artº 132 do C.P., por considerar que tal facto não era integrador da cláusula de especial censurabilidade concretizada na al. h) do n° 2 do artº 132, não pode fazer recuperar o regime geral previsto apenas para os crimes relativamente aos quais a lei não pretendeu um regime especial de punição.
8. Por tudo isto, entende o Recorrente que in casu não pode ser aplicado n° 3 do artº 86° da lei 5/2006.
9. Pelo que não decidiu correctamente o Tribunal a quo ao aplicar ao Recorrente a agravação aqui prevista, devendo ser revogada a decisão.
10. A aplicação da presente qualificação jurídica representa uma alteração, pelo menos, não substancial, a qual foi aplicada sem que ao Recorrente tivesse sida dada a possibilidade de sobre ela se pronunciar, pelo que é nulo o acórdão nesta parte.
11. Retirada a agravação supra referida sempre deveria ser aplicado ao Recorrente independentemente do que infra se dirá - uma pena -quanto ao crime de homicídio - muito próximo do limite mínimo previsto no artº 132° do CP, atento os critérios previstos no art 71° do CP.
12. Não se pode conformar o Recorrente com a inaplicabilidade ao seu caso do regime especial para jovens.
13. O regime especial para jovens não está pela lei afastado de aplicabilidade a crimes mais graves.
14. Na verificação da aplicabilidade do regime para jovens deverá o Tribunal ponderar as vantagens para a reinserção social do arguido.
15. A regra prevista no artº 4º deste diploma é a atenuação e a não atenuação a excepção.
16. Subjacente está a ideia de que, tendo em conta a idade do arguido, este beneficiaria sempre da atenuação em termos de reinserção social
17. Os elementos típicos do crime e o seu preenchimento não são suficientes para afastar a aplicabilidade in casu do regime jovem, devendo ponderar-se os elementos exemplificadores da sua reinserção.
18. Resulta provado quanto às condições pessoais do Recorrente, os factos constantes dos pontos 104 a 123 e destes resulta, nomeadamente, que o Recorrente, está socialmente inserido, tem apoio familiar, trabalhava a quando da ocorrência dos factos e sempre trabalhou mesmo enquanto era estudante, sempre demonstrou um percurso alheio à pratica de crimes (obviamente com excepção do crime de condução sem carta, sendo que neste o bem jurídico protegido não é o mesmo ora violado), no meio comunitário é positivamente referenciado, enquanto submetido à obrigação de permanência da habitação cumpriu sempre este regime sem qualquer incidente.
19. O Recorrente confessou os crimes de furto e detenção de arma;
20. Foi condenado pelo crime de homicídio, como co-autor com dolo eventual.
21. Independentemente do regime jovem, sempre será aplicado ao Recorrente uma pena elevada que será suficiente para que este tenha a real dimensão da ilicitude da sua conduta e culpa e suficiente para realizar de uma forma adequada as finalidades da punição, não afectando, de forma alguma, as exigências de prevenção de futuros crimes.
22. Não havendo, assim, qualquer prejuízo para a prevenção da criminalidade a aplicação deste regime jovem ao Recorrente.
23. Tal como tem decidido o Venerando Supremo Tribunal "...são dois os requisitos para a atenuação especial da pena ao abrigo do regime, no caso de ser aplicável pena de prisão. Um de natureza formal: ter o agente entre 16 e 21 anos de idade à data dos factos; outro material: haver razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção do condenado.
Este segundo requisito é de natureza diferente, e mais flexível, do que o previsto no art. 72°, n° 1 do Código Penal (CP), que impõe, como condição da atenuação especial, uma diminuição acentuada da ilicitude, ou da culpa, ou da necessidade da pena. Ou seja, para a aplicação da atenuação especial da pena ao abrigo do art. 4.º do DL n° 401/82 basta que se apure que essa atenuação favorece a ressocialização do agente, haja ou não diminuição da ilicitude ou da culpa. Este preceito estabelece, pois, um regime específico de atenuação especial, restrito aos jovens condenados, segundo o qual, as razões da ressocialização prevalecem sobre as razões dos demais fins das penas.".
24. Deve, pois, ser aplicado ao Recorrente o regime previsto no DL 401/82.
25. Tudo apreciado e, atento também os critérios de determinação da pena, deve a pena a aplicar ao Recorrente ser substancialmente reduzida.
Assim,
26. ao decidir em sentido diverso, o douto acórdão desrespeitou, nomeadamente, os art° 86, n° 3 da Lei 5/2006, o art° 4 do DL 401/82.
4. Respondeu o Ministério Público junto do tribunal “a quo”, especificadamente a cada um dos recursos, concluindo em todos eles que o acórdão recorrido não merece censura, devendo manter-se o decidido.
5. Neste Tribunal, o Ministério Público emitiu parecer, tendo concluído:
- pela rejeição dos recursos «nos segmentos em que os recorrentes convocam a reapreciação de questões que se prendem com a pretensão de reexame de matéria de facto”: vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP, violação dos princípios do in dúbio pro reo e da presunção de inocência, e da nulidade da decisão por omissão de pronúncia;
- pela confirmação do decidido quanto ao mais.
6. Notificados deste parecer vieram responder os arguidos BB, que objectou serem as questões colocadas do âmbito da matéria de direito, nomeadamente a questão do valor probatório das declarações de co-arguido, e AA, que se limitou a reafirmar o que havia dito na motivação.
7. Colhidos os vistos em simultâneo, o processo foi presente à conferência para decisão, não tendo sido requerida a audiência de julgamento.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
8. Matéria apurada nas instâncias
8.1. Factos dados como provados:
1.A Arguida AA, doravante designada somente por AA, pelo menos desde o início do ano de 2011 que vivia em união de facto com o Arguido BB, doravante designado por BB e, pelo menos desde Julho desse ano, que residiam na Rua .... ---
2. Pelo menos nos meses de Agosto e Setembro daquele ano de 2011 viviam igualmente com aqueles Arguidos, a filha da AA, A..., e o companheiro desta, o Arguido CC. ---
3. O Arguido EE, doravante designado apenas por EE, pelo menos no período temporal referido em 2., residia com GG na Rua .... ---
4. O Arguido DD é primo do Arguido EE e residia, no período temporal supra referido, na Rua .... ---
5. O Arguido HH é tio paterno do Arguido EE e tio materno do Arguido DD. ---
6. Pelo menos nos meses de Agosto e Setembro de 2011, os Arguidos supra mencionados eram, respectivamente, utilizadores dos seguintes números de telemóvel: a Arguida AA, do número ...; o Arguido BB do número ...; o Arguido EE do número ..., a sua companheira GG, do número ... e, por fim, o Arguido DD do número .... ---
7. Todos os Arguidos supra mencionados continuaram a usar os telemóveis supra referidos pelo menos até ao dia 15 de Dezembro do ano de 2011, com excepção da Arguida AA, a qual, a partir de Outubro de 2011, introduziu no seu aparelho de telemóvel o cartão de acesso da operadora de telemóveis Optimus ..., comunicando, telefonicamente, a partir dessa data, com esse número de telemóvel. ---
8. A Arguida AA, em data não concretamente apurada, mas seguramente no início do mês de Agosto de 2011, travou conhecimento com o Ofendido II, nascido no dia 21 de Novembro de 1942, conhecido comummente por “J”. ---
9. O “J” era casado com JJ e residia no Lugar .... ---
10. Apesar de reformado há vários anos, exercia no rés-do-chão da sua habitação e em alguns espaços contíguos àquela, actividade comercial, explorando um café de que era proprietário, conhecido por o “Café do J”. ---
11. O mesmo tinha uma vida desafogada, sendo proprietário de três veículos automóveis, dois dos quais da marca Mercedes. ---
12. Apesar dos seus já 68 anos de idade, o “J” era um indivíduo activo e de considerável robustez física. ---
13. Era pessoa que se vestia bem e conhecido por, no dia a dia, ser sempre portador de várias peças em ouro, nomeadamente, dois anéis, uma pulseira, um fio com uma cruz pendente bem como um relógio da marca “Omega” com bracelete e caixa em ouro assim como de, habitualmente, ter consigo, considerável quantia em dinheiro, entre 250 a 500 Euros, que normalmente dividia por duas carteiras.
14. Desde há muitos anos que o “J” mantinha relacionamentos amorosos extraconjugais com mulheres de várias idades. ---
15. O relacionamento entre o “J” e a AA foi-se desenvolvendo através de contactos por telemóvel tendo ambos acordado que, quando a AA quisesse falar com o “J” lhe enviaria, para o seu número de telemóvel ... e a partir do seu próprio telefone (designadamente, o mencionado ...), toques para que o mesmo, de seguida, efectuasse a chamada telefónica para aquela, o que efectivamente sucedeu, por diversas vezes, no período temporal de Agosto e parte do mês de Setembro de 2011. ---
16. Existe um pequeno descampado, muitas vezes usado para a prática de relações sexuais fortuitas, sito numa bouça/eucaliptal localizada no Lugar da Gesteira, contígua ao Lugar de Bustelo, da área da freguesia de Palme, Barcelos, próximo da localidade de Forjães, Esposende, que fica a cerca de 70 (setenta) metros do caminho florestal principal e a cerca de 400 (quatrocentos) metros da Estrada Nacional 103 (Barcelos/Viana do Castelo), sendo conhecido quer pelo “J” quer pela AA. ---
17. Era do conhecimento geral, e também dos Arguidos, que o “J” habitualmente trazia consigo os já referidos objectos em ouro e quantias monetárias. ---
18. Em data não concretamente apurada, mas seguramente antes do dia 19 do mês de Setembro de 2011, a Arguida AA e os Arguidos BB, EE, DD e CC, engendraram um plano por forma a montar uma armadilha que lhes permitisse apoderarem-se dos já referidos bens e das quantias monetárias que o “J“ transportava consigo. ---
19. Aquando daquele plano, os Arguidos AA, BB, EE, DD e CC admitiram como possível que a morte do “J” pudesse resultar durante a execução daquele assalto, em razão do disparo de alguma das armas que os Arguidos usariam no assalto, e, mesmo assim, conformaram-se com tal desfecho. Alterado pela Relação.
A redacção anterior era a seguinte: 19. Simultaneamente, os arguidos formularam o propósito de, na concretização daquele, tirar a vida ao “J”, por forma a que este não os denunciasse em momento posterior.
20. Assim predispostos, os Arguidos decidiram levar a cabo tal plano, que delinearam em data não concretamente apurada mas antes de 19 de Setembro de 2011, com distribuição de funções e tarefas para cada um deles, --- Alterado pela Relação.
A redacção anterior era a seguinte: 20. Assim determinados, com propósito e motivação comum, os arguidos decidiram levar a cabo o tal plano, que delinearam em data não concretamente apurada mas antes de 19 de Setembro de 2011, com distribuição de funções e tarefas para cada um deles.
