Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3466/11.0TALRA.C1.S3
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO PENAL
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
MEDIDA CONCRETA DA PENA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 11/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDOS AMBOS OS RECURSOS DOS ARGUIDOS DE FORMA PARCIAL
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / FINALIDADES DAS PENAS E DAS MEDIDAS DE SEGURANÇA / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / DETERMINAÇÃO DA MEDIDA D APENA.
Doutrina:
-Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os critérios da culpa e da prevenção, Coimbra Editora, 2014, p. 476, 481 e 575; O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12.º, n.º 2, Abril – Junho de 2002, p. 147-182;
-Figueiredo Dias, Consequências Jurídicas do Crime, p. 243, 254, 291, 292 e 343;
-Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º;
-Lourenço Martins, Droga e Direito, Aequitas/Editorial Notícias, 1994, p. 122 e 123.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º E 71.º.
LEGISLAÇÃO DE COMBATE À DROGA, APROVADO PELO DL N.º 15/93, DE 22 DE JANEIRO: - ARTIGOS 21.º, N.º 1 E 25.º, ALÍNEAS A), B) E C), - TABELA I-C.
PROPOSTA DE LEI N.º 32/VI, LEI N.º 27/92, DE 31 DE AGOSTO.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA O TRÁFICO ILÍCITO DE ESTUPEFACIENTES E SUBSTÂNCIAS PSICOTRÓPICAS, VIENA, 1988.
TABELAS I, II, III E IV DA CONVENÇÃO ÚNICA (DECRETO-LEI N.º 435/70, DE 12 DE SETEMBRO, E SEU PROTOCOLO DE 1972 – DECRETO-LEI N.º 161/78, DE 21 DE DEZEMBRO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 02.06.1999, PROC. N.º 269/99;
- DE 24.10.2006, PROC. N.º 07P3193;
- DE 29.03.2007, PROC. N.º 07P1020;
- DE 30.04.2008, PROC. N.º 07P4723;
- DE 24.02.2010, PROC. N.º 141/08.6P6PRT.S1;
- DE 23-11-2011, PROC. N.º 127/09.3PEFUN.S1;
- DE 07-12-2011, PROC. N.º 111/10.4PESTB.E1.S1;
- DE 27.05.2012, PROC. N.º 445/12.3PBEVR.E1.S1;
- DE 02.05.2014, PROC. N.º 10/12.5SFPRT.P1.S1;
- DE 02.10.2014, PROC. N.º 45/12.8SWSLB.S1;
- DE 02.05.2015, PROC. N.º 132/11.0JELSB.S1;
- DE 28-05-2015, PROC. N.º 421/14.1TAVIS.S1;
- DE 28-10-2015, PROC. N.º 411/14.4PFVNG.P1.S1;
- DE 13.01.2016, PROC. N.º 174/11.5GDGDM.L1.S1;
- DE 27.01.2016, PROC. N.º 23/10.1PEAGH.L1.S1;
- DE 18.02.2016, PROC. N.º 68/11.4JBLSB.L1-A.S1;
- DE 18-02-2016, PROC. N.º 35/14.6GAAMT.S1;
- DE 23.11.2016, PROC. N.º 736/03.4TOPRT.P2.S1.
Sumário :
1. A resina de cannabis (haxixe), embora vulgarmente tida como uma “droga leve”, inclui-se na tabela I-C anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, entre os narcóticos e os alucinogéneos, e na Tabela I anexa à Convenção Única de Estupefacientes de 1961, das Nações Unidas, tabelas que contêm as substâncias potencialmente mais perigosas. A distribuição das drogas pelas tabelas das convenções, nomeadamente pelas Tabelas I, II, III e IV da Convenção Única (Decreto-Lei n.º 435/70, de 12 de Setembro, e seu Protocolo de 1972 – Decreto-Lei n.º 161/78, de 21 de Dezembro), leva em conta a sua gravidade, reconhecida cientificamente, e o consequente grau de controlo a que as submete.
2. O Decreto-Lei n.º 15/93 não acolhe a distinção entre drogas duras (hard drugs) e drogas leves (soft drugs). Apesar de a distinção não ter relevância directa na definição típica dos crimes ou da moldura abstracta das penas correspondentes, tem-se salientado que este diploma “não deixa de afirmar que a gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respectivas drogas, afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade, havendo que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social”.
3. A definição típica do ilícito do artigo 25.º (tráfico de menor gravidade) do Decreto-Lei n.º 15/93, remete para a previsão do artigo 21.º, constituindo um tipo de crime privilegiado relativamente ao tipo fundamental deste preceito, por adição de elementos respeitantes à ilicitude (que não à culpa) que atenuam a pena. A jurisprudência deste Tribunal tem sublinhado a necessidade de se proceder a uma “avaliação global do facto”, tendo em conta as quantidades de estupefacientes detidas, vendidas, distribuídas, oferecidas ou proporcionadas a outrem e o nível de risco de difusão, a sua qualidade, aí se incluindo o potencial grau de danosidade para os bens jurídicos protegidos pela incriminação, reflectida na colocação nas tabelas, os meios utilizados, reportados à organização e à logística de que o agente lançou mão, e o modo e as circunstâncias da acção, que deverão ser simples, não planeados, não organizados, tudo confluindo para se concluir que, nas circunstâncias do caso concreto, se deve subtrair o caso à previsão do tipo fundamental por via da consideração de factores da ilicitude de baixa intensidade.
4. Os factos provados evidenciam uma actividade regular, estável, planeada e prolongada no tempo, de venda a retalho a consumidores finais, e que o arguido, actuando sozinho, comunicava com os compradores utilizando diversos números de telemóveis, utilizando linguagem cifrada para organizar os encontros com estes, surpreendendo-se uma situação que as investigações criminológicas identificam como uma actividade típica de tráfico, nas suas ramificações finais de distribuição e abastecimento, que o arguido garantia regularmente, para satisfação de necessidades de consumidores de uma área geográfica local e determinada.
5. Vistas no seu conjunto, as circunstâncias do facto não permitam verificar correspondência com os critérios estabelecidos nas alíneas a), b) e c) do artigo 25.º, susceptíveis de preencherem a cláusula geral de diminuição considerável da ilicitude, pelo que se deve considerar preenchida a previsão do tipo fundamental de crime de tráfico do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93.
6. Tendo presentes as circunstâncias relativas ao facto e ao arguido, relevantes com base no critério de valoração oferecido pelo artigo 71.º do Código Penal,  considera-se que a finalidade de prevenção geral, que justifica a pena (artigo 40.º do Código Penal), se realiza adequadamente através da aplicação de uma pena de 5 anos de prisão.
7. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido particularmente exigente quanto à possibilidade de suspensão de execução de penas de prisão aplicadas ao crime de tráfico de estupefacientes. A suspensão só deverá ser decidida em casos muito particulares ou excepcionais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social do crime se mostre esbatido, face à elevada necessidade de prevenção geral deste tipo de crime, de reconhecidas “devastadoras consequências” para os bens jurídicos protegidos, sob pena de serem postos em causa “a crença da comunidade na validade das normas e, por essa via, os sentimentos de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais”.
8. Mostrando-se justificada a suspensão de execução da pena, considera-se, porém, que, tendo em vista a efectiva realização das necessidades de prevenção especial, se deve assegurar a intervenção penal no sentido da estruturação dos percursos de vida dos arguidos em respeito pelo direito e pelos valores fundamentais da vida em sociedade criminalmente protegidos.
9. Assim, deverá a suspensão ser acompanhada de regime de prova, por tal se mostrar conveniente e adequado a promover e a consolidar a reintegração do arguido na sociedade, assente em planos de reinserção social executados com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I.  Relatório

1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de Junho de 2016, dando provimento parcial ao recurso interposto pelo Ministério Público do acórdão de 14 de Julho de 2015 do 1º Juízo Criminal de Leiria, foram condenados:

a) O arguido AA, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

b) O arguido BB, na pena única de 5 anos e 2 meses de prisão e 50 dias de multa, à taxa diária de sete euros, pela prática, em concurso, de:

¾ Um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a que foi aplicada a pena de 5 anos de prisão, e

¾ Um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições combinadas dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 1, 4.º, n.º1, alínea g), 108.º, n.º 1 e n.º 2, e 115.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, a que foi aplicada a pena de seis meses de prisão e cinquenta dias de multa, à taxa diária de sete euros.

O tribunal de 1.ª instância havia condenado os arguidos em penas de prisão suspensas na sua execução, nos seguintes termos:

a) O arguido AA, pela prática, em autoria singular, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, mediante regime de prova, com a condição de se sujeitar a tratamento e monitorização dos problemas da toxicodependência e bem assim de efectuar o pagamento da quantia de seis mil euros à instituição “Comunidade Terapêutica Vida e Paz” no prazo de um ano após o trânsito em julgado desta decisão;

b) O arguido BB:

¾ Pela prática, em autoria singular, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, na pena de quatro anos e seis meses de prisão;

¾ Pela prática, em autoria singular, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelas disposições combinadas dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 1, 4.º, n.º 1, alínea g), 108.º, n.ºs 1 e 2, e 115.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, na pena de seis meses de prisão e cinquenta dias de multa, à taxa diária de sete euros;

¾ Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º do Código Penal, na pena única de quatro anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, mediante regime de prova, com a condição de se sujeitar a tratamento e monitorização dos problemas da toxicodependência e bem assim de efectuar o pagamento da quantia de cinco mil euros à instituição “Comunidade Terapêutica  Encontro” no prazo de um ano após o trânsito em julgado desta decisão e ainda na multa de cinquenta dias de multa, à taxa diária de sete euros, o que perfaz o montante de trezentos e cinquenta euros, ou, nos termos do artigo 49.º do Código Penal, trinta e três dias de prisão subsidiária.

Desta decisão recorreu o Ministério Público para o Tribunal da Relação, pedindo que o acórdão do 1.º Juízo Criminal de Leiria fosse substituído por outro que condenasse estes arguidos em penas de prisão efectivas pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, da previsão do artigo 21.º, n.º 1, do mesmo diploma.

O tribunal de 1.ª instância condenou também os arguidos CC, DD e EE em penas de prisão suspensas na sua execução pela prática de crimes de tráfico de menor gravidade, da previsão do citado artigo 25.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

No recurso que interpôs para a Relação de Coimbra, o Ministério Público pedia também que o arguido CC fosse condenado em pena de prisão, pelo crime da previsão do artigo 21.º, n.º 1, do mesmo diploma, tendo a Relação de Coimbra julgado procedente o recurso nessa parte.

2. Inconformados, vêm agora os arguidos AA e BB recorrer da decisão do tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.

Da motivação dos recursos, que delimitam o seu âmbito, extraem os arguidos as conclusões que a seguir se transcrevem.

2.1. Conclusões do recurso do arguido AA:

«A)    O Douto Acórdão proferido pelo Tribunal "A Quo", que decidiu alterar a Decisão proferida pelo Tribunal da Primeira Instância, agravando a mesma, padece de vícios que prejudicam a sua legalidade, constituindo ainda uma decisão injusta.

B)    Padecendo, salvo o devido respeito, nos termos do preceituado no artigo 410º do Código de Processo Penal, de vícios de incorreta subsunção das normas penais à factualidade provada, com violação ao disposto no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93; incorreta determinação da concreta medida da pena a aplicar, com violação ao disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal; bem como, seja por via da incorreta subsunção das normas penais à factualidade provada, seja pela, incorreta determinação da concreta medida da pena a aplicar, de violação ao Principio da Proporcionalidade consagrado no artigo 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

C)   Considerando o Arguido, na sua modesta opinião, que se o Venerando Tribunal “A Quo”, tivesse avaliado de forma justa a prova produzida, quer quanto a toda a dinâmica do ilícito, quer relativamente ao enquadramento pessoal do Arguido, teria confirmado o Douto Acórdão proferido pela primeira Instância, que havia enquadrado a atuação do Arguido no tráfico de menor gravidade, dai decorrendo uma pena não superior a cinco anos, que suspendeu na sua execução. Ao assim não ajuizar, o Tribunal “A Quo” enquadrou a atuação do Arguido, no tráfico previsto no artigo 21º, culminando o mesmo numa condenação de contornos, com o devido respeito, desproporcionados, que mais se agravaram, quando na determinação da medida da pena a aplicar, e considerando uma moldura em abstrato a partir de quatro anos, fixou a mesma em cinco anos e seis meses, o que impossibilitou a suspensão da execução da pena.

D)   (…) o Recorrente, em sede Julgamento, prestou declarações, onde deu conta da sua dependência dos estupefacientes à data dos factos, dependência que assumia contornos significativos, pelo que os trabalhos que à data executava não lhe permitiram suportar os encargos com o seu consumo, e começou a efetuar vendas, na maior parte das vezes, conforme se apurou, a amigos e conhecidos do futebol de salão ou dos videojogos, com quem chegou inclusive, por vezes, a partilhar de forma gratuita. O Recorrente enumerou e explicitou várias vendas, esclarecendo que das vendas que efetuou nunca retirou qualquer benefício económico, apenas o para adquirir estupefacientes para seu consumo, sendo que os depoimentos prestados pelas diversas testemunhas, confirmaram as vendas indicadas pelo Recorrente, bem como foi confirmado nomeadamente pelas testemunhas FF, GG, HH, II e JJ que o Recorrente era consumidor.

E)    O presente processo, transporta consigo algumas singularidades, sendo em rigor sui generis em relação a este Arguido, porquanto e conforme se apurou o mesmo realizou um número significativo de vendas, mormente placas, tais situações poderiam levar a presumir que se estivesse perante uma forma de tráfico com sofisticação, um “modus operandi” elaborado, não é seguramente o caso. Estamos perante uma forma de atuação simples, com recurso a meios sem qualquer sofisticação, encontros acordados por telefone, ou mesmo mediante contacto pessoal com amigos e conhecidos no futebol, que ocorriam numa área geográfica limitada, por regra na localidade de Cortes junto ao campo de futebol, ou seja na área de residência do arguido, e por regra ao fim da tarde (após o trabalho). Vendia placa completa, o que se revelou mais simples não havendo necessidade de corte, pesagem ou qualquer tipo de preparação, nem possuía quaisquer instrumentos para esse efeito, e nas situações em que procedeu à divisão ou partilha fê-lo sem qualquer rigor, por vezes partindo com a própria mão. Acresce que atuava sozinho e vendia diretamente a consumidores.

F)    A descrita forma de atuação do Recorrente, a qualidade do estupefaciente, e não ter condenações anteriores pelo mesmo tipo de ilícito criminal, justificava, salvo o devido respeito por melhor opinião, que o Tribunal “A Quo” enquadrasse a atuação do Arguido no crime de Tráfico de menor gravidade do artigo 25º, como o havia feito o Tribunal da Primeira Instância.

G)   Considerando o Recorrente, por via do exposto, que o Douto Acórdão ao enquadrar a atuação do mesmo no preceituado no artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93, salvo o devido respeito por melhor opinião, incorre em vício de incorreta subsunção das normas penais à factualidade provada, com violação ao disposto no artigo 25º do mesmo diploma.

H)   Assim, e do exposto, considera o Recorrente muito respeitosamente, que a sua atuação deve ser enquadrada no tráfico de menor gravidade, conforme previa o Tribunal de Primeira Instância, e ser-lhe fixada uma pena de prisão entre um cinco anos (art.ª 25º alínea a)), a qual, está convicto, como aliás entendia o Tribunal da Primeira Instância, é suscetível de ser suspensa na sua execução, importando considerar todo o enquadramento social, familiar e profissional do Recorrente, a postura evidenciada em sede de julgamento, e toda a mudança e evolução concretizada pelo mesmo, os quais, afigura-se-nos justificarem um juízo de prognose favorável.

I)     A simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, afigurando-se justificar-se a suspensão da execução da pena aplicada ao Recorrente, mediante sujeição ao cumprimento de deveres, à observância de regras de conduta, ou acompanhada de regime de prova, nos termos do previsto nos artigos 50º, 51º, 52º e 53º do Código Penal.

J)     (…) ainda que o Venerando Tribunal “A Quo” considerasse que a atuação do Recorrente deveria, pese todo o alegado supra, ser enquadrada no tráfico do preceito 21º do Decreto-Lei nº 15/93, entende-se como todo o devido respeito, que a pena aplicada ao Recorrente, e considerando a moldura penal em abstrato de quatro a doze anos (artº 21º nº 1), deveria ter sido fixada próxima do mínimo, ou seja até cinco anos.

K)   Tal entendimento decorre aliás, salvo melhor opinião, do Douto Acórdão Recorrido, a páginas 43, parágrafo quarto, quando se refere que o grau de ilicitude dos factos praticados pelo Arguido pouco ultrapassam o mínimo exigido pelo artigo 21º, pelo que não se alcança, com o devido respeito, motivo que sustente a fixação da pena concreta em cinco anos e seis meses, e não entre quatro e cinco anos, levando a que, em rigor, se verifique uma contradição entre a argumentação e a pena. Atenta a argumentação aduzida no Douto Acórdão, não se perceciona a razão para fixação da pena concreta superior a cinco anos, que não só se revela, desproporcionada, como obstaculiza à possibilidade de suspensão do cumprimento da mesma.

L)    O Venerando Tribunal “A Quo”, considerando a atuação do Recorrente, atenta a simplicidade dos meios empregues, os limites geográficos e temporais, a dinâmica geralmente associada a amigos e conhecidos da atividade desportiva, a circunstância de o produto da venda se destinar a assegurar o próprio consumo, não tendo o Recorrente retirado qualquer benefício económico, a qualidade do estupefaciente, e não ter condenações anteriores pelo mesmo tipo de ilícito criminal, justificava, caso aquele Tribunal entendesse enquadrar a atuação do Recorrente no preceito 21º, a fixação próxima do mínimo legal, ou seja até cinco anos, assim não sendo, e salvo o devido respeito por melhor opinião, está o Recorrente convicto que o Douto Acórdão Recorrido padece de vicio, decorrente de incorreta determinação da concreta medida da pena a aplicar ao Arguido, com violação ao disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal.

M)   De referir ainda, que sobre a prática dos factos decorreu um período de três anos, em que a conduta e postura do Arguido não foi merecedora de qualquer censura, bem antes pelo contrário, pelo que pese o período de três anos se possa revelar diminuto, para efeitos da especial atenuação prevista na alínea d) do nº 2 do artigo 72º do Código Penal, deveria na nossa modesta opinião, ainda assim, ter constituído um elemento a considerar no momento da fixação da pena a aplicar ao Arguido.

N)   Reitera-se nesta parte, que mesmo que o Tribunal tivesse procedido ao enquadramento no artigo 21º, caso tivesse fixado a pena concreta até cinco anos, também por este via, reunia condições para suspensão da execução da pena, conforme aduzido na conclusão I.

O)   (…) o Douto Acórdão Recorrido seja por via da incorreta subsunção das normas penais à factualidade provada, seja pela incorreta determinação da concreta medida da pena a aplicar, salvo melhor opinião, fere ainda o Principio da proporcionalidade, revelando um entendimento inconstitucional.

P)    O Recorrente esta naturalmente ciente que a sua conduta, desconforme à lei, tem necessariamente de ser sancionada, e que a pena de multa se revelaria aquém do que tal atuação justifica, contudo, considerando todo o acima alegado, à luz da adequação e da racionalidade não encontra, com o devido respeito, fundamento que sustente a opção pelo Tribunal de enquadrar, a atuação do mesmo no tráfico previsto no artigo 21º, em detrimento do enunciado no artigo 25º, bem como, e procedendo ao enquadramento no artigo 21º, considerando uma moldura penal a partir de quatro anos, opte por cominar o Arguido com uma pena superior a cinco anos, quando o próprio Tribunal “A Quo” considera que a atuação “…pouco ultrapassa o mínimo exigido …”.

Q)   Afigura-se ao Recorrente, com o devido respeito, que a pena em que foi sancionado se revela desproporcionada, seja na opção da norma aplicada, seja pela concreta medida da pena fixada, pelo que o Douto entendimento preconizado pelo Venerando Tribunal da Relação é violador do Principio da Proporcionalidade consagrado no artigo 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

(…) o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal “A Quo” padece, salvo o devido respeito por melhor opinião, dos vícios de incorreta subsunção das normas penais à factualidade provada, com violação ao disposto no artigo 25º do Decreto-Lei nº 15/93, e incorreta determinação da concreta medida da pena a aplicar ao Arguido, com violação ao disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal, bem como ofende o Principio da proporcionalidade.

Do exposto, requer (…) se dignem corrigir o Douto Acórdão, enquadrando a atuação do Recorrente no tráfico de menor gravidade, e suspendendo na sua execução a pena de prisão a aplicar. Caso não seja esse o entendimento (…) e considerem dever a atuação do Recorrente ser enquadrada no tráfico previsto no artigo 21º (nº 1), requer-se muito respeitosamente que a pena seja fixada próxima do mínimo legal, ou seja até cinco anos, suspendendo a mesma na sua execução, mediante sujeição ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, que (…) entendam por adequadas».

2.2. Conclusões do recurso do arguido BB:

«1. O aqui recorrente vinha acusado da prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro, tendo sido condenado, em autoria singular, por acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo da Secção Criminal da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, e após alteração do enquadramento jurídico-criminal dos factos, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º do citado diploma legal, à pena de 4 anos e seis meses de prisão e na pena de 6 meses de prisão e cinquenta dias de multa à taxa diária de sete euros, pela prática, em autoria singular, de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos º, 2º, 3º nº1, 4º nº1 alínea g), 108º nº 1 e 115º nº 2, todos do DL 422/89 de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo DL nº 10/95 de 10 de Janeiro.

