Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P1943
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SORETO DE BARROS
Descritores: ROUBO
ARMA DE ALARME
Nº do Documento: SJ200703210019433
Data do Acordão: 03/21/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Sumário : I - O STJ tem vindo a decidir que «a circunstância qualificativa da al. f) do n.º 2 do art. 204.º do CP pressupõe um perigo objectivo emergente das características da arma como instrumento de agressão, sendo irrelevante que tenha sido ou não criado qualquer receio à pessoa lesada com o crime. É uma manifestação de perigosidade do agente; a vítima pode nem sequer se aperceber da detenção da arma pelo agente, situação que será até a comum na perpetração dos crimes de furto. Por isso, não importa para o efeito de preenchimento da apontada qualificativa a circunstância de o arguido ter utilizado “um objecto com forma, cor e aspecto de uma arma de fogo verdadeira”, embora, no caso, a exibição do referido instrumento pelo arguido tivesse sido decisiva para o desencadear do medo que levou os ofendidos a não oferecerem resistência à subtracção dos objectos de que foram desapossados. Mas tal releva tão-somente no âmbito do n.º 1 do art. 210.º do CP, como forma de violência contra os ofendidos” (cf. Ac. do STJ de 18-05-2006, Proc. n.º 1170/06, citando, no mesmo sentido, os Acs. do mesmo Tribunal de 26-03-1998, Proc. n.º 1293/97, de 20-05-1998, Proc. n.º 261/1998, de 17-01-2002, Proc. n.° 3132/2001, de 19-11-2003, Proc. n.º 3272/2003, e de 23-02-2005, Proc. n.º 4443/04). E, em sentido idêntico, poderiam ainda citar-se, a título de exemplo, os Acs. do STJ de 10-05-2006, Proc. n.º 962/06, de 04-05-2006, Proc. n.º 1187/06, de 25-10-2006, Proc. n.º 3042/06, de 09-03-2006, Proc. n.º272/06, de 22-02-2006, Proc. n.° 105/06, e de 18-03-1998, Proc. n.º 1461/97.

II - Face a esta jurisprudência, conclui-se que, no caso [em síntese: os arguidos, para melhor alcançarem os seus intentos – de, sob ameaça de atentarem contra a integridade física ou mesmo a vida, coagirem as vítimas a entregarem-lhes dinheiro – muniram-se de uma arma de alarme, com forma de pistola, de acção simples, funcionando por actuação do percursor, sendo réplica de uma Walter PPK/S 380 ACP] se não verifica a circunstância qualificativa de “trazer o agente, no momento do crime, arma aparente ou oculta” (al. b) do n.º 2 do art. 210.° do CP, e al. f) do n.º 2 do art. 204.° do mesmo diploma), isto sem embargo de se ter por assente que os ofendidos “só lhos entregaram [os bens] sob a ameaça de uma pistola”, embora daquela concreta réplica de pistola.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. "AA", identificado nos autos, recorre do acórdão de 24.03.06, da 3.ª Vara Criminal de Lisboa (proc. n.º 562/05), que, para o que, agora, importa, decidiu :
a) Condenar o arguido BB como co-autor material, em concurso real, de três crimes de roubo, p. e p. pelos artsº 210º/nsº 1 e 2 al. b) com referência aos arts.º 204º/nºs 2 al.f) e 4 e 202º al.c) todos do CPenal, na pena de 3 (três) anos de prisão, por cada um (ofendidas CC, DD e EE);
b) Condenar o arguido BB como co-autor material e, em concurso real, de sete crimes de roubo, p. e p. pelos artsº 210º/nsº 1 e 2 al. b) e 204º/nº 2 al. f) do CPenal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, por cada um (restantes ofendidos);
c) Em cúmulo jurídico, englobando as penas supra referidas condenar o arguido BB, na pena única de 9 (nove) anos de prisão;