21. Em concretização do mesmo, no dia 18 de Setembro de 2011, pelas 19h33 e, em conluio com os demais Arguidos, a Arguida AA, por via do seu telemóvel número ... enviou um toque de chamada para o “J” tendo o mesmo, de seguida, a partir do seu número de telemóvel ..., telefonado àquela a qual, no decurso da conversa encetada, marcou com o II, para o dia seguinte, entre as 11 h 30 m e as 12 horas, um encontro de cariz sexual o qual teria lugar no descampado ou na clareira já referida. ---
22. Assim, na manhã do dia 19 de Setembro de 2011, na execução do mencionado plano, o Arguido EE, tripulando o veículo automóvel da marca Fiat, modelo Punto, de cor branca, matrícula ...-DB-..., pertença da sua companheira GG, foi buscar a sua casa, sita em ..., o seu primo, o Arguido DD e, de seguida, à casa destes, a sua mãe, AA, o Arguido BB e o Arguido CC. ---
23. Dirigiram-se, então, todos os supra mencionados Arguidos e no veículo automóvel acima identificado para o local marcado para o encontro entre a AA e o “J”, sendo que o EE se fazia acompanhar de uma arma caçadeira, cuja apreensão não se revelou no entanto possível, e diversos cartuchos para a referida arma, o BB com uma arma caçadeira, de calibre 12, com coronha em madeira, de dois canos sobrepostos, da marca “Verney - Carron - Saint Étienne”, com o número de série S 27 153, melhor examinada a fls. 1378 a 1381 e 1474 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido, e diversos cartuchos para a referida arma, e o Arguido DD, munido de uma pistola que não se logrou apreender nos autos, bem como com munições compatíveis com o mesmo. --- Alterado pela Relação. Onde se lê pistola estava antes revólver.
24. Por sua vez, o Ofendido “J” fez-se transportar no seu veículo automóvel da marca Mercedes, modelo 200 CDI, de matrícula ...-ZX de cor bege. ---
25. Nesse dia, o Ofendido transportava consigo os bens já referidos, além de, pelo menos € 250 (duzentos e cinquenta euros), que se encontravam numa carteira num dos bolsos da sua roupa. ---
26. Uma vez chegados os Arguidos a zona próxima do pequeno descampado, seriam então cerca das 11 h 00m, o Arguido EE estacionou a viatura ...-DB-... num caminho em terra batida ali existente, junto da estrada que liga a estrada que vai para Bustelo à estrada de Palme, em Barcelos e em local não visível para quem entrasse para o local de encontro sito na bouça/eucaliptal. ---
27. Munidos os Arguidos EE, BB e DD, com as armas e munições que haviam trazido consigo, aquelas devidamente municiadas, dirigiram-se, subindo, juntamente com a AA, por bouça dentro para zona próxima do encontro, onde se esconderam, permanecendo a AA a meio do caminho e, portanto, visível para quem entrasse no dito caminho. ---
28. Na circunstância e porque assim haviam decidido, o Arguido CC permaneceu junto do veículo automóvel matrícula ...-DB-..., de vigia e alerta para a chegada de estranhos ao local. ---
29. Nessa manhã, do dia 19 de Setembro de 2011 e, respectivamente, pelas 11 h 26m e 11h 49m, o Ofendido “J”, por via do seu número de telemóvel ... ligou à Arguida AA, para o número ... confirmando o encontro de cariz sexual no local marcado para o efeito. --
30. Porque o Ofendido “J” estivesse atrasado, pelas 12h01m, a Arguida AA, a partir do seu número de telemóvel ..., ligou para o II, para o telemóvel número ... tendo este confirmado o encontro. ---
31. No momento em que o “J” se dirigia conduzindo o seu veículo automóvel para a zona do descampado, a Arguida AA aguardava pelo mesmo na estrada em terra batida tendo aquele, entre as 12 h 02 e as 12 h 15m, estacionado a sua viatura. ---
32. Seguidamente, o J saiu do seu veículo ao mesmo tempo que a Arguida percorria o trajecto a pé, indo ao seu encontro. ---
33. Logo após, quando o "J" se encontrava a aguardar que a Arguida AA chegasse junto dele, foi surpreendido pelos Arguidos EE, BB e DD que empunhavam as armas na sua direcção, apontando-lhas. ---
34. Após uma breve troca de palavras, quando o Ofendido se encontrava a cerca de um metro / um metro e meio dos referidos Arguidos, depois daquele se ter virado de costas em direcção ao seu carro, o BB, que empunhava a caçadeira, municiada, apontou a mesma em direcção das costas do Ofendido e disparou um tiro que o atingiu nas costas, provocando-lhe a queda imediata no solo. --- Alterado pela Relação.
A redacção anterior era a seguinte: 34. Após uma breve troca de palavras e quando o ofendido se encontrava a cerca de um metro/um metro e meio dos referidos arguidos, o BB, que empunhava a caçadeira, municiada, apontou a mesma na direcção das costas do ofendido e disparou um tiro que o atingiu nas costas provocando-lhe a queda imediata no solo.
35. Em consequência, II veio a falecer. ---
36. Após, os Arguidos BB e AA retiraram ao “J” e levaram consigo os dois anéis, um fio em ouro com uma cruz pendente em ouro, um relógio em ouro com bracelete igualmente em ouro, o telemóvel onde estava inserido o cartão de acesso da operadora TMN n.º ... associado ao IMEI n.º ... (quatro) conjuntos de chaves e a chave do carro do Ofendido ...-ZX. --- Alterado pela Relação.
A redacção anterior era a seguinte: 36. Após, os arguidos BB, AA, EE e DD levaram consigo os dois anéis, um fio em ouro com uma cruz pendente em ouro, um relógio em ouro com bracelete igualmente em ouro, o telemóvel onde estava inserido o cartão de acesso da operadora TMN n.º ... associado ao IMEI n.º ..., 4 (quatro) conjuntos de chaves e a chave do carro do ofendido ...-ZX.
37. Nessa ocasião, um daqueles Arguidos retirou uma carteira do “J”, a qual continha pelo menos 250 euros, levando-a consigo. --- Alterado pela Relação.
A redacção anterior era a seguinte: 37. Nessa ocasião, um dos arguidos, cuja identidade em concreto não se logrou apurar, retirou a carteira do bolso das calças do ofendido a qual continha pelo menos 250 euros, levando-a consigo.
38. Seguidamente, abandonando o corpo inanimado do Ofendido e o veículo automóvel ...-ZX no local supra referido, os Arguidos BB e AA dirigiram-se para a viatura ...-DB-..., onde já se encontravam os Arguidos DD, CC e EE , tendo este conduzido tal viatura até sua casa, sita na Rua ..., onde os Arguidos BB, EE, DD e CC Miguel, em conjugação de esforços e vontades, amassaram as peças de ouro retiradas ao “J” por forma a torná-las não identificáveis, tendo ainda destruído o telemóvel daquele. Alterado pela Relação.
A redacção anterior era a seguinte: 38. Seguidamente, abandonando o corpo inanimado do ofendido e o veículo automóvel ...-ZX no local supra referido, os arguidos dirigiram-se para a viatura ...-DB-..., tendo o EE conduzido até sua casa, sita na Rua ..., onde os arguidos, em conjugação de esforços e vontades, amassaram as peças de ouro retiradas ao “J” por forma a torná-las não identificáveis, tendo ainda destruído o telemóvel daquele.
---
39. Ainda nesse dia, em hora anterior às duas da tarde e, posteriormente alguns minutos mais tarde e depois ainda por volta das 20 horas, o Arguido EE contactou com a testemunha LL para o número de telemóvel deste, ... a quem manifestou vontade de vender ouro o que veio a fazer, ainda nesse dia, juntamente com os Arguidos BB, DD e CC, na loja daquele, sita na Avenida ..., tendo recebido pela venda do mesmo a quantia global de € 1800 (mil e oitocentos euros), quantia que foi dividida entre os referidos Arguidos e cabendo a cada um a importância de € 450 (quatrocentos e cinquenta euros). ---
40. Posteriormente, em data e hora não concretamente apuradas mas situadas entre o dia 19 de Setembro e o dia 22 de Setembro de 2011, os Arguidos BB, EE e CC, com a finalidade de não serem descobertos pelas autoridades decidiram esconder o cadáver de II, decidindo-se da forma como iriam proceder. --- Alterado pela Relação.
A redacção anterior era a seguinte: 40. Posteriormente, em data e hora não concretamente apuradas mas situadas entre o dia 19 de Setembro e o dia 22 de Setembro de 2011, os arguidos AA, BB, EE e CC, com a finalidade de não serem descobertos pelas autoridades decidiram esconder o cadáver de II, decidindo-se da forma como iriam proceder.
41. Assim motivados e comungando, de novo, esforços, em dia não determinado, mas sempre dentro do referido lapso temporal, já de noite, os Arguidos BB, EE e CC, dirigiram-se na carrinha “Renault” modelo “Trafic”, matrícula ...-CZ, registada em nome da Arguida AA, ao local onde haviam deixado o cadáver do Ofendido “J” e, em conjugação de esforços e vontades, colocaram o mesmo na zona de carga da aludida carrinha. ---
42. Acto contínuo, os mesmos Arguidos, transportando o cadáver de II, dirigiram-se para junto de uma lagoa formada após sucessiva extracção de caulinos, conhecida por “Mina da Guelha”, sita na Rua de Alvarães, na freguesia de Alvarães, Viana do Castelo, pertença da firma denominada “M...”. ---
43. Pelo menos à data dos factos acima mencionados, a referida lagoa, em forma circular possuía cerca de 100 (cem) metros de diâmetro, tinha uma profundidade variável mas sempre superior a 2 a 3 (dois a três) metros e encontrava-se delimitada por uma vedação de malha sol com cerca de 2 (dois) metros de altura, sustida por vigas de cimento próprias para a construção civil, em forma de “T” e com cerca de 2, 5 m (dois metros e meio) de alto, equidistantes 4 a 5 (quatro a cinco) metros. ---
44. Junto da referida lagoa, os já referidos Arguidos, em comunhão de esforços, retiraram uma das vigas em cimento supra descritas a qual se encontrava num dos pontos mais altos da escarpa da lagoa (cerca de 10 metros) pegaram no cadáver de II e, com recurso a uma corda que se encontrava no interior da carrinha, pertença do BB, ataram o mesmo, pela cintura e com vários nós à viga de cimento referida, levantaram a rede de malha sol, lançando de seguida, o cadáver e a viga acoplada para o interior da lagoa. ---
45. Na sequência, o corpo do falecido caiu num socalco, primeiro patamar da escarpa tendo os Arguidos ido até aquele local e lançado novamente o cadáver para a lagoa e porque o corpo veio novamente a cair num segundo patamar ali existente, novamente os mesmos Arguidos encetaram diligências com vista ao lançamento do corpo para a lagoa, o que conseguiram mas atenta a largura do segundo socalco e o peso, quer do corpo, quer da viga, o cadáver ficou junto à margem da lagoa, a viga de forma oblíqua e o corpo, ambos submersos. ---
46. Imediatamente a seguir dirigiram-se aqueles Arguidos para a casa do Arguido BB, sita na Rua .... ---
47. Uma vez nesse local, os Arguidos BB e CC, com a finalidade de removeram todos e quaisquer vestígios eventualmente ali deixados pelo cadáver do Ofendido “J”, colocaram ao lixo sacos de plástico, próprios para guardar o lixo, que haviam colocado por baixo do corpo quando foi transportado na aludida viatura e limparam com água e lixívia a zona de carga da carrinha, tendo a Arguida AA igualmente lavado com água aquela zona. --- Alterado pela Relação.
A redacção anterior era a seguinte: 47. Uma vez nesse local, os arguidos BB e CC, juntamente com a arguida AA e com a finalidade de removeram todos e quaisquer vestígios eventualmente ali deixados pelo cadáver do ofendido “J”, com baldes de água e lixívia limparam a zona de carga da carrinha e colocaram ao lixo sacos de plástico, próprios para guardar o lixo que haviam colocado por baixo do corpo quando foi transportado na aludida viatura.
