Autos de Recurso Penal
Proc. n.º 137/12.3TALSD.P1.S1
5ª Secção
acórdão
Acordam na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:
I. relatório.
1. Julgado pelo Tribunal Colectivo do Juiz …. do Juízo Central Criminal ……, após separação de processos relativamente aos co-arguidos AA e BB, foi o arguido/demandado CC condenado por acórdão de 20.9.2019, entre os mais, nos seguintes termos [1]:
─ «[…] Pelo exposto, decide-se:
i. PARTE PENAL
Condenar o arguido CC pela prática de um (1) crime de insolvência dolosa agravado, previsto e punido pelos artigos 227.º, n.º 1, als. a) e b) e n.º 3 e 229.º-A, ambos do Código Penal, na pena de dois (2) anos e cinco (5) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de quatro (4) anos, condicionando tal suspensão à obrigação de proceder, no prazo da suspensão, ao pagamento da quantia de dois mil e quatrocentos euros (€ 2400), impondo-se, desde já, o pagamento de cinquenta euros (€ 50), a ocorrer sucessiva e mensalmente até ao dia 8 de cada mês e terminando o prazo do primeiro pagamento no dia 8 do mês seguinte ao do trânsito da presente decisão.
ii. PARTE CIVIL
A. Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido por DD e, em consequência, condena-se o demandado CC a pagar-lhe a quantia de seis mil cento e vinte e cinco euros e oito cêntimos (€ 6125,08) – sendo mil a título de danos não patrimoniais e o restante de danos patrimoniais – acrescida de juros à taxa legal, contados desde a notificação até efetivo e integral pagamento.
B. Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido por EE e, em consequência, condena-se o demandado CC a pagar-lhe a quantia de seis mil trezentos e quarenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos (€ 6349,88) – sendo mil a título de danos não patrimoniais e o restante de danos patrimoniais – acrescida de juros à taxa legal, contados desde a notificação até efetivo e integral pagamento.
C. Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto da Segurança Social, I.P. e, em consequência, condena-se o demandado CC a pagar-lhe a quantia de setecentos e nove mil oitocentos e sessenta e dois euros e vinte e dois cêntimos (€ 709 862,22), acrescida de juros à taxa legal prevista no Código Civil, contados desde a notificação até efetivo e integral pagamento, no mais, absolvendo-se o demandado do pedido.
D. Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo Movex – Produção, Venda e Aluguer de Módulos Pré Fabricados, S.A. e, em consequência, condena-se o demandado CC a pagar-lhe a quantia de três mil cento e trinta e nove euros e cinquenta cêntimos (€ 3139,50), acrescida de juros à taxa legal contados desde a notificação até efetivo e integral pagamento.
E. Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. e, em consequência, condena-se o demandado CC a pagar-lhe a quantia de vinte e cinco mil seiscentos e oitenta e oito euros (€ 25 688).
F. Julgar procedente, por provado, o pedido de indemnização civil deduzido por FF e, em consequência, condena-se o demandado CC a pagar-lhe a quantia de sete mil seiscentos e dez euros e vinte e dois cêntimos (€ 7610,22), acrescida de juros à taxa legal contados desde a notificação até efetivo e integral pagamento.
iii. PERDA DE PRODUTO E VANTAGENS DO CRIME
Declara-se perdida a favor do Estado a quantia de duzentos e dez mil setecentos e quarenta e seis euros e vinte e seis cêntimos, condenado o arguido CC a proceder ao seu pagamento.
[…]».
2. Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, suscitando, na síntese do acórdão que ali viria ser proferido [2], as seguintes questões:
─ «– Da preterição das regras da continuidade da audiência;
– Saber se o acórdão recorrido é nulo por falta ou insuficiência de fundamentação da matéria de facto e/ou de exame crítico das provas;
– Saber se o acórdão recorrido padece dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
– Erro de julgamento;
– Saber se foi violado o princípio do in dubio pro reo;
– Saber se o arguido deve ser absolvido do crime e dos pedidos de indemnização civil por que foi condenado;
– Não verificação dos pressupostos da perda de vantagens.»
3. Julgado por douto acórdão de 29.4.2020, o recurso apenas obteve procedência quanto à declaração de perdimento de vantagens do crime, saindo o acórdão do Tribunal Colectivo confirmado, com correcção de um erro de escrita, em tudo o mais, conforme dispositivo que segue, parcialmente, transcrito:
─ «Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em:
1. Ao abrigo do disposto no artigo 380º nºs 1, b) e 2 do Código de Processo Penal, proceder à correcção do lapso de escrita verificado por forma a que, no ponto 12 dos factos provados, no segmento onde se lê "20.5.2019" deverá ler-se "20.05.2009".
2. Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido CC e, em consequência, revogar o acórdão recorrido na parte em que havia declarado perdida a favor do Estado a quantia de € 210.746,20 e condenava o recorrente a proceder ao pagamento dessa quantia.
3. No mais, manter o acórdão recorrido.
[…]».
Acórdão que se fundou nas mesmas razões facto-jurídicas do de 1ª instância, mas que não logrou a unanimidade dos Senhores Desembargadores, lavrando a Senhora Magistrada Adjunta voto de vencido apoiado, entre as mais, nas seguintes considerações:
─ «[…].
O arguido foi condenado pela prática de um crime de insolvência dolosa, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 227º nº 1 alíneas a ) e b) e nº 3 e 229º A, ambas do Código Penal.
Nos termos destes preceitos legais comete o crime de insolvência dolosa:
1 - O devedor que com intenção de prejudicar os credores:
a) Destruir, danificar, inutilizar ou fizer desaparecer parte do seu património;
b) Diminuir ficticiamente o seu ativo, dissimulando coisas, invocando dívidas supostas, reconhecendo créditos fictícios, incitando terceiros a apresentá-los, ou simulando, por qualquer outra forma, uma situação patrimonial inferior à realidade, nomeadamente por meio de contabilidade inexata, falso balanço, destruição ou ocultação de documentos contabilísticos ou não organizando a contabilidade apesar de devida;
c) Criar ou agravar artificialmente prejuízos ou reduzir lucros; ou
d) Para retardar falência, comprar mercadorias a crédito, com o fim de as vender ou utilizar em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente;
é punido, se ocorrer a situação de insolvência e esta vier a ser reconhecida judicialmente, com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 - O terceiro que praticar algum dos factos descritos no n.º 1 deste artigo, com o conhecimento do devedor ou em benefício deste, é punido com a pena prevista nos números anteriores, conforme os casos, especialmente atenuada.
3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 12.º, é punível nos termos dos n.os 1 e 2 deste artigo, no caso de o devedor ser pessoa coletiva, sociedade ou mera associação de facto, quem tiver exercido de facto a respetiva gestão ou direção efetiva e houver praticado algum dos factos previstos no n.º 1..
[…].
Decorre assim que, quando o devedor for pessoa coletiva, para o preenchimento dos elementos objetivos do tipo legal importa a prova de que o arguido era gerente de facto da sociedade devedora.
Em nosso entendimento não foi feita prova deste concreto facto.
Como, aliás, decorre da própria fundamentação da decisão sob recurso:
[…].
Está provado que o arguido era contabilista da empresa e todos os negócios em que interveio, fê-lo munido de procuração. Negócios que se percebem tiveram a intenção de descapitalizar a empresa e fazer sair dela o imobilizado de maior valor. [Mais facilmente veríamos a conduta do arguido integrada na previsão do nº 2 do artigo 227º do Código Penal se outros fossem os factos alegados na acusação].
Prova de que esses negócios foram feitos porque o arguido era – para além de contabilista da empresa – seu gerente de facto, a nosso ver inexiste, razão pela qual concluiríamos alterando os pontos 5) e 6) da matéria de facto e pela sua absolvição.».
E acórdão que, ainda, foi objecto de reclamação do arguido/demandado CC com base em nulidade de omissão de pronúncia – art.º 379º n.º 1 al.ª c) do CPP – e em interpretação e aplicação das normas dos art.os 374º n.º 2, 410º n.º 2 al.ª b) e 412 n.os 3 al.as a) e b) e 4 do CPP em violação «das garantias de defesa, da presunção de inocência, do direito ao recurso e do processo equitativo e justo consagrados respectivamente, nos arts 32º nºs 1 e 2 e 20º nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa», porém tudo indeferido por douto acórdão de 14.7.2020 que, integrando-se nele, manteve nos seus precisos termos o acto reclamado.
4. Reconhecendo a irrecorribilidade do segmento penal do Acórdão do Tribunal da Relação para este Supremo Tribunal decorrente do art.º 400º n.º 1 al.as e) e f) do CPP, mas ainda inconformado com o decidido nessa parte, dela interpôs o arguido/demandado CC recurso para o Tribunal Constitucional, invocando interpretação inconstitucional das normas dos art.os 127º, 374º n.º 2, 410º n.º 2 al.ª b), 412º n.º 3 al.as a) e b), do CPP.
Recurso que foi admitido por douto despacho de 7.10.2020, para subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.
5. A par do de constitucionalidade, moveu o mesmo arguido/demandado – doravante Recorrente –, o presente recurso para este STJ, limitado ao segmento do sempre referido acórdão de 29.4.2020 – doravante, Acórdão Recorrido – que conheceu, neles o condenando, dos pedidos de indemnização cível deduzidos na acção penal.
Recurso que foi admitido por douto despacho de 7.10.2020, «restrito à parte cível, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo [artigos 401º nº 1 alíneas a) e c), 406º nºs 1 e 2 al. a), 407º nº 2 al. a), 408º nº 1 al. a), 432º nº 1 b), este por referência ao artigo 400º nºs 2 e 3, todos do Código de Processo Penal]».
E recurso de cuja motivação o Recorrente extraiu as seguintes onze conclusões e que rematou com o seguinte pedido:
─ «I. O Recorrente foi condenando no pagamento de indemnizações civis no montante total de 758.564,45 €, acrescido de juros, considerados devidos aos Demandantes:
a. DD, no montante de 6.125,08€,
b. EE, no montante de 6.349,88€,
c. Instituto da Segurança Social IP, no montante de 709.862,22€,
d. Movex – Produção, Venda e Aluguer de Módulos Pré-Fabricados SA, no montante de 3.139,50€,
e. Caixa Geral de Depósitos SA, no montante de 25.688,00€, e
f. FF, no montante de 7.610,22€.
II. Valores estes que os Demandantes haviam reclamado e visto reconhecidos no âmbito de processo de insolvência nº 1962/10.…., da sociedade “F……. – Engenharia e Construção Lda”.
III. Sociedade de que o Recorrente, no âmbito do presente processo penal, foi considerado gerente de facto no período decorrido desde meados de 2008 a Maio de 2011.