2. Em cúmulo jurídico, nos termos do art. 77º do Código Penal, foi o aqui Recorrente condenado pelo colectivo do Tribunal de 1º Instância, na pena única de 4 anos e 8 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, mediante regime de prova, com a condição de se sujeitar a tratamento e monitorização dos problemas de toxicodependência e bem assim de efectuar o pagamento da quantia de cinco mil euros à instituição “comunidade Terapêutica Encontro” no prazo de um ano após o trânsito em julgado desta decisão e ainda na multa de cinquenta dias à taxa diária de € 7 (sete euros).

3. Inconformado, recorreu o Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de 1ª Instância, na parte da decisão em que condenou o aqui Recorrente pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade previsto e punido pelos artigos 21º nº 1 e 25º al. a), ambos do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e seis meses, suspensa na sua execução, acompanhada de regime de prova e subordinada ao cumprimento das condições ali mencionadas, nos termos do disposto nos artigos 50º nºs 1 e 5, 51º nº 1 al. c), 52º e 53º nº 3 todos do Código Penal, pretendendo a revogação do acórdão proferido em 1ª Instância e assim a condenação do aqui Recorrente pela prática de 1 crime de tráfico p. e p. pelo art. 21º nº 1 do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro.

4. Ao recurso foi dado provimento pelo Tribunal a quo, que em consequência, revogou a decisão recorrida, alterando o enquadramento jurídico-criminal dos factos praticados pelo aqui Recorrente e em consequência condenando-o como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º nº 1 do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro na pena de 5 anos de prisão e em cúmulo desta com a pena de 6 meses de prisão e 50 dias de multa à taxa diária de € 7 (sete euros) que lhe foi aplicada pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos º, 2º, 3º nº1, 4º nº1 alínea g), 108º nº 1 e 115º nº 2, todos do DL 422/89 de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo DL nº 10/95 de 10 de Janeiro, na pena única de 5 anos e 2 meses de prisão e 50 dias de multa à taxa diária de € 7 (sete euros).

5. Face aos factos dados como provados pelo tribunal de 1ª instância não se concebe que o tribunal a quo revogasse o acórdão aí proferido e consequentemente condenasse o aqui Recorrente pelo crime de tráfico p. e p. pelo 21º nº 1 do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro, com a pena de 5 anos de prisão.

6. O legislador configurou, no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, o tipo base ou fundamental de tráfico e criou, em conexão com ele, acrescentando-lhe outros elementos, tipos derivados que ou agravam (tipo qualificado do artigo 24.º) ou atenuam (tipo privilegiado do artigo 25.º) a consequência jurídica prevista para o crime base.

7. Por sua vez, o art. 25.º do mesmo diploma legal prevê um específico tipo legal de crime, o que pressupõe a sua caracterização como uma variante dependente privilegiada do tipo de crime do art. 21.º (cf. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Edição Bosch, tradução de S. Mir Puig e F. Muñoz Conde, pág. 363).

8. O crime de tráfico de menor gravidade tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito, pressupondo um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma substancial diminuição desta, isto é, em que se mostra diminuída a quantidade do ilícito, um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito.

9. Os pressupostos da disposição respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto no sentido positivo, constatando, face à específica forma e grau de realização do facto, que o caso se situará substancialmente aquém da necessidade de pena expressa pelo limite mínimo do tipo base.

10. A título exemplificativo, indicam-se no supra-citado normativo legal como critérios, exemplos padrão ou factores relevantes de graduação da ilicitude, circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações objecto do tráfico, os quais devem ser analisados numa relação de interdependência.

11. Há que ter uma visão ou perspectiva global, uma mais ampla e correcta percepção das acções desenvolvidas pelo agente, de modo a concluir-se se a conduta provada fica ou não aquém da gravidade do ilícito previsto e punido pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01.

12. Os pressupostos padrão enumerados no preceito, a par de outros, conduzem todos ao desvalor da conduta, à execução do facto, fazendo parte do tipo de ilícito, não entrando em acção qualquer consideração relativa ao desvalor da atitude interna do agente, à personalidade deste, a juízo sobre a culpa.

13. Foi com uma visão global da acção do aqui Recorrente que levaram Meritíssimos Juízes do Colectivo do Tribunal de 1ª instância a darem como provado que: (transcreve pontos 13 a 22 da matéria de facto provada, infra, ponto 7).

14. Face à visão global da acção e na livre apreciação da prova, entenderam os Juízes que constituíram o Tribunal Colectivo da 1º Instância subsumir os factos ao crime de tráfico de menor gravidade.

15. AS quantidades diminutas transaccionadas pelo arguido, aqui Recorrente, bem como a sua intervenção de forma não continuada, organizada e intensa, assim como os fornecimentos em número diminuto de consumidores, bem como a actuação numa área geográfica restrita, não poderiam conduzir senão à medida justa de punição pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelos artigos 21º nº 1 e 25º al. a), ambos do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro.

16. A construção e a estrutura dos crimes ditos de tráfico de estupefacientes, como crimes de perigo, de protecção recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas, e com a descrição típica alargada, pressupõe, porém, a graduação em escalas diversas dos diferentes padrões de ilicitude em que se manifeste a intensidade do perigo para os bens jurídicos protegidos.

17. Se assim não fosse, o tipo fundamental, com os índices de intensidade da ilicitude pré-avaliados pela moldura abstracta das penas previstas, poderia fazer corresponder a um grau de ilicitude menor uma pena relativamente grave, com risco de afectação de uma ideia fundamental de proporcionalidade que imperiosamente deve existir na definição dos crimes e das correspondentes penas.

18. Daí a fragmentação por escala dos crimes de tráfico, respondendo às diferentes realidades, do ponto de vista das condutas e do agente, que necessariamente preexistem à compreensão do legislador:

a) a delimitação pensada para o grande tráfico (artigos 21º e 22º do Decreto-Lei nº. 15/93);

b) para os pequenos e médios traficantes (artigo 25º);

c) para os traficantes-consumidores (artigo 26º).

(Cfr. v. g., Lourenço Martins, "Droga e Direito", ed. Aequitas, 1994, pág. 123; e, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 1 de Março de 2001, na "Colectânea de Jurisprudência", ano IX, tomo I, pág. 234, e de 14 de Maio de 2003, proc. nº. 1215/03).

19. O artigo 25º, epigrafado de "tráfico de menor gravidade", diz respeito, como é entendido na jurisprudência e na doutrina (v. g., o acórdão deste Supremo Tribunal, cit. de 1 de Março de 2001, com extensa indicação de referências jurisprudenciais, e Lourenço Martins, cit., pág. 145 e segs.) a um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21º.

20. Pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.

21. A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde.

22. Pelo exposto e conforme tem sido entendimento unânime da Jurisprudência e doutrina, a diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico.

23. São finalidades de prevenção geral e especial que justifica as opções legais tendentes à adequada diferenciação do tratamento penal entre os grandes traficantes (artigos 21º, 22º e 24º) e os pequenos e médios (artigo 25º), e ainda daqueles que desenvolvem um pequeno tráfico com a finalidade exclusiva de obter para si as substancias que consomem (artigo 26º).

24. “A tipificação do art. 25.º do DL 15/93 parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor da concretização da intenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa de punição desses casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do art. 21.º e têm suporte adequado dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar”.

25. “Se a estatuição das penas tem de obedecer, constitucionalmente, à regra da proporcionalidade, haveremos de convir que aquela medida abstracta a do art. 25º alínea a) do DL 15/93, há-de corresponder a situações graves, mas, evidentemente não tão graves – ou muito menos graves – do que aquelas que o tráfico de estupefacientes, segundo o padrão típico pressuposto pelo legislador, pressupõe”. (Ac. do STJ de 20.02.97, processo nº 966/96, Relator Conselheiro Armando Leandro)

26. Haverá que não meter no mesmo saco todos os traficantes, tendo sido esta a intenção do legislador, distinguindo na aplicação do D.L. nº 15/93 de 22.01, os casos graves do art. 21º, os muito graves do art. 24º e os poucos graves do art. 25º.

27. A interpretação que parece mais consentânea com o texto e com a epígrafe do artigo 25º é a de que o legislador quis incluir aqui todos os casos de menor gravidade, indicando exemplificativamente circunstâncias que poderão constituir essa situação.

28. Assim, será correcto considerar-se preenchido este crime sempre que se constate a verificação de uma ou mais circunstâncias que diminuam consideravelmente a ilicitude, como poderá ser, por exemplo, uma quantidade reduzida de droga, ou esta ser uma «droga leve», ou quando a difusão é restrita, etc.

29. O crime do art. 25.º é para o pequeno tráfico, para o pequeno «retalhista de rua» (Eduardo Maia Costa, Direito penal da droga, RMP 74-103, ps. 114 e ss.)

30. A apreciação que o julgador há-de fazer terá de ter em vista uma ponderação global das circunstâncias que relevem do posto de vista da ilicitude e que tornem desproporcionada ou desajustada a punição do agente pelo artigo 21º já que o artigo 25º é justamente para situações de tráfico de estupefacientes que não se enquadra nos casos de grande e média escala, a que corresponde a grave punição expressa na respectiva moldura penal.

31. Devemos ter presente nesta orientação o acórdão relatado pelo deste Venerando Tribunal, quando refere que “importa não transformar o crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º numa raridade jurisprudencial e, pelo contrário, há que fazer um esforço para que surja com mais equidade e, portanto, num maior número de casos”, (Juiz Conselheiro Santos Carvalho, proferido no proc. 127/09.3PEFUN.S1 de 23.11.2011 (…).

32. O agente do crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, deverá estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas:

a) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet); 

b) Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto;

c) O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado;

d) As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas;

e) Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos;

f) Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes;

g) A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita;

h) Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93.

33. Ora, no caso dos autos em crise, o estupefaciente em causa é cannabis, considerada droga leve, assim como, as quantidades transacionadas e dadas como provadas não se podem dizer ser elevadas, sendo sim consentâneas com a capacidade do pequeno retalhista, na modalidade de venda directa ao consumidor final, assim como, nem tão pouco ao aqui Recorrente foram apreendidas quaisquer quantidades ou qualquer outro material relacionado com o ilícito.

34. Não ficou provada em 1ª Instância, qualquer tipo de organização na compra e venda do produto pelo aqui Recorrente.

35. O aqui Recorrente actuava sem quaisquer outros meios que não fossem ele próprio, não detendo qualquer produto estupefaciente nem actuava em conjugação de esforços e execução de plano prévio com outros.

36. Face à ponderação global das quantidades envolvidas, ao grau de pureza, ao modo de actuação do aqui Recorrente, ao número de compradores e de vendas, aos montantes envolvidos, outra conclusão não poderá deixar de ser senão a de que estamos perante uma “considerável diminuição da ilicitude”, para efeitos de enquadramento da conduta em apreço no tipo privilegiado do crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 25º do DL 115/93 de 22 de Janeiro.

37. O Tribunal a quo, limita-se a concluir estar-se perante o crime de tráfico de estupefacientes comum, justificando tal posição com “as quantidades em causa e o longo período de tempo em que se dedicou ao tráfico”.

38. Não ficou provado em 1ª instância o período de tempo em concreto da acção do aqui Recorrente.

39. Não obstante, e tal como já relatado em vários acórdãos deste Supremo Tribunal não é a circunstância do tráfico se ter verificado por um período superior a um ano, que nem sequer é o caso dos autos no que ao aqui Recorrido respeita, que a actividade deixa de se caracterizar por ser um tráfico em pequena escala.

40. A actividade exercida pelo aqui recorrente era-o de forma rudimentar, predominantemente na rua, com contacto directo entre o arguido/recorrente e os consumidores e sem qualquer sofisticação de meios, não se tratando, ademais, de um comércio diversificado de drogas, mas, antes, tendo por objecto uma única variedade de droga das menos nocivas.

41. Não obstante o legislador não fazer distinção sobre a qualificação do haxixe ou da marijuana como “droga leve”, alegadamente daí derivando um menor grau de danosidade quanto aos efeitos para os seus consumidores e uma ponderação e redução da pena, mesmo que ao nível da sociedade possa existir uma percepção de qualificação e classificação das drogas “duras” e “leves”, apesar de estabelecer uma gradação da perigosidade das diversas substâncias, este Venerando Tribunal em vários acórdãos, tem extraído que «sendo certo que o Decreto-Lei n.º 15/93 não adere totalmente à distinção entre drogas duras e drogas leves, não deixa de no preâmbulo referir uma certa gradação de perigosidade das substâncias, dando um passo nesse sentido com o reordenamento em novas tabelas e daí extraindo efeitos no tocante às sanções, e de afirmar que “A gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respectivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”, havendo, pois, que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respectiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social.»

42. Tem este Supremo tribunal afirmado ainda que : «Por outro lado, de acordo com Relatório de 11-05-1992, aprovado pela Comissão de Inquérito, criada por decisão do Parlamento Europeu de 24-01-1991, sobre a proliferação, nos países da Comunidade Europeia, do crime organizado ligado ao tráfico de droga, in Sub Judice, n.º 3, 1992, pág. 95, a heroína é classificada como droga ultra dura e a cocaína como droga dura», acrescentando depois: «Sobre a distinção entre drogas leves e duras refere a citada Estratégia Nacional de 1999, a págs. 88: «É hoje evidente que as drogas não são todas iguais nos seus efeitos para a saúde e nas consequências sociais do seu consumo (…), devendo ter-se em atenção o grau de perigosidade inerente ao consumo das diferentes drogas, sem prejuízo do reconhecimento e divulgação dos efeitos nefastos de todas as drogas».

43. Assim como este Supremo Tribunal, sem um compromisso quanto à classificação, mas associando as drogas em certo tipo de categorias, tem afirmado que o haxixe é «droga englobada na categoria das chamadas “drogas leves”», por contraposição a outras, entre as quais a heroína, chamadas de «drogas duras», às quais se acha associado «grande efeito nocivo para a saúde dos consumidores e de grande danosidade social» .

44. O atual Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências 2013-2020 não toma partido nem induz uma opção a favor de uma dicotomia entre denominadas drogas duras ou drogas leves e de uma menor perigosidade destas em relação às demais, referindo apenas que «[a]s tabelas de substâncias abrangidas pelas Convenções das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988, sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971 e Única de 1961 foram adaptadas no sentido de incluir uma certa gradação da sua perigosidade, daí extraindo efeitos no tocante às sanções penais, de acordo com o princípio da proporcionalidade, sem referências à distinção entre drogas duras e leves».

45. O apelo à distinção entre drogas duras, também chamadas pesadas, e leves presta-se, sem compromisso dogmático, a aceitar ou ter presente uma certa gradação da sua perigosidade, daí extraindo efeitos no tocante às sanções penais, de acordo com o princípio da proporcionalidade.

46. Obviamente não sendo o caso dos autos, certo é que se tem entendido que não é o facto de estarmos perante grandes quantidades de estupefacientes que se deixa de estar perante um tráfico de menor gravidade.

47. Neste sentido Carlos Almeida in "Legislação Penal Sobre Droga: Problemas de Aplicação", na RMP, 44, escrita em 5/12/1989, ainda no âmbito da vigência da anterior Lei da Droga: "considerando que se devem somar a globalidade das doses que um pequeno traficante veio a transmitir a terceiros ao longo da sua vida, ou atendendo apenas à totalidade do produto que num determinado momento lhe foi apreendida, não obstante se saber que se destinava a ser cedida a terceiros em pequenas porções, estamos a esvaziar de conteúdo o art. 24.1 [agora, 25], estamos a restringir a sua aplicação a casos mal investigados, a apreensões fortuitas, no fundo a acasos da vida”. "Não podemos admitir que seja esse o campo de aplicação do citado preceito. Não podemos admitir que tenha o legislador pretendido reconduzir a globalidade das situações às penas severas estabelecidas pelo art. 23 [agora 21] para os casos de tráfico mais graves". "Concluímos, assim, que não há que adicionar todas as substâncias que o "dealer" vendeu na vida, ou que considerar a quantidade que ele num determinado momento detinha, devendo-se, pelo contrário, atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores. Nisto, como em tudo o que respeita à aplicação do direito, há que ter ponderação e equilíbrio, não deixando passar um intermediário por passador de rua, mas também não sancionando um e outro de forma idêntica".

48. O Tribunal a quo faz assim uma incorrecta aplicação dos critérios, ditos orientadores para a jurisprudência, para que, em casos semelhantes, as consequências jurídicas venham a ser as mesmas, critérios esses supra enunciados e relatados pelo Juiz Conselheiro Santos Carvalho.

49. Não deve o artigo 25º do citado DL ser tido como letra morta ou de rara aplicação.

50. No caso sub judice, os factos provados são de uma diminuta quantidade de ilícito, pois a quantidade de estupefacientes transaccionada, o modus operandi, a actuação individual do arguido, a regularidade e constância da actividade, a dimensão do risco criado e potenciado para a saúde pública, sendo estes vectores tomados no circunstancialismo envolvente, apresentam uma dimensão, que não pode deixar de ser vista e afirmada como de uma ilicitude consideravelmente mitigada, conforme concluiu, e bem no nosso entender, o Colectivo do Tribunal de 1ª Instância.

51. O Tribunal de 1ª instância fez uma criteriosa apreciação da prova produzida em julgamento entendendo que não se mostrava esta suficiente para fundamentar a condenação dos arguidos, nomeadamente do aqui recorrente, pela prática do crime de que vinham acusados, entendendo antes que era suficiente sim, a sua condenação pelo tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25º do DL 15/93.

52. O Tribunal de 1ª instância fez assim uma correcta aplicação dos princípios que regem a apreciação da prova em processo penal, designadamente do princípio da livre apreciação da prova.

53. O Tribunal a quo, que não obstante ser-lhe permitido alterar a matéria de facto, terá sempre de obedecer ao princípio da livre apreciação das provas, atribuído ao julgador em 1.ª instância e dentro do restrito papel do Tribunal de 2ª instância, em sede de reapreciação da matéria de facto, aos casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova e de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto.

54. Tendo o Tribunal de 1ª instância feito a sua valoração da prova produzida, com apresentação da respectiva motivação de facto, na qual fundamentando minuciosamente, os vários meios de prova (depoimentos testemunhais, Relatório pericial e documentos) que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro, nenhum reparo ou alteração à matéria de facto haveria a fazer.

55. O Tribunal a quo não podia pôr em causa, “de ânimo leve”, a convicção do Tribunal de 1ª instância, livremente formada, só porque entendeu valorar diferentemente as provas tanto mais que dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que o Tribunal a quo não deteve.

56. Ao Tribunal a quo impunha-se, em estrito cumprimento do artigo 127º do C.P.P,  averiguar se o tribunal de 1ª instância incorrera, de facto, num erro ostensivo na apreciação da prova, numa apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento, ignorando ou afrontando directamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existia uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão em crise sobre matéria de facto.

57. Nenhum erro ostensivo na apreciação da prova houve por parte do tribunal de 1ª instância ou uma apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento, com violação directa das mais elementares regras da experiência.

58. O Tribunal a quo violou claramente o preceituado no artigo 127º do C.P.P por parte.

59. Não pode merecer crítica a convicção do tribunal de 1ª instância resultante da livre apreciação da prova produzida em julgamento.

60. O julgador é livre, ao apreciar as provas, vinculado contudo, aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório.

61. Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer do Prof. Castanheira Neves da “liberdade para a objectividade”.

62. “A liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo”, no ensinamento do Prof. Figueiredo Dias.

63. É na audiência de julgamento que tal princípio assume especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art. 374° n.º 2 do Código de Processo Penal.

64. O tribunal de 1ª instância recorreu às regras de experiência e apreciou a prova de forma objectiva e motivada, e os raciocínios aí expendidos merecem a concordância do aqui Recorrente, no que à imputação do enquadramento jurídico criminal diz respeito.

65. É o tribunal de 1ª instância que está em condições melhores para fazer um adequado uso do princípio de livre apreciação da prova.

66. O art. 127° do Código de Processo Penal indica-nos um limite à discricionariedade do julgador: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

 67. A livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento em primeira instância.

68. Como ensinava o Prof. Alberto do Reis, citando Chiovenda: ”ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar.

69. Se afigura indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, pelo que se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.

70. Figueiredo Dias, ensina que livre apreciação significa ausência de critérios legais pré-fixados e, simultaneamente, “liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada verdade material – de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e susceptíveis de motivação e controlo”

71. A verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, resultado de um convencimento do juiz sobre a verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.

72. O aresto do tribunal de 1ª instância obedeceu à lei, ao princípio da livre apreciação da prova e às regras da experiência.

73. O Tribunal a quo ao revogar o dito aresto violou o art. 127º do C.P.P..

74. Em suma, será de manter a qualificação da conduta do recorrido subsumível ao crime de tráfico de estupefacientes, na vertente de menor gravidade (prevista no artigo 25º do D.L. nº 15/93), conforme foi doutamente decidido e vastamente fundamentado pelo Tribunal de 1ª instância.

75. Caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese e zelo de patrocínio se equaciona, sempre se dirá que o Tribunal a quo violou manifestamente o princípio da igualdade previsto e consagrado constitucionalmente no artigo 13º da nossa Constituição.

76. Dispõe o art.º 13.º, da CRP, que todos os cidadãos são iguais à face da lei, que todos merecem o tratamento por igual de situações em pé de igualdade, não vedando mas antes impondo, o tratamento desigual do que o é, proibindo distinções arbitrárias, fora de compreensão racional e da lógica.