48. De seguida ainda o Arguido BB guardou a arma com a qual havia morto o Ofendido debaixo do colchão da sua cama, no quarto de casal da sua casa, sita na Rua .... ---
49. Por razões alheias à vontade dos Arguidos, no dia 26 de Setembro de 2011, pelas 16 horas o corpo do falecido “J” veio a ser encontrado a boiar na lagoa para onde havia sido lançado e ainda agarrado à viga de cimento que se encontrava naquele lugar numa posição oblíqua. ---
50. O tiro disparado pelo Arguido BB causou de forma directa e necessária a II as lesões descritas no relatório de autópsia junto aos autos a fls. 673 a 684, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente: “a morte do II foi devida a lesões traumáticas raquimedulares e torácicas atrás descritas. Estas resultaram de violento traumatismo, de natureza perfuro-contundente, ou como tal actuando, tal como pode ter sido devido à acção de um disparo de projéctil de arma de fogo de cano comprido – caçadeira, cujo trajecto no tórax se pode descrever como sendo de trás para a frente, a distância intermédia”. “As características das lesões traumáticas, nomeadamente a sua localização, …, indica a necessidade de intervenção de terceiros, harmonizando-se com o diagnóstico médico-legal de homicídio”. ---
51. No dia 13 de Dezembro de 2011, entre as 07h10m e 08h50m, e após busca domiciliária à residência dos Arguidos AA e BB, sita na Rua ... foram encontrados e apreendidos os seguintes objectos pertença dos Arguidos supra descritos: ---
1. Na dispensa, em cima do frigorífico: ---
a) 4 (quatro) caixas de munições de calibre.22, da marca “Vostok Target”, contendo um total de 199 (cento e noventa e nove) munições intactas, melhor descritas no exame de fls. 2396 e 2397 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
b) 1 (uma) caixa de cartuchos de caça de calibre 12, da marca “Polvichumbo”, com 25 (vinte e cinco) cartuchos intactos, melhor descritos no exame de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
c) 1 (uma) arma de ar comprimido, com a configuração de carabina, da marca “Cometa”, com o número de série 118077, transformada/adaptada para disparar cartuchos de caça de calibre 9 mm, melhor descrita no exame pericial de fls. 2470 a 2473, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
2. No guarda-fatos do quarto dos buscados: ---
d) 27 (vinte e sete) munições de calibre.22 intactas, da marca visível, acondicionadas numa caixa plástica, melhor descritas no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido; ---
e) 5 (cinco) munições de calibre.32 intactas, da marca “H&R MAG”, melhor descritas no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido; ---
f) 12 (doze) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, acondicionados numa caixa plástica com a inscrição “Casa Coelho”, melhor descritas no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido; ---
g) – 19 (dezanove) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, introduzidos numa cartucheira em forma de cinto, melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
3. Na cómoda existente no quarto dos buscados e na primeira gaveta: ---
h) – 4 (Quatro) conjuntos com chaves sendo que dois eram porta-chaves (um porta-chaves com o símbolo da “Mercedes” e três chaves; um porta-chaves do “Santuário de Fátima” e seis chaves; um conjunto com argola e 8 chaves; Um conjunto com argola e 3 chaves) que se apuraram serem pertença do falecido “J”. ---
4. Na cozinha, no armário por cima do exaustor: ---
i) 2 (dois) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
5. Na garagem: ---
j) 91 (noventa e um) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, da marca “Sellier & Bellot” – melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
k) 10 (dez) cartuchos de caça de calibre 12 intactos, da marca “Municar” , melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
l) 13 (treze) cartuchos de caça de diversas marcas intactos, acondicionados numa caixa em plástico de cor branca melhor descritos no exame pericial de fls. 2396 e 2397, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
56. No dia 14 de Dezembro de 2011, entre as 16 h 10m e as 16h 20m, após busca domiciliária à residência da Arguida AA e BB, sita na Rua ... veio ainda a ser apreendida a arma descrita supra referida como sendo a usada pelo Arguido BB nos factos até agora referidos. ---
57. No referido dia 13 de Dezembro de 2011, entre as 07h15m e as 08 h00, após busca domiciliária (devidamente ordenada) à residência do Arguido EE e da companheira GG, sita na Rua ... foram encontrados e apreendidos os seguintes objectos pertença do Arguido EE: ---
1. No armário da cozinha: ---
a) 100 (cem) munições de calibre.22 intactas, acondicionadas em duas caixas em cartão com os dizeres “Vostok Target”, melhor descritas no exame directo de fls. 830, o qual se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
58. Também nesse dia 13 de Dezembro de 2011, entre as 07h45m e as 09h30m, após busca domiciliária à residência do Arguido DD sita na Rua ... foram encontrados, os seguintes objectos pertença daquele: ---
1. Numa gaveta do móvel da sala: ---
a) – 1 (um) exemplar do “Jornal de Notícias”, com uma notícia relacionada com a morte de II, melhor descrito no exame directo de fls. 842; ---
2. No quarto do Arguido DD e escondidas no interior de uma jarra colocada em cima da cómoda: ---
b) 93 (noventa e três) munições de calibre.22 intactas, por deflagrar, da marca “Vostok Target”, 50 numa caixa em papel e 43 numa outra, melhor descritas no exame directo a fls. 842 e 2527 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido; ---
c) 11 (onze) munições de calibre 9 mm intactas, intactas, por deflagrar melhor descritas no exame directo a fls. 2527, que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido; ---
d) 5 (cinco) cartuchos de calibre 12 intactos, intactas, por deflagrar, melhor descritas no exame directo a fls. 842 e 2527 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido. ---
59. Ao actuarem da forma supra descrita, em conjugação de esforços e de intentos e com distribuição de tarefas, os Arguidos AA, BB, EE, DD e CC quiseram apoderar-se dos objectos e dinheiro que o Ofendido "J" trouxesse consigo no dia 19 de Setembro de 2011, como efectivamente sucedeu, e integrá-los no seu património, não obstante saberem que os mesmos lhes não pertenciam, nem a eles tinham direito, e que agiam contra a vontade do seu legítimo proprietário. ---
60. Ao disparar contra a costas do “J” a espingarda caçadeira que dispunha e que empunhava, o Arguido BB pretendeu tirar a vida àquele, conforme efectivamente sucedeu, animado com total indiferença pela vida humana e sem qualquer motivo atendível para o fazer, que não fosse apoderar-se das quantias e valores que o “J” tivesse consigo, --- Alterado pela Relação.
A redacção anterior era a seguinte: 60. Quiseram, ainda, fazendo uso para o efeito das armas de fogo de que dispunham e que empunhavam, tirar a vida ao “J”, como efectivamente sucedeu, designadamente pelo tiro disparado pela espingarda caçadeira empunhada pelo arguido BB e desferido nas costas daquele.
61. Os Arguidos AA, BB, EE, DD e CC sabiam que uma arma de fogo, designadamente uma caçadeira, disparada a 1 metro ou metro e meio, era meio apto ou idóneo a tirar a vida a um ser humano, --- Alterado pela Relação.
A redacção anterior era: 61. Sabiam, ainda, que uma arma de fogo, designadamente uma caçadeira, e disparada a 1 metro ou metro e meio, era meio apto ou idóneo a tirar a vida a um ser humano.
62. Os Arguidos AA, EE, DD e CC agiram da forma descrita animados pelo plano indicado em 18. e predispostos nos termos referidos em 19., --- Alterado pela Relação.
A redacção anterior era: 62. Os arguidos persistiram nestes seus propósitos e vontade com total indiferença pela vida humana e sem qualquer motivo atendível para o fazer, que não fosse apoderar-se das quantias e valores que o “J” tivesse consigo.
63. Mais sabiam os Arguidos BB, EE e CC que, ao actuaram da forma supra descrita procuravam ocultar o cadáver do Ofendido “J”, para que o mesmo não fosse descoberto, ou que, caso o mesmo fosse descoberto meses ou anos depois, os restos cadavéricos não fossem identificados. --- Alterado pela Relação.
A redacção anterior era: 63. Mais sabiam os arguidos AA, BB, EE e CC que, ao actuaram da forma supra descrita procuravam ocultar o cadáver do ofendido “J”, para que o mesmo não fosse descoberto, ou que, caso o mesmo fosse descoberto meses ou anos depois, os restos cadavéricos não fossem identificados.
64. Sabiam ainda os Arguidos cujas munições e armas lhe foram apreendidas nos autos e melhor descritas supra que os mesmos não se encontravam habilitados a tê-las na sua posse, tendo os mesmos perfeito conhecimento da natureza e características das armas e munições em questão.
65. Todos os Arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente. ---
66. Mais sabiam os Arguidos, com excepção do HH, serem todos os seus comportamentos proibidos e penalmente proibidos por lei penal. ---
b) Das condições pessoais dos Arguidos ---
Do Arguido EE ---
67. Durante a infância e pré-adolescência o Arguido EE esteve exposto a um contexto de vida e a um modelo familiar desequilibrado, no qual foi alvo de comportamentos de negligência parental. ---
68. O seu agregado de origem era constituído pelos pais e seis irmãos, de frágeis recursos sócio-económicos, com uma dinâmica relacional e afectiva negativamente condicionada pela separação dos progenitores. ---
69. Tal dinâmica era ainda potenciada por comportamentos agressivos do pai e estilo de vida adoptado pela progenitora, associada à prática da prostituição, o que acabou por originar a institucionalização das irmãs, a entrega de outros irmãos a familiares, tendo ele e o irmão mais velho ficado a cargo do pai, apesar das frequentes fugas para casa da mãe. ---
70. O pai trabalhou numa fábrica de peles e, posteriormente, exerceu a profissão de carpinteiro, e a mãe, posteriormente, passou a trabalhar como ajudante de cozinha num restaurante.