IV. Os factos ilícitos praticados pelo Recorrente respeitam às vendas de veículos da sociedade insolvente formalizadas no ano de 2010, e maioritariamente em julho desse ano.
V. As instâncias não fixaram nenhuns factos relativos à natureza, origem e data de constituição dos créditos reclamados e reconhecidos aos Demandantes, resultando impossível estabelecer um nexo de causalidade entre os factos da venda dos activos pela devedora e a causação de prejuízo na esfera patrimonial dos Demandantes.
VI. A matéria de facto apurada definitivamente pelas instâncias não inclui:
a. a imputação de concretas condutas que possam ser consideradas causais dos prejuízos dos Demandantes;
b. identificação e quantificação de quaisquer prejuízos decorrentes para a sociedade e para os seus credores da alienação do conjunto de viaturas;
c. a fixação da natureza, origem e data dos créditos reconhecidos aos Demandantes.
VII. E pelo contrário da matéria fixada pela instância resulta que a insolvência emerge da brutal redução do volume de negócios, expressos nos factos 10, 11 e 13, dos quais decorre que nos anos de 2008 a 2010 o volume de negócios da sociedade sofreu diminuição de 80%, sendo essa a causa da insolvência, demais que os veículos [sobre desnecessários face a tal redução] foram vendidos com realização de mais valia.
VIII. Exclusivamente valoradas como prova as declarações de venda de veículos automóveis, documentadas e contabilizadas, deve considerar-se que as mesmas não constituem actos que se apresentem em relação de causalidade com os prejuízos dos Demandantes.
IX. É por demais evidente que, no concreto contexto apurado, a venda dos veículos por valor superior ao do seu valor contabilizado, por uma sociedade em acelerada recessão, representando o produto da venda 7,5% dos créditos reclamados, não se alcandora a qualquer das previsões típicas, nem pode ser considerada causal de qualquer dos prejuízos dos Demandantes nos autos.
X. Os concretos factos apurados pela instância, da venda de viaturas automóveis, constituem actos de comércio lícitos, praticados a título oneroso, com a devida contrapartida, pelo que não podem ser considerados causais dos prejuízos reclamados.
XI. Condenando o Recorrente no pagamento de indemnizações civis sem estabelecer um qualquer nexo causal entre as condutas declaradas ilícitas [venda de veículos] e o montante dos créditos reconhecidos aos Demandantes [valorados como "prejuízos" emergentes da prática dos crimes], o tribunal violou o regime dos artigos 129º do Código Civil e 483º, do Código Civil.
Termos em que deve ser julgado procedente o recurso e proferida decisão que absolva o recorrente dos pedidos cíveis formulados por inexistência de nexo de causalidade entre o facto [da venda de veículos] e os "prejuízos" demonstrados [créditos reconhecidos].».
6. Apenas a demandante Caixa Geral de Depósitos, SA (CGD), respondeu ao recurso, pronunciando-se pela sua rejeição ou, pelo menos, pela sua improcedência.
Oportunidade em que sustentou, em suma;
─ Quanto à rejeição:
─ Restrito, embora, o recurso à parte cível, o Acórdão Recorrido é irrecorrível para este STJ por obstáculo da dupla conforme, seja a prevista no art.º 400º n.º 1 al.ª f) do CPP, seja, talvez com maior rigor, a prevista no art.º 672º n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por via do art.º 402º n.º 3 e 4º do CPP.
─ Quanto à improcedência:
─ No recurso que moveu ao acórdão de 1ª instância o Recorrente não questionou de direito a decisão proferida quanto aos pedidos cíveis, limitando-se a «impugnar a factualidade provada» quanto à matéria penal «da qual [
…] resultaria a absolvição do arguido e inerente improcedência dos pedidos cíveis».
─ A confirmação, transitada, de facto e de direito da condenação penal pelo Acórdão Recorrido e sem que, ao menos a título subsidiário, o Recorrente tenha impugnado do ponto de vista do direito a condenação cível, implica, igualmente, o trânsito e a inimpugnabilidade desta.
─ De resto e em bom rigor, o recurso reedita as questões de facto colocadas ao Tribunal da Relação e que este definitivamente resolveu.
─ Questões que, de qualquer modo, não podem ser conhecidas pelo Supremo Tribunal, que apenas conhece de direito, nos termos do art.º 434º do CPP.
Por outro lado:
─ Ainda que encaradas do ponto de vista de direito, as questões suscitadas da (in)existência do dano e do nexo de causalidade entre o facto do agente e o dano, não podem proceder, quer por contrariadas pela matéria de facto definitivamente assente – que sustenta, inequivocamente, (também) aqueles dois pressupostos da obrigação de indemnizar –, quer por se tratar de questões novas sobre as quais «incidiu decisão de Direito há muito transitada por iniciativa do próprio arguido que sempre com ela se conformou».
─ Razões por que, mesmo que não rejeitado, haverá o recurso de improceder por falta de fundamento.
7. No momento previsto no art.º 416º n.º 1 do CPP, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, anotando que o recurso se limita «à decisão relativa aos pedidos de indemnização cível» e que o «Ministério Público não tem qualquer intervenção na parte cível do processo, por si ou em representação do Estado ou de pessoa colectiva de Direito Público que lhe caiba representar», absteve-se de (outra) pronúncia por falta de «legitimidade e interesse em agir».
8. Colhidos os vistos, de acordo com o exame preliminar, foram os autos presentes a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. Fundamentação.
A. Âmbito-objecto do recurso.
9. O objecto e o âmbito dos recursos são os fixados pelas conclusões formuladas na respectiva motivação – art.º 412º n.º 1, in fine, do CPP –, sem prejuízo do conhecimento das questões oficiosas [3].
Tribunal de revista, de sua natureza, o Supremo Tribunal de Justiça conhece apenas da matéria de direito – art.º 434 º do CPP.
Não obstante, deparando-se com vícios da decisão de facto previstos no art.º 410º n.º 2 do CPP ou com nulidade não sanada – n.º 3 da mesma norma – que inviabilizem a cabal e esgotante aplicação do direito, pode, por sua iniciativa, sindicá-los.
10. Reexaminadas as conclusões da motivação, não restam dúvidas de que o recurso se cinge ao segmento da(s) condenação(eis) cível(eis) e que o seu fulcro é o erro de interpretação e aplicação do regime da responsabilidade civil delitual previsto no art.º 129º do CP e 483º e ss. do CC.
Erro esse densificado, segundo Recorrente, na circunstância de, não obstante falhos no provado factos que (i) sustentassem as concretas condutas causais do prejuízo dos demandantes, que (ii) identificassem e quantificassem os prejuízos decorrentes para a sociedade insolvente e para os seus credores da alienação do conjunto das viaturas, que (iii) fixassem a natureza, origem e data dos créditos reconhecidos aos demandantes e que (iv) materializassem o nexo causal entre as vendas dos veículos, a insolvência da sociedade e o não pagamento dos créditos dos demandantes e consequente prejuízo destes, ainda assim o Acórdão Recorrido considerou reunidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar e decretou as correspectivas condenações.
Erro e circunstância(s) que, não obstante uma certa ressonância de facto, enformam inequivocamente questões de direito – ao acusar a insuficiência da matéria de facto não quer o Recorrente, como seria próprio de uma impugnação fundada, v. g.. no art.º 410º n.º al.ª a) do CPP, que se recomponha a decisão de facto de molde a que constitua base suficiente que permita a cabal, e esgotante, aplicação do direito, mas sim que se revoguem as condenações indemnizatórias por os factos adquiridos, cuja fixação não contesta, não sustentarem todos os pressupostos da obrigação – de que, por isso, cumpre, e é possível, conhecer neste tribunal de revista.
Antes delas, porém, há que tratar da questão da (in)admissibilidade do recurso para que a demandante/recorrida CGD alerta na contramotivação quando acusa obstáculo de dupla conforme nos termos no art.º 400º n.º 1 al.ª f) do CPP e, ou, no art.º 692º n.º 3 do CPC e 402º n.º 3 e 4º do CPP.
Questão, aliás, prejudicial e a abordar sob o prisma da dupla conformidade decisória ou outro que releve, que se trata de matéria oficiosa – art.º 608º n.º 2 do CPC, aplicável ex vi do art.º 4º do CPP.
Desse modo:
B. Apreciação.
a. Questão prévia: admissibilidade do recurso.
11. Confrontado com a confirmação no Acórdão Recorrido de tudo quanto vinha decidido da 1ª instância com excepção do perdimento de vantagens do crime, moveu-lhe o Recorrente recurso para este Supremo Tribunal da parte cível e recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional da parte criminal, que, como já dito, considerou esta insusceptível de impugnação ordinária por obstáculo das al.as e) e f) do art.º 400º do CPP.
Muito embora não caiba aqui decidir sobre a admissibilidade, sim ou não, de recurso para o STJ do segmento criminal, que não vem interposto, mas porque a demandada/recorrida CGD convoca a norma do art.º 400º n.º 1 al.ª f) do CPP para fundar a irrecorribilidade também na parte cível, sempre se dirá que, de facto, os art.os 399º, 400º n.º 1 al.as e) e f) e 432º n.º 1 al.ª b, todos do CPP, vedavam o acesso naquela parte a este tribunal, fosse porque – art.º 400º n.º 1 al.ª e) referido – não foi aplicada pena privativa de liberdade – que não o é a pena de substituição da suspensão executiva da prisão prevista no art.º 50º do CP –, fosse porque – art.º 400º n.º 1 al.ª f) –, não decretada pena de prisão em medida superior a 8 anos e reeditados os (mesmos) fundamentos e termos da condenação de 1ª instância, opera a dupla conforme obstativa do recurso.
12. Sucede contudo que as normas do art.º 400º n.º 1 al.as e) e f) que se vêm referindo, não colhem, hoje, aplicação em sede de recurso do segmento cível de acórdão penal.
E assim pois que, como se sabe, em 2007, através do Decreto-Lei n.º 48/2007, de 29.8, o legislador aditou ao art.º 400º sempre referido um n.º 3, a prescrever que «Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil».
Com o que quis significar – e a razão foi a ideia da «"igualdade" entre todos os recorrentes em matéria civil, dentro e fora do processo penal» [4] – que abandonava o paradigma, tradicional, da unicidade de pressupostos de recorribilidade da decisão penal lato sensu de que era expoente máximo o Assento n.º 1/2002, de 14.3 [5], passando-se a distinguir, para esse efeito, entre o segmento criminal propriamente dito e o segmento cível.
E intocada tal opção até ao presente e silente o legislador sobre as condições de admissibilidade próprias do recurso do segmento cível para além do que no n.º 2 do art.º 400º já vinha da redacção inicial do código – «Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada» –, firmou-se na jurisprudência deste Supremo Tribunal o entendimento de que a disciplina que estiver em falta no Código de Processo Penal haverá de ser procurada no processo civil por remissão subsidiária do art.º 4º do CPP, valendo, designadamente, em casos como o presente de recurso de acórdão do Tribunal da Relação para o STJ, as normas que no Código de Processo Civil regem no recurso de revista [6].