77. Em cumprimento à supra mencionada norma constitucional deve ser uma preocupação do julgador que situações parificadas mereçam tratamento idêntico e situações desiguais diferenciada solução penal.

78. Esta violação do tratamento de situações desiguais verifica-se quando face aos factos dados como provados pelo tribunal de 1ª instância, e que foram objecto de transcrição no acórdão do Tribunal a quo, os Venerando Desembargadores condenam o aqui Recorrente em 5 anos pela prática do crime de tráfico p. e p. pelo art. 21º e o arguido AA em 5 anos e 6 meses pela prática do mesmo crime.

79. A situação do aqui Recorrente é manifestamente diferente da situação do arguido AA, que não mereceu tratamento desigual.

80. Dos fatos dados como provados pelo tribunal em 1ª instância, consta a venda total pelo arguido AA de 63,5 placas de pólen de haxixe, no total de seis quilogramas trezentos e quinze gramas de pólen de haxixe, e pelo aqui Recorrente, BB, o total de 9 placas e meia, no total de novecentos e cinquenta gramas de pólen de haxixe (factos 1 a 6.13 de fls 37 e factos 11 a 22, fls 39 e 40 do acórdão do tribunal a quo).

81. Não foram apreendidas quaisquer quantidades de estupefacientes ao aqui Recorrente, sendo que o arguido AA, detinha na sua residência, pelo menos 100 gramas de haxixe.

82. O aqui recorrente é primário, quando por sua vez o arguido AA já havia sido condenado por diversos crimes, alguns dos quais com pena de prisão efectiva, tendo um intenso percurso criminal.

83. Assim e, ainda que se entendesse alterar o enquadramento jurídico criminal dos factos praticados pelo aqui Recorrente bem como o do arguido AA para o crime de tráfico de estupefacientes comum, previsto e punido pelo art. 21º do DL 15/93, ponderando todas as provas, factos e circunstâncias, sempre as penas a aplicar a ambos os arguidos teriam de se distanciar consideravelmente.

84. Conforme é referido pelo Tribunal a quo no seu acórdão a fls 43 “Com efeito, o grau de ilicitude dos factos por estes arguidos praticados, se excedia o máximo permitido pelo art.25º, pouco ultrapassa o mínimo exigido pelo art. 21º, ou seja, se permitiu a aproximação do quantum das penas ao limite máximo, não permite que em sede de tipo base o mesmo seja considerado como se afastando muito do mínimo.”

85. Face à argumentação supra mencionada de fls 43 do acórdão do tribunal a quo e à alteração da pena aplicada ao aqui recorrido de 4 anos e 6 meses para 5 anos de prisão outra conclusão não poderemos retirar senão a de que a decisão proferida pelo Tribunal a quo mais não foi do que um subterfúgio para a não suspensão da execução da pena aplicada pelo Tribunal de 1º instância ao aqui Recorrente.

86. Ainda que se entendesse ser de alterar o enquadramento jurídico criminal dos factos praticados pelo aqui Recorrente, mas face à desigualdade de situações, a pena a aplicar ao Recorrente teria de se situar muito próxima do mínimo legalmente previsto para o ilícito.

87. Tendo sido aplicado ao arguido AA a pena de 5 anos e 6 meses seria de justiça a aplicação ao recorrente da pena de 4 anos e 6 meses.

88. O regime penal vigente é norteado, como decorre do artº 40º do CP, pelo binómio prevenção-culpa, onde cumpre encontrar primeiro uma moldura de prevenção geral positiva, determinada em função da necessidade de tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada.

89. Fixada a prevenção geral positiva, correspondendo nos seus limites inferior e superior à protecção óptima e protecção mínima do bem jurídico afectado, deve o julgador encontrar a medida concreta da pena em conjugação com as exigências de prevenção especial de socialização do agente, sem ultrapassar a culpa revelada na conduta antijurídica.

90. Por sua vez, os critérios do artº 71º do CP têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha e medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral, como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial.

91. No ensinamento do Prof. Figueiredo Dias “As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução do problema da medida da pena”

92. Assim, “a função da culpa é a de estabelecer o máximo de pena concreta ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de direito democrático.

93. A medida da culpa serve para determinar um máximo de pena que não poderá em caso algum ser ultrapassado. 

94. Dentro da moldura de prevenção actuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial.

95. Devendo ser valorados todos os factores da medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza; seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização.

96. Analisando a situação concreta dos autos no que ao aqui arguido/recorridos diz respeito, nomeadamente as diminutas quantidades de estupefacientes transacionadas, a ausência de antecedentes criminais, as suas condições de vida (apesar de atualmente desempregado sempre manteve actividade laboral; encontra-se integrado na sociedade com vida familiar estabelecida – uma filha, esposa e três enteados), tudo sopesado, entende o recorrido que teria sido justo a manutenção da pena aplicada pelo Tribunal de 1ª instância, por próxima do limite mínimo do ilícito.

97. A entender-se a alteração do enquadramento jurídico penal da acção do Recorrente, deveria o tribunal a quo ter mantido a pena única de 4 anos e 8 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, mediante regime de prova, com a condição de se sujeitar a tratamento e monitorização dos problemas de toxicodependência e bem assim de efectuar o pagamento da quantia de cinco mil euros à instituição “comunidade Terapêutica Encontro” no prazo de um ano após o trânsito em julgado desta decisão e ainda na multa de cinquenta dias à taxa diária de € 7 (sete euros), pena justa, adequada e proporcional.

Em suma e ante todo o exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente revogando-se o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo e mantendo-se o Douto acórdão proferido em 1ª Instância, só assim se fazendo a Costumada Justiça!»

3. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413.º, n.º 1, do CPP, respondeu o Ministério Público, concluindo assim:

3.1. Quanto ao recurso do arguido AA:

«1 - A decisão recorrida procedeu a uma outra e mais correcta subsunção dos factos, já que, quer o tempo durante o qual perdurou a venda, quer as quantidades transaccionadas nesse período, quer ainda o modo disfarçado como eram feitos os contactos e as vendas de estupefaciente dadas como provadas, afastam o qualificativo consideravelmente que o tipo privilegiado do art.º 25° a) do DL 15/93 de 22/1 pressupõe;

2 - A pena aplicada de 5 anos e 6 meses de prisão, acima do limite máximo deste preceito, mas não ultrapassando, em muito, o mínimo exigido pelo art.º 21, não está incorrecta em termos de pena concreta, nem viola o princípio da proporcionalidade e está de acordo com o expendido, nessa parte, na decisão recorrida, pois não se menciona ali apenas o mínimo deste último preceito, mas também o máximo do art.º 25°, ficando a pena pouco acima deste, ou seja, ainda dentro da metade inferior da moldura do art.º 21°;

3 - Estando correcta a pena que aqui lhe foi aplicada, por inadmissibilidade legal, não há que considerar a pretendida suspensão, sendo que se a pena se situar nos 5 anos de prisão não deverá ser suspensa na sua execução, atentas as necessidades de prevenção geral e especial, realçando-se nestas o facto de o arguido ter iniciado o tráfico de estupefacientes pouco decorrido de um ano da sua libertação definitiva;

4 - A decisão constante do acórdão recorrido é correcta, não havendo violação de qualquer dispositivo legal, pelo que, não merecendo censura, deve a mesma ser mantida e confirmada nos seus precisos termos».

3.2. Quanto ao recurso do arguido BB:

«1 - O acórdão recorrido não admite recurso, por parte do recorrente BB, uma vez que, claramente, recorre da pena parcelar de 5 anos de prisão e não da pena única, nos termos do artº, 400.º, n.º 1, e) do C.P.P., pelo que deve ser rejeitado o recurso interposto (arts. 417°, n.º 6 b), 420ºn.º 1 b) e 414°, n ° 2 todos do CPP);

2 - Caso assim não se entenda, sempre se dirá que a decisão recorrida procedeu a uma outra e mais correcta subsunção dos factos, já que, quer o tempo durante o qual perdurou a venda, quer as quantidades transaccionadas nesse período, quer ainda o modo disfarçado como eram feitos os contactos e as vendas de estupefaciente dadas como provadas, afastam o qualificativo consideravelmente que o tipo privilegiado do art.° 25º a) do DL 15/93 de 22/1 pressupõe;

3 - A pena aplicada de 5 anos de prisão no limite máximo deste preceito, mas não ultrapassando, em muito, o mínimo exigido pelo art.º 21, não está incorrecta em termos de pena concreta, nem viola o princípio da igualdade e está de acordo com o expendido, nessa parte, na decisão recorrida, pois não se menciona ali apenas o mínimo deste último preceito, mas também o máximo do art.º 25°, ficando a pena no limiar superior deste, mas ainda perto do limite mínimo da moldura do art.º 21°;

4 - Estando correcta a pena que aqui lhe foi aplicada, o mesmo sucedendo com a pena única, cuja conformação não foi questionada, por inadmissibilidade legal tendo em conta esta última, não há que considerar a pretendida suspensão, sendo que, se a pena se situar nos 5 anos de prisão, ou em 4 anos e oito meses como pretendido, não deverá ser suspensa na sua execução, atentas as necessidades de prevenção geral no domínio do tráfico de estupefacientes;

5 - A decisão constante do acórdão recorrido é correcta, não havendo violação de qualquer dispositivo legal, pelo que, não merecendo censura, deve a mesma ser mantida e confirmada nos seus precisos termos».

4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo o Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer nos seguintes termos:

«(…) Os arguidos/recorrentes vêm defender, essencialmente, nas conclusões que demarcam o conhecimento do recurso, que os factos dados como provados deveriam enquadrar-se no crime de menor gravidade do art. 25º do dec-lei 15/93, tal como havia sido decidido no acórdão condenatório de 1ª instância e condenados em penas suspensa na sua execução.

Mas não podendo assim ser aplicável tentam defender o arguido AA e o  arguido BB,  que a medida da pena aplicada ainda que pelo crime do art. 21º nº 1 do dec-lei 15/93 poderá ser fixada próxima do mínimo legal ou seja até 5 anos de prisão suspensa na sua execução sob condições, deveres e regras de conduta.

Os arguidos/recorrentes pretendem pois questionar as suas condenações por autoria do crime de tráfico do art. 21º defendendo que a sua actividade de traficante de estupefacientes só se poderá enquadrar na menor gravidade p. no art. 25º do dec-lei 15/93.

Os arguidos haviam sido condenados no acórdão proferido em 14.07.2015, no J2 – secção criminal – Inst. Central de Leiria – comarca de Leiria a:

- 5 anos de prisão pelo crime do art. 25º nº 1 a) do dec-lei 15/93, o arguido AA, suspensa na sua execução pelo mesmo período, mediante regime de prova, com a condição de sujeitar a tratamento e ainda ao pagamento no prazo de 1 ano das quantias de 6.000€ a uma instituição específica;

- 4 anos e 6 meses de prisão pelo crime do art. 25º nº 1 a) do dec-lei 15/93 o arguido BB e ainda a 6 meses de prisão e 50 dias de multa por um crime de exploração ilícita de jogo, em cúmulo na pena de 4 anos e 8 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, mediante o regime de prova e também sujeitar-se a tratamento e ainda efectuar o pagamento de 5.000€ a oura instituição.

1. O crime de tráfico dos arts. 21º e 25º do dec-lei 15/93.

O art. 21º do dec-lei 15/93 define o crime de tráfico de estupefaciente e contém não só uma larga descrição de ações típicas mas também uma ampla moldura penal (4 a 12 anos de prisão) atingindo assim uma elevada dimensão da ilicitude que abrangerá as várias modalidades de tráfico – grave, média e menos grave.

O crime de tráfico de estupefacientes tipo está previsto no art. 21º do dec. lei 15/93 e foi pela sua autoria que a arguida/recorrente foi condenado.

Esta disposição, seguindo o acórdão do STJ de 15/7/09, p. 47/08.9. 3ª sec., contém a descrição do tipo essencial relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo. A lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efetivamente determine - a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo manifesta.

O resultado típico do crime de tráfico alcança-se logo que seja detido estupefaciente por alguém a agir por sua conta ou à conta de outrem, tendo em conta um processo normal de atuação.

A sua previsão molda-se no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados no art. 21º, nos quais se envolvem a detenção, transporte, importação, cedência, recebimento por qualquer título, fazer transitar e venda.

É certo que o crime de tráfico de estupefaciente, em qualquer das modalidades, é um crime de perigo abstrato ou presumido, não sendo exigível, para a sua consumação, a existência de dano efectivo, bastando-se a criação de perigo ou risco de dano, conforme se conclui da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

A este tipo base do crime são aditadas as circunstâncias que atenuam (arts. 25º e 26º) o tráfico, ficando nestes abrangidos os de pequeno tráfico.

“O crime do art. 25° do DL 15/93, de 22.01, constitui um tipo de tráfico de estupefaciente privilegiado, em razão de menor ilicitude do facto, sendo que a constatação dessa menor ilicitude terá de resultar de uma avaliação global da situação de facto, em que assumem relevo, entre outros eventuais factores, a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados, os lucros obtidos, o grau de adesão e essa actividade como modo de vida, a afectação ou não de parte dos lucros ao financiamento do consumo pessoal de drogas, o tempo de actividade, o número de consumidores contactados e a posição do agente na rede de distribuição clandestina dos estupefacientes (Ac. do STJ de 15.10.08, p. 2850/08, 3ª sec)”.

2. Relativamente ao arguido AA o tribunal recorrido considerou muito linearmente que o grau de ilicitude ultrapassa em muito o exigido pelo art. 25º nº 1 do dec-lei 15/93 tão só devido às quantidades transacionadas e ao longo período de tempo em que se desenrolou o tráfico.

E quanto ao arguido BB “mutatis mutantis”, o fundamento foi exactamente o mesmo porque a apreciação global do facto aponta para um grau de ilicitude que ultrapassa em muito o limite máximo aceitável para o crime do art. 25º.

2.1. Parece-nos desde já que esta fundamentação é demasiado exígua para qualificar o grau de ilicitude e para alterar a fundamentação do acórdão recorrido e considerar que os factos provados integram apenas o crime do art. 21º do dec-lei 15/93.

É que resulta de toda a jurisprudência sumariada em ambas as instâncias e no sumário que atrás transcrevemos que a avaliação global do facto não pode resultar exclusivamente da quantidade e do período de tempo da transação tal como o acórdão da relação em recurso considerou.

Numa avaliação global de factos tem também de ser dado relevo aos lucros obtidos (se o tempo é longo), o seu modo de vida, a afectação ao financiamento do consumo da cannabis bem como a posição dos arguidos na rede de distribuição.

E todos estes factos tiveram a sua relevância na aplicação inicial do art. 25º e o acórdão recorrido não “apresentou” razões suficientes para os afastar.

Também que não ficou provado, como resulta da transcrição dos factos efectuada para fundamentar o grau de ilicitude, que qualquer dos arguidos vivesse à custa da venda de cannabis ou que gozasse uma vida acima das possibilidades normais e até o tipo de distribuição e tão só de cannabis.

2.1.1 Sendo a avaliação global todos os factores deverão ser tidos em conta – distribuição/venda directa de cannabis, serem consumidores, não estarem desempregados na data dos factos, não viverem do “lucro” da venda e nem possuírem bens móveis ou imóveis que resultassem desse possível modo de vida que não tinham.

Tanto quanto nos parece tem que ser estabelecido um parâmetro diferente nos estupefacientes quando se trata de vendedores e/ou consumidores de heroína, cocaína cannabis. Cannabis até pode integrar três espécies de intensidade diferente – folhas e sumidades floridas ou frutificadas, resinas em bruto ou purificada e óleo, todas da planta Cannabis sativa L (Tabela I-C).

2.2. Todo o conjunto de circunstâncias levam-nas a poder considerar que o grau de ilicitude se poderá considerar no limite tal como haviam feito os julgadores da 1ª instância que apreciaram e avaliaram directa e pessoalmente os arguidos.

E no crime do art. 25º do dec-lei 15/93 a pena aplicável vai de 1 a 5 anos de prisão e por isso as medidas que foram encontradas e aplicadas foram de 5 anos de prisão e 4 anos e 6 meses de prisão que nos parece poderem ser de novo aplicadas.

3. De qualquer modo e ainda que possa vir a ser doutamente considerado que o limite do tráfico de menor gravidade do art. 25º foi ultrapassado, então o crime de tráfico do art. 21º dever-se-á considerar preenchido no seu limite mínimo devido àqueles mesmos factores.

E por isso tendo em conta que a pena aplicável vai de 4 a 12 anos de prisão, os arguidos, segundo nos parece poderão/deverão ser condenados a penas de prisão até 5 anos por autoria do crime do art. 21º do dec-lei 15/93, pelas seguintes razões:

3.1. O crime de tráfico de estupefaciente, em qualquer das modalidades, é um crime de perigo abstrato ou presumido, não sendo exigível para a sua consumação, a existência de dano efetivo, bastando-se a criação de perigo ou risco de dano, conforme se conclui na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.          

O art. 21º, nº 1 do dec-lei 15/93 define o crime de tráfico de estupefaciente, contendo não só uma larga descrição de ações típicas mas também uma ampla moldura penal (4 a 12 anos de prisão) atingido assim uma elevada dimensão da ilicitude que abrangerá as várias modalidades de tráfico – grave, média e de rua.

Sendo a previsão do art. 21º tão amplo, têm de nela se enquadrar os casos em que está próximo da gravidade menor.

3.2. Para determinação da medida da pena o julgamento tem de servir-se dos critérios p. no artº 71º, nº 1, do Código Penal, “far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes”, mas dentro dos limites definidos na lei.

Existe, um critério legal para a determinação da pena que se baseia na culpa e na prevenção, graduando-se com as circunstâncias atenuantes e agravantes e constitucionalmente a pena tem por finalidade a prevenção geral e especial.

Atendendo-se pois às circunstâncias que não fazem parte do crime e referidos no nº 2 do art. 71º do CP parece-nos dever realçar-se em especial os 4 anos já decorridos desde o cometimento do crime e a conduta lícita que nesse período os arguidos AA e BB atingiram e mantiveram, designadamente, o tratamento da toxicodependência.

As penas ajustadas em qualquer das modalidades que lhes forem aplicadas, parece-nos por isso deverem situar-se perto dos 5 anos, também tendo por base da sua graduação as exigências de prevenção especial e a culpa do agente. 

4. Se fôr possível alterar a medida das penas aos arguidos/recorrentes para uma pena igual ou inferior a 5 anos, então poder-se-á colocar a hipótese de se suspender a sua execução, ao abrigo do disposto no art. 50º, nº 1, do CP tal como os arguidos/recorrentes defendem e a 1ª instância havia aplicado.

Nesta medida penal é feito um encontro entre o juízo de desvalor ético-social que está contido na sentença condenatória - o chamamento da própria vontade do arguido para se reintegrar na sociedade.

A suspensão da execução da pena de prisão pode considerar-se uma pena substitutiva de prisão que pode ser declarada com ou sem imposição de qualquer condicionalismo (a não ser o de não cometer um crime durante o período de suspensão) – art. 50º, nº 2.

Mas para que uma pena possa ser declarada suspensa em medida inferior ou igual a 5 anos, tem também o julgador, neste momento de decisão e atender à personalidade do arguido às condições da sua vida às condutas anteriores e posteriores, conjugadas com as circunstâncias do crime e concluir por um prognóstico favorável para os seus comportamentos futuros que o afaste do crime.

O STJ tem afirmado, de modo constante, que a suspensão da execução da pena deverá ter na sua base uma prognose favorável aos arguidos, a esperança de que eles sentirão a sua condenação como uma advertência e que não cometerão no futuro nenhum outro crime (Ac. do STJ de 7/7/09, p. 313/03.0JABRG.S1-5ªsec). 

O juízo a formular sobre o carácter favorável de prognose não tendo de se fundamentar em certezas, deverá assentar na esperança de uma possibilidade de que a socialização pode ser alcançada em liberdade (Ac. do STJ de 29.06.05, p. 1942/05, 3ª sec.) o que parece estar acontecer nestes quase 5 anos posteriores à data do crime cometido, por qualquer dos arguidos (p. 272, Janeiro de 2013).

Tudo isto parece-nos levar à possibilidade de ser declarada suspensa a eventual pena aplicada (igual ou inferior a 5 anos), ainda que sujeita a obrigações (art. 50º do CP), designadamente regime de prova e até contribuições e instituições do distrito de Leiria.

Assim parece-nos que os recursos dos arguidos AA e BB poderão obter provimento quanto à desqualificação do crime a que poderão passar a ficar condenados e eventualmente quanto à medida da pena e a suspensão da sua execução». 

5. Notificados para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os arguidos nada disseram.

6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso é julgado em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

O recurso visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, da competência deste tribunal (artigo 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP).

Cumpre decidir.

II. Fundamentação

7. O tribunal de 1.ª instância julgou provados os seguintes factos, que se mantêm inalterados na decisão do tribunal da Relação:

«1 - Desde dia não concretamente determinado de Junho de 2011 até 27 de Janeiro de 2013, o arguido AA dedicou-se à venda de placas de cannabis resina a um número indeterminado de revendedores e consumidores deste produto.

2 - Para tal, o arguido AA adquiria o produto estupefaciente a fornecedores não concretamente identificados.

3 - O arguido AA vendia as placas de cannabis por valores compreendidos entre cento e cinquenta e duzentos euros cada uma.