71. A trajectória escolar do Arguido foi tipificada por elevado absentismo e por comportamentos desajustados, de indisciplina (agressividade, violência para com terceiros e pequenos furtos) quer no espaço familiar, quer no espaço escolar. ---
72. Concluiu o 6° ano de escolaridade. ---
73. Iniciou a sua vida profissional a trabalhar com o pai, e posteriormente, na companhia de outros jovens, foi trabalhar para Barcelona, como ferrageiro, onde permaneceu vários anos. ---
74. Regressou a Portugal em 2007, na sequência de um envolvimento afectivo com uma jovem portuguesa, com quem viveu em união de facto num apartamento por ele arrendado, que partilhavam com o pai e irmão dela, inactivos profissionalmente. ---
75. Nesta altura começa a registar embates com o sistema judicial. ---
76. Não obstante, a sua conduta e o estilo de vida dos últimos anos não se alteraram. ---
77. Da referida relação afectiva tem um filho, seu segundo filho (sendo o primeiro de uma anterior relação fortuita), com o qual não convive actualmente, por decisão do Tribunal. ---
78. Realizou trabalhos de curta duração na construção civil em Espanha, o que o levou a integrar o agregado da tia paterna, em Darque, Viana do Castelo, por vantagem da proximidade da residência ao local da obra. ---
79. Em Abril de 2010 colectou-se nas Finanças como prestador de serviços na actividade de gestão de comunicações. ---
80. À data dos factos referidos na acusação o Arguido vivia em união marital com GG , há cerca de dois anos, num imóvel pertença desta, na Rua .... ---
81. Subsistia dos montantes que auferia do seu trabalho de sucateiro, segundo refere, em média, 200€/semanais, e dos seus trabalhos como intermediário na compra e venda de automóveis usados (após ter conhecimento de um potencial comprador, procurava através da Internet e tentava mediar um negócio), e do vencimento da companheira de cerca de 500€, funcionária na Cerâmica Artística .... ---
82. Nos vários meios comunitários onde o Arguido já se integrou a sua imagem social é negativa.
83. Deu entrada no Estabelecimento Prisional de Braga a 15 de Dezembro de 2011 à ordem do presente processo. ---
84. Algum tempo após a sua entrada em meio prisional, foi colocado a trabalhar na Biblioteca e frequentou um curso de pintura e dois de dança. ---
85. No entanto, desde que foi alvo de um registo disciplinar por uma infracção decorrida em Junho de 2012, punição que ainda tem de cumprir em cela disciplinar pelo período de oito dias, foi retirado do trabalho na Biblioteca e, recentemente, passou a trabalhar numa brigada de trabalho a coser aplicações em têxteis. ---
Do Arguido BB ---
86. O processo de socialização de BB decorreu num contexto sócio-cultural humilde, de modestos recursos económicos, com sinais de privações. ---
87. Os pais faleceram precocemente, pelo que com catorze anos de idade passou a residir com uma tia materna, viúva, e com a prima, residentes na mesma freguesia. ---
88. A trajectória escolar do Arguido foi tipificada pelo abandono após concluir a 4ª classe. ---
89. Com 16 anos de idade iniciou-se profissionalmente na área da construção civil, como ajudante de trolha e pintor, e posteriormente, foi electricista. ---
90. Casou-se com 21 anos. ---
91. Desta relação tem dois filhos, os quais lhes foram retirados judicialmente em consequência da situação de risco em que viviam. ---
92. Um dos filhos foi adoptado e o mais novo entregue à sua prima, enquanto família de acolhimento. ---
93. Após sete anos de matrimónio o casal separou-se, facto ocorrido há cerca de quatro anos. -
94. Habitualmente desde a Páscoa e até finais de Setembro, período do ano com um maior número de Festas Populares e Romarias, trabalhou como ajudante em equipamentos de diversão ¬carrosséis. ---
95. Manteve esta actividade durante vários anos, o que o levava a ausentar-se da freguesia durante longos períodos de tempo, situação que muito agradava à comunidade residencial, em virtude de ser negativamente referenciado por suspeita da autoria de furtos na região. ---
96. Em Abril de 2010, pelas Festas das Cruzes, em Barcelos, conheceu a actual companheira, AA, então empregada num restaurante, e em Setembro passaram a viver em união marital, inicialmente em casa do filho da companheira, EE, e posteriormente, com a ajuda e orientação da mulher de EE, pessoa bem referenciada na freguesia, arrendaram uma casa, ultima residência do Arguido em meio livre, a qual partilharam com a filha mais nova de AA. ---
97. À data dos factos integrava o agregado familiar com a actual companheira e com a filha desta, mantendo um convívio esporádico com o filho de AA, o Arguido EE. ---
98. Residiam em zona semi-rural, numa casa geminada, com boas condições de habitabilidade e salubridade. ---
99. BB vivia um período de inactividade profissional. ---
100. Com a companheira entretanto desempregada, a subsistência do agregado era assegurada pelas verbas que auferia em trabalhos pontuais que realizava fora da sua freguesia e de pequenos apoios monetários que o filho da companheira entregava. ---
101. No meio social de residência é comentada a sua personalidade desregrada, sem hábitos de trabalho e sobre o qual havia a suspeita da autoria de alguns furtos ocorridos na região. ---
102. O Arguido deu entrada no Estabelecimento Prisional de Braga a 15 de Dezembro de 2011.
103. Entrou preventivamente à ordem do presente processo, mas no dia 4 de Abril de 2012, foi o Arguido desligado do mesmo e colocado à ordem de processo do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viana do Castelo para cumprimento de uma pena de 10 meses de prisão cujo termo ocorrerá a 4 de Fevereiro de 2013. ---
Do Arguido DD ---
104. O Arguido DD nasceu e cresceu no seio de um agregado de modesta condição económica, sendo o pai trabalhador sazonal (agricultura) na Bélgica e a mãe auxiliar num lar de idosos.
105. A dinâmica familiar foi desde a sua infância fortemente prejudicada pelas dificuldades de relacionamento entre os pais, indutor de frequentes conflitos, que culminaram na separação de ambos quando o Arguido tinha cerca de 7 anos. ---
106. Passou, então, a viver com a mãe e irmã em Darque, local onde passou a fixar residência e deu continuidade à frequência do sistema de ensino. ---
107. Protagonizou uma adaptação ao contexto escolar dentro de padrões avaliados como normais ao nível da interacção com os vários intervenientes na comunidade escolar, embora com algum desinteresse associado, que se repercutiu no registo de algumas retenções. ---
108. Completou o 9° ano, pela frequência do curso profissional de práticas administrativas, tendo aos 17 anos optado por abandonar o sistema de ensino. ---
109. Desde os 12 anos que mantinha actividade laboral nos períodos de férias escolares, trabalhando para uma família de feirantes especializada no comércio de produtos alimentares (cachorros, pipocas, farturas). ---
110. Após o abandono escolar, passou a exercer esta actividade em exclusividade, a qual ainda vai mantendo no presente com a realização de trabalhos ocasionais. ---
111. Desde a sua infância, elegeu como prática desportiva o futebol, integrando desde os 10 anos um clube local (Associação Desportiva Darquense), onde se manteve até à actualidade, constituindo esta modalidade especial relevo no seu processo de crescimento e na ocupação dos seus tempos livres. ---
112. Recentemente, passou a trabalhar num Bar, em Viana do Castelo, inicialmente como empregado de balcão e depois como gerente. ---
113. Manteve esta actividade durante cerca de 6 meses, até ser preso. ---
114. No Verão de 2011, manteve relacionamento afectivo, tendo nesta altura a namorada passado a residir na sua habitação. ---
115. Não obstante a curta duração da relação, desta resultou o nascimento de uma filha, estando actualmente a decorrer o processo de averiguação da paternidade. ---
116. À data dos factos, DD integrava o agregado constituído pela mãe, uma prima, descendentes desta (menores) e um primo. ---
117. Encontrava-se laboralmente activo enquanto gerente de um bar pertencente a uma amiga, actividade que se centrava essencialmente aos fins-de-semana, auferindo cerca de 25€ por cada noite de trabalho. ---
118. Acrescia a esta actividade a venda de cachorros nas feiras locais consideradas mais importantes. ---
119. Apesar de ter vários dias de inactividade, apresenta como rendimento o montante médio mensal cerca de 200€, com o qual colmatava as suas necessidades pessoais. ---
120. A mãe exercia actividade de cozinheira, auferindo como vencimento mensal cerca de 700€, com o qual supria as necessidades do agregado. Durante o curto período de permanência naquela habitação, o primo também auxiliava nas despesas do agregado, embora sem especificar qualquer montante. ---
121. O seu quotidiano circunscrevia-se à sua actividade laboral, maioritariamente ao fim-de-semana, à prática desportiva no clube local, bem como ao convívio com o grupo de pares e familiares, designadamente com um primo e co-arguido no presente processo. ---
122. A aplicação, nestes autos, da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, determinou que o Arguido permaneça confinado ao espaço habitacional, cumprindo as injunções a que está obrigado, mantendo a coabitação com a mãe e um tio materno, em habitação arrendada, numa dinâmica relacional aparentemente equilibrada e aí realizando alguns trabalhos de artesanato (tapetes). ---
123. No meio comunitário, o Arguido é positivamente referenciado, com referências de integração adequada, não sendo conhecidos obstáculos à sua permanência na comunidade. ---
Da Arguida AA
124. O processo de maturação psicossocial de AA foi perturbado pelas deficitárias condições sócio-económicas e culturais do agregado de origem, constituído pela mãe e avós matemos, dada a demissão do pai dos seus deveres parentais. ---
125. Cresceu em meio social rural e apesar de ter frequentado o ensino até aos 14 anos de idade, não concluiu a escolaridade obrigatória. ---
126. A Arguida preferiu privilegiar a colaboração no exercício profissional de venda de pão e de tarefas agrícolas a que a família se dedicava. ---
127. AA iniciou relação marital durante a adolescência, ausentando-se de casa à revelia da família, situação que entretanto foi formalizada pelo matrimónio, tendo desta relação nascido seis filhos. ---
128. A disfuncionalidade conjugal determinou a institucionalização das filhas e entrega de outros filhos a familiares, por determinação judicial. ---
129. Os menores revelaram dificuldades de adaptação aos contextos substitutivos de acolhimento, com registos de fugas e uma vivência de rua, sendo a Arguida permissiva e negligente na decisão de procurar inverter estes percursos, sempre que tinha conhecimento das ausências/fugas ou de comportamentos transgressivos que os mesmos cometiam. ---
130. Assim, após ter abandonado a casa de morada de família, estabeleceu relação marital com MM, com quem viveu aproximadamente 12 anos. ---
131. O casal fixou residência num apartamento, localizado no Bairro ..., beneficiando de apoio à renda atribuído pela Câmara Municipal de Barcelos. ---
132. A dinâmica familiar era condicionada pelo alcoolismo do companheiro e ausência de hábitos de trabalho regulares deste, segundo refere, subsistindo essencialmente o casal de prestações sociais e do exercício profissional de AA como ajudante de cozinha no Restaurante ..., em Barcelos que manteve até mudança de gerência deste estabelecimento, passando a uma situação de desemprego prolongado. ---