Normas essas, entre outras, as dos art.os 671º – que, entre o mais, dispõe no n.º 1 que «Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos», e no n.º 3 que, «Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte» – e 629º n.º 1 – que prescrevendo que «O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa», complementará pelo menos, na sua última parte a norma daquele art.º 400º n.º 2 do CPP.
E normas em que se surpreendem as seguintes condições, cumulativas, de admissibilidade do recurso cível:
─ Em primeiro lugar, é preciso que o valor do pedido cível enxertado exceda a alçada do Tribunal da Relação, que in casu – diz-se já – tanto à data da dedução dos pedidos, todos em Outubro de 2017, como à data do acórdão de 1ª instância – 20.9.2019 – [7], era o de € 30 000,00 – art.os 400º n.º 2 e 629º n.º 1 do CPC e art.º 44º n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ);
─ Depois, é ainda necessário que o recorrente tenha decaído em valor superior a metade daquela alçada, ou seja, no cenário do caso, em pelo menos € 15 000,01 – preceitos referidos na parágrafo precedente;
─ Por fim, e tratando-se, como se trata, de acórdão do Tribunal da Relação tirado em recurso de decisão final de 1ª instância, exige-se, igualmente, que ou não tenha sido confirmado o segmento do dispositivo do acto recorrido – sendo, ainda, confirmativa a decisão in mellius [8] –, ou/e tenha sido lavrado voto de vencido, ou/e tinha sido mobilizada fundamentação essencialmente diferente – art.º 671º n.º 3 do CPC.
Ainda assim – isto é, independentemente da alçada, da sucumbência e da dupla conformidade –, o recurso será sempre admissível se estiver em jogo algum dos fundamentos enunciados no n.º 2 do art.º 629º do CPC.
13. Ora, a norma do art.º 671º n.º 3 citada foi, precisamente, uma das que a CGD invocou para se opor ao seguimento do recurso [9], dizendo que, tendo o Tribunal da Relação confirmado a condenação cível de 1ª instância, se verifica, precisamente, a dupla conformidade nela figurada que impede o recurso de revista.
Esquece, contudo, aquela demandante que, não obstante tal confirmação – inclusivamente, com apoio na mesma fundamentação –, falha o terceiro requisito da dupla conformidade invocada, qual seja o da inexistência de voto de vencido, que, como oportunamente assinalado, a Senhora Desembargadora Adjunta divergiu da maioria no tocante à fixação dos factos que deram o Recorrente como gerente de facto da sociedade devedora – e que serão, pelo menos, os dos n.os 5) a 8) do provado –, entendendo que, de contrário, deviam ter sido considerados não provados e, na consequência, devia ter sido decretada a absolvição do Recorrente por falência daquele requisito da culpabilidade previsto nos art.os 12º n.os 1 e 2 e 227º n.º 3 do CP.
Sendo que – salvo, como sempre, o devido respeito –, não vale dizer em contrário que o voto de vencido é restrito à matéria penal e que, por isso, não releva para efeitos da (des)conformidade cível, isso pois que bem se sabe que a causa de pedir da obrigação de indemnizar fundada na prática de crime repousa nos mesmos factos-fundamento da culpabilidade penal, a que acrescem apenas, os relativos ao dano (civil) e ao nexo de causalidade entre o facto ilícito e tal dano [10].
O que tudo significa que, respeitando a divergência da Senhora Desembargadora à figuração dos pressupostos em que, a um mesmo tempo, se fundam as responsabilizações criminal e civil, se tem que entender que o voto de vencido, pese mais orientado para a decisão criminal, se referencia, igualmente, à decisão cível, desse modo afastando a dupla conformidade que, nos termos do art.º 671º n.º 3 sempre referido, exclui a possibilidade de recurso.
E tudo assim com a consequência de, em contrário do alegado pela CGD, nada obstar, nessa vertente, ao seguimento do recurso.
14. Mas de não estar obstaculizado pela dupla conformidade prevista no art.º 671º n.º 3 do CPC, não se resulta que o recurso interposto possa, sem mais, ter seguimento, pelo menos em toda a sua extensão.
É que, embora deduzidos todos no mesmo procedimento penal por fundados todos na prática do mesmo crime, nem assim os seis pedidos de indemnização formulados perderam a sua individualidade própria, ou não se referencie cada um deles a uma relação material autónoma, ou não enforme, também cada um deles, uma acção individualizável que, mais do que – ou tanto como, pelo menos – a comunhão na causa de pedir, só o princípio da adesão consagrado no art.º 71º do CP reuniu obrigatoriamente no mesmo procedimento, numa situação de coligação activa necessária legal (também) prevista no art.º 30º n.º 1 do CPC [11].
E tratando-se, como se trata, de acções autónomas onde se exercitam direitos próprios e individualizáveis de cada demandante/credor, mesmo se com uma causa de pedir (em parte) comum, e com um devedor/demandado também comum, segue-se que os pressupostos da recorribilidade respectiva, mormente os da alçada e da sucumbência, hão-de ser aferidos relativamente a cada um dos pedidos e correspondentes condenações e não à soma de todos eles [12].
Havendo, então, que aferir as condições de recorribilidade relativamente a cada pedido/condenação, veja-se o que, caso a caso, ocorre, começando por uma breve resenha dos momentos facto-procedimentais mais relevantes das seis acções cíveis enxertadas.
15. Revisitados, então, os autos para o efeito, surpreendem-se, no mais significativo, os seguintes passos:
─ Em Outubro de 2017, os ofendidos/lesados civis a seguir indicados deduziram no presente PCC n.º 137/12…. pedidos de indemnização civil fundados na prática do crime sob a acusação de insolvência dolosa agravada contra os arguidos CC, AA e BB, reclamando a condenação deles no pagamento das seguintes quantias:
─ DD:
─ € 6 125,08 e juros de mora legais desde a citação até efectivo pagamento, sendo € 5 125,08 por danos patrimoniais, equivalentes aos créditos laborais não pagos, e € 1 000, por danos não patrimoniais;
─ EE:
─ € 6 349,88 e juros de mora legais desde a citação até efectivo pagamento, sendo € 5 349,88 por danos patrimoniais, equivalentes aos créditos laborais não pagos, e € 1 000,00 por danos não patrimoniais.
─ Instituto da Segurança Social, IP (ISS):
─ € 709 862,22, equivalentes aos montantes de contribuições não pagas, e juros de mora desde a citação até efectivo pagamento.
─ Movex – Produção, Venda e Aluguer de Módulos Pré Fabricados, S.A.:
─ € 3 139,50, sendo € 2846,40 equivalentes a aluguer de contentores não pago e € 293,10 de juros à data da insolvência, e juros de mora legais até efectivo pagamento.
─ Caixa Geral de Depósitos, S. A.:
─ € 25 688,00, sendo € 23 880,50 equivalentes ao não pagamento de uma letra de câmbio e € 1 807,05 a juros.
─ FF:
─ € 7 610,22 e juros mora até efectivo pagamento.
─ À excepção do deduzido pelo ISS – que apenas procedeu quanto aos € 709 862,22 equivalentes aos montantes de contribuições não pagas, e a juros de mora à taxa legal prevista no Código Civil desde a notificação até efectivo pagamento, mas não quanto aos juros, peticionados, ao abrigo dos art.os 16º do Decreto-Lei n.º 411/91, de 17.10, e 3º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16.3. –, todos os pedidos cíveis foram julgados totalmente procedentes em 1ª instância, sendo o Recorrente condenado no pagamento das quantias pedidas.
─ No recurso que interpôs do acórdão para o Tribunal da Relação do Porto, o Recorrente impugnou todas as condenações, criminais e cíveis, pedindo a revogação do decidido e a sua absolvição in totum.
─ Tirando, como repetidamente referido, questão do perdimento das vantagens do crime, recurso improcedeu, criminal e civilmente, confirmando o Acórdão Recorrido os termos da condenação da 1ª instância e com base na mesma fundamentação, porém, com o voto de vencido já mencionado.
16. Ora, perante o quadro que se acaba de desenhar e presente tudo quanto se disse em 12. supra acerca dos requisitos da alçada e da sucumbência prescritos nos art.os 400º n.º 2 do CPP e 629º n.º 1 do CPC, fácil é de concluir que, das seis decretadas, apenas a condenação em favor do ISS admite recurso de revista para este Supremo Tribunal, que só os valores dela excedem – simultaneamente, como se exige –, o do pedido, os € 30 000,00 da alçada do Tribunal da Relação, e, o da sucumbência, os € 15 000,00 da metade dela, mesmo que neles apenas se computem, como apenas são de computar, os € 709 862,22 do valor do prejuízo que não também o dos juros [13].
Já quanto às demais – insiste-se para enfatizar –, não é de conhecer do recurso: os pedidos/ condenações em favor do DD, EE, Movex e FF – € 6 125,08, € 6 349,88, € 3 139,50 e € 7 610,2, respectivamente, recorde-se – não se aproximam sequer dos valores referidos; os em favor da CGD – € 23 880,50 –, satisfazendo o requisito da sucumbência, não respondem, todavia, ao, cumulativo, da alçada.
17. Razões por que – e ainda porque não é caso em que o recurso seja sempre admissível, que não vem alegado, nem ocorre, nenhum dos fundamentos previstos no art.º 629º n.º 2 do CPC decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso no respeitante às condenações em favor dos lesados civis DD, EE, CGD, Movex e FF, por inamissibilidade legal, nos termos das disposições conjugadas dos art.os 399º, 400º n.º 2 e 3, 432º n.º 1 al.ª b) (a contrario) e 4º, todos do CPP, 629º n.º 1 do CPC e 44º n.º 1 da LOSJ.
Não conhecimento a que, aliás, em nada obsta a circunstância de o recurso ter sido nessa parte admitido no Tribunal da Relação do Porto que, por determinação expressa do art.º 414º n.º 3 do CPP, se trata de decisão que não vincula este tribunal.
b. Mérito do recurso.
18. Restringido, assim, o âmbito-objecto do recurso à condenação em favor do ISS e, na medida do que esta interesse, às questões enunciadas em 10., veja-se do fundamento respectivo.
E, para o efeito, comece-se por recensear a matéria de facto relevante.
(a). Matéria de facto.