4 - As entregas das placas de cannabis eram efectuadas depois de contacto por telemóvel, especialmente os números -- e ---, em que era combinado o local de entrega, preço e quantidade, ocorrendo a entrega do produto no local combinado.

5 - A combinação por telemóvel, muitas vezes, era efectuada através de linguagem cifrada utilizando palavras como “jogo”, “pés”, “fifa”, “equipamento”, “um cabo (de três pinos)”, “um metro de fio”, “fio de rede”, “documentos”, “equipamentos” ou “cafezito” que se encontravam no contexto de relacionamento do arguido com o interlocutor.

6 - O arguido AA, no desenvolvimento daquela sua actividade, vendeu placas de pólen de haxixe aos seguintes consumidores:

6.1 - FF: durante o ano de 2012, vendeu-lhe 20 placas de haxixe;

6.2 - CC: em Outubro/Novembro de 2012, duas vezes: duas placas de pólen de haxixe, sendo uma placa por cem euros e outra por sessenta euros;

6.3 - II: em Novembro/Dezembro de 2012, duas vezes, uma placa de pólen de haxixe de cada vez;

6.4 - LL: em 2012, vinte vezes placas de pólen de haxixe de 100 gramas e outras vezes porções de 20 ou 30 euros cada;

6.5 - GG: em Setembro, Outubro ou Novembro de 2012, uma vez três placas de pólen de haxixe por 450 euros e outra vez uma placa;

6.6 -MM: em meados de 2012, seis vezes, sendo cinco vezes meia placa de pólen de haxixe e de outra vez uma placa inteira;

6.7 - NN: em Dezembro de 2012, 3 vezes: sendo 2 vezes uma placa de pólen de haxixe e uma vez meia placa;

6.8 - HH: por cinco vezes, cedeu para fumarem juntos quantidade não concretamente apurada de pólen de haxixe;

6.9 - JJ: em Agosto ou Setembro de 2012, vendeu uma vez meia placa de pólen de haxixe por cento e vinte euros, como jogavam na mesma equipa de futebol vendia-lhe 20 ou 30 euros, cerca de 8 a 10 gramas, de cada vez que iam jogar, o que aconteceu por dez vezes;

6.10 - OO: vendeu 200 gramas de pólen de haxixe, duas placas, por cerca de 300 euros;

6. 11 - PP: vendeu-lhe, em 2012, por duas vezes porções de pólen de haxixe pelo preço de 20 e 10 euros;

6.12 - BB: em fins de Novembro/Dezembro de 2012 vendeu-lhe uma vez duas placas a 160 euros;

6.13 - ainda ao arguido BB, no dia 1 de Dezembro de 2012, vendeu cinco placas de haxixe, com o peso de 515,9 gramas.

7 - No dia 27 de Janeiro de 2013, pelas 16:45 horas, no interior da sua residência sita na ..., o arguido AA guardava:

a - um pedaço de cannabis resina, com o peso de 11,178 gramas, com um grau de pureza de 8,6%, que se encontrava em cima da lareira;

b - uma faca com vestígios de haxixe que se encontrava na lareira;

c - um rolo de película aderente;

d - um pedaço de cannabis (fls/sumidade) com o peso de 1,517 gramas, com um grau de pureza de 6,7%, que se encontrava no interior de uma caixa na dispensa;

e - oito sacos de plástico de pequenas dimensões que se encontravam na dispensa;

f - no quarto de criança uma placa de cannabis com o peso de 96,513 gra-mas, com um grau de pureza de 8,2%;

g - no quarto principal quatro notas de cinquenta notas.

8 - Nas referidas circunstâncias de tempo e espaço, o arguido tinha consigo doze notas de cinco euros e o telemóvel de marca Vodafone com o IMEI ....

9 - A cannabis apreendida era destinada a venda aos clientes que o contactassem bem como ao seu próprio consumo.

10 - A faca, os sacos de plástico e a película aderente utilizava-os para doseamento e embalagem do estupefaciente.

11 - Naquele dia 27.01.2013, cerca das 14horas, junto do quartel dos Bombeiros Voluntários de ..., o arguido AA encontrou-se com o arguido BB depois de este lhe ter encomendado seis placas de pólen de haxixe, sendo que tal entrega só não ocorreu pela intervenção da GNR.

12 - O arguido BB tinha consigo € 900 em 55 notas do BCE para pagamento das referidas placas, dinheiro que lhe foi apreendido tal como o telemóvel de marca “Samsung”, modelo “Duos” com os números -- e --- e IMEI 35759801114942/701 e 35759904414942/501.

BB

13 - Desde dia não concretamente apurado de 2011 até 01 de Dezembro de 2012, o arguido BB dedicou-se à venda de cannabis resina a um número indeterminado de consumidores deste produto.

14 - Para tal, o arguido BB adquiria o produto estupefaciente a fornecedores não concretamente identificados bem como ao arguido AA.

15 - O arguido BB vendia as porções de cannabis por diversos valores sendo em média meia placa de por 65 euros cada uma.

16 - As entregas de cannabis eram efectuadas, normalmente, depois de contacto por telemóvel, especialmente os números ---, -- e --, em que era combinado o local de entrega, preço e quantidade, ocorrendo a entrega do produto no local combinado, chegando a ocorrer na sua residência em ... como no interior e nas proximidades do seu bar “Horse Power”, sito na Rua ....

17 - A combinação por telemóvel, muitas vezes, era efectuada através de linguagem cifrada utilizando palavras como “verde”, “verdinha” (erva ), “tou a pé” (não tem produto) “meio k” (meio quilo) “V” (erva), “metros de rede”, “metros de fio” (placas de haxixe) e “cabos de alta tensão referente a qualidade”.

18 - O arguido BB, durante o referido período, no desenvolvimento daquela sua actividade, vendeu cannabis resina aos seguintes consumidores:

18.1 - ...: duas vezes porções pelas quais pagou dez euros e uma vez cinco euros;

18.2 - ... uma vez quantia de cinco ou dez euros;

18.3 - ...: duas vezes quantias de dez euros e uma vez vinte euros;

18.4 - ...: duas vezes uma “linguita” de 2-3 gramas por cinco ou dez euros;

18.5 - ...: duas vezes porções por dez euros (2 gramas) e uma vez vinte euros (uma chapa ou uma língua);

18.6 - ...: três vezes vinte euros de cada vez;

18.7 - ...: duas vezes uma placa (160/170 euros) e uma vez meia placa (80/90 euros);

18.8 - ...: duas vezes porções que lhe pagou 10 ou 15 euros;

18.9 - ...: uma vez cinco euros, outra vez dez euros e outra vinte euros; e

18.10 - ...: uma vez uma placa de 100 gramas de pólen de haxixe.

19 - No dia 30.11.2012 pelas 14 h 16m 44 s o arguido BB contactou, através de telemóvel, ... a quem encomendou a entrega de uma placa de haxixe pela quantia de 150 euros, combinando como local de encontro as bombas na Galp sitas na ...;

20 - Pouco depois, pelas 16 h 02 m, o arguido BB conduzindo o veículo de marca Peugeot, modelo 306, de cor verde com a matrícula ..., chegou às combinadas Bombas da Galp e ficou dentro da viatura.

21 - O ... chegou ao local conduzindo o veiculo Renault Trafic de cor branca, com a matrícula ..., que imobilizou sendo logo abor-dado pelo arguido BB a quem entrega uma placa de haxixe recebendo em troca o dinheiro.

22 - No dia no dia 1 de Dezembro de 2012, o arguido BB vendeu ao arguido DD as cinco placas de haxixe que, pouco tempos antes, havia adquirido ao arguido AA (referido no facto 6.13). (…)

Máquina de jogo

39 - No dia 27 de Janeiro de 2013, o arguido BB explorava o estabelecimento de café/bar denominado “... onde tinha em funcionamento, à disposição dos clientes, uma máquina do tipo vídeo, com os dizeres “Virtual Time”, contendo no seu interior a quantia monetária de € 57,05 euros.

40 - Ligando a máquina à corrente eléctrica apareciam de imediato no seu ecrã dezasseis jogos de diversão.

41 - Após a inserção de um código de validação, que se traduz numa se-quência de toques nos botões da consola, código este que foi descoberto informaticamente, o ecrã alterava-se, passando a exibir a imagem de dois jogos, tipo slot-machine, denominados “Pantanal” e “Halloween”.

42 - No cenário de jogo, no topo do ecrã, visionam-se os vocábulos:

“Crédito”, que apresentava à sua frente os pontos provenientes das moedas introduzidas;

“Prémio”, que assinalava os créditos/pontos provenientes de jogadas premiadas; e

“Aposta”, que registava o número de apostas (créditos/pontos) que o jogador decidia arriscar em cada jogada.

43 - O menu de jogo era composto por cinco rolos de símbolos (colunas) e três linhas, perfazendo quinze quadrados com imagens.

44 - A ladear estes quadros encontravam-se dispostos em coluna, números compreendidos entre 1 e 20, sendo que estes representavam as várias linhas de apostas que o jogador poderia efectuar em cada jogada.

45 - Os rolos eram todos iguais, possuindo cada um 10 símbolos (imagens) os quais se encontravam identificados na “Tabela de Prémios”.

46 - No cenário de jogo estavam apenas visíveis 3 símbolos de cada rolo (perfazendo um total de 15), os quais, no desenvolvimento do jogo, produziriam combinações aleatórias que poderiam, ou não, coincidir com as combinações existentes na “Tabela de Prémios”.

47 - A “Tabela de Prémios” informava o jogador de quais as combinações de símbolos que a máquina admitia como premiadas, bem como os crédi-tos/pontos que estas proporcionavam.

48 - As “linhas” de aposta eram virtuais e atravessavam a janela de jogo lado a lado.

49 - Estas poderiam ser simples, retas, ou quebradas em várias configurações.

50 - Só os símbolos que ficavam sob a mesma linha é que configuravam uma combinação de jogo, sendo que todos os outros eram ignorados.

51 - Após decisão do número de créditos que se pretendia apostar numa jogada, o jogador pressionava a tecla que exerce a função “Start”, dando origem a que as 5 colunas que se encontravam ao centro do ecrã começassem a deslizar, do sentido superior para o inferior, simulando o funcionamento de uma máquina de rolos dos casinos, até ao ponto em que automaticamente se imobilizavam ficando em cada um dos quadrados um símbolo.

52 - Se a combinação aleatória desses símbolos constasse da relação das combinações consideradas premiadas, o jogador ganhava, perdendo em caso contrário.

53 - A máquina tinha ainda a existência de dois prémios extra designados “Acumulados”.

54 - Por cada crédito jogado, uma percentagem iria para os dois contadores que se encontram na base do ecrã.

55 - O jogador que obtivesse a combinação premiada cujo prémio é o acu-mulado receberia os créditos aí inscritos.

56 - O sistema de funcionamento era igual ao das vulgares “slot machines” dos casinos e consistia em tentar-se, mediante o arriscar de dinheiro, convertido em créditos, obter aleatoriamente combinações com direito a prémio.

57 - O evoluir do jogo decorre de modo automático, aleatório e incontrolável sem depender da destreza, perícia ou habilidade do jogador.

58 - Os arguidos AA, BB (…) agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente.

59 - Os arguidos AA, BB (…) tinham perfeito conhecimento das características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que detinham, bem sabendo que o seu cultivo, transformação, consumo, aquisição, detenção, posse, venda ou cedência a qualquer título a terceiros não lhes era legalmente permitida.

60 - O arguido BB não possuía autorização para a prática de tais jogos, que sabia ser obrigatória e nem sequer havia diligenciado pelo registo do jogo apreendido, pois tinha pleno conhecimento de que em caso algum o poderia obter.

61- O arguido BB bem sabia que lhe estava vedado por lei a exploração do jogo e que era punido pela lei penal.

62 - Os arguidos AA, BB (…) bem sabiam que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

63 - O arguido AA foi julgado nos seguintes processos:

63.1 - processo comum colectivo nº 530/99 do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por acórdão de 12.02.2000, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 25.06.1999, na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos;

63.2 - processo comum singular nº 308/99 do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por sentença de 05.02.2000, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 10.12.1998, na pena de duzentos dias de multa à taxa diária de 300$00; em 17.11.2000 tal pena de multa foi convertida em 133 dias de prisão subsidiária que foi perdoada ao abrigo do artigo 1º, nºs 1 e 3, da lei nº 29/99, de 12.05;

63.3 - processo comum colectivo nº 377/00 do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por acórdão de 05.12.2000, pela prática de um crime de roubo e de um crime de furto simples na forma tentada, por factos ocorridos em 20.03.2000, na pena de um ano e nove meses de prisão;

63.4 - processo abreviado nº 315/2000 do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por sentença de 17.01.2001, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, por factos ocorridos em 16.02.2000, na pena de doze dias de multa à taxa diária de 400$00;

63.5 - processo comum colectivo nº 63/99 do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por acórdão de 05.12.2000, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 10.10.1998, na pena de um ano de prisão que foi integralmente perdoada ao abrigo do artigo 1º, nºs 1, da lei nº 29/99, de 12.05; em 01.06.2001 foi revogado o perdão que beneficiou no processo 377/00, revogado o perdão da prisão subsidiária do processo 308/99, e os 133 dias da prisão subsidiária do processo 308/99 pelo que, em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de dois anos de prisão;

63.6 - processo comum colectivo nº 109/00, do Tribunal Judicial da Comarca de Coruche, onde foi condenado, por acórdão de 20.04.2001, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos no ano de  1999, na pena de dois anos e seis meses de prisão;

63.7 - processo comum colectivo nº 38/01, do Tribunal Judicial da Comarca da Nazaré, onde foi condenado, por acórdão de 04.07.2001, pela prática de dois crimes de furto qualificado (um em 18 meses de prisão e outro em 9 meses de prisão), por factos ocorridos em 30.06.1999, na pena única de dois anos de prisão;

63.8 - processo comum colectivo nº 113/01, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por acórdão de 05.12.2001, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 07.07.1999, em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos e seis meses de prisão e 133 dias de prisão subsidiária;

63.9 - processo comum colectivo nº 450/00, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por acórdão de 21.11.2001, pela prática dos crimes de furto qualificado, detenção de arma proibida e ofensa à integridade física, por factos ocorridos em 25.05.1999, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos e seis meses de prisão;

63.10 - processo comum singular nº 228/00, do Tribunal Judicial da Comarca do Entroncamento, onde foi condenado, por sentença de 14.05.1999, pela prática de um crime de burla no acesso a meio de transporte, por factos ocorridos em 14.05.1999, em pena de multa; em 30.10.2003, foi declarado extinto o procedimento criminal por cumprimento da pena;

63.11 - processo comum colectivo nº 262/00, do Tribunal Judicial da Co-marca de Santarém, onde foi condenado, por acórdão de 03.06.2001, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 09.05.1999, na pena de dois anos e três meses de prisão;

63.12 - processo comum colectivo nº 586/99.0PBSTR, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por acórdão de 05.12.2001, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 07.07.1999, cúmulo jurídico com as penas de outros processos, na pena única de seis anos e seis meses de prisão e 133 dias de prisão subsidiária do processo 308/99; por acórdão de 19.06.2002, novo cúmulo jurídico, ficando condenado na pena única de nove anos e seis meses de prisão e 133 dias de prisão subsidiária; em 28.11.2007, O TEP de Coimbra concedeu-lhe a liberdade condicional desde 01.12.2007 até ao termo das penas em 26.07.2009; em 28.04.2010 foi-lhe concedida a liberdade definitiva.

64 - O arguido AA nasceu a ...de 1982, cresceu em ..., no seio de uma família em que o pai era engenheiro electrónico e a mãe industrial da panificação, num ambiente familiar coeso e adequado, com especial ligação afectiva à sua mãe e irmãs.

64.1 - O arguido AA teve um percurso escolar com adequada inserção no sistema de ensino, revelando-se um aluno com especiais competências na área da matemática, tendo chegado a participar nas Olimpíadas da Matemática; concluiu o 7º ano de escolaridade, abandonando a escola precocemente após a morte da mãe.

64.2 - Quando o arguido AA tinha 13 anos de idade, a mãe, a irmã mais nova e outros quatro familiares, sofreram um grave acidente de viação, em que apenas a irmã foi sobrevivente; em choque emocional pela perda repentina da sua mãe, o arguido entrou em conflito com o seu pai e acabou por fugir de casa; andou cerca de um ano e meio a viver na rua, em casa de amigos e em casa de uma namorada, com quem teve um filho, actualmente com 15 anos de idade.

64.3 - As vivências de rua levaram-no à prática de roubos e furtos, cujo produto suportava a sua sobrevivência, acabando preso pela primeira vez aos 16 anos de idade, com sucessivos processos judiciais sendo condenado em pena de prisão que cumpriu no E. P. de Leiria em regime especial para jovens.

64.4- Durante o cumprimento da pena de prisão, investiu na sua formação escolar e profissional, habilitando-se com o 9º ano de escolaridade, concluindo igualmente seis cursos profissionais (serralharia civil, informática, tipografia, jardinagem, entre outros).

64.5 - Em liberdade desde os 25 anos de idade, o arguido AA fixou-se em Leiria e não voltou a reatar relações familiares, nem com a avó materna, que lhe prestou apoio durante o cumprimento da pena, nem com o pai, com quem nunca mais se relacionou, nem com as suas duas irmãs.

64.6 - Aos 25 anos de idade, o arguido AA iniciou um percurso profissional em áreas indiferenciadas, na agricultura, construção civil e como operário fabril, sem ter adquirido experiência profissional significativa, devido à mobilidade laboral; ao nível da ocupação de tempos livres o arguido AA desenvolveu sempre actividades desportivas, durante a sua infância e juventude, como jogador de ténis de mesa (do qual foi campeão distrital), badmington e futebol; motivado para a prática desportiva, continua a desenvolvê-la com regularidade mas de forma informal.

64.7 - O arguido AA fixou residência em ... há 8 anos, onde estabeleceu uma relação marital com a sua companheira, de 31 anos, aprendiz de lavandaria numa unidade hoteleira em ..., vivendo com dois filhos desta, de 15 e 9 anos de idade e uma filha comum, de 3 anos de idade; a dinâmica familiar é caracterizada pela coesão e solidariedade, com um ambiente estável.

64.8 - A nível profissional, depois de instabilidade e mobilidade, o arguido AA tem, pela primeira vez, um enquadramento profissional e económico estável, encontrando-se a trabalhar na empresa “..., Ldª”, desde Janeiro de 2014, como operador de granuladora; tem-se revelado um trabalhador assíduo, responsável e produtivo, merecendo a confiança da empresa; aufere um vencimento líquido na ordem dos 650 euros, com os quais suporta as despesas com a habitação, destacando-se o pagamento da renda, no valor de 260 euros e respectiva manutenção, no valor médio de 70 euros; recentemente o arguido iniciou pagamento de 125 euros de prestação de alimentos para o seu filho de 15 anos de idade, residente em Almeirim; a companheira aufere um rendimento na ordem dos 350 euros mensais como trabalhadora da indústria hoteleira, estando o seu trabalho sujeito às variações sazonais; recebe ainda cerca de 230 euros de abonos e prestação de alimentos relativos aos 2 filhos menores.

64.9 - A comunidade não manifesta hostilidade à sua presença apesar dos seus “comportamentos aditivos de intensidade intermitente”; usufrui de apoio psicológico do Centro de Apoio à Diocese de Leiria, desde Março de 2013, a pedido do próprio arguido, encontrando-se abstinente do consumo de drogas desde essa data.

65 - O arguido BB não regista antecedentes criminais.

66 - O arguido BB nasceu a ....1986, é o único filho de uma relação fortuita dos progenitores, tendo cada um deles desenvolvido o seu próprio agregado; da parte do pai tem nove irmãos germanos e da mãe dois uterinos; a mãe desenvolveu esforços para lhe proporcionar o desenvolvimento psico motor necessário e próprio da sua idade.

66.1 - A mãe foi obrigada a imigrar para a Alemanha para melhorar a sua condição económica pelo que aos dois anos de idade o arguido ingressou na ..., onde permaneceu até aos 11/12 anos de idade, onde frequentou o ensino regular, tendo concluído o 6º ano de escolaridade; a mãe, quando conseguiu criar condições, retirou o arguido BB daquele organismo e durante cinco anos superintendeu a sua educação junto de si na Alemanha, onde estudou e concluiu o equivalente ao 7º ano.

66.2 - Quando regressou a Portugal, cinco anos mais tarde, o arguido concluiu o 8º ano e frequentou o 9º, não o concluindo por dificuldades linguísticas.

66.3 - Aos dezasseis anos de idade começou a trabalhar como ajudante de carpinteiro, a que se seguiu a actividade de padeiro, gasolineiro, vendedor comissionista de operador telefónico e de cimentos/ argamassas e por fim, explorou um café/bar, ficando depois em situação de desemprego, actualmente está inscrito no Centro de Emprego e Formação Profissional de Leiria.

66.4 - O arguido BB iniciou há cerca de cinco anos uma ligação amorosa, da qual nasceu uma filha; no verão de 2011, assumiu uma união de facto com a actual companheira, a qual tem três filhos de duas relações afectivas anteriores, com idades compreendidas entre os 9 e os 5 anos de idade; o casal até ao momento ainda não gerou filhos; residem presentemente num espaço habitacional cedido pela avó ao preço de 100 euros, que corresponde a uma habitação de um só piso, pré fabricada, de tipologia T3, com condições de habitabilidade.