133. AA estabeleceu há cerca de dois anos novo relacionamento afectivo com BB, com quem passou a coabitar. ---
134. No período a que se reportam os factos pelos quais está acusada nos presentes autos, AA residia com BB e uma filha menor. ---
135. A imagem social da Arguida, extensiva ao companheiro e filhos, está negativamente associada à inactividade laboral, bem como à prática de comportamentos desviantes, designadamente comportamentos relacionados com a prostituição. ---
136. AA deu entrada no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo em 15.12.2011 à ordem deste processo. ---
137. Em meio prisional a Arguida tem beneficiado de acompanhamento clínico, em clínica geral, com ocupação laboral e um registo de adaptação às regras instituídas. ---
Do Arguido CC ---
138. O Arguido nasceu e cresceu no seio de um agregado numeroso de modesta condição económica, sendo o pai jornaleiro e a mãe guarda-soleira, actividade que exercia em feiras locais. ---
139. A dinâmica familiar foi desde a sua infância prejudicada pelos problemas de alcoolismo do pai, indutor de frequentes conflitos e de uma conduta de agressividade direccionada essencialmente à figura materna. ---
140. Este cenário conduziu à separação do casal durante a adolescência do Arguido (15/16 anos), tendo, com o apoio dos serviços de segurança social, passado a residir numa freguesia vizinha, juntamente com a mãe e demais irmãos. ---
141. Após algumas alterações de residência, o agregado materno fixou-se na actual habitação há cerca de seis anos. ---
142. A sua escolarização iniciou-se em idade normal, tendo sido condicionada pela precariedade económica e pela necessidade de auxiliar os pais nas feiras ou nos trabalhos do campo, condicionalismos que levaram o Arguido abandonar o sistema de ensino após a conclusão do 6° ano de escolaridade, aos 15 anos. ---
143. Com o abandono do sistema de ensino, iniciou actividade laboral na limpeza de poços e minas, actividade que manteve durante cerca de dois anos. ---
144. Aos 18 anos passa a trabalhar em França, junto de familiares emigrados naquele país, na construção civil, onde permaneceu cerca de quatro anos. ---
145. A partir desta altura, o seu percurso profissional revelou-se diversificado, com sucessivos regressos a Portugal e deslocações para Espanha, onde trabalhou em diferentes ramos, designadamente na construção civil e em discotecas. ---
146. Em 2009 encetou união de facto com a actual companheira, existindo desta união um descendente recém-nascido. ---
147. No início do relacionamento, passou a residir em Darque, Viana do Castelo, com a companheira e familiares desta. No entanto, por incompatibilidades com estes familiares, passou algum tempo depois a integrar o agregado da mãe da companheira em Fragoso, Barcelos. ---
148. À data dos factos constantes da acusação, CC integrava o agregado familiar da mãe da companheira, co-arguida no presente processo, juntamente com a sua companheira. ---
149. Em termos económicos, os rendimentos provinham dos trabalhos que realizava com um "cunhado" na recolha e venda de sucata, conseguindo obter cerca de 10/20€, num dia de trabalho. ---
150. A companheira encontrava-se desempregada, vivendo o casal apenas com o dinheiro obtido com a sucata, com o qual referem conseguir contribuir com géneros alimentares para o sustento do agregado. ---
151. No actual meio de residência, CC não estabelece relações de vizinhança significativas, beneficiando de uma imagem social integradora e sem indicadores de rejeição quanto à sua presença no meio. ---
152. Cumpre com rigor as obrigações inerentes à actual medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica. ---
153. Passou a residir na actual habitação após a ocorrência dos factos pelos quais se encontra indiciado. ---
154. Com a sua permanência no espaço habitacional, dedica-se à realização de trabalhos nos campos de cultivo pertencentes à habitação, criação de animais e outras tarefas relacionadas com a organização doméstica, sendo considerado pela mãe como um elemento fundamental no agregado, pela sua capacidade de trabalho. ---
155. Após o nascimento do filho do casal, este beneficiou recentemente da atribuição de parte do montante relativo à protecção social da parentalidade, num total de cerca de 220€. ---
156. O Arguido é referenciado como uma pessoa cordial, não sendo perceptível qualquer sentimento de rejeição face ao mesmo. ---
Do Arguido HH ---
157. HH pertence a uma estrutura familiar (pais e oito descendentes) que se desagregou com a morte (suicídio) da mãe. ---
158. A mãe terá sido vitima de violência doméstica, sendo o pai uma pessoa severa e maltratante. ---
159. O pai não assumiu as suas responsabilidades parentais, permitindo que os filhos dispersassem, sendo acolhidos por diferentes famílias, ligadas ao mundo rural para as quais passaram a trabalhar. ---
160. À semelhança dos irmãos e apenas com oito anos de idade, o Arguido foi acolhido por um casal que garantia a sua sobrevivência a troco das tarefas que ele passou a desenvolver, designadamente na pastorícia. Permaneceu junto dessa família até à altura em que fugiu para junto de uma sua tia, residente em Santarém, com a qual ficou até aos 18 anos de idade. ---
161. Entretanto, esteve a residir com uma irmã, em Torres Vedras. ---
162. HH constituiu família aos 22 anos de idade. ---
163. Deste casamento nasceram os seus três filhos mais velhos, dois dos quais já serão de maioridade. ---
164. No período em que esteve casado (cerca de 12 anos) o Arguido permaneceu cerca de seis anos em casa dos sogros o que lhe permitiu obter as condições económicas necessárias para construir casa. ---
165. Divorciou-se, entretanto. ---
166. Refez, entretanto, a sua vida afectiva, mantendo uma união de facto por cerca de nove anos. ---
167. Foi no decurso da relação com essa companheira que se deslocou para o Minho, onde viviam já alguns dos seus familiares (nomeadamente o agregado de origem dos co-arguidos). ---
168. Não teve filhos desta união. ---
169. É analfabeto. ---
170. Ao nível laboral e a partir dos 22 anos de idade Arguido refere ter estado vinculado 16 anos a uma empresa de produtos químicos, sedeada, em Alcanena, da qual saiu quando veio para o Distrito de Viana do Castelo. ---
171. À data dos factos o Arguido vivia com a actual companheira, desempregada. ---
172. Desta união existem dois filhos (respectivamente, com 2 anos e o mais novo apenas com 4 meses de vida). ---
173. Desde há cerca de oito anos que o Arguido tem trabalhado para a empresa "...Construções Unipessoal Lda", sedeada em ... - Barcelos, com a categoria de trolha de 2ª.
174. Nestes últimos tempos tem estado a laborar na Alemanha. ---
175. O Arguido aufere em média 1.400€. ---
176. Contudo, grande parte do seu vencimento está penhorado, uma vez que tem obrigações relativamente ao pagamento de alimentos (em atraso e os actuais devidos aos filhos do primeiro casamento, bem como a um crédito contraído pela companheira, do qual ele terá sido fiador). ---
177. O agregado recebe subsídio pelos dois menores (actualmente no valor de 900). ---
178. O apoio económico dos pais da companheira tem constituído um factor de protecção fundamental para minorar as dificuldades económicas do agregado. ---
179. HH Cardoso não se identifica com um grupo de pares específico, valorizando o tempo em que está em família, sobretudo desde que passou a trabalhar na Alemanha. ---
180. Por norma, não é frequentador dos cafés locais, ou outros e quando sai vai acompanhado do sogro. ---
181. A dinâmica intra-familiar é funcional, com reconhecimento da vinculação afectiva e atitude protectora do Arguido para com a companheira e os filhos. ---
c) Das características de personalidade / psicológicas ---
Da Arguida AA ---
182. O percurso de vida da Arguida é marcado pela instabilidade a vários níveis, por lacunas na interiorização e valorização de normas e valores sociais e éticos e pela ausência de um rede familiar e social de suporte pró-social. ---
183. Apresenta um nível cognitivo mediano, que lhe permite a compreensão das situações sociais, da convencionalidade de determinados comportamentos e da censurabilidade de outros, bem como competências a nível de planeamento, que lhe possibilitam tomar decisões e escolher alternativas. ---
184. Não apresenta indicadores de um estilo de funcionamento impulsivo. ---
185. Possui uma orientação instrumental, de acordo com os benefícios e objectivos que pretende atingir, não considerando, em algumas situações, o "dever ser" e os direitos de terceiros. --
186. Apesar de dispor de capacidade crítica, assume uma atitude de desculpabilização e atribuição externa da responsabilidade, mesmo relativamente a acontecimentos da sua vida e a comportamentos por si assumidos, procurando projectar uma imagem de fragilidade e vitimização, que lhe são favoráveis a nível de aceitação e desresponsabilização. ---
187. Revela pouco interesse e desinvestimento nas relações interpessoais, no geral e em particular relativamente aos filhos, tendendo a mostrar-se reservada e distante. ---
188. Apesar de denotar desejabilidade social, demonstra pouca capacidade de experienciar emoções e afectos positivos e de forma intensa e profunda, mostrando lacunas sobretudo no que concerne à empatia, à capacidade de centrar-se nos sentimentos, pensamentos e direitos de terceiros. ---
189. Assim, o modo de funcionamento psicológico da Arguida e o seu estilo de vida contribuem para uma significativa vulnerabilidade e dependência social e afectiva, constituindo factores de risco com potencial criminógeno, que pode ser mais expressivo em contextos da mesma natureza dos factos constantes da acusação. ---
Do Arguido EE ---
190. A vivência do Arguido pautou-se por um clima de conflitualidade e desorganização familiar (dinâmica familiar marcada pelo alcoolismo e autoritarismo paterno, bem como exposição à violência interparental e permissividade e negligência materna), quer durante o vigência do casamento dos progenitores, quer após a separação destes, o que contribuiu para um processo desenvolvimental do Arguido, no qual foram negligenciadas as suas necessidades emocionais básicas, nomeadamente, de vinculação e segurança, conforto e afecto. ---
191. A dinâmica relacional familiar e a ausência de modelos pro-sociais contribuíram para a apropriação, pelo Arguido, de um conjunto de valores sociais e relacionais pouco estruturante, solto de responsabilidade e de regras e com lacunas na percepção de limites psicossociais para o seu comportamento, dado que as várias e sucessivas condenações não tiveram impacto em termos de alteração dos seus comportamentos, antes atribuindo a terceiros a responsabilidade na determinação do seu percurso de vida, dos seus comportamentos e escolhas. ---
192. A par do referido, a sua estrutura de personalidade revela acentuadas dificuldades na gestão das emoções negativas o que o torna bastante vulnerável à exposição dos modelos antissociais dos familiares e das pessoas mais próximas. ---
193. EE possui uma boa capacidade cognitiva, contudo, nesta área, é traído, na análise das situações, pela estruturação emocional caótica e pela incapacidade de adiar a gratificação.