19. Fixados em 1ª instância e integralmente confirmados – com a correcção do lapso de escrita já assinalado – no Acórdão Recorrido, a decisão sobre os pedidos cíveis assentou, no fundamental, nos seguintes factos provados:
─ «I
A
1) Em data concretamente não apurada, mas registada a 9 de julho de 2004, GG constituiu a sociedade . F….. – Engenharia Unipessoal, Lda, tendo por objeto social atividades de arquitetura, engenharia e técnicas afins, com o número de pessoa coletiva …, € …de capital social, com sede na Rua …. …, …, …, com a seguinte composição societária e gerência:
─ sócio: GG, com uma quota de € 5000; e
─ gerentes: o referido GG, obrigando-se a sociedade com a assinatura do gerente;
2) A 14 de dezembro de 2006, foi registada a aquisição das quotas, a transformação da sociedade referida em 1) em sociedade por quotas, alteração do objeto social, a renúncia de gerente, a designação de membros dos órgãos sociais e a mudança de sede nos seguintes termos:
─ transformação em sociedade por quotas, com a ....;
─ sócios: HH e II, cada um com uma quota de € …;
─ gerentes: nomeados, após renúncia do anterior, HH e II, obrigando-se a sociedade pela assinatura conjunta dos dois gerentes;
─ alteração da sede social para Lugar … (…), Fração …, freguesia …, ….;
─ objeto social: atividades de arquitetura, engenharia e técnicas afins, construção civil e obras públicas, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim e transportes de mercadorias por conta de outrem;
3) A 9 de janeiro de 2009, relativamente à sociedade referida supra, foi registado o seguinte:
─ a transmissão da quota de HH para II; e
─ gerente: nomeado, após renúncia de HH, II, obrigando-se a sociedade pela assinatura da gerente;
4) A 2 de julho de 2010, por deliberação datada de 9 de janeiro de 2009, foi registada a renúncia à gerência da sociedade de II, sendo nomeado para o efeito BB;
5) Apesar do que consta no registo comercial, desde meados de 2008, o arguido CC, BB e AA (doravante, designados respetiva e simplesmente por BB e AA) são os efetivos sócios e donos da sociedade identificada em 1) a 4);
6) Além disso e apesar do que consta no registo comercial, desde meados de 2008 e até maio de 2011, o arguido CC, BB e AA exercem os poderes inerentes à gerência da referida sociedade, cabendo-lhes a definição da estratégia empresarial, comercial, celebrando contratos, recebendo dinheiro dos clientes, preenchendo e assinando faturas e recibos correspondentes e afetando os meios financeiros ao cumprimento das respetivas obrigações, pagando aos trabalhadores, entre outras incumbências;
7) O arguido CC permanecia essencialmente nos escritórios da sociedade F…… – Engenharia e Construção, Lda., ocupando-se essencialmente dos assuntos burocráticos e da contabilidade, surgindo formalmente como contabilista da dita sociedade;
8) Uma vez que não surgia formalmente como gerente da sociedade identificada em 1) a 4) e para que o mesmo atuasse nos termos descritos em 1) a 7), o arguido CC era portador de procuração com amplos poderes passada por quem tinha os poderes formais para representar a sociedade;
9) BB e AA desempenhavam tarefas essencialmente ligadas às empreitadas de construção civil assumidas pela sociedade referida em 1) a 4), dirigindo e chefiando os funcionários da empresa nas concretas obras em curso, aí lhes dando ordens e distribuindo tarefas;
10) Em 2008, a sociedade identificada em 1) a 4):
─ apresentava um imobilizado corpóreo, no final deste ano, de no valor bruto de € 233 054,01 (constituído por € 4 745 de equipamento básico, € 288 090,69 de equipamento de transporte e € 218,32 de equipamento de escritório) e líquido de € 113 358,91 (constituído por € 3 511,32 de equipamento básico, € 109 815,39 de equipamento de transporte e € 32,20 de equipamento de escritório);
─ tinha € 112 124,11 de disponibilidades, sendo € 96 298,94 de depósitos bancários e € 15 825,17 de caixa;
─ o resultado líquido de exercício foi € 29 036,28, registando um capital próprio positivo de € 37 887,94;
─ o volume de negócios foi de € 2 960 790,73;
11) Em 2009, a referida sociedade identificada em 1) a 4):
─ apresentava um imobilizado corpóreo, no final deste ano, no valor bruto de € 163 407,23 (constituído por € 4 923,47 de equipamento básico, € 155 265,69 de equipamento de transporte e € 3 218,07 de equipamento de escritório) e líquido de € 45 467,38 (constituído por € 2 869,54 de equipamento básico, € 40 398,39 de equipamento de transporte e € 2 198,85 de equipamento de escritório);
─ tinha € 618 861,95 de disponibilidades, sendo € 8 073,18 de depósitos bancários e € 610 788,77 de caixa; e
─ o volume de negócios foi de € 1 575 632,90;
12) Ao longo do ano de 2009, o arguido CC, BB e AA, no contexto descrito em 5) a 9), decidiram alienar os seguintes veículos automóveis pertencentes à sociedade identificada em 1)a 4), o que sucedeu com a intervenção do arguido munido de procuração nos termos referidos em 8):
─ a 20.5.2019, veículo … de matrícula ….-CX-…., a JJ;
─ a 17.7.2009, veículo … de matrícula ….-IC, com o motor partido e sem contrapartidas, a LL;
─ a 10.12.2009, o veículo …. de matrícula ….-LR à sociedade comercial …..;
13) Em 2010, a sociedade identificada em 1) a 4):
─ apresentava um imobilizado corpóreo no valor bruto de € 134 898,15 (constituído por € 4923, de equipamento básico, € 126 756,61 de equipamento de transporte e € 3218,07 de equipamento de escritório)e líquido de € 6559,58 (constituído por € 2049,29 de equipamento básico, € 3144,54 de equipamento de transporte e € 1365,75 de equipamento de escritório);
─ tinha € 516 137,61 de disponibilidades, sendo € 617,46 de depósitos bancários e € 515 520,15 de caixa;
─ o volume de negócios foi de € 583 576,48;
14) Além disso, ainda nesse ano de 2010, a ... era proprietária ou tinha na sua disponibilidade os seguintes veículos automóveis:
─ …, de matrícula …..-SZ;
─ …, de matrícula .….-TB;
─ …, de matrícula ….-AM
─ …, de matrícula QG-.…;
─ …, de matrícula …..-AH;
─ …, de matrícula ……-DJ;
─ …, de matrícula ……-BO;
─ …, de matrícula FU-……;
─ …, de matrícula …….-EF;
─ …, de matrícula ….…-HZ;
─ …, de matrícula …….-CL;
─ …, de matrícula ……..-AJ;
─ …, de matrícula …..…-VR;
─ …, de matrícula …….-MQ;
─ …, de matrícula …..…-RV;
─ …, de matrícula …-AD-….;
─ …, de matrícula …-CP-…..;
─ …, de matrícula ………-SF;
─ …, de matrícula ………-OI;
─ …, de matrícula VG-……..;
─ ..., de matrícula ………-PD;
─ …, de matrícula DU-….….;
─ …, de matrícula XE-…..…;
─ …, de matrícula XX-…..…;
─ …, de matrícula ………-UU;
─ …, de matrícula ……….-CF;
15) Os referidos veículos automóveis mostravam-se essenciais à prossecução do objeto social da sociedade identificada em 1) a 4), servindo, além do mais, para transportar os trabalhadores ao seu serviço e, ainda, os materiais e utensílios às diversas obras, assim como para a deslocação visando o contacto com clientes, fornecedores e outras tarefas;
16) Os referidos veículos automóveis eram, ainda, a principal garantia patrimonial da sociedade identificada em 1) a 4) perante os seus credores;
17) Em 2009 e 2010, a sociedade identificada em 1) a 4) passava por dificuldades económicas, com dívidas aos fornecedores, salários em atraso aos seus trabalhadores e ex-trabalhadores e vários processos judiciais, nomeadamente ações no Tribunal de Trabalho e ações executivas;
B
a
18) Em face da situação descrita em 17) e conhecedores dela, o arguido CC ,BB e AA engendraram, e depois executaram nos termos infra descritos, um plano que tinha em vista, à custa do prejuízo dos seus credores, fazer desaparecer ou diminuir património da sociedade identificada em 1) a 4) e assim eximir-se ao pagamento das suas dívidas;
19) Para tanto, e percebendo que os credores da referida sociedade identificada em 1) a 4) apenas se poderiam pagar à custa dos aludidos veículos, o arguido CC, BB e AA decidiram retirar os veículos acima referidos da esfera patrimonial da sociedade identificada em 1) a 4), alienando-os a terceiros, registando-os a favor de terceiros ou fazendo-os desaparecer e, ao mesmo tempo, continuar a usufruir, direta ou indiretamente, deles;
20) Na concretização do plano assinalado e no contexto descrito em 5) a 9), o arguido CC, BB e AA, durante o ano de 2010 e em especial durante o mês de julho de 2010, fizeram desaparecer todo o património que constituía o imobilizado da sociedade referida em 1) a 4), em favor de sociedades geridas por si ou por pessoas da sua confiança, tais como a T…… Construções, Lda., Tr………Construções Unipessoal Lda. e P……. – Construções Unipessoal, Lda., nomeadamente:
─ HH, tio do arguido, tendo sido gerente da F…… – Engenharia e Construção, Lda. e gerente da sociedade T…… Construções, Lda.;
─ AA, sócio gerente da Tr….. Construções Unipessoal, Lda., tendo sido gerente da C……, S.A.;
─ II, esposa do arguido AA, sócia e gerente da sócia e gerente da F…… – Engenharia e Construção, Lda. e tendo sido vogal do Conselho de Administração da C……, S.A.; e
─ o próprio arguido CC, que foi presidente do Conselho de Administração da C……., S.A.. e surgia formalmente como contabilista da T…… Construções, Lda.;
21) Neste contexto, o arguido CC, BB e AA fizeram desaparecer ou alienaram, o que sucedeu com a intervenção do arguido munido de procuração nos termos referidos em 8), os seguintes veículos nos termos que seguem:
i. …, de matrícula …….-CZ, do ano de 2001:
─ registada a aquisição a favor da sociedade C……., S.A. e da S….., S.A em 2.1.2006, sendo depois transmitido à sociedade F…… – Engenharia e Construção, Lda., aquisição que foi registada a 11.6.2007;
─ a 2.7.2010, o aludido veículo foi transmitido à sociedade T……. Construções, Lda., intervindo o arguido CC pela F…… – Engenharia e Construção, Lda. como procurador desta última e pela T…….. ,HH;
─ a T…… Construções, Lda., cujo contabilista é o arguido CC, registou na sua contabilidade a aquisição e pagamento deste veículo à F……. – Engenharia e Construção, Lda. por € 9000, em agosto de 2010;
─ o arguido CC juntou à contabilidade da F……. – Engenharia e Construção, Lda. extrato contabilístico da alienação deste veículo por € 6503,97;