66.5 - O agregado familiar é composto, além do arguido, pela companheira (...), 25 anos, 6º ano de escolaridade, trabalhadora indiferenciada ocasional e o filho mais velho desta (...), 9 anos estudante do 3º ano; desenvolvem entre si uma relação de entreajuda; a economia doméstica baseia-se no que obtêm quando efectuam trabalhos indiferenciados e descontinuados para terceiros e no apoio institucional no valor de +/- 560 euros mensais.

66.6 - O arguido iniciou o consumo de estupefacientes (haxixe) aos 18 anos de idade, tendo-o interrompido o mesmo de forma autónoma; após recaída, o consumo de droga manteve-se até à sua detenção.

66.7 - No meio de residência a situação jurídico-penal do arguido não é de todo conhecida e sobre o mesmo não existem sinais de hostilidade ou de rejeição».

8. A decisão em matéria de direito encontra-se fundamentada nos seguintes termos:

8.1. Quanto à qualificação jurídica dos factos

Considerou o Tribunal da Relação:

«Diz-nos o art.º 21º, n.º 1 que comete o crime de tráfico e outras atividades ilícitas quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, e o art.º 25º, alínea a), que o crime será de tráfico de menor gravidade se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, ou seja, da leitura do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro resulta que nele está desenhado um tipo base, respeitante a casos de normal gravidade (art.º 21º) e um tipo privilegiado, respeitante a casos em que há uma acentuada diminuição da ilicitude relativamente à pressuposta no tipo base (art.º 25º) [para além de um tipo agravado em que estão em causa casos de excecional gravidade (art.º 24º) mas que não interessa ao caso].

Temos assim que é a partir da ilicitude pressuposta do tipo fundamental, que se deve aferir se uma qualquer situação de tráfico se deve ou não qualificar como de menor gravidade.

A amplitude das situações marginais que podem suscitar dúvidas quanto à sua integração no art.º 21º ou no art.º 25º deu origem a uma jurisprudência que se pode considerar unânime e gerou princípios gerais por todos seguidos, ainda que a sua concretização se mostre muitas vezes algo díspar (disparidades que na falta de limites objetivos, embora assentem em princípios comummente aceites e seguidos, sempre ocorrerão por força das diferentes sensibilidades na valorização global do facto)».

Depois de citar e transcrever sumários de vários acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, continua:

«Podemos assim considerar que no caso do art.º 25º, estamos perante um minus relativamente ao crime matricial do art.º 21º visto que se distingue do crime tipo pela verificação de uma considerável diminuição da ilicitude do facto, diminuição essa que, a título exemplificativo, a lei diz dever ser aferida tendo em consideração os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, ou seja, em termos abrangentes, dever ser aferida através da avaliação global do facto».

Apreciando a situação de facto relativa a cada um dos arguidos, diz o acórdão do tribunal da Relação:

8.1.1. Quanto ao arguido AA:

«Perante esta factualidade é inevitável concluir pela insustentabilidade do entendimento de que estamos perante uma situação em que o grau da ilicitude se mostra consideravelmente diminuída.

É certo que estamos perante o que habitualmente se vem denominado de drogas leves mas, ainda que tal fosse critério legal (e não é, visto que as substâncias comercializadas pelo arguido integram a tabela I-C e são equiparadas, sem qualquer distinção, às demais substâncias constantes das tabelas I a III, V e VI[ ]), as quantidades transacionadas e o longo período de tempo em que se desenrolou o tráfico (de Junho de 2011 até 27 de Janeiro de 2013) e que só terminou por intervenção das autoridades, impõem a conclusão que o grau da ilicitude ultrapassa em muito o exigido pelo art.º 25º e por isso, os factos praticados pelo arguido AA integram o crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.

Assim sendo, procede nesta parte o recurso».

8.1.2. Quanto ao arguido BB:

«Mutatis mutantis, o que se disse a propósito do arguido AA, pode-se dizer quanto ao arguido BB dadas as quantidades em causa e o longo período de tempo em que se dedicou ao tráfico, ou seja, a apreciação global do facto aponta para um grau de ilicitude que em muito ultrapassa o limite máximo aceitável para o crime do art.º 25º.

Por isso, também ele cometeu um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, o que determina a procedência do recurso do Ministério Público nesta parte».

8.1.3. Pronunciando-se sobre as penas, considerou e decidiu o tribunal da Relação o seguinte:

«1) O arguido AA foi condenado na pena de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, mediante regime de prova, com a condição de se sujeitar a tratamento e monitorização dos problemas da toxicodependência e bem assim de efectuar o pagamento da quantia de seis mil euros à instituição “Comunidade Terapêutica Vida e Paz” no prazo de um ano após o trânsito em julgado desta decisão;

2) O arguido BB foi condenado nas penas de quatro anos e seis meses de prisão e de seis meses de prisão e cinquenta dias de multa (esta relativamente ao crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelas disposições combinadas dos artigos 1º, 2º, 3, nº 1, 4º, nº1, alínea g), 108º, nº 1 e nº 2 e 115º, todos do DL 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo DL 10/95, de 19 de Janeiro) e em cúmulo, na pena única de quatro anos e oito meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, mediante regime de prova, com a condição de se sujeitar a tratamento e monitorização dos problemas da toxicodependência e bem assim de efetuar o pagamento da quantia de cinco mil euros à instituição “Comunidade Terapêutica Encontro” no prazo de um ano após o trânsito em julgado da decisão e ainda na multa de cinquenta dias de multa, à taxa diária de sete euros, o que perfaz o montante de trezentos e cinquenta euros. (…)

Todas estas penas tiveram como base a moldura penal abstrata de 1 (um) até 5 anos referente ao crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo art.º 25º, alínea a. do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro pelo qual todos os arguidos foram condenados na 1ª instância, enquadramento que acima foi alterado para crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21º, n.º 1 em relação aos arguidos AA e BB. (…)

Em resumo:

Ao arguido AA foi aplicada a pena de 5 (cinco) anos de prisão e o recorrente pretende que lhe seja aplicada a pena de 6 (seis) anos de prisão e ao arguido BB foi aplicada a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e o recorrente entende que seria justa uma pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Concordamos parcialmente com o Ministério Público.

Com efeito, o grau da ilicitude dos factos por estes arguidos praticados, se excedia o máximo permitido pelo art.º 25º, pouco ultrapassa o mínimo exigido pelo art.º 21º, ou seja, se permitiu a aproximação do quantum das penas ao limite máximo, não permite que em sede de tipo base o mesmo seja considerado como se afastando muito do mínimo (note-se que como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de maio de 2015, “existe entre aqueles assinalados preceitos [24º, 21º e 25º] uma escalada de danosidade social centrada no grau de ilicitude”).

Assim sendo, altera-se a pena aplicada ao arguido AA de 5 (cinco) anos de prisão para 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e a pena aplicada ao arguido BB de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão para 5 (cinco) anos de prisão e em cúmulo desta com a pena de 6 (seis) meses de prisão e 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros) que lhe foi aplicada pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelas disposições combinadas dos artigos 1º, 2º, 3, nº 1, 4º, nº1, alínea g), 108º, nº 1 e nº 2 e 115º, todos do DL 422/89, de 2 de Dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão e 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros). (…)

Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso do Ministério Público e em consequência decide-se:

1) Alterar o enquadramento jurídico-criminal dos factos praticados pelos arguidos AA e BB e em consequência, revogando nesta parte o acórdão recorrido, condenar cada um deles como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, respetivamente nas penas de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e de 5 (cinco) anos de prisão

2) Em cúmulo com a pena que lhe foi aplicada pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelas disposições combinadas dos artigos 1º, 2º, 3, nº 1, 4º, nº1, alínea g), 108º, nº 1 e nº 2 e 115º, todos do DL 422/89, de 2 de Dezembro, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, vai o arguido BB condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 2 (dois) meses de prisão e 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros)».

9. Em exígua formulação textual, o acórdão da Relação, que constitui o objecto do presente recurso, limita-se, como se vê, na justificação da decisão, a dizer que “concordamos parcialmente com o Ministério Público”, “com efeito, o grau de ilicitude dos factos, se excedia o máximo permitido pelo art.º 25.º, pouco ultrapassa o mínimo exigido pelo art.º 21.º ou seja, se permitiu a aproximação do quantum das penas ao limite máximo, não permite que em sede de tipo base o mesmo seja considerado como se afastando muito do mínimo (note-se que como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de maio de 2015, “existe entre aqueles assinalados preceitos [24º, 21º e 25º] uma escalada de danosidade social centrada no grau de ilicitude”)” e, “assim sendo, altera-se a pena aplicada ao arguido Linheira de 5 (cinco) anos de prisão para 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e a pena aplicada ao arguido Cardinali de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão para 5 (cinco) anos de prisão”.

Embora este excerto da decisão suscite dúvidas quanto ao âmbito e conteúdo da concordância “parcial” com o Ministério Público, parece que esta concordância se limita ao “grau de ilicitude dos factos”, em virtude da locução adverbial “com efeito” que, em termos gramaticais, justifica ou explica o conteúdo da oração ou frase imediatamente anteriores.

Pelo que, para convenientemente se apreender a justificação e o sentido da decisão recorrida, bem como os termos em que as questões da qualificação jurídica dos factos e da determinação das penas vinham colocadas, importa referir as conclusões da motivação do recurso do Ministério Público e das respostas dos arguidos no recurso perante o Tribunal da Relação.

9.1. Concluía o Ministério Público na motivação do recurso, na parte que agora interessa (pp. 5-9 do acórdão recorrido):

«10ª - Ao ter decidido de modo diverso do ora sustendo, violou-se no douto Acórdão a quo o disposto no artigo 21°, do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

11ª - As exigências de prevenção geral constituem o limite mínimo da pena e a culpa do agente o seu limite máximo, pelo que a medida concreta da pena deve ter em consideração a finalidade de prevenção especial, de ressocialização do arguido ou de suficiente advertência, no sentido de retirar este agente do caminho criminoso.

12ª - A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do artigo 71°, do Código Penal, em função da culpa do agente, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (porque estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.

13ª - A pena a aplicar será, assim, fixada em função da culpa, da ilicitude, das circunstâncias agravantes e atenuantes que ocorram, não se perdendo de vista o objectivo de reinserção social do agente.

14ª - Ponderando:

ν Os graus de ilicitude presentes nas condutas dos arguidos não pode deixar de ser considerado elevado, o que tem necessárias sequelas ao nível da culpa, fazendo, por um lado, estabilizar tais exigências e, por outro, aumentá-las;

ν Os dolos presentes nas condutas dos arguidos - intensos - pois que na sua modalidade mais grave: - o dolo directo, dado que os factos foram representados e queridos pelos agentes, o que faz aumentar as exigências de culpa;

ν As circunstâncias em que o crime ocorreu;

ν A gravidade das consequências das suas condutas, geradoras da degradação e de destruição de seres humanos, provocados pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia” e especialmente devida à dependência e aos malefícios que a droga gera;

ν Os motivos determinantes da conduta, fúteis;

ν O carácter não primário da delinquência do arguido AA, o carácter primário dos arguidos BB e (…), sendo que a necessidade de restauração da confiança da sociedade na norma violada, mesmo assim, não se compadece com penas próximas do limite mínimo ou de qualquer atenuação especial;

ν A ausência de juízos de auto-censura e sentido crítico por banda dos arguidos, em especial por parte do arguido BB relativamente à não assunção dos factos pelo mesmo;

ν As necessidades de reprovação e de prevenção destes tipos de crime que são particularmente elevadas, tal como é amplamente divulgado diariamente na comunicação social,

15ª - Entende o Ministério Público que teria sido justo - e será justo, por equitativas - condenar os arguidos pela prática de 1 (um) crime de tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelo artigo 21°, n.º 1, do D.L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, respectivamente:

a) AA, a pena de 6 (seis) anos de prisão;

b) BB, a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; (…)

- pois não há suporte fáctico ao entendimento (benevolente) do Colectivo quando fundamenta que os arguidos “mostrerem arrependimento”. (…)

17ª - Ponderando-se os factores enunciados, entende o Ministério Público que teria sido justo - e será justo - aplicar ao arguido BB, por equitativa, em cúmulo jurídico daquelas penas parcelares, a pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão e 50 (cinquenta) dias de multa à razão diária de 7,00 € (sete Euros).

18ª - Ao ter decidido de forma diversa da ora sustentada pelo Ministério Público, violou o douto Acórdão a quo o disposto nos artigos 40°, 70°, 71° e 77°, n.ºs. 1 e 2, todos do Código Penal.

19ª - A suspensão da execução da pena de prisão não é apenas facultativa, tratando-se antes, de um poder-dever dependendo dos pressupostos formais e materiais estipulados na lei.

20ª - É pressuposto formal da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão a circunstância de, em concreto, não ser aplicável ao agente pena de prisão superior a 5 (cinco) anos.

21ª - É pressuposto material da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão a verificação de um prognóstico favorável pelo Tribunal, relativamente ao comportamento da condenada, tendo em atenção a sua personalidade e as circunstâncias do facto, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para o afastar da criminalidade, satisfazendo, simultaneamente, as exigências de prevenção geral, ínsitas na finalidade da punição, previstas no artigo 40°, do Código Penal.

22ª - A Comunidade não compreenderia a opção desse Venerando Tribunal se decidisse condenar em penas de prisão suspensas na sua execução - para além de toda a factualidade provada e das apreensões efectuadas - quem, como o arguido:

a) AA:

a.1) - Vendeu, desde Junho de 2011 até 27 de Janeiro de 2013, com a excepção das pequenas porções, pelo menos, por “grosso” 6.315,00 gramas: - seis quilogramas, trezentos e quinze gramas de pólen de haxixe?

a.2) - Detinha, ainda, na sua residência, pelo menos 100 gramas de haxixe

a.3) - Foi condenado pela prática de:

a.3.1) - Um crime de furto qualificado, em pena de prisão suspensa na sua execução;

a.3.2) -- Um crime de furto qualificado, em pena de multa;

a.3.3) - Um crime roubo e um crime de furto simples, em pena de prisão suspensa na sua execução;

a.3.4) - Um crime de consumo, em pena de multa;

a.3.5) - Um crime de furto qualificado, em pena de prisão;

a.3.6) - Um crime de furto qualificado, em pena de prisão;

a.3.7) - Dois crimes de furto qualificado, em pena de prisão;

a.3.8) -- Um crime de furto qualificado, em pena de prisão;

a.3.9) - Um crime de furto qualificado, um crime de detenção de arma proibida e um crime de ofensa a integridade física, em pena de prisão;

a.3.10) - Um crime de burla no acesso a meio de transporte, em pena de multa; a.3.11) -- Um crime de furto qualificado, em pena de multa;

a.3.12) - Um crime de furto qualificado, em pena de prisão?

a.4) - Foi concedida pelo Tribunal de Execução de Penas a liberdade definitiva em 28 de Abril de 2010 !  

a.5) - E, como não bastaram as advertências das anteriores condenações, pratica os factos julgados provados no período compreendido entre Junho de 2011 até 27 de Janeiro de 2013 !!!!

b) BB:

b.1) - Vendeu, desde dia não concretamente apurado de 2011 até 01 de Dezembro de 2012, com a excepção das pequenas porções, pelo menos, por “grosso” 950,00 gramas: - novecentos e cinquenta gramas de pólen de haxixe?

b.2) - Não prestou quaisquer declarações, o que denota uma total ausência de iuízo de auto-censura e sentido critico por banda do arguido (…)

23ª - Não são de esperar comportamentos sérios, honestos, por parte dos arguidos que, perante os factos dados como provados, preferem cometer um crime desta gravidade!!

24ª - A suspensão da execução das penas de prisão in casu desacreditaria as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral!

25ª - Banalizar a suspensão da execução da pena de prisão nos casos crime de tráfico de estupefacientes redundaria num enfraquecimento da confiança da comunidade na validade das normas jurídicas que a prática do crime veio por em crise.

26ª - Por todo o exposto, entende o Ministério Público que, tendo-se em conta o que acima ficou dito, no necessário juízo de prognose, tem-se presente personalidade dos arguidos AA, BB, (…) as suas condutas e as circunstâncias destes mesmos factos sendo que, no presente caso, não se vislumbra e justifica ter-se razoável um juízo de prognose positiva no sentido de que a censura do facto e a ameaça da prisão serão suficientes para realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, razões pelas quais se impõe que aqueles cumpram, de modo efectivo, as penas de prisão nas quais vierem a ser condenados, caso esse Venerando Tribunal venha a entender que aquelas, mesmo assim, devem ser iguais ou inferiores a cinco anos de prisão.

27ª - Ao ter decidido de forma diversa da ora sustentada pelo Ministério Público, violou o douto Acórdão a quo o disposto no artigo 50°, do Código Penal.

28ª - Pelo que o douto Acórdão a quo deverá ser substituído por outro que condene os arguidos AA, BB, (…) nos termos acima pugnados».

9.2. A isto responderam os arguidos (pp. 9-15 do acórdão recorrido).

9.2.1. O arguido AA, dizendo:

«a) O Arguido (...) está firmemente convicto que o mesmo não padece de qualquer vício, ou ilegalidade, não ocorrendo violação ao disposto nos artigos, 21° do Decreto-lei n° 15/93 de 22 de Janeiro, ou 50° do Código Penal, pelo que carece de fundamento, salvo o devido respeito, o entendimento expresso pelo Recorrente nas suas Doutas Alegações.

b) Cumprindo referir que a Douta Decisão Recorrida, espelha a prova produzida, e traduz uma rigorosa, ponderada e justa aplicação do direito, sendo que se algum reparo merece do Arguido, tal se prende unicamente com o valor da quantia de seis mil euros a entregar a Instituição, que se afigura algo excessivo, considerando as condições económicas do Arguido e do seu agregado familiar, mas o Arguido conforma-se com o mesmo.

c) O Douto Recurso apresentado pelo Ministério Público, alega a existência – 1ª Questão suscitada - de incorreta subsunção das normas penais aos factos provados, com violação ao disposto no artigo 21° n° 1, pelo facto de o Tribunal Recorrido ter enquadrado a atuação do Arguido no Crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25°, n° 1, alínea a).

d) Tal matéria foi amplamente analisada, ponderada e sustentada no Douto Acórdão Recorrido de fls. 46 a 55, e bem, no modesto entendimento do Arguido, discordando-se por carecer de fundamento, a posição propugnada pelo Recorrente alicerçada unicamente, num entendimento mais gravoso, em análise ao grau da ilicitude, dolo, circunstancias, gravidade das consequências das condutas, motivos determinantes das mesmas, carácter não primário, e necessidade de reprovação e prevenção.

e) (…) o Arguido em sede Julgamento prestou declarações, que assumiram grande preponderância na factualidade provada, onde de forma séria, deu conta da sua dependência dos estupefacientes à data dos factos, dependência que assumia contornos muito significativos, sendo que nesse período executava trabalhos que não lhe permitiam suportar os encargos com o seu consumo, e começou a efetuar vendas, na maior parte das vezes a amigos ou conhecidos do futebol de salão ou dos videojogos, com quem chegou inclusive a partilhar de forma gratuita.

f) O mesmo enumerou e explicitou várias vendas, esclarecendo de forma clara e verosímil, que das vendas que efetuou nunca retirou qualquer beneficio económico - apenas o para adquirir estupefacientes para seu consumo - sendo que dos depoimentos prestados pelas diversas testemunhas, as vendas indicadas pelo Arguido, com pequenas variações, vieram no geral a confirmar-se, bem como foi confirmado nomeadamente pelas testemunhas FF, GG, HH, II e JJ que o mesmo era consumidor. Refira-se, que o Arguido assumiu mais vendas que as indicadas pelas testemunhas.

g) O presente processo transporta consigo algumas singularidades, conforme se apurou o mesmo realizou um número significativo de vendas, mormente placas, tais situações poderiam levar a presumir que estivéssemos perante uma forma de tráfico com alguma sofisticação, um “modus operandi” elaborado, não é o caso, o modo de atuação era revestido de simplicidade, com recurso a meios sem qualquer sofisticação, encontros previamente acordados por telefone, ou mesmo contacto pessoal com amigos ou conhecidos no futebol, que ocorriam numa área geográfica limitada, por regra nas Cortes junto ao campo de futebol, ou seja na área de residência do arguido, e por regra ao fim da tarde (após o trabalho).

h) Vendia placa completa, o que se revelava mais simples, não havendo necessidade de corte, pesagem ou qualquer tipo de preparação, e nas situações em que procedeu à divisão ou partilha fê-lo sem qualquer rigor, por vezes partindo com a própria mão. Atuava sozinho, vendendo a consumidores.

i) Atentou-se ainda no Relatório Social, quanto à personalidade do Arguido, que fruto de todas as limitações pessoais e sociais que viveu, com as perdas familiares e a sujeição aos meios prisionais logo aos 16 anos, tendo passado uma parte significativa da sua vida encarcerado, é lhe imputada uma personalidade de imaturidade pessoal e social, fragilidade emocional e, vulnerabilidade a influências externas. Características pessoais que jamais lhe permitiria assumir ou desenvolver qualquer tipo de liderança, sendo sim, salvo melhor opinião, consentâneas com um consumidor.

j) A forma de atuação do Arguido, pela simplicidade dos meios empregues, pela área geográfica, pelos períodos do dia em que ocorria, pela própria dinâmica em si geralmente associada a amigos ou conhecidos da atividade desportiva, o facto de o produto da venda se ter destinado única e exclusivamente a assegurar o próprio consumo, não tendo o Arguido retirado qualquer beneficio económico, e não ter condenações anteriores pelo mesmo tipo de ilícito criminal, justificava que o Tribunal “A Quo” enquadrasse a atuação do Arguido no crime de Tráfico de menor gravidade do artigo 25°, como fez.

k) O Recorrente alega ainda a existência de violação ao disposto no artigo 50° do Código Penal, pelo facto de o Tribunal Recorrido ter suspendido na sua execução a pena de prisão aplicada, sendo que também nesta parte, o Douto Recurso propugna essencialmente um entendimento diverso do preconizado no Douto Acórdão Recorrido, assente num enquadramento mais gravoso, sustentado no volume de estupefacientes vendidos e no registo criminal do Arguido.

l) Entendimento que desvaloriza todo o atual enquadramento social, familiar e profissional do Arguido, a postura evidenciada em sede de julgamento, onde não só confessou, mas mostrou também arrependimento (facto provado 76.) e, toda a mudança e evolução concretizada pelo mesmo, os quais, salvo melhor opinião, justificam um juízo de prognose favorável. Saliente-se que as condenações anteriores se reportam a crimes de natureza diversa, ocorridos entre 1998 e 2000.

m) Refira-se igualmente, que a suspensão da pena tem associado um regime de prova, com a condição de se sujeitar a tratamento e monitorização dos problemas da toxicodependência e bem assim, de efectuar o pagamento da quantia de seis mil euros à instituição “Comunidade Terapêutica Vida e Paz”, no prazo de um ano após o trânsito em julgado, sendo que esta ultima condição, pela diminuta capacidade económica do Arguido importará um grande sacrifício pessoal.

n) (...) o Arguido tudo tem feito para corrigir o caminho anteriormente traçado, nomeadamente afastou-se do consumo (tendo procurado auxílio), e do tráfico, afastou-se do local onde vivia, bem como afastou-se das pessoas com quem se relacionava ligadas a esse meio, conseguiu estabilidade laboral, onde tem logrado obter um assinalável sucesso, e tem um forte apoio da família, companheira e filhos, a quem o Arguido tem dedicado todo o seu tempo fora do trabalho, até porque a sua família, além da grande dependência económica em relação ao mesmo, tem atravessado um período difícil, associado a uma doença grave de que padece a sua companheira.

o) Afigura-se ainda, salvo melhor opinião, que a sujeição do Arguido, pessoa que nunca sofreu condenações por crimes desta natureza, a uma pena de prisão efetiva, destruiria irremediavelmente todo o projeto de vida do arguido e do seu agregado familiar, porquanto tal conduziria não só à perda da liberdade, mas também à perda do seu emprego, do suporte económico e emocional da família, do suporte emocional da companheira num momento de graves dificuldades, e ao afastamento dos filhos.

p) No nosso modesto entendimento, justifica-se a oportunidade que foi concedida ao Arguido pelo Tribunal “A Quo”, ao decidir suspender a execução da pena aplicada, revelando-se objectivamente sustentando o juízo de prognose positiva em relação ao mesmo, pelo que também nesta parte, deve improceder por carecer de fundamento, o Douto Recurso deduzido.