194. Nesta sequência, a sua instabilidade afectiva e a insuficiente modelação cognitiva. traduzem-se numa forte impulsividade que reduz e, por vezes, anula a sua capacidade de se focalizar com objectividade na realidade e de a percepcionar de uma forma positiva e gratificante. ---
195. Do acima referido resulta que EE possui uma estrutura de personalidade emocionalmente vulnerável, cuja sedimentação se processou em contextos anormativos, desorganizados e impulsivos, que influenciam a sua capacidade para diferir os impulsos e adiar a gratificação, o que, consequentemente, poderá provocar situações de descontrolo e desregulação da sua conduta com consequências pouco previsíveis. ---
d) Dos antecedentes criminais ---
196. Não são conhecidos antecedentes criminais aos Arguidos AA e HH. ---
197. O Arguido DD tem averbada uma condenação, já transitada em julgado, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, com pena de multa. ---
198. O Arguido BB foi condenado, por sentença proferida em 07/02/2008 e transitada em julgado em 04/03/2008, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 80 dias de multa; ---
199. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 28/02/2008 e transitada em julgado em 19/03/2008, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 80 dias de multa; ---
200. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 03/06/2008 e transitada em julgado em 03/06/2008, pela prática de um crime de desobediência p. e p. pelo artº. 348º do CP, na pena de 120 dias de multa; ---
201. Foi condenado, por sentença proferida em 30/10/2008 e transitada em julgado em 19/11/2008, pela prática de 3 crimes de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena única de 160 dias de multa; ---
202. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 27/10/2009 e transitada em julgado em 16/11/2009, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano; ---
203. Foi igualmente condenado, por sentença proferida em 20/10/2009 e transitada em julgado em 19/11/2009, pela prática de 1 crime de furto qualificado p. e p. pelo artº. 204º do CP, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; ---
204. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 23/03/2011 e transitada em julgado em 02/05/2011, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, em pena de prisão por dias livres, fixada em 36 períodos; ---
205. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 06/07/2011 e transitada em julgado em 26/01/2012, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, em pena de prisão por dias livres, fixada em 60 períodos; ---
206. O Arguido EE foi condenado, por sentença proferida em 26/10/2009 e transitada em julgado em 25/11/2009, pela prática de 3 crimes de furto qualificado (1 na forma tentada) p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 2, al. e), do CP, na pena única de prisão de 3 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por igual período; ---
207. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 03/06/2009 e transitada em julgado em 21/09/2010, pela prática de 1 crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 2, al. e), do CP, na pena de 11 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; ---
208. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 05/11/2009 e transitada em julgado em 07/12/2010, pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo artº. 210º do CP, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período; ---
209. Foi, igualmente, condenado, por sentença proferida em 10/11/2009 e transitada em julgado em 07/12/2009, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 2, al. e), do CP, e de um crime de burla informática, p. e p. pelo artº. 221º do CP, nas penas de 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e de 100 dias de multa, respectivamente; ---
210. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 05/03/2010 e transitada em julgado em 13/04/2010, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº.2, al. e), do CP, e de um crime de desobediência, p. e p. pelo artº. 348º do CP, nas penas de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e de 40 dias de multa, respectivamente; ---
211. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 22/03/2010 e transitada em julgado em 20/04/2010, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 2, al. e), do CP, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; ---
212. Foi condenado, por sentença proferida em 10/12/2010 e transitada em julgado em 24/01/2011, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº. 143º do CP, na pena de 110 dias de multa; ---
213. Foi, ainda, condenado, por sentença proferida em 30/05/2011 e transitada em julgado em 20/06/2011, pela prática de 2 crimes de falsificação de documento, 1 na forma tentada, e de 1 crime de uso de documento de identificação alheio, p. e p. pelos artºs. 256º e 261º, do CP, respectivamente, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; ---
214. Foi, finalmente, condenado, por sentença proferida em 17/06/2011 e transitada em julgado em 28/11/2011, pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artºs. 203º e 204º do CP, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; ---
215. O Arguido CC foi condenado, por sentença proferida em 05/07/2010 e transitada em julgado em 26/07/2010, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 55 dias de multa; ---
216. Foi, também, condenado, por sentença proferida em 08/11/2010 e transitada em julgado em 09/12/2010, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo artº. 3º, nº. 2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 70 dias de multa. ---
e) Do Pedido Civil ---
217. II nasceu em .../.../.... ---
218. O falecido II era, à data do seu decesso, casado com JJ, no regime da comunhão geral de bens, há cerca de 45 anos. ---
219. Na constância deste matrimónio nasceram NN e OO. ---
220. O OO faleceu em 12/04/1992. ---
221. PP é filho do falecido OO. ---
222. À data da sua morte o “J” gozava de boa saúde. ---
223. Era uma pessoa alegre, dinâmica, bem disposta, fisicamente robusta e destemida. ---
224. Normalmente estimada e conceituada socialmente. ---
225. Nos momentos que precederam a sua morte o “J” teve consciência do perigo que a sua vida corria, o que lhe causou aflição. ---
226. Com a morte do II a sua esposa, filha e neto sofreram um enorme desgosto. ---
227. À data da sua morte o “J” auferia uma reforma mensal de 322,45 Euros. ---
228. O “J” e a JJ eram proprietários de estabelecimento comercial conhecido como “Café do J”, o qual exploraram até Julho de 2011. ---
229. Dali retiravam um rendimento mensal médio de cerca de 1000 Euros. ---
230. Eram proprietários de 3 veículos automóveis. ---
231. A esposa do “J” auferia, à data da morte deste, uma reforma mensal de 322,45 Euros.
8.2. Factos dados como não provados:
a) Da acusação ---
232. Que a Arguida AA e o “J” se tenham passado a relacionar sexualmente desde o início de Agosto. ---
233. Que entre ambos existisse, durante o mês de Agosto, um relacionamento amoroso. ---
234. Que antes de 19 de Setembro de 2011 o já referido descampado tivesse sido usado pela AA e pelo “J” para manterem entre si relações sexuais. ---
235. Que o “J” fosse habitualmente portador de óculos dourados da marca “Cartier” no valor de € 5.000 (cinco mil euros). ---
236. Que os Arguidos EE, BB e DD tivessem usado gorros em 19 de Setembro de 2011. ---
237. Que o “J” tivesse estacionado o seu veículo automóvel com a frente para a saída do carreiro e que tivesse aberto a mala do seu veículo automóvel. ---
238. Que, encontrando-se então, na ocasião, a cerca de 5/7 metros dos Arguidos, o “J” se tenha dirigido na direcção daqueles perguntando-lhes se ele lhes tinha feito algum mal. ---
(…) Eliminado pela Relação o facto constante do art. 239.º, que estava assim redigido: 239. Que o “J” se tenha virado de costas em direcção ao seu carro.
240. Que os Arguidos AA, BB, EE, DD e CC quisessem apenas apoderar-se dos objectos e dinheiro que o Ofendido "J" trouxesse consigo e integrá-los no seu património, fazendo uso para o efeito, se necessário, da sua superioridade física e das armas de fogo de que dispunham e que empunhavam, conformando-se com o facto (caso surgissem obstáculos ou dificuldades na execução do roubo planeado e/ou fuga posterior do local) das mesmas virem a ser utilizadas. ---
241. Que soubessem que apenas logravam concretizar aquele seu desígnio mediante o uso da força e ameaça das armas de fogo acima referidas. ---
242. Que o HH tenha acompanhado os Arguidos no momento em que estes procederam à venda do ouro. ---
243. Que o HH tenha, por qualquer forma, planeado e/ou comungado esforços ou sequer prestado auxílio aos demais Arguidos no transporte do corpo do “J” até Viana do Castelo e subsequente depósito na supra-referida lagoa. ---
b) Do pedido civil ---
244. Que o agregado familiar do falecido fosse unido e harmonioso, designadamente que o “J” e a sua esposa vivessem em função um do outro. ---
245. Que a JJ tenha perdido a alegria de viver e a felicidade que lhe eram habituais. ---
246. Que tenha passado a viver em constante saudade, tristeza, choro e depressão, sentindo-se só, desamparada e triste. ---
247. Que a vida da JJ se tenha alterado e que padeça ainda de dores, sofrimento, angústia, revolta e desespero. ---
248. Que o “J” desse todo o apoio à sua filha e ao seu neto, acompanhando-os em todos os momentos da sua vida familiar e profissional. ---
249. Que fosse um conselheiro da sua filha e do seu neto em muitos dos seus assuntos pessoais. ---
250. Que a filha e o neto convivessem diariamente com o “J” e assim mantivessem uma forte relação de afecto, dedicação e estima, dedicando-lhe profundo respeito, veneração e carinho. -
251. Que aqueles ainda sofram dor, desgosto, angústia e revolta. ---
252. Que qualquer um dos demandantes ainda sinta revolta pela forma como o cadáver do “J” foi tratado pelos Arguidos, designadamente pela sua ocultação. ---
253. Que o “J” fosse o sustento do agregado familiar. ---
254. Que gastasse consigo, mensalmente, apenas cerca de 500 Euros. ---
255. Que a JJ tenha sofrido, com a morte do “J”, um prejuízo mensal de cerca de 1000 Euros. ---
Não se provou ainda que --- Factos dados como não provados pela Relação.
- Os Arguidos tenham actuado com outros propósitos e segundo outros planos que não os apurados. ---
- Os Arguidos EE e DD tenham levado consigo bens ou valores da vítima II imediatamente após o decesso desta. ---
- A Arguida AA tenha amassado o ouro. ---
- A Arguida AA tenha por alguma forma participado na descrita ocultação do cadáver de II e, nomeadamente, decidido quanto à sua ocultação ou deitado fora os plásticos usados no transporte daquele ou lavado com lixívia a zona de carga da referida carrinha Renault Trafic. ---
9. - Questões a decidir:
9.1. Recursos de AA
- Nulidade por omissão de pronúncia relativamente aos meios de prova especificados pela recorrente(alíneas a) a d) das conclusões);
- Qualificação do crime de homicídio (alíneas e) a i) da conclusões);
- Medida da pena aplicada relativamente ao crime de homicídio.
9.2. Recurso de BB
- Prova em que assenta a condenação do arguido e falta de corroboração das declarações prestadas pelos co-arguidos, o que redundou em violação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo (alíneas a) a f) das conclusões);
- insuficiência da fundamentação da decisão e consequente nulidade dela (alíneas G) e H das conclusões):
9.3. Recurso de EE
- Vícios do art. 410.º, n.º 2 do CPP e violação do princípio in dubio pro reo (conclusões 1 a 8);
- Medida da pena (fundamentação em massa da culpa e não individualmente, valoração dupla da mesma circunstância agravante, não atendimento de várias circunstâncias atenuantes).
9.4. Recurso de DD
- Agravação do crime de homicídio pelo n.º 3 do art. 86.º da Lei n.º 5/2006 (conclusões 1 a 9);
- Alteração da qualificação jurídica (conclusão 10.ª);
- Medida da pena e aplicação do regime especial para jovens (restantes conclusões).
10. Os recursos prendem-se fundamentalmente com a condenação dos arguidos pelo crime de homicídio. Apenas o recorrente BB põe em causa a sua condenação pelos vários crimes, com excepção do crime de detenção de arma proibida, pretendendo a absolvição dos restantes com base na prova, que diz ser insuficiente, na violação do princípio in dubio pro reo e na insuficiência da fundamentação.
Acontece que relativamente aos crimes de profanação de cadáver, p. e p. pelo artº. 254º, nº. 1, al. a), do CP e de furto qualificado, p. e p. pelos artºs. 203º e 204º, nº. 1, al. d), do CP, a Relação confirmou a decisão recorrida, nomeadamente no que toca à participação deste arguido nesses crimes, a título de co-autoria, mantendo as penas aplicadas, sendo certo que o mesmo foi condenado, por tais crimes, com as penas, respectivamente, de 1 ano de prisão e de 2 anos e 6 meses de prisão.
Ora, dispõe o ar. 400.º, n.º 1, alínea f) do CPP que não é admissível recurso «de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.»
É a consagração do princípio da chamada dupla conforme, em virtude do qual, com o intuito de restringir os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, reservando este tribunal para os casos de maior complexidade, o legislador considera definitiva a decisão dos tribunais de relação que confirmem decisões condenatórias que não ultrapassem um determinado limite, tomando como ponto de referência a medida concreta da sanção aplicada – no caso, pena não superior a 8 anos de prisão.
O que releva para tal efeito é, pois, a pena aplicada por cada crime conexo, em princípio objecto de um processo individualizado, cuja competência para o conhecimento de todos foi determinada por conexão, segundo as regras dos arts. 24.º e 25.º do CPP, e não o concurso de crimes. Tal entendimento, que já era uniforme no domínio da lei anterior às alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, tem sido o adoptado por este Tribunal, não obstante ter desaparecido a expressão mesmo em caso de concurso de infracções, existente na redacção da lei antecedente. Com uma restrição mais: a referência, actualmente, é a pena aplicada e não a pena aplicável, como anteriormente sucedia. O que significa que a possibilidade de recurso para o STJ foi drasticamente restringida, nos casos de crimes em que a pena aplicada não seja superior a 8 anos de prisão. A confirmação destas penas pela Relação estabelece uma base de confiança e de solidez, levando o legislador ordinário, dentro dos seus poderes de conformação do recurso consentidos pelo art. 32.º, n.º 1 da Constituição da República, o qual se basta com um único grau de reapreciação por um tribunal superior, a fechar a porta à pluralidade de recursos para os tribunais superiores, com excepção, evidentemente, do recurso de constitucionalidade, que será sempre garantido, mesmo nos casos em que as relações decidam definitivamente.
Com a reforma introduzida pela referida Lei n.º 48/2007, o legislador pretendeu, em matéria de recursos, “aliviar a carga” do STJ, acentuando a linha da reforma anterior e reservando para o Supremo Tribunal os casos de maior gravidade.