d) Condenar o arguido AA como co-autor material, em concurso real, de três crimes de roubo, p. e p. pelos artsº 210º/nsº 1 e 2 al.b) com referência aos arts.º 204º/nºs 2 al.f) e 4 e 202º al.c) todos do CPenal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, por cada um (ofendidas CC, DD e EE);
e) Condenar o arguido AA como co-autor material e, em concurso real, de sete crimes de roubo, p. e p. pelos artsº 210º/nsº 1 e 2 al.b) e 204º/nº 2 al.f) do CPenal, na pena de 3 (três) anos de prisão, por cada um (restantes ofendidos);

f) Em cúmulo jurídico, englobando as penas supra referidas condenar o arguido AA, na pena única de 6 (seis) anos de prisão; (…)
1.1 O recorrente termina a motivação com as seguintes conclusões :
1. Deverão ser desagravados os crimes de roubo pelos quais foi o arguido condenado se atendermos ao conteúdo Ac. 494/99 de 29 de Setembro de 1999 – 3ª secção S.T.J. in Colectânea de Jurisprudência, ano VII, Tomo III, 1999, pgs.159 a 162;
2. E isto por se tratar de uma réplica de uma arma, e não de uma arma verdadeira;
3. Deverão assim as penas ser diminuídas, sendo certo que para a atribuição da medida da pena se deve ter em conta factores como o facto de o recorrente sempre ter trabalhado até Julho de 2005, ser à data dos factos consumidor de drogas, tendo consumido durante cerca de 5/6 anos e tendo começado com heroína e depois passado também a usar cocaína que consumia fumando e inalando;
4. Devemos ainda atender aos factos de que antes de preso vivia com a mãe e um filho de 10 anos de idade e que é tetraplégico (necessitando por isso da ajuda paternal), que a mãe padece de diabetes e é quem neste momento toma conta do seu filho, que deixou de consumir desde que se encontra preso, evidenciando assim a vontade de recuperação, que tem a 4ª classe, que confessou os factos e mostrou-se arrependido, evidenciando assim um espírito de auto-censura e que não tem quaisquer antecedentes criminais;
5. Devemos ainda atender a que a medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no 1 e 2 do art.º 40º e n.º 1 do art.º 71º, ambos do Cód Penal;
6. Por tudo o exposto deverá haver a desqualificação de todos os crimes de roubo, e a consequente condenação do recorrente entre 1 ano e 3 meses a 1 ano e 6 meses;
7. Ainda que assim se não entenda, sempre deverá ser reduzida a pena nos crimes em que foram ofendidas CC, DD e EE, atendendo ao que se alega nos pontos 3, 4 e 5 das presentes conclusões;
8. Sempre deverá ser reduzida a pena única de 6 anos, que se demonstra excessiva à medida da culpa e à ressocialização do arguido, devendo-se também atender para essa redução da pena única o facto de todos os crimes em apreço terem sido cometidos num curto espaço temporal da vida do recorrente e que o arguido não demonstrava quaisquer antecedentes criminais;
9. Violados se revelam, em consequência, salvo melhor opinião, os preceitos legais invocados nas presentes alegações de recurso.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser julgado procedente, condenando o recorrente em pena inferior, assim se fazendo... JUSTIÇA!! !

1.2 O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo. (fls. 1002)

1.3 Respondeu O Ministério Público (fls. 1005 a 1010), que concluiu que 'o douto tribunal recorrido fez uma adequada, correcta e ponderada interpretação e aplicação da lei e que norma alguma foi violada' .