Pelo que, e atento todo o exposto, considera o Arguido, muito respeitosamente, que o Douto Acórdão Recorrido não enferma de qualquer vício ou ilegalidade, não ocorrendo violação ao disposto nos artigos, 21° do Decreto-lei n° 15/93 de 22 de Janeiro, ou 50° do Código Penal».

9.2.2. O arguido BB, dizendo:

«1. Face à factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo não poderia o mesmo condenar o arguido aqui recorrido por outro crime senão o do p. e p. pelo artigo 25º al. a) do Decreto Lei 15/93 de 22 de Janeiro.

2. O crime de tráfico de menor gravidade envolve situações em que o tráfico de estupefacientes, tal como se encontra definido no tipo base, se processa de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude, isto é, em que se mostra diminuída a quantidade do ilícito.

3. Os pressupostos da disposição respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto no sentido positivo, constatando, face à específica forma e grau de realização do facto, que o caso se situará substancialmente aquém da necessidade de pena expressa pelo limite mínimo do tipo base.

4. Haverá que proceder à valorização global do episódio, fazendo uma avaliação do conjunto da acção tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão.

5. Tendo o Tribunal a quo dado como provado que:

13- Desde dia não concretamente apurado de 2011 até 01 de Dezembro de 2012, o “arguido BB dedicou-se à venda de cannabis resina a um número indeterminado de consumidores deste produto.

14 - Para tal, o arguido BB adquiria o produto estupefaciente a fornecedores não concretamente identificados-bem como ao arguido José Linheira.

15 - O arguido BB vendia as porções de cannabis por diversos valores sendo em média meia placa de por 65 euros cada uma.

16 - As entregas de cannabis eram efectuadas, normalmente, depois de contacto por telemóvel, especialmente os números ..., ... e ..., em que era combinado o local de entrega, preço e quantidade, ocorrendo a entrega do produto no local combinado, chegando a ocorrer na sua residência em ... como no interior e nas proximidades do seu bar “.....

17 - A combinação por telemóvel, muitas vezes, era efectuada através de linguagem cifrada utilizando palavras como “verde”, “verdinha” (erva ), “tou a pé” (não tem produto) “meio k” (meio quilo) “V” (erva), “metros de rede”, “metros de fio” (placas de haxixe) e “cabos de alta tensão referente a qualidade”.

18 - O arguido BB, durante o referido período, no desenvolvimento daquela sua actividade, vendeu cannabis resina aos seguintes consumidores:

18.1 - ...: duas vezes porções pelas quais pagou dez euros e uma vez cinco euros;

18.2 - ...: uma vez quantia de cinco ou dez euros;

18.3 - ...: duas vezes quantias de dez euros e uma vez vinte euros;

18.4 - ...: duas vezes uma “Iinguita” de 2-3 gramas por cinco ou dez euros;

18.5 - ...: duas vezes porções por dez euros (2 gramas) e uma vez vinte euros (uma chapa ou uma língua);

18.6 - ...: três vezes vinte euros de cada vez;

18.7 - ...: duas vezes uma placa (160/170 euros) e uma vez meia placa (80/90 euros);

18.8 - ...: duas vezes porções que lhe pagou 10 ou 15 euros;

18.9- ...: uma vez cinco euros, outra vez dez euros e outra vinte euros; e

18.10 - ...: uma vez uma placa de 100 gramas de pólen de haxixe.

19 - No dia 30.11.2012 pelas 14 h 16m 44 s o arguido BB contactou, através de telemóvel, ... a quem encomendou a entrega de uma placa de haxixe pela quantia de 150 euros, combinando como local de encontro as bombas na Galp sitas na ...;

22 - No dia no dia 1 de Dezembro de 2012, o arguido BB vendeu ao arguido DD as cinco placas de haxixe que, pouco tempos antes, havia adquirido ao arguido ... (referido no facto 6.13).

à evidência resulta que as quantidades transaccionadas pelo arguido/recorrido foram diminutas, bem como a sua intervenção processou-se de forma não continuada, organizada e intensa, assim como os fornecimentos foram-no a um número diminuto de consumidores, numa área geográfica restrita.

6. Dúvidas não podem existir que, no caso sub judice, os factos provados são de uma diminuta quantidade de ilícito, pois a quantidade de estupefacientes transaccionada, o modus operandi, a actuação individual do arguido, a regularidade e constância da actividade, a dimensão do risco criado e potenciado para a saúde pública, sendo estes vectores tomados no circunstancialismo envolvente, apresentam uma dimensão, que não pode deixar de ser vista e afirmada como de uma ilicitude consideravelmente mitigada, conforme concluiu, e bem no nosso entender, o Tribunal a quo.

7. Haverá que não meter no mesmo saco todos os traficantes, distinguindo na aplicação do D.L. n.º 15/93 de 22.01, os casos graves do art.º 21º, os muito graves do art.º 24º e os poucos graves do art.º 25º

8. Dúvidas não há de que será de manter a qualificação da conduta do recorrido subsumível ao crime de tráfico de estupefacientes, na vertente de menor gravidade (prevista no artigo 25º do D.L. n.º 15/93), conforme foi doutamente decidido e vastamente fundamentado pelo Tribunal a quo.

9. Valorando todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, pugnaram a favor ou contra o arguido e devidamente explanadas pelo Tribunal a quo, sempre teríamos de concordar com a posição manifestada pelo aqui Recorrente quanto à (in)correcta determinação da moldura- concreta da pena, pois que a mesma sempre teria de ter sido aplicada em medida inferior àquela que foi aplicada - 4 anos e 6 meses de prisão.

10. Deste modo e tendo em perspectiva a Doutrina e Jurisprudência sumariados, e analisando a situação concreta dos autos no que ao aqui arguido/recorridos diz respeito, nomeadamente as diminutas quantidades de estupefacientes transacionadas, a ausência de antecedentes criminais, as suas condições de vida (apesar de atualmente desempregado sempre manteve actividade laboral; encontra-se integrado na sociedade com vida familiar estabelecida - uma filha, esposa e três enteados), tudo sopesado, entende o recorrido que teria sido justo a aplicação de uma pena de 3 anos.

11. Sem conceder sempre se dirá que, a assim não se entender, será de manter a pena aplicável pelo tribunal a quo, não colhendo razão ao Digníssimo Magistrado do Ministério Público.

12. Sopesados os factos assentes, quer os respeitantes à prática dos ilícitos, quer os atinentes ao passado criminal do arguido (o facto de ser primário) e ao seu percurso de vida, à luz do ensinamento doutrinal supra consignado, pensa-se não se poder deixar de concluir que o conjunto de factos ilícitos não são recondutíveis a uma tendência criminosa, pelo que, sempre ao arguido aqui recorrido seria justa a aplicação de uma pena única de 3 anos e 6 meses de prisão e 50 dias de taxa de multa.

13. Ter a pena aplicada sido estabelecida em medida não superior a cinco anos é o primeiro pressuposto (o pressuposto indispensável) para a substituição da pena de prisão, sendo então obrigatório equacionar essa substituição no cumprimento de um poder/dever ou poder vinculado.

14. São sobretudo razões de prevenção especial (e não considerações de culpa) as que -estão na base do art. º. 50 do CP, e que fundamentam um juízo de prognose favorável, permitindo substituir uma pena institucional ou detentiva, por outra não detentiva, isoladamente aplicada ou associada à subordinação de deveres que se impõem ao condenado, destinados a reparar o mal do crime e (ou) de regras de conduta, estabelecidas estas com o fim de melhor relnserir aquele socialmente em ordem ao acatamento dos valores comunitários, cujo respeito, pelo afastamento do condenado da criminalidade (e não pela sua regeneração) se pretende obter.

15. O referido juízo de prognose favorável assenta na análise das circunstâncias do caso em correlação com a personalidade do agente, visando obter em toda a linha possível a socialização em liberdade, visando sempre, o afastamento do condenado da prática de novos crimes por meio da simples ameaça da pena.

16. No caso, será de considerar sobretudo a relativa juventude do arguido, os seus hábitos de trabalho, as suas responsabilidades parentais, tendo uma filha de 4 anos de idade, ao seu cargo 3 enteados respectivamente com 5, 8 e 10 anos, a ausência de antecedentes criminais, a boa inserção social e familiar.

17. Se a finalidade de afastamento da criminalidade se conseguir com a manutenção do arguido em liberdade, mediante uma pena de substituição, e deste modo se conseguir o almejado objectivo de paz social, a prisão efectiva representaria uma medida desproporcionada e revestiria mesmo um cunho de pura vingança, com consequências danosas para terceiras pessoas inocentes e para a reinserção social do próprio arguido.

Seria, portanto, maior o dano social,

18. Não existe consequentemente qualquer violação pelo Douto Acórdão a quo do artº. 50.º do CP., sendo de manter o Doutamente decidido».

10. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigo 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso quanto a vícios da decisão recorrida – que devem resultar directamente do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência – e a nulidades não sanadas, a que se refere o artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995).

São as seguintes as questões colocadas pelos recorrentes à apreciação e decisão deste tribunal:

(1) a da qualificação jurídica dos factos relativos ao tráfico de estupefacientes, que defendem incluir-se na previsão do artigo 25.º (tráfico de menor gravidade) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, como tinha considerado e decidido o tribunal de 1.ª instância, e não na previsão do artigo 21.º (tráfico) do mesmo diploma, como decidiu o acórdão da Relação;

(2) a da medida das penas aplicadas aos crimes de tráfico de estupefacientes, que, no entender dos recorrentes, devem ser reduzidas, por virtude da alteração da incriminação ou, a manter-se a qualificação jurídica dos factos nos termos do acórdão da Relação (crime de tráfico), por as penas serem excessivas e desproporcionadas, devendo, neste caso, ser fixadas em medida inferior a 5 anos de prisão;

(3) a da medida da pena única aplicada ao arguido BB pela prática, em concurso, do crime de tráfico de estupefacientes e do crime de exploração de jogo, a qual, no entender deste, deve ser a aplicada pelo tribunal de 1.ª instância; e

(4) a da substituição das penas de prisão pelas penas de suspensão de execução da pena de prisão.

Antes, porém, há que apreciar e decidir da questão prévia da rejeição do recurso do arguido BB, suscitada pelo Ministério Público na resposta que apresentou no tribunal da Relação (supra 3.2, ponto 1).

Quanto à admissibilidade do recurso do arguido BB

11. Defende o Ministério Público no Tribunal da Relação que o acórdão recorrido não admite recurso por parte do recorrente BB, uma vez que, claramente, recorre da pena parcelar de 5 anos de prisão e não da pena única, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, pelo que deve ser rejeitado atento o disposto nos artigos 417°, n.º 6, al. b), 420.º n.º 1, al. b), e 414.°, n.º 2, do CPP.

Dispõe o artigo 400.º (Decisões que não admitem recurso) que “não é admissível recurso” (n.º 1) “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos” (al. e).

Compulsados os autos, verifica-se que o recurso não foi inicialmente admitido (fls. 2872), com o fundamento em que “o recurso incide unicamente sobre a pena aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes”, só o vindo a ser (fls. 3353) após decisão do Exmo. Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 3047) que deferiu a reclamação (fls. 2893) daquele despacho. Considerou o Exmo. Vice-Presidente que “o critério de admissibilidade do recurso para o STJ, após a reforma de 2007, se reporta à pena concretamente aplicada, havendo para esse efeito que ter em conta, por um lado, as penas parcelares e, por outro, a pena única resultante do cúmulo jurídico”, que “o reclamante não é apodíctico sobre qual o objecto do recurso, ou seja, se pretende recorrer da nova pena parcelar que lhe foi imposta, na sequência do recurso do Ministério Público, pelo crime de tráfico de estupefacientes, ou se pretende recorrer da pena única que, em consequência, daquela lhe veio a ser aplicada em cúmulo jurídico” e que “das penas parcelares, porque perderam autonomia, não há recurso "autónomo", sendo que a sua medida concreta será apreciada no recurso interposto da pena única, o que poderá implicar a reformulação do cúmulo, pois é esta que o arguido terá de cumprir e é esta pena que condicionará os institutos da respectiva execução (v.g. saídas precárias, liberdade condicional) ”, pelo que “in dubio considerando que o que está em causa é o recurso da pena única de 5 anos e 2 meses de prisão, o recurso é admissível nos termos dos artigos 432.°, n.º 1, alínea b), e 400.°, n.º 1, alínea e), ambos do CPP”.

Como se extrai directamente do texto do requerimento de interposição do recurso, o recorrente indica expressamente que, “por dele não concordar”, vem “interpor recurso do acórdão proferido pela relação de Coimbra no que à matéria de direito diz respeito” (cfr. parte inicial do requerimento), acórdão que lhe aplicou a pena única de 5 anos e 2 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes da previsão do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, em concurso com um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelas disposições combinadas dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 1, 4.º, n.º 1, alínea g), 108.º, n.ºs 1 e 2, e 115.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, nos termos em que dispõe o artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

O recorrente questiona a condenação pela prática do crime da previsão do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, não discutindo a condenação pelo crime de exploração de jogo, bem como, em consequência disso, a pena que lhe foi aplicada, pugnando pela alteração da decisão recorrida e pela confirmação da pena única de prisão, suspensa na sua execução, aplicada em 1.ª instância.

Nos termos do disposto no artigo 402.º do CPP, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão (princípio do conhecimento amplo), sem prejuízo de, em caso de concurso de crimes, o recorrente poder limitar o recurso a cada um dos crimes, devendo, nesse caso, o tribunal de recurso dele retirar as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida (artigo 403.º, n.ºs 1, 2, al. c), e 3, do CPP).

Nos termos das disposições conjugadas das al. e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, que estabelece restrições ao princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais consagrado no artigo 399.º do CPP, só não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso pelas Relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou que confirmem decisões proferida em 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, sendo que, em caso de concurso de crimes, a pena relevante é a pena conjunta aplicada. O acórdão recorrido, que aplicou a pena privativa de liberdade ao recorrente José Manuel Cardinali, alterou a qualificação jurídica dos factos relativos ao crime de tráfico de estupefacientes e agravou a pena de prisão que havia sido suspensa na sua execução, não confirmando a decisão do tribunal de 1.ª instância.

Assim sendo, não ocorrendo motivo que justifique a não admissão do recurso, improcede a questão da sua rejeição com fundamento nos artigos 414.º, n.º 2 e 420, n.º 1, al. b), do CPP, tal como suscitada pelo Ministério Público na resposta que apresentou no tribunal da Relação.

Não havendo motivo de rejeição, há que conhecer de ambos os recursos.

Porém, tendo em conta que as penas parcelares aplicadas ao arguido BB, pela prática de cada um dos crimes em concurso, não são superiores a 5 anos de prisão, mostrando-se, quanto a elas, efectivada a garantia do duplo grau de jurisdição pelo recurso para o Tribunal da Relação, enquanto componente do direito de defesa (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), e não sendo, nesta parte, admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP), a competência deste tribunal circunscreve-se ao reexame da matéria de direito (artigo 434.º do CPP) relacionada com a determinação da pena única a partir da moldura do cúmulo, que é definida e se encontra fixada, no mínimo, pela mais elevada das penas parcelares – cinco anos de prisão – e, no máximo, pela soma dessas penas – cinco anos e seis meses de prisão, nos termos do artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal (neste sentido, entre outros, os acórdãos de 13.1.2016, Proc. 174/11.5GDGDM.L1.S1, de 18.2.2016, Proc. 68/11.4JBLSB.L1-A.S1, e de 23.11.2016, Proc. 736/03.4TOPRT.P2.S1, da 3.ª Secção).

Em consequência, não se conhece do recurso na parte em que questiona a condenação pela prática do crime da previsão do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93

Quanto à qualificação jurídica dos factos praticados pelo arguido AA

12. Dispõe o artigo 21.º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 15/93, que:

“Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.

Por sua vez, estabelece o artigo 25.º (tráfico de menor gravidade) deste diploma que:

“Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; (…)”

A substância em causa – resina de cannabis (haxixe) –, embora vulgarmente tida como uma “droga leve”, inclui-se, atento o seu grau de periculosidade, na tabela I-C anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, entre os narcóticos e os alucinogéneos, e na Tabela I anexa à Convenção Única de Estupefacientes de 1961, das Nações Unidas, tabelas que contêm as substâncias potencialmente mais perigosas. A distribuição das drogas pelas tabelas das convenções, nomeadamente pelas Tabelas I, II, III e IV da Convenção Única (Decreto-Lei n.º 435/70, de 12 de Setembro, e seu Protocolo de 1972 – Decreto-Lei n.º 161/78, de 21 de Dezembro), leva em conta a sua gravidade, reconhecida cientificamente, e o consequente grau de controlo a que as submete.

Como tem sido reiteradamente afirmado, o Decreto-Lei n.º 15/93 não acolhe a distinção vulgarmente feita entre drogas duras (hard drugs) e drogas leves (soft drugs). Apesar de a distinção não ter relevância directa na definição típica dos crimes ou da moldura abstracta das penas correspondentes, tem-se salientado que este diploma “não deixa de afirmar no preâmbulo que «a gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respectivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade», havendo que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respectiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social” (cfr., entre outros, os acórdãos de 30.4.2008, Proc. 07P4723 – 3.ª Secção, de 2.5.2015, Proc. 132/11.0JELSB.S1 – 3.ª Secção, e de 27.5.2012, Proc. 445/12.3PBEVR.E1.S1 – 3.ª Secção).

Apesar dos debates suscitados a propósito da possibilidade da sua liberalização e uso para fins não médicos, reconhecidos em medidas já adoptadas em alguns Estados, os organismos e entidades internacionais com responsabilidades neste domínio têm sublinhado unanimemente, com base nas mais recentes investigações e estudos científicos, o seu elevado grau de danosidade social e para a saúde, nomeadamente quando associado a factores endógenos, embora menor que o oferecido por drogas de mais elevado potencial, como os opiáceos, bem como a sua importância crescente e dominante no negócio ilícito global do tráfico de drogas (como se pode ver no estudo “The health and social effects of nonmedical cannabis use”, de 2015, da Organização Mundial de Saúde, e nos relatórios do Órgão Internacional de Controlo de Estupefacientes estabelecido pela Convenção Única de 1961 – relatório de 2016 –, da UNODC – relatório de 2017 – e do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência – relatório de 2016, todos disponíveis na internet). O “Relatório Europeu sobre Drogas – Tendências e evoluções”, relativo ao ano de 2016, do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, salienta que “novas estimativas revelam que a cannabis é responsável pela maior quota, em termos de valor, do mercado europeu de drogas ilícitas”, que “a produção de cannabis [se] transformou numa grande fonte de receitas para o crime organizado”, que “assistimos ainda a uma maior compreensão das implicações que o consumo de cannabis tem para a saúde e para a sociedade”, que “independentemente de se tratar de resina de cannabis ou de cannabis herbácea, os níveis de potência são os mais elevados de sempre”, o que “é um dado preocupante, pois implica um maior risco de os consumidores virem a sofrer de problemas de saúde agudos e crónicos”, que, “apesar de os problemas de saúde associados ao consumo de cannabis serem claramente menores” em comparação com “o consumo de drogas injectáveis (…), a prevalência elevada do consumo desta droga pode ter implicações na saúde pública”. O Relatório de 2017 salienta que “as abordagens actuais variam desde modelos restritivos à tolerância de algumas formas de consumo pessoal”, que “está em curso um debate animado, com questões como a permissão da produção de canábis para consumo pessoal”, que “o mercado de canábis na Europa mudou consideravelmente nos últimos anos, em parte devido ao aumento da produção doméstica”, que “os níveis de potência global historicamente elevados de resina de canábis e canábis herbácea disponíveis na Europa, atingidos nos últimos anos, ainda se verificam”, que “a droga também continua a estar associada a problemas de saúde e é responsável pela maior parte de novos utentes nos programas de tratamento da toxicodependência na Europa”.