ii. …, de matrícula ……-TB, do ano de 2002:
─ registada a aquisição a favor da sociedade C……., S.A. e da S……, S.A. em 29.12.2005, sendo depois transmitido à sociedade F…… – Engenharia e Construção, Lda., aquisição que foi registada a 26.2.2007;
─ a 2.7.2010, o aludido veículo foi transmitido à sociedade T…… Construções, Lda., intervindo pela T…..… HH e o arguido CC pela F……. – Engenharia e Construção, Lda.como procurador desta última;
─ a 9.9.2011, o aludido veículo foi apreendido pela massa da insolvente F…… – Engenharia e Construção, Lda.;
iii. …, de matrícula …..-AH, do ano de 1992:
─ registada a aquisição a favor da sociedade C……, S.A. em 5.1.2006, sendo depois transmitido à sociedade F……. – Engenharia e Construção, Lda., aquisição que foi registada a 14.5.2007, tendo o arguido CC intervindo como gerente da C..… e como procurador da F…...;
─ a 12.7.2010, o aludido veículo foi transmitido à sociedade Tr….. – Construções Unipessoal Lda., intervindo o arguido CC pela F…. – Engenharia e Construção, Lda como procurador desta última e pela Tr…..… gerida pelo AA, irmão do BB;
─ A alienação foi titulada pela fatura n.º …, datada de 31.7.2010, emitida em nome de Tr….…, pelo valor de € 1500;
─ a 9.9.2011, a aludida viatura foi apreendia pela massa da insolvente ....;
iv. …., de matrícula …..-AM, do ano de 1992:
─ registada a aquisição a favor da sociedade C……., S.A. em 16.1.2006, a qual tinha como administradores os arguidos CC e AA e, ainda, II, que também foi formalmente gerente da sociedade F……. – Engenharia e Construção, Lda até 9.1.2009;
─ o aludido veículo, depois, foi transmitido à sociedade F…….. – Engenharia e Construção, Lda.aquisição que foi registada a 14.5.2007, proveniente da dita C……, tendo o arguido CC intervindo como procurador da F…….. e também como representante da C…… Construções, S.A.;
─ a 12.7.2010, o aludido veículo foi transmitido à sociedade Tr……. – Construções Unipessoal Lda., intervindo o arguido CC pela F……. – Engenharia e Construção, Lda. como procurador desta última e pela Tr….. gerida pelo AA, irmão do BB;
─ A alienação foi titulada pela fatura n.º …, datada de 31.7.2010, emitida em nome de Tr…..,, pelo valor de € 2000;
─ a 17.1.2011, a aludida viatura foi transmitida à sociedade P……..;
v. …, de matrícula QG-.…, do ano de 1988:
─ registada a aquisição a favor da sociedade F…… – Engenharia e Construção, Lda. 28.10.2008 e por esta segurado;
─ a 26.5.2010, o aludido veículo foi penhorado pela ……….., no âmbito de processo do Tribunal Judicial ….;
─ a 12.7.2010, o aludido veículo foi transmitido à sociedade Tr……– Construções Unipessoal Lda.., intervindo o arguido CC pela ... como procurador desta última e pela Tr…….;
─ A alienação foi titulada pela fatura n.º …, datada de 31.7.2010, emitida em nome de Tr……, pelo valor de € 1500;
vi. …, de matrícula ….-DJ, do ano de 1994:
─ registada a aquisição a favor da sociedade F….. – Engenharia e Construção, Lda. 20.5.2009 e por esta segurado, depois de adquirido a MM, tendo o arguido CC intervindo como representante da F……;
─ a 12.7.2010, o aludido veículo foi transmitido à sociedade P……. – Construções, Unipessoal, Lda., intervindo o arguido CC pela F…… como gerente, com reconhecimento da sua assinatura como “gerente”;
vii. …., de matrícula ….-BO, do ano de 1993:
─ registada a aquisição a favor da sociedade C……., S.A. em 16.1.2006;
─ o aludido veículo, depois, foi transmitido à sociedade F…….. – Engenharia e Construção, Lda., aquisição que foi registada a 14.5.2007, proveniente da dita C……., tendo o arguido CC intervindo como procurador da F……… e também em representação da C……., juntamente com II;
─ de 19.5.2009 a 26.5.2009, o aludido veículo esteve segurado pelo NN;
─ o aludido veículo foi penhorado a 7.12.2009 pela ... no âmbito de processo do Tribunal de …;
─ em 9.9.2011, foi registada a apreensão do referido veículo a favor da massa da insolvente ...., mas nunca o mesmo foi efetivamente apreendido por se desconhecer o seu paradeiro;
viii. …., de matrícula FU-…, do ano de 1980:
─ registada a aquisição a favor da sociedade C……., S.A. em 12.8.2005;
─ o aludido veículo, depois, foi transmitido à sociedade F…… – Engenharia e Construção, Lda., aquisição que foi registada a 14.5.2007, proveniente da dita C……, tendo o arguido CC intervindo como procurador da F……. e também em representação da C……, juntamente com II;
─ a 21.7.2010, o aludido veículo foi registado a favor da sociedade ....;
ix. …., de matrícula ….-EF, do ano de 1994:
─ registada a aquisição a favor da sociedade C…….., S.A em 19.5.2005;
─ o aludido veículo, depois, foi transmitido à sociedade F……… – Engenharia e Construção, Lda., aquisição que foi registada a 14.5.2007, proveniente da dita C……., tendo o arguido CC intervindo como procurador da F…….. e também em representação da C…….., juntamente com II;
─ em 9.9.2011, foi registada a apreensão do referido veículo a favor da massa da insolvente F…….. – Engenharia e Construção, Lda., mas nunca o mesmo foi efetivamente apreendido por se desconhecer o seu paradeiro;
x. …., de matrícula ….-HZ, do ano de 1996:
─ registada a aquisição a favor da sociedade C…….. em 16.1.2005;
─ o aludido veículo, depois, foi transmitido à sociedade F……. – Engenharia e Construção, Lda., aquisição que foi registada a 14.5.2007, proveniente da dita C……., tendo o arguido CC intervindo como procurador da F……. e também em representação da C……, juntamente com II;
─ O referido veículo foi penhorado em 7.12.2009 pela … no âmbito de processo do Tribunal Judicial de ....;
─ em 9.9.2011, foi registada a apreensão do referido veículo a favor da massa da insolvente ...., mas nunca o mesmo foi efetivamente apreendido por se desconhecer o seu paradeiro;
xi. …., de matrícula ..…-CL, do ano de 1993:
– registada a aquisição a favor da sociedade C…… em 16.1.2005;
– o aludido veículo, depois, foi transmitido à sociedade F….. – Engenharia e Construção, Lda., aquisição que foi registada a 14.5.2007, proveniente da dita C……., tendo o arguido CC intervindo como procurador da F……. e também em representação da C….., juntamente com II;
– O referido veículo foi penhorado em 30.10.2010 por OO no âmbito de processo do Tribunal de Trabalho de ….;
– entre 3.11.2010 e 3.7.2011, o referido veículo esteve segurado pela sociedade ....;
– em 9.9.2011, foi registada a apreensão do referido veículo a favor da massa da insolvente F…….. – Engenharia e Construção, Lda.,, vindo ser encontrado num sucateiro e liquidado por € 50;
xii. …., de matrícula ……-AJ. do ano de 1992:
─ registada a aquisição a favor da sociedade F……. – Engenharia e Construção, Lda. em 26.2.2008, tendo sido adquirido pela F…… com intervenção do arguido CC;
xiii. O veículo automóvel …., de matrícula …-VR, do ano de 2003:
─ foi registada a aquisição a favor da sociedade C…….., S.A e da S…….. em 24.3.2006;
─ o aludido veículo, depois, foi transmitido à sociedade F…….. – Engenharia e Construção, Lda., aquisição que foi registada a 22.3.2007;
─ O referido veículo foi apreendido pela massa da insolvente F……. – Engenharia e Construção, Lda.na posse e junto das instalações da sociedade T…… Construções, Lda.,, sendo posteriormente liquidado por aquela massa;
xiv. …, de matrícula .…..-MQ, do ano de 1999:
─ registada a aquisição a favor da sociedade C……., S.A. e da S…….. e da …. em 27.5.2005;
─ o aludido veículo, depois, foi transmitido à sociedade F……. – Engenharia e Construção, Lda., aquisição que foi registada a 27.11.2007 e por esta segurado;
─ foram registadas diversas penhoras a 7.12.2009, 28.12.2009 e a 4.8.2011 a favor, respetivamente, da ……, Instituto da Segurança Social, I.P. e Fazenda Pública;
─ o aludido veículo foi transmitido pela F……. – Engenharia e Construção, Lda., intervindo o arguido CC em representação desta sociedade, para a sociedade ….. – Construções, Lda., que também o segurou, aquisição que foi registada a 31.3.12010;
xv. …, de matrícula ……-RV do ano de 2001:
─ segurada, entre 27.12.2005 e 6.2.2007, pela sociedade C…… S.A.;;
─ a aquisição do aludido veículo foi registada em favor da S…… e da F….. – Engenharia e Construção, Lda.a 15.3.2005, sendo pela F…… segurado;
─ apesar de se manter como não abatido nos mapas da contabilidade da F…… em 2010, desconhece-se o respetivo destino;
xvi. …, de matrícula ….-AD-…., do ano de 2005:
─ registada a aquisição a favor da sociedade C……. em 8.5.2006;
─ o aludido veículo, depois, foi transmitido à sociedade F….. – Engenharia e Construção, Lda., aquisição que foi registada a 14.11.2007, com reserva de propriedade;
─ a sociedade F……. foi tomadora do seguro deste veículo entre 14.11.2007 a 31.8.2011, sendo que, no entanto, o último contrato de seguro no período compreendido entre 11.3.2001 e 30.12.2011 surge como tomadora do seguro a sociedade Fe……. Construções Unipessoal, Lda, da qual é gerente PP, trabalhadora da F…….;
─ a 9.9.2011, o referido veículo foi apreendido pela massa da insolvente F…… – Engenharia e Construção, Lda., sendo liquidado por € 150;
xvii. …, de matrícula …-CP-…., do ano de 2005:
─ foi locado à ….;
─ entre 28.12.2006 e 19.3.2009, apresentou registo de seguro pela sociedade ....;
xviii. …, de matrícula ….-SF, do ano de 2001:
─ registo de aquisição feito a favor da sociedade F…. – Engenharia e Construção Lda.em 24.1.2007 e nesta sociedade segurado;
─ A sociedade F…… foi tomadora do seguro até 31.1.2011, sendo o último seguro do período compreendido entre 28.1.2011 e 27.5.2011, constando como tomar do seguro a sociedade L….. – Construções Unipedssoal, Lda.;;
─ a 28.12.2009, o aludido veículo foi penhorado ao arguido AA e em 9.9.2011 apreendido pela massa da insolvente F….. – Engenharia e Construção, Lda;;
xix. …, de matrícula …-OI, do ano de 1999:
─ registo de aquisição feito a favor da sociedade F…… – Engenharia e Construção, Lda; em 9.9.2008 e nesta sociedade segurado até 14.5.2011;
─ apreendido pela massa da insolvente da F……. – Engenharia e Construção, Lda;, foi vendido pelo valor de € 200 a 21.12.2011;
xx. …., de matrícula VG-..…, do ano de 1990:
─ registo de aquisição feito a favor da sociedade F….. – Engenharia e Construção Lda em 8.8.2008, a qual nunca foi tomadora do seguro relativamente a este veículo;
─ a 19.7.2010, a penhora do aludido veículo foi registada a favor de QQ no Tribunal Judicial de … e, em 9.9.2011, a apreensão do mesmo a favor da massa da insolvente F….. – Engenharia e Construção Lda;
─ o veículo nunca foi encontrado;
xxi. …, de matrícula .…-PD, do ano de 1999:
─ apesar de não haver qualquer registo ou indicação na F…… – Engenharia e Construção Lda, consta em 2010 na contabilidade desta nos respetivos mapas
xxii. …., de matrícula …-DU, do ano de 1994:
─ registo de aquisição feito a favor da sociedade na F…… – Engenharia e Construção, Lda.em 9.10.2009 e nesta segurado;
─ a 19.7.2010, a penhora do aludido veículo foi registada a favor de QQ no Tribunal Judicial de …;
─ a 3.8.2010, a sociedade na F……. – Engenharia e Construção, Lda. mediante a intervenção de II (cuja gerência havia cessado a 9.1.2009, registada a 2.7.2010), transmitiu o aludido veículo à sociedade Tr…….. representada pelo arguido AA, onde foi segurada;
─ a 21.5.2012, o aludido veículo foi apreendido pela massa da insolvente na F…….. – Engenharia e Construção, Lda., sendo avaliado em € 50 e liquidado pela mesma;
xxiii. …., de matrícula XE-..…, do ano de 1991:
─ registo de aquisição feito a favor da sociedade na F…… – Engenharia e Construção, Lda. em 11.4.2008 e nesta segurado, sendo que o último tomador de seguro foi a
─ referida F……, encontrando-se o contrato anulado desde 30.9.2008;
─ a 7.12.2009 e a 31.8.2012, foi registada a penhora do aludido veículo a favor, respetivamente, pela ... e Serviço de Finanças de ....;
xxiv. …., de matrícula XX-..…, do ano de 1991:
─ registo de aquisição feito a favor da sociedade na F……. – Engenharia e Construção, Lda. em 13.1.2010 e nesta segurado até 12.2.2011;
─ a 29.3.2010 e a 31.8.2012, foi registada a penhora sobre o aludido automóvel a favor, respetivamente, M………, Lda e do Serviço de Finanças de ....;
─ de 7.3.2011 a 6.9.2011, o referido veículo foi seguro em nome de NN e de 30.9.2011 a 16.5.2012 em nome de RR;
─ na contabilidade da sociedade F…… não consta qualquer registo da alienação do veículo;
22) Com as condutas acabadas de descrever, o arguido CC, AA e BB, de comum acordo e em comunhão de esforços, esvaziaram e depauperaram o ativo da sociedade F…… – Engenharia e Construção, Lda em benefício de terceiros e de terceiros consigo relacionados, sem que tenha auferido de qualquer vantagem que não fosse eximir-se das dívidas;
23) Assim, a sociedade F……. – Engenharia e Construção, Lda viu-se desprovida daqueles bens e, ainda, de meios para continuar a exercer a sua atividade, assim provocando um estado de real inviabilidade económica, de impossibilidade de recuperação financeira e do pagamento das suas dívidas, nomeadamente aquelas que foram reclamadas e reconhecidas no processo de insolvência, tais com as dos trabalhadores;
b
24) No âmbito do processo n.º 1962/10….., por decisão datada de 4.3.2011, transitada em julgado a 19.7.2011, a sociedade F…… – Engenharia e Construção, Lda. foi declarada insolvente, tendo a respetiva ação sido proposta por SS, seu ex-trabalhador, invocando créditos laborais não pagos dos anos de 2008 a 2010 no valor de € 25 303,81, não tendo sido deduzida qualquer oposição;
25) No aludido processo foram reconhecidos e pagos, respetivamente, os seguintes créditos:
─ € 10 478,53 a TT, relativa a créditos laborais, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 139,40 e pelo Fundo de Garantia Salarial a quantia de € 4 083,16;
─ € 8996,53 a DD, relativa a créditos laborais, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 114,19 e pelo Fundo de Garantia Salarial a quantia de € 3 757,26;
─ € 23 745,10, a UU, relativa a créditos laborais, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 423,88e pelo Fundo de Garantia Salarial a quantia de € 4297,54;
─ € 8 582,83 a LLL, relativa a créditos laborais, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 108,25 e pelo Fundo de Garantia Salarial a quantia de € 3616,26;
─ € 12 385,62 a VV, relativa a créditos laborais, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 182,10 e pelo Fundo de Garantia Salarial a quantia de € 4030,78;
─ € 29 460,55 a MMM, relativa a créditos laborais, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 558,25 e pelo Fundo de Garantia Salarial a quantia de € 3848;
─ € 6 932,05 a XX, relativa a créditos laborais, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 72,49 e pelo Fundo de Garantia Salarial a quantia de € 3606,42;
─ € 9 207,18 a EE, relativa a créditos laborais, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 119,20 e pelo Fundo de Garantia Salarial a quantia de € 3 738,10;
─ € 25 303,81 a SS, relativa a créditos laborais, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 473,14 e pelo Fundo de Garantia Salarial a quantia de € 3596,47;
─ € 17 831,70 a BBB, relativa a créditos laborais, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 5412,32 e pelo Fundo de Garantia Salarial a quantia de € 270,69;
─ € 4 837,83 a CCC, relativa a créditos laborais, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 35,60 e pelo Fundo de Garantia Salarial a quantia de € 3204,66;
─ € 12 609,18 a DDD, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 274,82;
─ € 6 460,70 a EEE, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 140,81;
─ € 25 688,08 à Caixa Geral de Depósitos, S.A., nada sendo pago pela massa;
─ € 420,75 à Câmara Municipal ..., nada sendo pago pela massa;
─ € 527,97 à …. , nada sendo pago pela massa;
─ € 9 727,16 a FFF, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 212,33;
─ € 8 411,12 a Fr…….., Lda.,, nada sendo pago pela massa;
─ € 709 862,22 ao Instituto da Segurança Social, I.P., relativo a contribuições das remunerações efetivamente pagas ao trabalhadores, nada sendo paga pela massa;
─ € 3 139,50 a Movex, Produção, Venda, Aluguer de Módulos Pré Frabricados, S.A.;
─ € 7 51,36 a PT – Comunicações, S.A.;
─ € 2 649,32 a GGG, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 57,74;
─ € 3 250 a HHH, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 70,83;
─ € 18 455 a PP, sendo-lhe paga pela massa a quantia de €
─ 402,02;
─ € 7 779,78 a JJJ, sendo-lhe paga pela massa a quantia de € 169,56;
26) Por sentença datada de 6.2.2012, proferida no âmbito do respetivo apenso, a insolvência da sociedade F…… – Engenharia e Construções, Lda. foi qualificada como culposa, sendo BB afetado pela mesma;
27) A referida insolvência da sociedade F…… – Engenharia e Construções, Lda. ficou a dever-se à ação concertada do arguido CC, AA e BB com o objetivo de impedir os credores da sociedade de obter a satisfação dos seus créditos à custa do seu património e, ainda, de eles manterem direta ou indiretamente a disponibilidade do seu património;
c
28) O arguido, BB e AA agiram de comum acordo e no âmbito de plano que previamente foi elaborado;
29) Eram conhecedores da situação económica e financeira da sociedade referida em 1) a 4), sabendo que a mesma tinha dívidas;
31) O arguido, BB e AA atuaram livre, voluntária e conscientemente, cientes de caráter ilícito e reprovável das suas condutas, sabedores que as mesmas eram, como ainda são, proibidas e punidas por lei;
C
a
32) DD, ao tempo dos factos, vivia em união de facto, tendo um filho pequeno e uma enteada;
33) A descrita conduta do arguido CC, AA e BB causou-lhe angústia e revolta a DD, sentindo-se nervoso, amargurado e inquieto;
34) Teve de recorrer a empréstimos de familiares para sobreviver
b
35) EE, ao tempo dos factos, vivia com a esposa, que não trabalhava, e quatro filhos;
36) A descrita conduta do arguido CC, AA e BB causou-lhe angústia e revolta a DD, sentindo-se nervoso, amargurado e inquieto;
II
[…].
45) Desde 2010, o arguido passa por dificuldades na sua atividade profissional, o que determinou o recurso à insolvência pessoal;
46) Atualmente, o arguido apenas exerce a atividade de …… através de uma nova empresa, entretanto constituída, a M……Lda., desde janeiro Pf.…..S.A. por incorporação de um outro gabinete de …… que operava no mercado;
47) O arguido aufere, nesta empresa, pelo menos € 611,60;
48) O arguido vive com a mãe, numa moradia propriedade desta, com boas condições de habitabilidade, na qual já vivia data dos factos, inscrita em meio rural sem problemáticas associadas;
49) A mãe presta algumas horas de serviço …… e beneficia de uma pensão de reforma ……..;
[…].».
Já quanto aos factos não provados, concordaram as instâncias, entre outros, nos seguintes:
─ «a) Sem prejuízo do descrito em 5) a 9) dos factos provados, AA e o arguido CC exerceram maioritariamente as funções de gerência da sociedade identificada em 1) a 4) dos factos provados, com o completo conhecimento, consentimento e colaboração de BB;
b) Sem prejuízo do descrito em 5) a 9) dos factos provados, o arguido CC e AA eram reconhecidos por trabalhadores, fornecedores e clientes da sociedade identificada em 1) a 4) dos factos provados como sendo os principais e efetivos donos e administradores da sociedade, juntamente com o arguido BB;
c) O arguido CC não tinha quaisquer poderes de gestão relativamente à sociedade F….. – Engenharia e Construção, Lda.,....;
d) Sem prejuízo do descrito em 5) a 9), nomeadamente o referido em 7) dos factos provados, o arguido CC limitava-se a ser o contabilista da sociedade identificada em 1) a 4) dos factos provados e a prestar alguma ajuda em assuntos burocráticos relativos à mesma;
e) O arguido CC interveio nos negócios da F…… – Engenharia e Construção, Lda.,, nomeadamente na aquisição e alienação de veículos automóveis, a pedido de AA e BB;
f) Sem prejuízo do aí descrito, o arguido desconhecia que, atuando do modo revelado em 18) a 21) dos factos provados, tornava impossível a continuação da laboração da sociedade F…… – Engenharia e Construção, Lda., e que prejudicava os credores, incluindo os trabalhadores, da mesma;
[…].
k) O arguido entrega parte do seu salário ao administrador da sua insolvência pessoal;».