2. Realizada a audiência, cumpre decidir .

2.1 A matéria de facto que a 3.ª Vara Criminal teve por assente é a seguinte :

1.º
Em data não apurada mas situada no mês de Agosto de 2005, os arguidos, que são irmãos, congeminaram entre si um plano que consistia em abeirarem-se de utentes, designadamente senhoras, das Caixas de Multibanco - ATM, instaladas em dependências bancárias fechadas, mas a que se acede com utilização dos cartões de Multibanco, e sob a ameaça de atentarem contra a integridade física ou mesmo a vida, coagi-las a entregarem-lhe todo dinheiro que já tivessem levantando ou pudessem levantar nas respectivas contas bancárias, quantias que posteriormente dividiriam entre si;
2.º
Mais decidiram que, para melhor alcançarem os seus intentos, se muniriam de uma pistola, que veio a ser apreendida, a qual apresenta as seguintes características, ”é uma arma de alarme, com forma de pistola, de acção simples, funcionando por actuação do percursor, quando armada (puxando) a corrediça ou cão à retaguarda. É uma réplica de uma Walter PPK/S 380 ACP, que apesar de se tratar de uma arma de alarme as suas dimensões, cor e características são em tudo semelhantes a uma pistola verdadeira do tipo Walter, modelo PPK, made in Germany, sendo pois confundível, mesmo para um perito, como uma pistola verdadeira”;
3.º
Assim, em execução do mencionado plano, no dia 19 de Agosto de 2005, cerca das 22H45, na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, os arguidos apercebendo-se que as ofendidas FF e a sua amiga CC, entravam na Caixa de Multibanco - ATM da Caixa Geral de Depósitos, ali existente, dirigiram-se à mesma;
4.º
Os dois arguidos entraram naquele espaço e logo o arguido BB sacou da pistola, identificada no ponto 2, e puxou a culatra atrás, indiciando que estava a municiar a mesma, para assim convencerem as ofendidas de que se tratava de uma pistola verdadeira e estavam na disposição de a utilizar caso não cumprissem com o que lhes ordenassem;
5.º
O arguido apontou a referida pistola na direcção das ofendidas ao mesmo tempo que ambos exigiam que lhes entregassem todo o dinheiro de que dispunham;
6.º
A ofendida FF que acabara de levantar 20,00 euros - em duas notas de dez euros -, que ainda conservava na mão fez de imediato a entrega daquela quantia ao arguido BB, que empunhava a referida arma, intimidada e temendo pela sua integridade física, quantia que aquele de logo guardou;
7.º
Após, o mesmo arguido disse para a ofendida FF, “agora o resto” e verificando que a caderneta bancária que lhe retirara da mão tinha ainda um saldo de 123,00 euros, introduziu de novo a caderneta na máquina e ele próprio efectuou o levantamento da quantia de 100,00 euros, devolvendo-lhe de seguida a caderneta;

Entretanto, o arguido AA, por indicação do arguido BB conduziu a ofendida CC para junto da outra caixa ATM existente naquela dependência e em resposta ao que aquela tinha dito anteriormente (“que não tinha dinheiro”) disse-lhe “Então vamos lá a ver se é verdade”;

A ofendida CC atemorizada introduziu o cartão de Multibanco na máquina realizou duas tentativas de levantamento de dinheiro, mas em ambas surgiu no monitor da máquina a indicação de “cartão inválido”;
10.º
Então, verificando que o arguido AA, que se encontrava junto a si, começava a demonstrar sinais de grande nervosismo, com medo de qualquer reacção mais agressiva da parte do mesmo, abriu a sua mala e retirou do interior da carteira o dinheiro que ali guardava, ou seja, 20,00 euros, os quais entregou ao arguido;
11.º
Já na posse das quantias referidas 120,00 euros da ofendida FF e 20,00 euros da ofendida CC, o arguido BB que empunhava a referida pistola dirigindo-se à ofendida FF disse-lhe: “que sabia que morava ali perto pelo que não deveria apresentar queixa às autoridades”, pretendendo e conseguindo intimidar a mesma, pois que residia a cerca de 150 metros daquela dependência, abandonando ambos de seguida o local;