Na verdade, seria um contra-senso, na perspectiva focada de restrição do recurso para o Supremo Tribunal, que o legislador, ao falar de pena aplicada em concreto, em vez de pena aplicável em abstracto, pretendesse levar o STJ a conhecer de todos os crimes que formam um concurso de infracções, mesmo que tais crimes correspondam àquela noção que normalmente se designa de criminalidade bagatelar ou que, tendo já passado pelo crivo da Relação, e não sendo crimes de bagatela, viram as respectivas condenações confirmadas por aquela, até um limite de gravidade tido como razoável, a partir do qual se justifica a revisão do caso pelo Supremo Tribunal de Justiça (Cf., entre muitos outros, os acórdãos de 21/10/2007, Proc. n.º 1772/07, da 3.ª Secção; de 15-04-2010, Proc. n.º 154/01.9JACBR.C1.S1, da 5.ª Secção e de 2/10/2010, Proc. n.º 651/09.8PBFAR.E1.S1, da 3.ª Secção).
Consequentemente, não sendo admissível o recurso relativamente aos crimes de profanação de cadáver e de furto qualificado, no referente a quaisquer questões de direito com eles relacionados, rejeita-se o recurso do referido arguido nessa parte (artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea f), 414.º, n.ºs 2 e 3 e 420.º, n.º 1, alínea b), todos do CPP).
11. Quanto às demais questões, como se disse, elas giram em torno do crime de homicídio em todos os recursos.
O crime de homicídio é, de resto, o crime à volta do qual se estrutura toda a acção dos arguidos e com o qual estão relacionados os restantes crimes.
Ora acontece que a matéria dada como provada e não provada pelo tribunal de 1.ª instância formava um todo coerente e compreensível. Porém, o Tribunal da Relação de Guimarães alterou a matéria de facto e, com tal alteração, retirou a lógica, a coerência e a compreensibilidade dos factos, encarados como uma unidade. Não se quer dizer que não se justificassem alterações de acordo com a prova produzida – matéria de que não curamos -, mas o que é certo é que a decisão deixou de ter uma base sólida em que se apoiar, sucedendo que, à medida que se tenta progredir na análise, sente-se a instabilidade do solo em que se pretende implantar a construção jurídica.
Vejamos os dois acervos factuais no que têm de fundamental.
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
(…)
8. A arguida AA, em data não concretamente apurada, mas seguramente no início do mês de Agosto de 2011, travou conhecimento com o ofendido II, nascido no dia 21 de Novembro de 1942, conhecido comummente por “J”.
9. O “J” era casado com JJ e residia no Lugar ....
10. Apesar de reformado há vários anos, exercia no rés-do-chão da sua habitação e em alguns espaços contíguos àquela, actividade comercial, explorando um café de que era proprietário, conhecido por o “Café do J”.
11. O mesmo tinha uma vida desafogada, sendo proprietário de três veículos automóveis, dois dos quais da marca Mercedes.
12. Apesar dos seus já 68 anos de idade, o “J” era um indivíduo activo e de considerável robustez física.
13. Era pessoa que se vestia bem e conhecido por, no dia a dia, ser sempre portador de várias peças em ouro, nomeadamente, dois anéis, uma pulseira, um fio com uma cruz pendente bem como um relógio da marca “Omega” com bracelete e caixa em ouro assim como de, habitualmente, ter consigo, considerável quantia em dinheiro, entre 250 a 500 Euros, que normalmente dividia por duas carteiras.
14. Desde há muitos anos que o “J” mantinha relacionamentos amorosos extraconjugais com mulheres de várias idades.
15. O relacionamento entre o “J” e a AA foi-se desenvolvendo através de contactos por telemóvel tendo ambos acordado que, quando a AA quisesse falar com o “J” lhe enviaria, para o seu número de telemóvel ... e a partir do seu próprio telefone (designadamente, o mencionado ...), toques para que o mesmo, de seguida, efectuasse a chamada telefónica para aquela, o que efectivamente sucedeu, por diversas vezes, no período temporal de Agosto e parte do mês de Setembro de 2011.
16. Existe um pequeno descampado, muitas vezes usado para a prática de relações sexuais fortuitas, sito numa bouça/eucaliptal localizada no Lugar ..., contígua ao Lugar ..., da área da freguesia de..., Barcelos, próximo da localidade de ..., Esposende, que fica a cerca de 70 (setenta) metros do caminho florestal principal e a cerca de 400 (quatrocentos) metros da estrada nacional 103 (Barcelos/Viana do Castelo), sendo conhecido quer pelo “J” quer pela AA.
17. Era do conhecimento geral, e também dos arguidos, que o “J” habitualmente trazia consigo os já referidos objectos em ouro e quantias monetárias.
18. Em data não concretamente apurada, mas seguramente antes do dia 19 do mês de Setembro de 2011, a arguida AA e os arguidos BB, EE, DD e CC, engendraram um plano por forma a montar uma armadilha que lhes permitisse apoderarem-se dos já referidos bens e das quantias monetárias que o “J“ transportava consigo.
19. Simultaneamente, os arguidos formularam o propósito de, na concretização daquele, tirar a vida ao “J”, por forma a que este não os denunciasse em momento posterior.
20. Assim determinados, com propósito e motivação comum, os arguidos decidiram levar a cabo o tal plano, que delinearam em data não concretamente apurada mas antes de 19 de Setembro de 2011, com distribuição de funções e tarefas para cada um deles.
21. Em concretização do mesmo, no dia 18 de Setembro de 2011, pelas 19h33 e, em conluio com os demais arguidos, a arguida AA, por via do seu telemóvel número 93 5844096 enviou um toque de chamada para o “J” tendo o mesmo, de seguida, a partir do seu número de telemóvel ..., telefonado àquela a qual, no decurso da conversa encetada, marcou com o II, para o dia seguinte, entre as 11 h 30 m e as 12 horas, um encontro de cariz sexual o qual teria lugar no descampado ou na clareira já referida.
22. Assim, na manhã do dia 19 de Setembro de 2011, na execução do mencionado plano, o arguido EE, tripulando o veículo automóvel da marca Fiat, modelo Punto, de cor branca, matrícula ...-DB-..., pertença da sua companheira GG, foi buscar a sua casa, sita em ..., o seu primo, o arguido DD e, de seguida, à casa destes, a sua mãe, AA, o arguido BB e o arguido CC.
23. Dirigiram-se, então, todos os supra mencionados arguidos e no veículo automóvel acima identificado para o local marcado para o encontro entre a AA e o “J”, sendo que o EE se fazia acompanhar de uma arma caçadeira, cuja apreensão não se revelou no entanto possível, e diversos cartuchos para a referida arma, o BB com uma arma caçadeira, de calibre 12, com coronha em madeira, de dois canos sobrepostos, da marca “Verney - Carron - Saint Étienne”, com o número de série S 27 153, melhor examinada a fls. 1378 a 1381 e 1474 que aqui se dá, para os devidos efeitos legais, por integralmente reproduzido, e diversos cartuchos para a referida arma, e o arguido DD, munido de um revólver que não se logrou apreender nos autos bem como com munições compatíveis com o mesmo.
24. Por sua vez, o ofendido “J” fez-se transportar no seu veículo automóvel da marca Mercedes, modelo 200 CDI, de matrícula ...-ZX de cor bege.
25. Nesse dia, o ofendido transportava consigo os bens já referidos, além de, pelo menos € 250 (duzentos e cinquenta euros), que se encontravam numa carteira num dos bolsos da sua roupa.
26. Uma vez chegados os arguidos a zona próxima do pequeno descampado, seriam então cerca das 11 h 00m, o arguido EE estacionou a viatura 22-DB-56 num caminho em terra batida ali existente, junto da estrada que liga a estrada que vai para Bustelo à estrada de Palme, em Barcelos e em local não visível para quem entrasse para o local de encontro sito na bouça/eucaliptal.
27. Munidos os arguidos EE, BB e DD, com as armas e munições que haviam trazido consigo, aquelas devidamente municiadas, dirigiram-se, subindo, juntamente com a AA, por bouça dentro para zona próxima do encontro, onde se esconderam, permanecendo a AA a meio do caminho e, portanto, visível para quem entrasse no dito caminho.
28. Na circunstância e porque assim haviam decidido, o arguido CC permaneceu junto do veículo automóvel matrícula ...-DB-..., de vigia e alerta para a chegada de estranhos ao local.
29. Nessa manhã, do dia 19 de Setembro de 2011 e, respectivamente, pelas 11 h 26m e 11h 49m, o ofendido “J”, por via do seu número de telemóvel ... ligou à arguida AA, para o número 93 5844096 confirmando o encontro de cariz sexual no local marcado para o efeito.
30. Porque o ofendido “J” estivesse atrasado, pelas 12h01m, a arguida AA, a partir do seu número de telemóvel ..., ligou para o II, para o telemóvel número ... tendo este confirmado o encontro.
31. No momento em que o “J” se dirigia conduzindo o seu veículo automóvel para a zona do descampado, a arguida AA aguardava pelo mesmo na estrada em terra batida tendo aquele, entre as 12 h 02 e as 12 h 15m, estacionado a sua viatura.
32. Seguidamente, o J saiu do seu veículo ao mesmo tempo que a arguida percorria o trajecto a pé, indo ao seu encontro.
33. Logo após, quando o "J" se encontrava a aguardar que a arguida AA chegasse junto dele, foi surpreendido pelos arguidos EE, BB e DD que empunhavam as armas na sua direcção, apontando-lhas.
34. Após uma breve troca de palavras e quando o ofendido se encontrava a cerca de um metro/um metro e meio dos referidos arguidos, o BB, que empunhava a caçadeira, municiada, apontou a mesma na direcção das costas do ofendido e disparou um tiro que o atingiu nas costas provocando-lhe a queda imediata no solo.
35. Em consequência, II veio a falecer.
(…)
59. Ao actuarem da forma supra descrita, em conjugação de esforços e de intentos e com distribuição de tarefas, os arguidos AA, BB, EE, DD e CC quiseram apoderar-se dos objectos e dinheiro que o ofendido "J" trouxesse consigo no dia 19 de Setembro de 2011, como efectivamente sucedeu, e integrá-los no seu património, não obstante saberem que os mesmos lhes não pertenciam, nem a eles tinham direito, e que agiam contra a vontade do seu legítimo proprietário.
60. Quiseram, ainda, fazendo uso para o efeito das armas de fogo de que dispunham e que empunhavam, tirar a vida ao “J”, como efectivamente sucedeu, designadamente pelo tiro disparado pela espingarda caçadeira empunhada pelo arguido BB e desferido nas costas daquele.
61. Sabiam, ainda, que uma arma de fogo, designadamente uma caçadeira, e disparada a 1 metro ou metro e meio, era meio apto ou idóneo a tirar a vida a um ser humano.
62. Os arguidos persistiram nestes seus propósitos e vontade com total indiferença pela vida humana e sem qualquer motivo atendível para o fazer, que não fosse apoderar-se das quantias e valores que o “J” tivesse consigo.
(…)
65. Todos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente.
66. Mais sabiam os arguidos, com excepção do HH, serem todos os seus comportamentos proibidos e penalmente proibidos por lei penal.
O Tribunal da Relação alterou a matéria de facto no seguintes termos (assinalados a negrito):
(…)
18. Em data não concretamente apurada, mas seguramente antes do dia 19 do mês de Setembro de 2011, a Arguida AA e os Arguidos BB, EE, DD e CC, engendraram um plano por forma a montar uma armadilha que lhes permitisse apoderarem-se dos já referidos bens e das quantias monetárias que o “J“ transportava consigo. ---
19. Aquando daquele plano, os Arguidos AA, BB, EE, DD e CC admitiram como possível que a morte do “J” pudesse resultar durante a execução daquele assalto, em razão do disparo de alguma das armas que os Arguidos usariam no assalto, e, mesmo assim, conformaram-se com tal desfecho.