(b). A figuração dos pressupostos da responsabilidade civil; a violação das normas do art.os 129º do CP e do art.º 483º do CC.
20. Nos termos do art.º 129º do CP, «A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil».
O pedido indemnizatório enxertado no processo penal – obrigatoriamente, aliás, nos termos do art.º 71º do CPP [14], salvo excepção prevista no art.º 72º do CPP [15] – tem, desse modo e necessariamente, como causa de pedir os factos que integram um crime, não servindo para tal efeito ilícito de outra natureza – por exemplo, o de incumprimento contratual ou de obrigação tributária –, muito menos facto lícito danoso [16].
Fundando-se a indemnização em danos, de qualquer natureza, emergentes da prática de um crime, doloso ou negligente, a remissão regulatória do art.º 129º do CP vai para as normas que no Código Civil disciplinam a responsabilidade civil por factos ilícitos, logo, as dos art.os 483º a 510º do CC, depois, também, as dos art.os 562º a 572º, que tratam da obrigação de indemnização e do nexo de causalidade .
Da articulação dos art.º 483º e 563º do CC emergem os cinco pressupostos gerais da obrigação de indemnizar delitual, a saber o facto, a ilicitude, a culpa, o dano, e o nexo causal entre o facto e o dano.
Evidenciado o facto do agente – «um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana» [17] –, a ilicitude – a violação da norma de proibição criminal e dos interesses públicos e/ou particulares que ela especialmente protege – e a culpa – a reprovabilidade pessoal da conduta do agente, que poderia e deveria ter agido de outra maneira, figurável a título de dolo ou de mera negligência –, que, tudo, a perfeição objectiva e subjectiva do ilícito criminal sempre revela, a obrigação de indemnização depende, ainda, da prova do dano e do nexo de causalidade entre ele e o facto.
Dano esse encarado tanto na perspectiva do dano real – a perda in natura que o lesado sente em virtude da lesão que sofre [18] – como na do dano patrimonial – o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado, englobando os danos emergentes e os lucros cessantes [19].
E causalidade essa, a adequada, na vertente da sua formulação negativa acolhida no art.º 563º do CC [20] – aliás, a aconselhável «provindo a lesão de um facto ilícito» [21] –, é dizer, na de que «o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a sua verificação .» [22].
21. Em reaproximação ao caso, tem-se que, como repetidamente afirmado, o Recorrente não consegue ver na matéria provada factos que (i) sustentem as concretas condutas causais do prejuízo dos demandantes, que (ii) identifiquem e quantifiquem os prejuízos decorrentes para a sociedade insolvente e para os seus credores da alienação do conjunto das viaturas, que (iii) fixem a natureza, origem e data dos créditos reconhecidos aos demandantes e que (iv) materializem o nexo causal entre as vendas dos veículos, a insolvência da sociedade e o não pagamento dos créditos dos demandantes e consequente prejuízo destes.
E daí que considere que não era possível ter por reunidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar exigidos, por remissão do art.º 128º do CP, pelo art.os 483º do CC, que ambos tem por violados.
Veja-se.
22. Quando diz que inexistem factos que sustentem as concretas condutas causais do prejuízo dos demandantes está, em boas contas, o Recorrente a questionar o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil "facto voluntário do agente", "ilicitude" e "culpa" que, simultaneamente, constituem elementos do tipo objectivo e subjectivo do crime de insolvência dolosa por que foi condenado.
E o mesmo acontece quando acusa a falta de factos identifiquem e quantifiquem os prejuízos decorrentes para a sociedade insolvente e para os seus credores da alienação do conjunto das viaturas, afinal complementar daquela outra e, em boa parte, apenas um outro enfoque da mesma realidade.
Sendo que ilustra as acusações dizendo que a venda dos veículos automóveis não foi causal da insolvência, já porque foram alienados em actos de comércio lícitos – e, até, por valor superior ao contabilístico –, já porque a origem daquela esteve, isso sim, na «brutal redução do volume de negócios» da insolvente, que passou de € 2 960 790,63 em 2008, para € 1 575 632,90 em 2009 e € 583 576,48 em 2010, como consta dos n.os 10., 11. e 13. do provado.
Sucede, porém, que, salvo, como sempre, o devido respeito, a objecção não tem fundamento, esquecendo – querendo esquecer – o que ficou assente na matéria de facto provada e que, ora, não é possível rectificar.
E nos termos dela – mormente nos dos n.os 5), 6), 8), 10), 11), 12), 15), 16), 17),18), 19), 20), 21), 22), 23), 28), 29) e 31) acima transcritos e que aqui se recordam – e como doutamente sublinharam os Senhores Juízes de 1ª instância, com o inteiro aplauso dos Senhores Desembargadores, constituem ora realidades indiscutíveis que, sabendo das dificuldades «por que passava a F…… - Engenharia e Construção, Lda., o arguido CC,BB e AA engendraram, e depois executaram um plano que tinha em vista, à custa do prejuízo dos seus credores, fazer desaparecer ou diminuir património da referida sociedade e eximir-se ao pagamento das suas dívidas, inclusive as referentes a créditos laborais»; que nesse quadro, «o arguido CC, juntamente com BB e AA decidiram retirar vários veículos automóveis da esfera da F…… - Engenharia e Construção, Lda., alienando-os a terceiros, registando-os a favor de terceiros ou fazendo-os desaparecer e, ao mesmo tempo, continuar a usufruir, direta ou indiretamente, deles»; que foi nessas circunstâncias que «foi decretada a insolvência – requerida por um dos trabalhadores – porque se reconheceu que a F….. - Engenharia e Construção, Lda., por força da ação do arguido CC (e de BB e AA), não estava em condições de cumprir com as suas obrigações e de pagar as suas dívidas»; que «o arguido CC,BB e AA agiram de comum acordo e no âmbito de plano que previamente foi elaborado, tendo atuado conhecedores da situação económica e financeira da F…… - Engenharia e Construção, Lda., nomeadamente sabendo que a mesma tinha dívidas»; e que o «arguido CC, e AA e BB atuaram com o propósito, conseguido, de fazer desaparecer o património da referida sociedade e, desse modo, fazer diminuir o ativo patrimonial da mesma em termos tais de prejudicar os credores da sociedade, o que representaram, quiseram e conseguiram, tendo agido livre, voluntária e conscientemente, cientes de caráter ilícito e reprovável das suas condutas, sabedores que as mesmas eram, como ainda são, proibidas e punidas por lei.».
E tudo assim tendo ficado demonstrado, e tendo sido esses os factos que mais proximamente fundaram a responsabilização do Recorrente pela autoria do crime de insolvência dolosa p. e p. pelos art.os 227º n.os 1 e 3 e 229º-A n.º 1 do CP, é muito evidente a inclusão na matéria de facto (também) das concretas condutas causais do prejuízo dos demandantes e dos factos que identificam os prejuízos para a sociedade e seus credores que interessavam à responsabilização civil, tudo, afinal, comum às duas vertentes da responsabilidade.
Sendo que, de outro lado, a quantificação dos prejuízos consta do n.º 25) do provado.
De resto, mesmo que os veículos – alguns deles, porque de outros não se sabe o destino – tenham sido vendidos por valor superior ao contabilístico, a verdade é que nada certifica que o produto da venda tenha revertido para o património social.
Ao que acresce a circunstância, decisiva entre todas, de que não foi sequer o perecimento da garantia patrimonial, geral, que os veículos representavam para os credores da sociedade nos termos do art.º 601º do CC que, à luz do provado, foi a causa determinante da situação de insolvência: como muito argutamente se observou em 1ª instância a propósito da perda de vantagens do crime, mas com inteiro cabimento neste ponto, «a conduta penalmente» – e civilmente, acrescenta-se – «censurável não está tanto em alienar os veículos – o que, em si mesmo, até poderia constituir um ato de gestão excelente – antes resulta do desmantelamento» prosseguido pelo Recorrente e pelos co-arguidos «da própria empresa enquanto "organização concreta de fatores produtivos como ou enquanto valor de posição de mercado" constituído por valores ostensivos, valores de organização e valores de exploração […] ou como "unidade jurídica fundada em organização de meios que constitui um instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma atividade comercial"» [23], que, descapitalizando-a e impedindo-a de prosseguir o seu objecto social, impossibilitou-a de cumprir a suas obrigações.
Bem como a de que – como com não menor argúcia referiu o Senhor Procurador da República na resposta ao recurso em 1ª instância quanto à culpabilidade criminal [24] mas com valimento para decisão cível –, pese a mencionada diminuição do volume de negócios, o «facto de vender todo o acervo automóvel que servia para transportar os trabalhadores, os materiais e utensílios às obras, e o contacto com clientes, fornecedores e outras tarefas» privou «a sociedade de toda e qualquer possibilidade de continuar a laborar» e foi «no mínimo uma situação de concausalidade relativamente à insolvência que veio a ser decretada, com evidente prejuízo dos credores que viram o património à custa do qual se poderiam vir a pagar, ser depauperado. […].
Afirmar que os veículos automóveis foram vendidos em actos de comércio lícitos, […], é de todo absurdo. Como decorre da matéria de facto visou-se esvaziar por completo o património da sociedade que veio a ser declarada insolvente, sem que tenha sido demonstrado que o valor correspondente tenha entrado nos respectivos cofres, com vista a que nenhum dos credores viesse a receber o que quer que lhes fosse devido».
Razões, umas e outras, que evidenciam a completa falta de fundamento do recurso nesta parte.
23. A apreciação das duas questões seguintes – inexistência de factos que fixem a natureza, origem e data dos créditos reconhecidos aos demandantes e que materializem o nexo causal entre as vendas dos veículos, a insolvência da sociedade e o não pagamento dos créditos dos demandantes e consequente prejuízo destes –, convoca a questão, liminar, da viabilidade do recurso com tais fundamentos.
É que, contrariamente às que se examinaram em 22. – que foram suscitadas no recurso perante o Tribunal da Relação do Porto, mesmo se sob a epígrafe do erro-vício da insuficiência da matéria de facto provada previsto no art.º 410º n.º 2 al.ª a) do CPP, e de que o Acórdão Recorrido conheceu na perspectiva do erro na subsunção jurídica [25] –, as presentes questões constituem novidade absoluta, que até este momento nada a esse propósito arguira o Recorrente no procedimento e nada explicitamente aquele acórdão sobre tal decidiu, para lá, claro está, do suposto pela aplicação das normas da responsabilidade civil aos factos em que fundou a condenação indemnizatória.