12.º
De igual modo, em execução do plano referido no ponto 1.º, no dia 22 de Agosto de 2005, cerca das 17H54, na Av.ª Almirante Reis, em Lisboa, os arguidos apercebendo-se que a ofendida GG, entrava na Caixa de Multibanco - ATM da Caixa Geral de Depósitos, ali existente, dirigiram-se à mesma;
13.º
Os arguidos entraram naquele espaço e, verificando que se encontrava presente outra cliente, dirigiram-se para a única caixa disponível, das três ali existentes, simulando efectuar uma qualquer operação bancária, mas aguardando que a outra cliente saísse;
14. º
Então, logo que tal aconteceu, os dois arguidos colocaram-se por detrás da ofendida GG ao mesmo tempo que o arguido AA dizia “não faça nenhum gesto tem uma pistola encostada”, ordenando-lhe de seguida que introduzisse na máquina o respectivo código;
15.º
Nesse momento o arguido BB, para melhor convencer a ofendida GG da autenticidade da ameaça, apontou-lhe à anca, a pistola acima identificada, pelo que a ofendida, ciente de que se tratava de uma pistola verdadeira e temendo pela sua integridade física ou mesmo a sua vida, não esboçou qualquer reacção e prontamente marcou o seu código pessoal;
16.º
Quando surgiu no monitor da máquina a operação para escolher a quantia desejada, o próprio arguido BB carregou na tecla de levantamento a quantia de 200,00 euros, o que conseguiu, apoderando-se logo daquela quantia, que de imediato guardou;
17.º
Os arguidos como haviam tomado conhecimento do código pessoal da ofendida, introduziram de novo o cartão desta, na máquina de Multibanco, digitaram novamente o código e carregaram na tecla de levantamento da quantia de 20,00 euros;
18.º
Porém, quando a operação estava a ainda a decorrer entraram na Caixa duas clientes, pelo que os arguidos temendo poder vir a ser detectados saíram a correr daquela dependência, abandonado na caixa de Multibanco a referida quantia de 20,00 euros, de que não chegaram a apoderar-se, por motivos estranhos à sua vontade, pelo que a ofendida GG acabou por ficar lesada apenas na quantia de 200,00 euros;
19.º
Os arguidos logo que saíram da referida caixa entraram num veículo de táxi que passava no local e a que fizeram sinal de paragem, de matrícula JO, conduzido por HH, o qual os transportou até à Rotunda do Relógio;
20.º
De igual modo, em execução do plano referido no ponto 1.º, no dia 23 de Agosto de 2005, cerca das 19H00, na Rua D. Pedro V, área do Príncipe Real, em Lisboa, os arguidos apercebendo-se que a ofendida II entrava na Caixa de Multibanco - ATM da dependência do Banco Torra & Açores, ali existente, dirigiram-se à mesma;
21.º
A ofendida II encontrava-se a efectuar um carregamento de dinheiro no cartão do seu telemóvel, quando os arguidos entraram e de imediato o arguido BB lhe encostou à cintura a pistola identificada no ponto 2, de que a ofendida se convenceu ser uma pistola verdadeira, pelo que, aterrorizada, pediu-lhes que não lhe fizessem mal;
22.º
Os arguidos responderam-lhe que se fizesse o que lhe tinham dito, nada de mal lhe aconteceria, ao mesmo tempo que lhe ordenavam que introduzisse o seu cartão Multibanco na respectiva máquina;
23.º
A ofendida temendo a reacção dos arguidos disse-lhes que tinha pouco dinheiro na conta e que o dinheiro que dispunha se encontrava na sua carteira;
24.º
Os arguidos, após confirmarem que o saldo da conta da ofendida era reduzido, exigiram-lhe que lhes entregasse a carteira, de onde retiraram a quantia de 80,00 euros, em notas e moedas, bem como o telemóvel, de marca Nókia, modelo 6820, com o IMEI 3535 390 003 178 207, avaliado em 120,00 euros, o qual tinha introduzido o cartão SIM da Vodafone com o n.º 016159361, com um saldo de 11,00 euros, num valor total de 211,00 euros, de que se apoderaram e fizeram seus;