Estes dados de caracterização do fenómeno do tráfico e do consumo de cannabis transmitem indicações com particular relevância para a interpretação e aplicação da lei penal, na perspectiva da protecção dos bens jurídicos pela incriminação e da sua aderência à realidade social, a justificação da necessidade da pena, os critérios da sua determinação e as finalidades (preventivas) que visam realizar-se pela sua aplicação.

13. A definição típica do ilícito do artigo 25.º do Decreto-lei n.º 15/93 remete para a previsão do artigo 21.º, constituindo um tipo de crime privilegiado relativamente ao tipo fundamental descrito neste preceito, por adição de elementos respeitantes à ilicitude (que não à culpa), que atenuam a pena. Por sua vez, o artigo 24.º prevê o tipo agravado (qualificado) de tráfico, também com referência ao mesmo tipo fundamental do artigo 21.º, procedendo a uma enumeração taxativa das circunstâncias agravantes com esta virtualidade. Esta diferenciação pressupõe, como tem sido observado, uma certa tipologia de traficantes: os grandes traficantes (artigos 21.º e 22.º em conjugação com algumas das circunstâncias agravantes do artigo 24.º), os médios e os pequenos traficantes (artigo 25.º) e os traficantes-consumidores (artigo 26.º (Lourenço Martins, Droga e Direito, Aequitas/Editorial Notícias, 1994, p. 123).

Como tem sido sublinhado (assim, acórdão de 2.10.2014, Proc. 45/12.8SWSLB.S1), o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto e pluriofensivo, protector de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública. “O bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões do tráfico é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, mais sinteticamente a saúde pública. (…) Em segundo lugar, estará em causa a protecção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras (…) com a existência desta economia paralela ou subterrânea erigida pelos traficantes” (Lourenço Martins, cit. p. 122).

A construção do tipo de crime de “tráfico de menor gravidade”, na sequência da revisão da “lei da droga”, de 1993, que levou ao desaparecimento do anterior crime de “tráfico de quantidades diminutas” (cfr. Proposta de Lei n.º 32/VI, que deu origem à Lei n.º 27/92, de 31 de Agosto, que concedeu ao Governo autorização legislativa necessária para aprovação do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na sequência da ratificação da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, Viena, 1988), assenta na técnica do uso de uma cláusula geral, expressa no conceito de “ilicitude consideravelmente diminuída”, com recurso a exemplos-padrão quanto aos elementos da ilicitude da acção – meios utilizados, modalidade ou circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações.

A disposição do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, “importada da lei italiana”, é usada pelo legislador “como uma espécie de válvula de segurança do sistema em ordem a evitar que situações efectivas de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas, no propósito de uma maior maleabilidade na escolha da medida da reacção criminal”, estando a sua aplicação “de certo modo parametrizada mediante a verificação das circunstâncias aí indicadas a título exemplificativo, o que aponta para a necessidade de uma valorização dos factos imputados ao arguido e provados, não podendo deixar de se ter em conta todos os tópicos a que o preceito se refere, aditados de outros, se os houver”, salienta-se no acórdão deste tribunal de 2.6.1999 (Proc. n.º 269/99, citado, entre outros, no acórdão de 29.3.2007, no Proc. 07P1020).

Evidencia-se e sublinha-se a necessidade de uma “avaliação global do facto”, tendo por referência os exemplos-padrão enumerados neste preceito legal, os quais, considerados no seu conjunto, eventualmente em conjugação com outros, devem permitir afirmar que as quantidades de estupefacientes, nomeadamente as detidas, vendidas, distribuídas, oferecidas ou proporcionadas a outrem (actividades que se incluem na definição do tipo de crime fundamental, da previsão do artigo 21.º), são reduzidas; que a sua qualidade, aí se incluindo o potencial grau de danosidade para os bens jurídicos protegidos pela incriminação – a vida e a saúde dos consumidores, o efeito criminógeno associado ao tráfico e ao consumo e a potencialidade de, pelos lucros gerados, alimentar a economia paralela do mercado do tráfico ilícito –, também deverá ser reduzida; que os meios utilizados, o modo e as circunstâncias da acção deverão ser simples, não planeados, não organizados (cfr. por todos, os recentes acórdãos deste tribunal de 28-05-2015, no Proc. n.º 421/14.1TAVIS.S1 - 5.ª Secção, de 28-10-2015, no Proc. n.º 411/14.4PFVNG.P1.S1 - 3.ª secção, e de 18-02-2016, no Proc. n.º 35/14.6GAAMT.S1 - 3.ª Secção, bem como os acórdãos de 30-04-2008, no Proc. 07P4723, 3.ª Secção, de 24.2.2010, no Proc. 141/08.6PRT.S1, de 23-11-2011, no Proc. 127/09.3PEFUN.S1, e de 07-12-2011, no Proc. 111/10.4PESTB.E1.S1, 5.ª Secção, bem como a abundante jurisprudência neles citada, sempre insistindo na necessidade de avaliação global da conduta).

Tudo confluindo para se concluir que só nestas circunstâncias do caso concreto se poderá afirmar que a ilicitude se revela não só diminuída, mas diminuída de forma considerável, isto é, diminuída de forma apreciável e significativa, e claramente reduzida face ao desvalor das condutas que constituem elementos descritivos do tipo de crime do artigo 21.º, de modo a preencher a cláusula geral do artigo 25.º, que permite subtrair o caso à previsão daquele tipo fundamental por via da consideração de factores da ilicitude de baixa intensidade (quanto aos “meios utilizados”, à “modalidade ou circunstâncias da acção” e à “qualidade” e “quantidade” das substâncias). A propósito destes factores, salienta-se que os “meios utilizados” hão-de reportar-se à organização e à logística de que o agente lançou mão, que quanto à “modalidade ou circunstâncias da acção” será de avaliar o grau de perigosidade revelado em termos de difusão das substâncias, que, quanto à “qualidade” das substâncias, não deve esquecer-se que a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social e que, quanto à “quantidade”, importa considerar o nível dos riscos de difusão, devendo a sua ponderação ser efectuada através de uma “apreciação complexiva, finalística, isto é, dirigida à obtenção de um resultado final, qual seja o de saber se objectivamente a ilicitude da acção é de relevo menor que a verificada” no tipo fundamental (Lourenço Martins, loc. cit, p. 153).

14. Há, pois, que, em função destes critérios e elementos de interpretação da norma incriminadora, determinar se a matéria de facto dada como provada se inscreve no âmbito de previsão da norma do artigo 21.º ou da norma do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Da matéria de facto provada quanto aos meios utilizados, à modalidade e às circunstâncias da acção, à quantidade e à qualidade das substâncias e produtos vendidos e fornecidos verifica-se, em síntese, quanto ao arguido AA, que:

¾ Durante cerca de um ano e meio (de Junho de 2011 até 27 de Janeiro de 2013), dedicou-se à venda de placas de cannabis resina a um número indeterminado de revendedores e consumidores deste produto (ponto 1), entre os quais se incluem os mencionados no ponto 6 (infra);

¾ Adquiria o produto estupefaciente a fornecedores não concretamente identificados e vendia as placas de cannabis por valores compreendidos entre cento e cinquenta e duzentos euros cada uma (pontos 2 e 3);

¾ As entregas das placas de cannabis eram efectuadas depois de contactos por telemóvel, utilizando especialmente dois números de cartão, pelos quais era combinado o local de entrega, preço e quantidade, ocorrendo a entrega do produto no local combinado (ponto 4);

¾ A combinação por telemóvel era efectuada, muitas vezes, através de linguagem cifrada utilizando palavras como “jogo”, “pés”, “fifa”, “equipamento”, “um cabo (de três pinos)”, “um metro de fio”, “fio de rede”, “documentos”, “equipamentos” ou “cafezito” que se encontravam no contexto de relacionamento do arguido com o interlocutor (ponto 5);

¾ No desenvolvimento e no âmbito da sua actividade de venda de placas de cannabis resina a um número de pessoas que não foi possível determinar, durante aquele período de tempo, o arguido vendeu, pelo menos, 65 placas de cannabis resina a 12 compradores (que se encontram identificados no ponto 6 da matéria de facto provada), entre os quais se inclui o arguido BB (um dos revendedores), a quem vendeu 7 placas (pontos 6.12 e 6.13);

¾ Destacam-se ainda, pela quantidade, as vendas efectuadas a FF (20 placas), LL (20 placas), MM (6 vendas, sendo 5 de meia placa e uma de 1 placa inteira);

¾ Tendo em conta os preços indicados, o valor total das vendas indicadas no ponto 6 foi de cerca de 8.500 euros;

¾ O arguido doseava e preparava as embalagens de estupefaciente na sua residência, onde foram encontrados pedaços de cannabis, para venda e para seu próprio consumo, e onde possuía os instrumentos que usava para o efeito (faca, sacos de plástico e película aderente) (pontos 7, 8 e 9);

¾ No dia 12.1.2013 encontrou-se com o arguido BB depois de este lhe ter encomendado 6 placas de pólen de haxixe, que só não lhe entregou por virtude da intervenção da GNR (ponto 11).

15. Estes factos configuram uma situação que, embora de pequena dimensão local, evidencia uma actividade regular, estável, planeada e prolongada no tempo, de venda a retalho a pequenos revendedores e a consumidores finais, em que o arguido actuava sozinho, só interrompida pela intervenção policial na sequência de vigilância das actividades de distribuição, venda e fornecimento de cannabis. Era o arguido AA que recebia a droga, que a doseava e embalava em sua casa, onde possuía os instrumentos e embalagens de que necessitava para o efeito. Comunicava com os compradores utilizando diversos números de telemóveis, utilizando “linguagem cifrada” para organizar os encontros com estes, em locais para onde se dirigia de automóvel. Esta actividade, pela sua própria natureza, dependia de outras actividades de tráfico, da aquisição da cannabis comercializada no mercado ilícito abastecedor, a indivíduos não identificados com quem os arguidos tinham necessariamente de se relacionar de forma regular e contínua para garantir o abastecimento do seu próprio mercado restrito. Ou seja, surpreende-se, nestas circunstâncias, uma notória situação de facto que as investigações criminológicas identificam como uma actividade típica de tráfico, nas suas ramificações finais de distribuição e abastecimento, que o arguido garantia regularmente, para satisfação de necessidades de consumidores de uma área geográfica local e determinada.

A quantidade de cannabis traficada durante o período de tempo em causa não é conhecida na sua totalidade, sendo que apenas foi possível identificar os actos de venda mencionados nos pontos 6 e 11 da matéria de facto provada. As circunstâncias em que a droga era entregue aos seus destinatários, de forma regular e continuada, requeriam meios, planeamento e organização adequados, embora simples, que foram efectivamente assegurados pelo arguido, na medida do necessário ao desenvolvimento da sua actividade.

Assim sendo, face ao anteriormente referido a propósito do crime de menor gravidade, impõe-se, neste quadro, concluir que não se identificam elementos de facto de significativa e reduzida expressão que, vistos na sua particularidade e no seu conjunto, permitam verificar correspondência com os critérios estabelecidos nos exemplos-padrão indicados nas alíneas a), b) e c) do artigo 25.º, susceptíveis de preencherem a cláusula geral de diminuição considerável da ilicitude estabelecida no corpo do mesmo preceito, pelo que os factos provados se subsumem a previsão do tipo fundamental de crime de tráfico do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Em consequência, deve o recurso do arguido AA, nesta parte, ser declarado improcedente.

Quanto à medida da pena aplicada ao arguido AA

16. O crime da previsão do artigo 21.º (tráfico e outras actividades ilícitas) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos, moldura a partir da qual há que determinar a pena concretamente aplicável, de acordo com os critérios e factores estabelecidos na Parte Geral do Código Penal (artigo 48.º daquele diploma).

Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que se refere às finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece o artigo 71.º do Código Penal, que:

“1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.

Encontra este regime os seus fundamentos e legitimação no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A restrição ou privação temporária do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, assim, ao genericamente designado princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que, como é sabido, se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º).

Numa formulação apertadamente sintética do modelo legal de determinação da pena, a projecção destes princípios ao nível do regime da pena de prisão e da determinação do direito do caso concreto, traduzida na aplicação da pena, implica que esta encontre a sua justificação na concreta necessidade de protecção do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, em conformidade com uma exigência de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, prosseguindo finalidades de prevenção, geral e especial, que, no seu aspecto positivo, de reintegração, visam alcançar a realização do objectivo de que as pessoas, em geral, e os condenados, em particular, não cometam ou deixem de cometer crimes (artigo 40.º do Código Penal). A determinação da pena, ao visar a realização destas finalidades, exige que o agente do crime tenha agido com culpa – culpa pela violação do “dever de actuar de acordo com o direito” e pelas qualidades desvaliosas da personalidade que se exprimem no facto, que se requer como pressuposto e cujo grau se impõe como limite da pena (artigo 40.º, n.º 2), em nome de exigências preventivas – devendo, na sua individualização, ser levadas em devida conta todas as circunstâncias relativas à execução do facto, à personalidade do agente e à conduta deste anterior ou posterior ao facto, que, relevando por via da culpa ou da prevenção, ou de ambas, e não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele, tal como estabelecido no artigo 71.º do Código Penal. “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção)” – prevenção geral positiva, visando o “restabelecimento e a manutenção da paz jurídica perturbada pelo cometimento do crime, através do fortalecimento da consciência jurídica da comunidade”. “Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente” – que obriga a aferir o desvalor do facto “perante um substracto de medida da pena fixado, também tendo em conta a necessidade da pena, pelas exigências individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização” – ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais” (assim, Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os critérios da culpa e da prevenção, Coimbra Editora, 2014, que se segue, em particular pp. 476, 481, 575, e em O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12.º, n.º 2, Abril – Junho de 2002, págs. 147-182).

17. Definidos os bens jurídicos protegidos pela norma incriminadora – no caso do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, a integridade física e psíquica e a vida dos consumidores, a saúde pública e a economia legal –, importa apreciar a sua concreta colocação em perigo pela acção do arguido, a valorar em função da gravidade do ataque que esta representa a esses bens jurídicos, de modo a encontrar-se a pena adequada a essa gravidade, tendo em conta, para além dos elementos (subjectivo e objectivo) do tipo de ilícito, os elementos ou circunstâncias a que se refere o artigo 71.º do Código Penal, nos termos anteriormente referidos.

Em particular, no que diz respeito à prevenção especial, importa considerar os aspectos relacionados com as condições pessoais do arguido e com a sua personalidade, para determinação da medida da pena com base em “mecanismos de prognose” sobre as concretas necessidades preventivas que, a partir do limite mínimo da pena – assegurando o mínimo “imprescindível” à realização da finalidade de prevenção geral –, deverá encontrar o seu ponto adequado à luz das necessidades individuais de socialização.

18. Com base na exígua fundamentação acima descrita (pontos 8.1.3 e 9) o Tribunal da Relação limitou-se a considerar o grau de ilicitude dos factos para agravar as penas de prisão, afastando a possibilidade de ponderação da suspensão de execução.

Há, pois, que averiguar e ponderar os factores relevantes para efeitos do disposto no artigo 71.º do CPP.

Da matéria de facto provada relativamente ao arguido AA resulta o seguinte:

«63 - O arguido foi julgado nos seguintes processos:

63.1 - processo comum colectivo nº 530/99 do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por acórdão de 12.02.2000, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 25.06.1999, na pena de dois anos e seis meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos;

63.2 - processo comum singular nº 308/99 do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por sentença de 05.02.2000, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 10.12.1998, na pena de duzentos dias de multa à taxa diária de 300$00; em 17.11.2000 tal pena de multa foi convertida em 133 dias de prisão subsidiária que foi perdoada ao abrigo do artigo 1º, nºs 1 e 3, da lei nº 29/99, de 12.05;

63.3 - processo comum colectivo nº 377/00 do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por acórdão de 05.12.2000, pela prática de um crime de roubo e de um crime de furto simples na forma tentada, por factos ocorridos em 20.03.2000, na pena de um ano e nove meses de prisão;

63.4 - processo abreviado nº 315/2000 do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por sentença de 17.01.2001, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, por factos ocorridos em 16.02.2000, na pena de doze dias de multa à taxa diária de 400$00;

63.5 - processo comum colectivo nº 63/99 do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por acórdão de 05.12.2000, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 10.10.1998, na pena de um ano de prisão que foi integralmente perdoada ao abrigo do artigo 1º, nºs 1, da lei nº 29/99, de 12.05; em 01.06.2001 foi revogado o perdão que beneficiou no processo 377/00, revogado o perdão da prisão subsidiária do processo 308/99, e os 133 dias da prisão subsidiária do processo 308/99 pelo que, em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de dois anos de prisão;

63.6 - processo comum colectivo nº 109/00, do Tribunal Judicial da Comarca de Coruche, onde foi condenado, por acórdão de 20.04.2001, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos no ano de  1999, na pena de dois anos e seis meses de prisão;

63.7 - processo comum colectivo nº 38/01, do Tribunal Judicial da Comarca da Nazaré, onde foi condenado, por acórdão de 04.07.2001, pela prática de dois crimes de furto qualificado (um em 18 meses de prisão e outro em 9 meses de prisão), por factos ocorridos em 30.06.1999, na pena única de dois anos de prisão;

63.8 - processo comum colectivo nº 113/01, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por acórdão de 05.12.2001, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 07.07.1999, em cúmulo jurídico, na pena única de seis anos e seis meses de prisão e 133 dias de prisão subsidiária;

63.9 - processo comum colectivo nº 450/00, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por acórdão de 21.11.2001, pela prática dos crimes de furto qualificado, detenção de arma proibida e ofensa à integridade física, por factos ocorridos em 25.05.1999, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos e seis meses de prisão;

63.10 - processo comum singular nº 228/00, do Tribunal Judicial da Co-marca do Entroncamento, onde foi condenado, por sentença de 14.05.1999, pela prática de um crime de burla no acesso a meio de transporte, por factos ocorridos em 14.05.1999, em pena de multa; em 30.10.2003, foi declarado extinto o procedimento criminal por cumprimento da pena;

63.11 - processo comum colectivo nº 262/00, do Tribunal Judicial da Co-marca de Santarém, onde foi condenado, por acórdão de 03.06.2001, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 09.05.1999, na pena de dois anos e três meses de prisão;

63.12 - processo comum colectivo nº 586/99.0PBSTR, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, onde foi condenado, por acórdão de 05.12.2001, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos ocorridos em 07.07.1999, cúmulo jurídico com as penas de outros processos, na pena única de seis anos e seis meses de prisão e 133 dias de prisão subsidiária do processo 308/99; por acórdão de 19.06.2002, novo cúmulo jurídico, ficando condenado na pena única de nove anos e seis meses de prisão e 133 dias de prisão subsidiária; em 28.11.2007, O TEP de Coimbra concedeu-lhe a liberdade condicional desde 01.12.2007 até ao termo das penas em 26.07.2009; em 28.04.2010 foi-lhe concedida a liberdade definitiva.

64 - O arguido AA nasceu a... de 1982, cresceu em ..., no seio de uma família em que o pai era engenheiro electrónico e a mãe industrial da panificação, num ambiente familiar coeso e adequado, com especial ligação afectiva à sua mãe e irmãs.

64.1 - O arguido AA teve um percurso escolar com adequada inserção no sistema de ensino, revelando-se um aluno com especiais competências na área da matemática, tendo chegado a participar nas Olimpíadas da Matemática; concluiu o 7º ano de escolaridade, abandonando a escola precocemente após a morte da mãe.

64.2 - Quando o arguido AA tinha 13 anos de idade, a mãe, a irmã mais nova e outros quatro familiares, sofreram um grave acidente de viação, em que apenas a irmã foi sobrevivente; em choque emocional pela perda repentina da sua mãe, o arguido entrou em conflito com o seu pai e acabou por fugir de casa; andou cerca de um ano e meio a viver na rua, em casa de amigos e em casa de uma namorada, com quem teve um filho, actualmente com 15 anos de idade.

64.3 - As vivências de rua levaram-no à prática de roubos e furtos, cujo produto suportava a sua sobrevivência, acabando preso pela primeira vez aos 16 anos de idade, com sucessivos processos judiciais sendo condenado em pena de prisão que cumpriu no E. P. de Leiria em regime especial para jovens.