Ora, acontece que «os recursos estão configurados no nosso sistema processual penal como remédios jurídicos», não se destinando «a criar ou debater questões novas (salvo o caso das questões que devem ser oficiosamente conhecidas) que não tenham sido suscitadas ou apreciadas pelo tribunal recorrido, mas apenas a reapreciarem uma questão (ou questões) decidida ou que deveria ter sido decidida pelo tribunal recorrido» [26].
E sendo as questões em causa novas no sentido que se vem assinalando e não podendo, por isso, ser aqui sindicadas, tudo equivale a que, nesta parte, o recurso não tenha objecto, por legalmente impossível, e que, por isso, que dele não se possa conhecer.
Não conhecimento a que, aliás, em nada obsta a circunstância de as questões em causa serem instrumentais da questão, mais geral, da subsunção dos factos às normas de previsão do instituto da responsabilidade civil. E assim pois que, como doutamente decidido, v. g., no AcSTJ de 10.3.2005 - Proc. n.º 908/06 [27], sendo certo «que a qualificação jurídica é tarefa que o tribunal leva a cabo sem limitações que não as da submissão à lei, portanto oficiosamente», não menos o é que «isso só acontece inapelavelmente quando ela se inscreva no âmbito do objecto da causa, e, assim nos tribunais superiores, no do recurso».
E por tudo o que se decide não tomar conhecimento do objecto do recurso nesta parte.
De resto, mesmo que o conhecimento fosse permitido, jamais o recurso poderia proceder pelos fundamentos ora em análise.
É que, quanto à acusação de que inexistem factos que fixem a natureza, origem e data dos créditos reconhecidos aos demandantes, não resiste ela a uma simples remissão para os n.os 24) e 25) dos factos provados, que aqui se recordam, onde, bem em contrário do que o Recorrente defende, se vê a menção às quantias devidas, ao seu título – laborais, tributários e comerciais – e à medida do pagamento que obtiveram por via da liquidação do património da sociedade insolvente.
E – acrescenta-se –, podendo a descrição factual não ser um modelo de pormenor, certo é que mais não era necessário em vista das exigências do direito a aplicar que, como se sabe, o fundamento da responsabilidade civil emergente da prática de um crime é a ilicitude que decorre da violação de direitos absolutos e, ou, que protegem direitos alheios, não a decorrente, por exemplo, do incumprimento de obrigações contributivas à Segurança Social.
Razão por que, também em contrário do que o Recorrente afirma no corpo da motivação [28], à caracterização da responsabilidade civil que funda a indemnização em favor do ISS em nada importava o regime específico da efectivação da obrigação tributária que o art.º 24º n.º 1 da Lei Geral Tributária, põe, subsidiariamente, a cargo dos «administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados», por isso que nada havendo que averiguar em termos factuais a tal propósito.
E quanto à acusação da inexistência de factos que materializem o nexo causal entre as vendas dos veículos, a insolvência da sociedade e o não pagamento dos créditos dos demandantes e consequente prejuízo destes, responde-se, ainda, mais singelamente com a remissão para os factos dos n.os 18) a 23) e 24) a 31) do provado, onde, sem grandes subtilezas de interpretação, se vê suporte factual para tais requisitos.
Nessa medida – repete-se – sempre havendo de improceder um tal fundamento de recurso.
III. decisão.
24. Termos em que acordam os juízes desta 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em :
─ Não tomar conhecimento do objecto do recurso no respeitante às condenações indemnizatórias cíveis em favor dos demandantes DD, EE, Movex - Produção, Venda e Aluguer de Módulos Pré Fabricados, SA, Caixa Geral de Depósitos, SA e FF, por inadmissibilidade legal dele nos termos das disposições conjugadas dos art.os 399º, 400º n.º 2 e 3, 414º n.º 3, 432º n.º 1 al.ª b) (a contrario) e 4º, todos do CPP, 629º n.º 1 do CPC e 44º n.º 1 da LOSJ.,
─ No mais e enquanto incidente sobre o segmento da condenação indemnizatória cível em favor do demandante Instituto da Segurança Social, IP:
─ Negar provimento ao recurso quanto à questão da violação, por erro de interpretação e aplicação, das normas dos art.º 129º do Código Penal e 483º do Código Civil fundada na inexistência na matéria de facto provada de factos que sustentem as concretas condutas causais do prejuízo e que identifiquem e quantifiquem os prejuízos decorrentes para a sociedade insolvente e para o demandante da alienação do conjunto das viaturas;
─ Não tomar conhecimento do objecto do recurso quanto à questão da violação, por erro de interpretação e aplicação, das normas dos art.º 129º do Código Penal e 483º do Código Civil fundada na inexistência na matéria de facto provada de factos que fixem a natureza, origem e data do crédito reconhecido ao demandante e que materializem o nexo causal entre as vendas dos veículos, a insolvência da sociedade e o não pagamento desse crédito e o consequente prejuízo deste, por não se tratar de questão sobre que o Acórdão Recorrido tenha, ou devesse ter, proferido decisão.
Custas pelo Recorrente, tendo em conta o valor do recurso calculado nos termos do art.º 12º n.º 2, última parte, do Regulamento das Custas Processuais e a taxa de justiça prevista no art.º 7º n.º 2 e Tabela I, coluna B, anexa, tudo nos termos dos art.os 523º e 524º do CPP e 527º n.º 1 do CPC.
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Digitado e revisto pelo relator (art.º 94º n.º 2 do CPP).
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Supremo Tribunal de Justiça, em 17.12.2020.
Eduardo Almeida Loureiro (Relator)
António Gama
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[1] Transcrição parcial do dispositivo.
[2] Cfr. p. 5 respectiva.
[3] Cfr. Ac. do Plenário das Secções do STJ, de 19.10.1995, in D.R. I-A , de 28.12.1995.
[4] AcSTJ de 25.1.2017 - Proc. n.º 1729/08.0JDLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
Veja-se ainda a Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que viria a dar origem à Lei n.º 48/2007: «Para garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal».
[5] In DR, I-A, de 21.5.2002 e que recomendava interpretação de que «No regime do Código de Processo Penal vigente – n.º 2 do artigo 400.º, na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto – não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal».
[6] Neste sentido vejam-se os acórdãos do STJ de 25.1.2017 e de 11.2.2015 citados e, entre muito outros, os Ac'sSTJ de 25.9.2019 - Proc. n.º 28/14.3TAMUR.G1.S1, in SASTJ, de 7.5.2020 - Proc. n.º 87/11.0GBSXL.L2.S1, de 19.2.2020 - Proc. n.º 368/15.4T9SCR.L1.S1 e de 4.6.2020 - Proc. n.º 8641/14.2RDLSB.C1.S1, in ECLI - European Case Law Identifier, de 4.12.2019 - Proc. n.º 354/13.9IDAVR.P2.S1 e de 19.12.2018, in www.dgsi.pt.
[7] E é esse o momento que releva para a aferição das condições pressupostos de admissibilidade do recurso, conforme, v. g., AFJ n.º 4/2009, in DR, I, de 19.3.
[8] Neste sentido, maioritário na jurisprudência deste Supremo Tribunal, e por ser dos de publicação mais recente, veja-se o AcSTJ de 4.6.2020 - Proc. n.º 8641/14.2RDLSB.C1.S1 já citado.
[9] A outra foi a do art.º 400º n.º 1 al.ª f) do CPP, mas já se viu que não se aplica no caso.
[10] Neste sentido e entre muito outros, AcSTJ de 11.2.2015 - Proc. n.º 28/07.0TAPRD.P2.S1, in www.stj.pt.
[11] Neste sentido, Antunes Varela et allii, in "Manual de Processo Civil", 2ª ed., pp. 169 a 170.
[12] Neste sentido, AcSTJ de 23.11.2000 - Proc. n.º 412-A/2000.C1.S1, in SASTJ, tirado em caso de reclamação de créditos, mas acomodável, mutatis mutandis, à hipótese em análise,.
Assentando no mesmo pressuposto da autonomização das acções e aferindo as condições de recorribilidade relativamente a cada uma delas, veja-se, ainda, o AcSTJ de 14.3.2007 - Proc. n.º 07P154, em que se rejeitou, por falta de alçada, recurso de instituição hospitalar relativamente a decisão sobre pedido de indemnização que formulara, mas em que se conheceu de recurso de assistente/demandante relativamente a pedido/decisão que excedia o valor daquela.
[13] Neste sentido, v. g., AcSTJ de 13.3.2019 - Proc. n.º 2400/11.1TASB.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[14] Art.º 71º:
– «Princípio da adesão
O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.».
[15] Art.º 72º:
– «Pedido em separado
1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando:
a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo;
b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento;
c) O procedimento depender de queixa ou de acusação particular;
d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão;
e) A sentença penal não se tiver pronunciado sobre o pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 3 do artigo 82.º;
f) For deduzido contra o arguido e outras pessoas com responsabilidade meramente civil, ou somente contra estas haja sido provocada, nessa acção, a intervenção principal do arguido;
g) O valor do pedido permitir a intervenção civil do tribunal colectivo, devendo o processo penal correr perante tribunal singular;
h) O processo penal correr sob a forma sumária ou sumaríssima;
i) O lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º e do n.º 2 do artigo 77.º
2 - No caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a prévia dedução do pedido perante o tribunal civil pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação vale como renúncia a este direito.».
[16] Neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., I, n.º 28 e, desde o Assento n.º 7/99, in DR I-A, de 3.8 – hoje, com valor de acórdão de fixação jurisprudência – uniforme do STJ de que constitui exemplo recente o Acórdão de 9.5.2019 - Proc. n.º 132/12.2TAACN.E1.S1, in SASTJ.
[17] Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", 10º, ed., I, p. 527.
[18] Antunes Varela, ibidem, p. 598.
[19] Art.º 564º n.º 1 do CC.
[20] «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.».
[21] AcSTJ de 1.7.2014 - Proc. n.º 824/06.5TVLSB.L2.S1, in www.dgsi.pt.
[22] AcSTJ STJ de 1.7.2014 - Proc. n.º 824/06.5TVLSB.L2.S1 acabado de citar.
[23] Citação de Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, I, 1999, pp. 217 e 218.
[24] Aliás, também, (muito) justamente citada no Acórdão Recorrido.
[25] Veja-se fls. 37 a 39 do acórdão.
[26] AcSTJ de 29.5.2019 - Proc. n.º 179/11.6TABJA.E3.S1, in SASTJ.
[27] In SASTJ.
[28] Vejam-se fls. 36 a 39.