25.º
De seguida o arguido BB, que empunhava a pistola, disse-lhe para se manter ali por mais algum tempo pois se os seguisse lhe dava um tiro no pé, abandonaram de seguida o local, caminhando até à praça de táxis que fica a cerca de 50 metros, entraram num táxi, cuja matrícula não se apurou e seguiram na direcção do Rua do Século, o que foi visto por um funcionário do banco, JJ, que se encontrava ainda de serviço no mesmo;
26.º
Da mesma forma, em execução do plano referido no ponto 1.º, no dia 26 de Agosto 2005, cerca das 18H20, na Rua Alexandre Herculano, em Lisboa, os arguidos apercebendo-se que a ofendida KK, entrava na Caixa de Multibanco - ATM da dependência do Banco Millenium BCP, ali existente, dirigiram-se à mesma;
27.º
Então, quando a ofendida KK tinha acabado de levantar a quantia de 100,00 euros, um dos arguidos disse-lhe “Não se vire e dê-me o dinheiro”;
28.º
A ofendida, que não se apercebera que alguém tivesse entrado na caixa pensou tratar-se de uma brincadeira de algum amigo que entrara sem ter notado, respondeu-lhe “Não dou”;
29.º
Foi então que a ofendida se voltou e deparou com os dois arguidos pelo que tentou fugir para o exterior da dependência, tendo chocado frontalmente com os mesmos;
30.º
Em consequência do choque com os arguidos a ofendida caiu ao solo e só então se apercebeu que o arguido BB empunhava uma pistola de tipo Walter de cor prateada clara, com um friso preto de lado, identificada com a referida no ponto 2, pelo que se convenceu tratar-se de uma pistola verdadeira;
31.º
Os arguidos, então, sob a ameaça da referida pistola, obrigaram ofendida KK a entregar-lhes a quantia que tinha levantado, ao mesmo tempo que o arguido BB, que empunhava a pistola lhe ordenava que introduzisse de novo o cartão na máquina;
32.º
A ofendida, convencida que se tratava de uma pistola verdadeira e temendo pela sua integridade física ou mesmo a sua vida, disse-lhe que nesse dia já tinha levantado a quantia de 200,00 euros, que tinha gasto, pelo que não dispunha de mais saldo disponível;
33.º
O arguido BB colocou pessoalmente o cartão e tentou levantar a quantia de 200,00 euros, mas como a máquina indicou “Levantamento Indisponível”, apenas conseguiu levantar a quantia de 100,00 euros, que de imediato guardou, tendo-se, pois, os arguidos apoderado da quantia de 200,00 euros da ofendida KK;
34.º
Nesse momento entrou naquela dependência bancária o cliente YY, pelo que os arguidos temendo ser identificados e detidos ordenaram à ofendida que os acompanhasse para o exterior;
35.º
A ofendida com medo da reacção dos arguidos acedeu, mas conseguiu que os mesmos fossem os primeiros a sair da porta, e logo que aqueles o fizeram fechou-a de imediato, permanecendo no interior com o cliente que tinha entrado, pondo-se os arguidos em fuga, para local não apurado;
36.º
Os arguidos com a pressa de saírem abandonaram no local um talão da máquina em que tinham retirado para verificar o saldo, talão que veio a ser apreendido e sujeito a perícia lofoscópica;
37.º
Do choque e consequente queda da ofendida KK resultaram as lesões ou sequelas ao nível do braço e perna esquerda, designadamente, “equimoses azuladas: - no terço médio da face posterior do antebraço esquerdo numa área com 4 cms de diâmetro; - no terço superior da perna esquerda de ambos os lados do pólo da rótula medindo a interna 4 x 2,7 cms e a externa 5 x 3 cms; - no terço superior da face externa da perna direita, ovalada com 3 x 2,6 cms, que lhe determinaram um período de doença fixável em 5 dias, sem afectação da capacidade para o trabalho geral ou profissional”;
38.º