64.4 - Durante o cumprimento da pena de prisão, investiu na sua formação escolar e profissional, habilitando-se com o 9º ano de escolaridade, concluindo igualmente seis cursos profissionais (serralharia civil, informática, tipografia, jardinagem, entre outros).

64.5 - Em liberdade desde os 25 anos de idade, o arguido AA fixou-se em Leiria e não voltou a reatar relações familiares, nem com a avó materna, que lhe prestou apoio durante o cumprimento da pena, nem com o pai, com quem nunca mais se relacionou, nem com as suas duas irmãs.

64.6 - Aos 25 anos de idade, o arguido AA iniciou um percurso profissional em áreas indiferenciadas, na agricultura, construção civil e como operário fabril, sem ter adquirido experiência profissional significativa, devido à mobilidade laboral; ao nível da ocupação de tempos livres o arguido AA desenvolveu sempre actividades desportivas, durante a sua infância e juventude, como jogador de ténis de mesa (do qual foi campeão distrital), badmington e futebol; motivado para a prática desportiva, continua a desenvolvê-la com regularidade mas de forma informal.

64.7 - O arguido AA fixou residência em Leiria há 8 anos, onde estabeleceu uma relação marital com a sua companheira, de 31 anos, aprendiz de lavandaria numa unidade hoteleira em ... vivendo com dois filhos desta, de 15 e 9 anos de idade e uma filha comum, de 3 anos de idade; a dinâmica familiar é caracterizada pela coesão e solidariedade, com um ambiente estável.

64.8 - A nível profissional, depois de instabilidade e mobilidade, o arguido AA tem, pela primeira vez, um enquadramento profissional e económico estável, encontrando-se a trabalhar na empresa “..., Ldª”, desde Janeiro de 2014, como operador de granuladora; tem-se revelado um trabalhador assíduo, responsável e produtivo, merecendo a confiança da empresa; aufere um vencimento líquido na ordem dos 650 euros, com os quais suporta as despesas com a habitação, destacando-se o pagamento da renda, no valor de 260 euros e respectiva manutenção, no valor médio de 70 euros; recentemente o arguido iniciou pagamento de 125 euros de prestação de alimentos para o seu filho de 15 anos de idade, residente em ...; a companheira aufere um rendimento na ordem dos 350 euros mensais como trabalhadora da indústria hoteleira, estando o seu trabalho sujeito às variações sazonais; recebe ainda cerca de 230 euros de abonos e prestação de alimentos relativos aos 2 filhos menores.

64.9 - A comunidade não manifesta hostilidade à sua presença apesar dos seus “comportamentos aditivos de intensidade intermitente”; usufrui de apoio psicológico do Centro de Apoio à Diocese de..., desde Março de 2013, a pedido do próprio arguido, encontrando-se abstinente do consumo de drogas desde essa data».

19. Embora não seja “considerável” (assim se excluindo a aplicação do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93 – supra, ponto 16), o grau de ilicitude deverá, porém, numa apreciação global da situação de facto apurada, considerar-se como reduzido ou “diminuído”.

Como salienta a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, não ficou provado o dos arguido vivesse à custa da venda de cannabis, único produto que vendeu, ou que gozasse uma vida acima das possibilidades normais nem que possuísse bens móveis ou imóveis que resultassem desse possível modo de vida que não tinha, ficando provado que procedia à distribuição e venda directa de cannabis, era também consumidor, não estava desempregado na data dos factos, não vivia do “lucro” da venda. As vendas tinham lugar a nível local restrito e o número de actos de venda e os respectivos valores apurados, tendo em conta o período de tempo em que decorreram, não são elevados. O potencial de danosidade da substância vendida (cannabis) não é dos mais elevados, quando comparado com as substâncias incluídas nas tabelas I-A e I-B anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, e as quantidades incluídas em cada operação não são elevadas, não oferecendo, em concreto, elevado grau de perigosidade, nem estando provado que o tenham atingido relativamente a qualquer consumidor.

Decorreram quase 5 anos desde a data em que o arguido cessou a actividade criminosa, não havendo notícia de que tenha cometido novos crimes.

O arguido deixou de consumir drogas, após a sua detenção e, por sua iniciativa, procurou apoio psicológico.

O arguido AA, de 35 anos de idade, uma vez em liberdade, aos 25 anos, em liberdade condicional depois de ter cumprido penas em estabelecimento destinado a jovens, sobretudo por crimes de furto cometidos em 1999 e 2000 para assegurar a sua subsistência, período durante o qual investiu na sua formação escolar e profissional concluindo o 9.º ano de escolaridade e seis cursos profissionais, iniciou um percurso profissional em várias áreas e, ao nível da ocupação dos tempos livres sempre se dedicou a várias actividades desportivas, continuando a fazê-lo com regularidade. Fixou residência, vive com a sua companheira e com dois filhos desta e com um filho comum, de 3 anos de idade, sendo a dinâmica familiar caracterizada pela coesão e solidariedade. A nível profissional, depois de instabilidade e mobilidade, o arguido AA tem, pela primeira vez, um enquadramento profissional e económico estável, encontrando-se a trabalhar numa empresa, desde Janeiro de 2014, como operador de granuladora; tem-se revelado um trabalhador assíduo, responsável e produtivo, merecendo a confiança da empresa; aufere um vencimento líquido na ordem dos 650 euros, com os quais suporta as despesas com a habitação e com a família, incluindo uma filha de 3 anos e um filho de 15 anos, destacando-se o pagamento da renda, no valor de 260 euros e respectiva manutenção, no valor médio de 70 euros; a comunidade não manifesta hostilidade à sua presença, e usufrui de apoio psicológico do Centro de Apoio à Diocese de ..., desde Março de 2013, a seu pedido (factos 64.7 a 64.9).

No que diz respeito à conduta anterior ao facto, verifica-se que, quando o arguido AA tinha 13 anos de idade, a mãe, a irmã mais nova e outros quatro familiares, sofreram um grave acidente de viação, em que apenas a irmã foi sobrevivente; em choque emocional pela perda repentina da sua mãe, o arguido entrou em conflito com o seu pai e acabou por fugir de casa; andou cerca de um ano e meio a viver na rua, em casa de amigos e em casa de uma namorada, com quem teve um filho, actualmente com 15 anos de idade; as vivências de rua levaram-no à prática de roubos e furtos, cujo produto suportava a sua sobrevivência, acabando preso pela primeira vez aos 16 anos de idade, com sucessivos processos judiciais sendo condenado em pena de prisão que cumpriu no E. P. de Leiria em regime especial para jovens (factos 64.2 e 64.3).

As condenações que o arguido sofreu, em jovem (ponto 63 da matéria de facto), não têm, qualquer delas, qualquer relação com o crime praticado. Assim, como observa Figueiredo Dias (Consequências Jurídicas do Crime, p. 254), “não devem pesar na medida da pena”, pois não têm “uma conexão estrita e inquestionável com o facto”, mas, como se demonstra, com acontecimentos violentos e traumáticos da sua vida em criança – a morte da sua mãe e de quatro familiares num grave acidente de viação, quando tinha 13 anos, o conflito com o seu pai, a fuga de casa e a vivência na rua. Estes comportamentos não revelam uma personalidade desconforme ao direito, reflectida no crime de tráfico de estupefacientes a que este processo diz respeito. De notar que o arguido nasceu no seio de uma família em que o pai era engenheiro electrónico e a mãe industrial de panificação, num ambiente familiar coeso, com especial ligação afectiva à sua mãe e irmãs, teve um percurso escolar de êxito, com especiais competências na área da matemática, tendo participado nas Olimpíadas de Matemática, abandonando a escola após a morte da mãe (ponto 64.1).

20. Tendo presentes estas circunstâncias, relativas ao facto e ao arguido, relevantes com base do critério de valoração oferecido pelo artigo 71.º do Código Penal, não se evidenciam factores que devam, especialmente, ser valorados negativamente contra o arguido, em particular no que diz respeito a necessidades decorrentes de exigências de prevenção especial de socialização (artigo 71.º do Código Penal).

Neste quadro, tendo em conta a baixa intensidade do grau de ilicitude dos factos praticados, com referência à moldura da pena correspondente ao tipo de crime, o limite resultante do grau de culpa referida aos concretos factos típicos ofensivos dos bens jurídicos protegidos, sem ligação a aspectos desvaliosos de personalidade, considera-se que a finalidade de prevenção geral, que justifica a pena (artigo 40.º do Código Penal), se realiza adequadamente através da aplicação de uma pena que se deve determinar em medida próxima do mínimo da moldura penal de 4 a 12 anos de prisão, correspondente ao crime da previsão do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Nesta conformidade, ponderando todos os factores convocados para a obtenção da “imagem global do facto” e daqui extraindo as exigíveis consequências jurídicas, considera-se adequado fixar em 5 anos a pena de prisão aplicada ao arguido AA, por, nesta medida, se revelar proporcional ao crime praticado.

Quanto á pena única aplicada ao arguido BB

21. Por sua vez, a pena de 5 anos de prisão fixada pelo Tribunal da Relação ao arguido BB, pela prática do crime p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, deve ser cumulada com a pena de 6 meses e 50 dias de multa à taxa diária de 7 euros que, em 1.ª instancia, lhe foi aplicada pela prática do crime de exploração ilícita de jogo, em virtude de se verificarem os pressupostos de aplicação de uma pena única, por via do concurso de crimes, nos termos do disposto no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.

De acordo com o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Quanto a estes aspectos, para além do que consta dos pontos 39 a 61 da matéria de facto provada quanto à máquina de jogo não autorizada (supra, ponto 7) está provado, em síntese, que o arguido:

¾  Durante cerca de, pelo menos, um ano (de dia não apurado de 2011 até 1.12.2012), dedicou-se à venda de cannabis resina a um número indeterminado de consumidores deste produto (pontos 13), dos quais foram identificados os mencionados nos pontos 18 a 22 (infra);

¾ Adquiria o produto estupefaciente a fornecedores não concretamente identificados, bem como ao arguido AA, e vendia-os em porções por diversos valores, sendo em média 65 euros cada meia placa (pontos 14 e 15);

¾ As entregas de cannabis eram efectuadas, normalmente, depois de contacto por telemóvel, utilizando especialmente três números de assinatura, em que era combinado o local de entrega, preço e quantidade, ocorrendo a entrega do produto no local combinado, chegando a ocorrer na sua residência e no interior e nas proximidades do seu bar “Horse Power” (ponto 16);

¾ A combinação por telemóvel era efectuada muitas vezes através de linguagem cifrada utilizando palavras como “verde”, “verdinha” (erva), “tou a pé” (não tem produto) “meio k” (meio quilo) “V” (erva), “metros de rede”, “metros de fio” (placas de haxixe) e “cabos de alta tensão referente a qualidade” (ponto 17);

¾ No desenvolvimento da sua actividade de venda de placas de cannabis resina, naquele período de tempo, o arguido vendeu pelo menos 8 placas e 18 porções de cannabis resina a 11 compradores (que se encontram identificados nos pontos 18, 19, 20, 21 e 22 da matéria de facto provada);

¾ Tendo em conta os preços indicados, o valor total das vendas referidas nos pontos 18 a 22 foi, pelo menos, de cerca de 1450 euros (tendo em conta os valores apurados e os valores de compra das 5 placas compradas ao arguido AA).

Está também provado que:

«65 - O arguido não regista antecedentes criminais.

66 - O arguido BB nasceu a ....1986, é o único filho de uma relação fortuita dos progenitores, tendo cada um deles desenvolvido o seu próprio agregado; da parte do pai tem nove irmãos germanos e da mãe dois uterinos; a mãe desenvolveu esforços para lhe proporcionar o desenvolvimento psico motor necessário e próprio da sua idade.

66.1 - A mãe foi obrigada a imigrar para a Alemanha para melhorar a sua condição económica pelo que aos dois anos de idade o arguido ingressou na ..., onde permaneceu até aos 11/12 anos de idade, onde frequentou o ensino regular, tendo concluído o 6.º ano de escolaridade; a mãe, quando conseguiu criar condições, retirou o arguido BB daquele organismo e durante cinco anos superintendeu a sua educação junto de si na Alemanha, onde estudou e concluiu o equivalente ao 7.º ano.

66.2 - Quando regressou a Portugal, cinco anos mais tarde, o arguido concluiu o 8.º ano e frequentou o 9.º, não o concluindo por dificuldades linguísticas.

66.3 - Aos dezasseis anos de idade começou a trabalhar como ajudante de carpinteiro, a que se seguiu a actividade de padeiro, gasolineiro, vendedor comissionista de operador telefónico e de cimentos/ argamassas e por fim, explorou um café/bar, ficando depois em situação de desemprego, actualmente está inscrito no Centro de Emprego e Formação Profissional de Leiria.

66.4 - O arguido BB iniciou há cerca de cinco anos uma ligação amorosa, da qual nasceu uma filha; no verão de 2011, assumiu uma união de facto com a actual companheira, a qual tem três filhos de duas relações afectivas anteriores, com idades compreendidas entre os 9 e os 5 anos de idade; o casal até ao momento ainda não gerou filhos; residem presentemente num espaço habitacional cedido pela avó ao preço de 100 euros, que corresponde a uma habitação de um só piso, pré fabricada, de tipologia T3, com condições de habitabilidade.

66.5 - O agregado familiar é composto, além do arguido, pela companheira (Nélia), 25 anos, 6.º ano de escolaridade, trabalhadora indiferenciada ocasional e o filho mais velho desta (Tiago), 9 anos, estudante do 3.º ano; desenvolvem entre si uma relação de entreajuda; a economia doméstica baseia-se no que obtêm quando efectuam trabalhos indiferenciados e descontinuados para terceiros e no apoio institucional no valor de +/- 560 euros mensais.

66.6 - O arguido iniciou o consumo de estupefacientes (haxixe) aos 18 anos de idade, tendo-o interrompido o mesmo de forma autónoma; após recaída, o consumo de droga manteve-se até à sua detenção.

66.7 - No meio de residência a situação jurídico-penal do arguido não é de todo conhecida e sobre o mesmo não existem sinais de hostilidade ou de rejeição».

22. A determinação da pena única, em que se mantém a diferente natureza das penas em caso de aplicação de penas de prisão e de multa (artigo 77.º, n.º 3, do Código Penal), é obtida a partir da moldura do cúmulo jurídico, definida, no seu mínimo, pela pena mais grave aplicada aos crimes em concurso, e, no seu máximo, pela soma das penas concretamente aplicadas (artigo 77.º, n.º 2).

Dentro destes limites, a pena deve ser encontrada em função das exigências gerais da culpa e da prevenção, de acordo com os critérios gerais do artigo 71.º do Código Penal e com o critério especial do artigo 77.º, que manda considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Citando Figueiredo Dias, “tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futi«uro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)” (As Consequências Jurídicas do Crime, cit., p. 291-292).

Tendo por base a moldura do cúmulo assim fixada, de 5 anos a 5 anos e 6 meses de prisão, na consideração dos factores de determinação das penas indicados no artigo 71.º do Código Penal, nos termos acima mencionados – nomeadamente o diminuído grau de ilicitude, o comportamento anterior e posterior aos factos e as condições pessoais de inserção social e familiar –, da não demonstrada conexão dos factos que constituem os diferentes tipos de crime praticados, da personalidade do arguido, não reveladora de tendência criminosa, e das reduzidas exigências de prevenção especial de socialização, considera-se adequado fixar a pena no limite mínimo da moldura correspondente aos crimes em concurso, ou seja, em 5 anos de prisão.

Sobre a suspensão de execução das penas de prisão

23. Nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, o tribunal subordina a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, devendo ser especificados na decisão condenatória os fundamentos da suspensão e das suas condições (n.º s 2 e 4). O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão, de acordo com o n.º 5 do mesmo preceito, na redacção vigente à data da prática dos factos (redacção alterada pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, segundo a qual o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos).

Nos termos do artigo 53.º do Código Penal, o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social, o qual é ordenado quando a pena de prisão cuja execução for suspensa tiver sido aplicada em medida superior a três anos (obrigatoriedade esta que foi eliminada com a alteração do preceito resultante da Lei 94/2017).

A suspensão da execução da pena de prisão pressupõe a formulação, no momento da decisão (como a jurisprudência e a doutrina têm sublinhado – por todos, o acórdão de 24.2.2010, proc. 141/08.6P6PRT.S1 cit.), de um fundado juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido, com base nas circunstâncias relativas ao facto e às condições pessoais e à personalidade do agente, que permita concluir que, por esta via, se realizam as finalidades preventivas da punição, isto é, que o agente passará a conduzir a sua vida sem cometer novos crimes, o que deverá ser feito tendo em vista exclusivamente considerações de prevenção especial, pondo de parte considerações de prevenção geral (acórdão de 24.10.2006, proc. 07P3193).

24. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido particularmente exigente quanto à possibilidade de suspensão de execução de penas de prisão aplicadas ao crime de tráfico de estupefacientes.

A suspensão só deverá ser decidida em casos muito particulares ou excepcionais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social do crime se mostre esbatido (enfatizando este aspecto, o acórdão de 26.03.2008, Proc. 4568/07 – 3.ª Secção), face à elevada necessidade de prevenção geral deste tipo de crime, de reconhecidas “devastadoras consequências” para os bens jurídicos protegidos, que só em tais casos se podem satisfazer por aplicação de penas de substituição, sob pena de serem postos em causa “a crença da comunidade na validade das normas e, por essa via, os sentimentos de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais” (Figueiredo Dias, op. cit, p. 243).

“Mesmo quando razões de prevenção especial de socialização conduzam a esse prognóstico [favorável à suspensão], a suspensão da execução da pena de prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime”, pois que “não estão em causa considerações de culpa mas apenas considerações de prevenção geral” (acórdão de 24.2.2010, proc. 141/08.6P6PRT.S1 cit.). “Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto” da suspensão (Figueiredo Dias, As Consequências...” cit. p. 343).

Assim, “a pena de substituição só não deverá ser aplicada quando a execução da pena de prisão se revele necessária ou mais conveniente. Porém, não só o delinquente tem que apresentar actos demonstrativos deste propósito, como o julgador tem que considerar que a sociedade onde o delinquente se insere entende como estando suficientemente protegidos os bens jurídicos lesados pela prática do crime com a simples ameaça da pena, sem qualquer execução, ainda que aquela ameaça seja completada com a imposição de deveres ou regras de conduta ou sujeita a um regime de prova” (acórdão de 2.5.2014, proc. 10/12.5SFPRT.P1.S1; no mesmo sentido o recente acórdão de 27.1.2016, no proc. 23/10.1PEAGH.L1.S1).

25. Tendo em conta o anteriormente exposto, mostra-se fundado concluir que devem considerar-se presentes as condições de exigência requeridas quanto à suspensão de execução das penas de prisão.

A matéria de facto dada como provada no que diz respeito às condições pessoais dos arguidos, à sua personalidade, à sua inserção social e familiar, às responsabilidades assumidas no âmbito da família, ao seu percurso pessoal no sentido do afastamento da criminalidade associada ao tráfico e consumo de drogas, ao comportamento anterior e posterior aos crimes e às circunstâncias destes justifica que se tenham por verificadas as bases necessárias para se poder formular um juízo de prognose que razoavelmente permita admitir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

O quadro factual descrito permite fundadamente admitir a elevada probabilidade, nas actuais circunstâncias, de a aplicação de uma pena de prisão efectiva, pelo afastamento do meio social e familiar em que os arguidos se encontram inseridos, introduzir um indesejável factor de dessocialização, que a realização da finalidade da pena deverá evitar.

Considera-se, porém, que, tendo em vista a efectiva realização das necessidades de prevenção especial, se deve assegurar a intervenção penal no sentido da estruturação dos percursos de vida dos arguidos com respeito pelo direito e pelos valores fundamentais da vida em sociedade, criminalmente protegidos.

Assim, deverá a suspensão ser acompanhada de regime de prova, por tal se mostrar conveniente e adequado a promover e a consolidar a reintegração dos arguidos na sociedade, assente em planos de reinserção social executados com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão, que deverá corresponder ao da medida das penas.

Nesta conformidade, devem os recursos, nesta parte, ser julgados procedentes, nos termos indicados.

Quanto a custas

26. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, que dispõe sobre a responsabilidade do arguido por custas, só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.

Dada a procedência parcial dos recursos, não há lugar ao pagamento de taxa de justiça.

III. Decisão

27. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedentes os recursos e, em consequência:

a) Confirmar o acórdão recorrido na parte respeitante à condenação dos arguidos AA e BB pela prática, cada um deles, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;

b) Revogar o acórdão recorrido na parte respeitante às penas aplicadas a estes arguidos;

c) Em conformidade com o decidido em a):

i. Condenar o arguido AA, na pena de 5 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;

ii. Condenar o arguido BB na pena única de 5 anos de prisão e 50 dias de multa, à taxa diária de 7 euros, pela prática, em concurso, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e de crime de exploração ilícita de jogo p. e p. pelas disposições combinadas dos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 1, 4.º, n.º 1, alínea g), 108.º, n.ºs 1 e 2, e 115.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro;

d)  Suspender a execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos AA e BB por igual período de tempo, mediante regime de prova assente em planos de reinserção social, executados com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão, incluindo a obrigação de os arguidos se sujeitarem a tratamento e monitorização dos problemas da toxicodependência, nos termos do disposto nos artigos 50.º, n.º 1, 52.º, n.º 1, al. c), 53.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 54.º, n.º 3, do Código Penal;

e)  Mantendo-se, no mais, o decidido nas instâncias.

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 30 de Novembro de 2017.

José Luís Lopes da Mota ( Relator)

Vinício Ribeiro