20. Assim predispostos, os Arguidos decidiram levar a cabo tal plano, que delinearam em data não concretamente apurada mas antes de 19 de Setembro de 2011, com distribuição de funções e tarefas para cada um deles, ---
(…)
31. No momento em que o “J” se dirigia conduzindo o seu veículo automóvel para a zona do descampado, a Arguida AA aguardava pelo mesmo na estrada em terra batida tendo aquele, entre as 12 h 02 e as 12 h 15m, estacionado a sua viatura. ---
32. Seguidamente, o J saiu do seu veículo ao mesmo tempo que a Arguida percorria o trajecto a pé, indo ao seu encontro. ---
33. Logo após, quando o "J" se encontrava a aguardar que a Arguida AA chegasse junto dele, foi surpreendido pelos Arguidos EE, BB e DD que empunhavam as armas na sua direcção, apontando-lhas. ---
34. Após uma breve troca de palavras, quando o Ofendido se encontrava a cerca de um metro / um metro e meio dos referidos Arguidos, depois daquele se ter virado de costas em direcção ao seu carro, o BB, que empunhava a caçadeira, municiada, apontou a mesma em direcção das costas do Ofendido e disparou um tiro que o atingiu nas costas, provocando-lhe a queda imediata no solo. ---
(…)
59. Ao actuarem da forma supra descrita, em conjugação de esforços e de intentos e com distribuição de tarefas, os Arguidos AA, BB, EE, DD e CC quiseram apoderar-se dos objectos e dinheiro que o Ofendido "J" trouxesse consigo no dia 19 de Setembro de 2011, como efectivamente sucedeu, e integrá-los no seu património, não obstante saberem que os mesmos lhes não pertenciam, nem a eles tinham direito, e que agiam contra a vontade do seu legítimo proprietário. ---
60. Ao disparar contra a costas do “J” a espingarda caçadeira que dispunha e que empunhava, o Arguido BB pretendeu tirar a vida àquele, conforme efectivamente sucedeu, animado com total indiferença pela vida humana e sem qualquer motivo atendível para o fazer, que não fosse apoderar-se das quantias e valores que o “J” tivesse consigo,
61. Os Arguidos AA, BB, EE, DD e CC sabiam que uma arma de fogo, designadamente uma caçadeira, disparada a 1 metro ou metro e meio, era meio apto ou idóneo a tirar a vida a um ser humano,
62. Os Arguidos AA, EE, DD e CC agiram da forma descrita animados pelo plano indicado em 18. e predispostos nos termos referidos em 19.,
Como se vê, deu-se como provado, segundo as alterações efectuadas pela Relação, que todos os arguidos, incluindo o arguido BB , aquando do plano que formaram, admitiram como possível que a morte do “J” pudesse resultar durante a execução daquele assalto, em razão do disparo de alguma das armas que os Arguidos usariam no assalto, e, mesmo assim, conformaram-se com tal desfecho (facto 19.º).
Todavia, mais adiante, deu-se também como provado que, tendo a vítima chegado ao local e encontrando-se a aguardar que a arguida AA chegasse ao pé de si, logo foi surpreendido pelos arguidos EE, BB e DD, empunhando as armas que traziam e apontando-lhas (facto 33.º) e que: Após uma breve troca de palavras, quando o Ofendido se encontrava a cerca de um metro / um metro e meio dos referidos Arguidos, depois daquele se ter virado de costas em direcção ao seu carro, o BB, que empunhava a caçadeira, municiada, apontou a mesma em direcção das costas do Ofendido e disparou um tiro que o atingiu nas costas, provocando-lhe a queda imediata no solo (facto 34.º).
E ainda:
Ao disparar contra as costas do “J” a espingarda caçadeira que dispunha e que empunhava, o Arguido BB pretendeu tirar a vida àquele, conforme efectivamente sucedeu, animado com total indiferença pela vida humana e sem qualquer motivo atendível para o fazer, que não fosse apoderar-se das quantias e valores que o “J” tivesse consigo (facto 60).
Ora, começa por existir uma contradição entre o facto dado como provado sob o n.º 19, pelo menos no que toca ao arguido BB, e os restantes factos assinalados acima.
Com efeito, pergunta-se: como é que se concilia o facto de ele ter admitido como possível, juntamente com os seus co-arguidos, que a morte do “J” pudesse resultar da execução do assalto, em razão do disparo de alguma das armas, conformando-se com esse resultado, e depois ter disparado a sua arma contra o ofendido a cerca de um metro/um metro e meio de distância, querendo tirar a vida à vítima, como efectivamente tirou, após uma breve troca de palavras e sem qualquer motivo atendível para o fazer, que não fosse apoderar-se das quantias e valores que a vítima tivesse em seu poder?
Como é que se conciliam essas duas formas de dolo: o eventual com o mais vincado dolo directo?
Aquando do plano criminoso, referido no facto dado como provado sob o n.º 19, agiu o mesmo arguido com “reserva mental”, isto é, admitindo como possível a morte da vítima, durante a execução do assalto, mas reservando a sua intenção de, na altura própria, lhe tirar a vida?
Mudou de atitude entre o momento do plano e o momento da execução?
Mas há mais perplexidades que a alteração dos factos suscita:
A formulação do facto dado como provado sob o n.º 19 sugere que a morte da vítima só ocorreria se surgisse algum obstáculo ou contrariedade durante a execução do assalto, embora nada disso esteja explicitado na matéria de facto, o que, por sua vez, gera uma lacuna factual. Isto a menos que os arguidos, ao conceberem o plano e ao admitirem como possível a morte da vítima, se estivessem, pura e simplesmente, a referir a um acidente com armas (“em razão do disparo de alguma das armas”), mas esse, para além de pouco consentâneo com as regras gerais da experiência comum, não parece ser o sentido ínsito à formulação do facto descrito sob o n.º 19, principalmente do segmento final – conformaram-se com tal desfecho – o qual, com a previsão inicial do resultado pelos arguidos, parece aludir ao posicionamento psicológico, intelectual e volitivo característico do dolo eventual. E tanto assim será, que os arguidos, com excepção do arguido BB Lopes, foram condenados pelo crime de homicídio a título de dolo eventual, com base no dado como provado nesse facto.
Se os arguidos pretenderam referir-se a algum obstáculo, contrariedade ou reacção da vítima e tendo o arguido BB disparado a sua arma sem que tal obstáculo ou contrariedade surgissem, e sem que o comportamento da vítima tivesse dado azo a tal, então parece ser de concluir que esse arguido agiu por sua conta e risco, com total autonomia e fora do acordado entre eles no tal plano prévio. O mesmo seria de concluir se, acaso, contra o senso usual das coisas nestas circunstâncias, eles tivessem querido referir-se a um acidente com armas, pois a morte da vítima não resultou de acidente, mas do disparo voluntário do arguido BB. E, sendo assim, em qualquer dos casos, não se compreende que os restantes arguidos tenham sido condenados a título de dolo eventual.
Noutros termos, os factos dados como provados sob os n.ºs 61 e 62 estão em contradição com os factos dados como provados sob o n.ºs 19 e 60.
Na verdade, se o arguido BB agiu por sua conta e risco, com total autonomia, como podem aqueles ter previsto como possível a morte da vítima e que relação tem com essa morte o facto de saberem que uma arma disparada a um metro/um metro e meio era um meio apto e idóneo a tirar a vida a um ser humano?
Como podem, também, ter agido, no que ao homicídio se refere, em conjugação de esforços e de intentos e com distribuição de tarefas, como se deu como provado sob o n.º 59.º?
E de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que todos os seus comportamentos eram proibidos e penalmente punidos, tal como consta dos factos dados como provados sob os n.ºs 65.º e 66.º?
Aliás, tendo todos os arguidos condenados consertado entre si atrair II para uma cilada e sendo a arguida AA conhecida dele e propondo-se mesmo manter com ele relações sexuais, não se compreende que, sendo ela peça fundamental na cilada, os arguidos se preparassem para assaltar e roubar aquele com uso de armas de fogo e de cara descoberta sem, ao mesmo tempo, o intentarem matar, correndo o risco de serem rapidamente descobertos. Uma tal situação parece contrariar as regras da experiência comum das coisas, a menos que outro circunstancialismo que se não descortina, pelo menos com base nos factos provados, tivesse orientado a actuação dos arguidos.
Em suma, como se vê pela exposição precedente, há contradição entre os factos provados, e lacunas ou omissões que vêm a traduzir-se em insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
12. O art. 434.º do CPP, relativamente aos poderes de cognição do STJ, dispõe que, sem prejuízo do disposto nos números 2 e 3 do artigo 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.
Esse normativo tem sido interpretado jurisprudencialmente no sentido de que, depois da reforma introduzida pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, o STJ apenas conhece oficiosamente desses vícios, não porque possam ser alegados em novo recurso que verse os mesmos depois de terem sido apreciados pela Relação, mas quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis (entre outros, vejam-se os acórdãos de 23-09-2010, Proc. n.º 65/09.0JACBR.C1.S1, da 3.ª Secção; de 29-09-2010, Proc. n.º 65/09.0JACBR.C1.S1, também da 3.ª Secção, de 14-04-2011, Proc. n.º 117/08.3PEFUN.L1.S1, da 5.ª Secção; de 27-04-2011, Proc. n.º 7266/08.6TBRG.G1.S1, da 3.ª Secção).
Ora, é esse o caso. Constata-se oficiosamente que a decisão recorrida enferma de vícios insanáveis relativamente à matéria de facto, como sejam os vícios de contradição na fundamentação e entre a fundamentação e a decisão e ainda de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão (alíneas a) e b) do n.º 2 do art. 410.º do CPP).
Por força desses vícios, falta uma base de sustentação adequada a uma justa solução de direito, sendo certo que o Acórdão n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR 1.ª S/A, de 28/12/95, fixou jurisprudência no sentido de que se impõe o conhecimento oficioso desses vícios, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito, tanto mais que, como se disse, a Relação alterou a matéria de facto e, em relação a ela, não existiu duplo grau de jurisdição.
Como tal, não se vislumbra outra solução senão a de reenviar o processo para novo julgamento relativamente ao crime de homicídio, a fim de se sanarem aqueles vícios e julgar-se, então, de direito consoante a prova que se obtiver e for possível, segundo as várias soluções plausíveis.
III. DECISÃO
13. Nestes termos, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, relativamente aos recursos interpostos por AA, BB, EE e DD:
- Rejeitar o recurso de BB, por inadmissível, no que toca à apreciação dos crimes de ocultação de cadáver e de furto qualificado (artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea f), 414.º, n.ºs 2 e 3 e 420.º, n.º 1, alínea b), todos do CPP);
- Em relação a todos os recorrentes, reenviar parcialmente o processo para novo julgamento no Tribunal da Relação de Guimarães relativamente às questões concernentes ao crime de homicídio enunciadas no n.º 11. e outras que directa ou instrumentalmente se relacionem com as mesmas, de modo a chegar-se a uma correcta solução jurídica, decidindo-se a final em termos de direito, conforme o resultado a que se chegar (artigos 426.º, n.º 2e 426.º-A do CPP).
Ficam prejudicadas as demais questões.
Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Setembro de 2013
Os Juízes Conselheiros
Artur Rodrigues da Costa (relator)
Arménio Sottomayor