Actuando da mesma forma, em execução do plano referido no ponto 1.º, no dia 26 de Agosto 2005, cerca das 00H30, no Largo do ...., área do Camões, em Lisboa, os arguidos apercebendo-se que a ofendida DD, entrava na Caixa de Multibanco - ATM da dependência da Caixa Geral de Depósitos, ali existente, dirigiram-se à mesma;
39.º
Quando a ofendida LL através da sua caderneta da Caixa Geral de Depósitos procedia ao levantamento da quantia de 50,00 euros, os arguidos aproximaram-se, e, enquanto o arguido BB lhe apontava e encostava na zona abdominal uma pistola, identificada com a descrita no ponto 2, o arguido AA retirava da caixa de Multibanco a referida quantia de 50,00 euros, que embolsou, e a caderneta, ao mesmo tempo que lhe dizia para voltar a introduzir a caderneta na máquina e a marcar o código;
40º
Nesse momento a ofendida, que ficara aterrorizada com a pistola, por se ter convencido ser verdadeira, não ofereceu qualquer gesto de reacção e disse aos arguidos que não tinha mais dinheiro na conta;
41.º
Os arguidos confirmando pela caderneta que a ofendida não dispunha de mais dinheiro, apoderaram-se da referida caderneta e, dirigindo-se à ofendida disseram-lhe que lhe davam um tiro, caso fosse atrás deles ou participasse o corrido às autoridades, abandonando de seguida o local, na posse da quantia de 50,00 euros e da caderneta da ofendida, de que se apoderaram;
42.º
Ainda actuando da mesma forma, em execução do plano referido no ponto 1.º, no dia 31 de Agosto 2005, cerca das 19H51, na Rua da Escola Politécnica, em Lisboa, os arguidos apercebendo-se que a ofendida MM entrava na Caixa de Multibanco - ATM da dependência da Caixa Geral de Depósitos, ali existente, dirigiram-se à mesma;
43.º
Quando a ofendida efectuava a actualização da sua caderneta, entraram os dois arguidos e de imediato o arguido BB lhe apontou uma pistola, identificada como sendo a descrita no ponto 2, ao mesmo tempo que lhe perguntava qual o saldo que dispunha, exigindo todo o dinheiro que tivesse na sua conta bancária;
44.º
Enquanto o arguido BB mantinha a pistola apontada na direcção do ofendida, que ficou paralisada de medo, convencida tratar-se de uma pistola verdadeira, dadas as suas características, o arguido AA tentou introduzir a caderneta bancária na Caixa ATM a fim de proceder ao levantamento do dinheiro, mas como não o conseguiu, começou a enervar-se e a perder a calma, pelo que a ofendida, temendo pela sua segurança, retirou da sua mala o cartão de Multibanco referente à mesma conta e procedeu ao levantamento da quantia de 300,00 euros, quantia de que os arguidos de imediato se apoderaram;
45.º
Então, os arguidos, sempre apontando a arma na direcção da ofendida ordenaram-lhe para se mantivesse no local após a sua saída ou disparariam a pistola contra si, caso o não fizesse, ao mesmo tempo que abandonavam o local, pondo-se em fuga na direcção do Jardim do Príncipe Real;
46.º
Ainda no dia 31 de Agosto, de 2005, pelas 00,10, os ofendidos NN, de 15 anos e a sua amiga EE, de 13 anos seguiam a pé pela Rua D. João V, em Lisboa, com destino à residência de um amigo comum situada nas proximidades, quando súbita e inesperadamente lhe surgiram os arguidos por trás;
47.º
Nesse momento o arguido BB que empunhava uma pistola, identificada como a descrita no ponto 2, agarrou a ofendida EE pelo braço esquerdo e disse-lhes “sentem-se aí os dois”, indicando os degraus da escada de acesso ao n.º 11 daquela rua, o que os ofendidos fizeram, aterrorizados, devido à sua pouca idade e ao facto de lhes ser apontada uma pistola, que se convenceram ser verdadeira;
48.º
De seguida os arguidos sempre sob a ameaça da referida pistola exigiram aos ofendidos que lhes entregassem os telemóveis e o dinheiro que tinham consigo;
49.º
Os ofendidos, temendo pela sua integridade física ou mesmo pela sua vida, entregaram de imediato: o ofendido NN um telemóvel de marca Nókia, modelo 6100, de cor azul, que utilizava o cartão SIM Vodafone com n.º 91.660.71.71, avaliado em 120,00 euros e duas notas de cinco euros, tudo no valor de 130,00 euros; a ofendida EE o seu telemóvel de marca Nókia, modelo 3410, de cor verde, que utilizava o cartão SIM Vodafone com n.º 91.213.89.46, avaliado em 50,00 euros e a quantia de dez euros em moedas, tudo no valor de 60,00 euros;
50.º
Na posse dos referidos telemóveis e quantias de que ambos os arguidos se apoderaram, contra a vontade dos seus legítimos donos e que integraram nas respectivas esferas patrimoniais, quando já abandonavam o local o arguido BB encostou a pistola que empunhava à perna esquerda do ofendido NN, ao mesmo tempo que lhe dizia para dizerem aos pais que tinham perdido os telemóveis, acrescentando “Eu sei quem tu és, se te vir com a Polícia ficas com um andar diferente” , acrescentando que só poderiam levantar-se e saírem dali quando deixassem de os ver, abandonando o local em passo acelerado;
51.º
Actuando ainda forma acima referida e em execução do plano mencionado no ponto 1.º, no dia 1 de Setembro 2005, cerca das 21H22, na Rua Arco do Carvalhão, em Lisboa, os arguidos apercebendo-se que a ofendida OO entrava na Caixa de Multibanco - ATM da dependência da Caixa Geral de Depósitos ali existente, dirigiram-se à mesma;
52.º
Nesse momento a ofendida OO preparava-se para proceder a operações com a sua caderneta bancária da CGD, quando entraram os dois arguidos e logo o arguido BB apontou na direcção da ofendida uma pistola de cor prateada de pequenas dimensões, identificada com a descrita no ponto 2, ao mesmo tempo que lhe exigia que efectuasse um levantamento da sua conta;
53.º
A ofendida OO, convencida de que a mencionada pistola era verdadeira e temendo pela sua integridade física ou mesmo a sua vida, não conseguiu esboçar um gesto de reacção, obedecendo de imediato às exigências dos arguidos;
54.º
Assim, enquanto o arguido BB apontava a pistola à ofendida OO, o arguido AA colocou-se por trás da mesma para controlar o saldo da conta e os movimentos da mesma, obrigando-a a levantar a quantia de 300,00 euros, de que de imediato se apoderou, guardando na sua algibeira;
55.º
De seguida os arguidos sob a ameaça da referida pistola exigiram que a ofendida colocasse de novo a caderneta na Caixa ATM e se mantivesse ali até os mesmos saírem, senão fariam uso da referida arma, conseguindo assim intimidar a ofendida e impedir que a mesma pudesse pedir socorro, enquanto se punham em fuga para local não determinado;
56.º
Actuando da forma descrita os arguidos apoderaram-se pela força das seguintes quantias e objectos das ofendidas, respectivamente:
a) FF, a quantia de 120,00 (cento e vinte) euros;
b) CC, a quantia de 20,00 ( vinte ) euros;
c) GG, a quantia de 200,00 ( duzentos ) euros;
d) II, a quantia de 80,00 ( oitenta ) euros, um telemóvel de marca Nókia, modelo 6820, com IMEI 3535 390 003 178 207, no valor de 120,00(cento e vinte ) euros e continha o cartão SIM n.º 916159361, com um saldo de 11,00 ( onze ) euros, num total de 211,00 ( duzentos e onze) euros;
e) KK, a quantia de 200,00 (duzentos ) euros;
f) DD, a quantia de 50,00 (cinquenta ) euros e uma caderneta da C.G.D. de valor não apurado;
g) MM, a quantia de 300,00 (trezentos ) euros;
h) NN, a quantia de 10,00 ( dez ) euros e um telemóvel de marca Nókia, modelo 6100, de cor azul, que utilizava o cartão SIM Vodafone com n.º 91.660.71.71, avaliado em 120,00 ( cento e vinte ) euros, tudo no valor de 130,00 (cento e trinta ) euros;
i) EE, a quantia de 10,00 ( dez ) euros, em moedas e o telemóvel de marca Nókia, modelo 3410, de cor verde, que utilizava o cartão SIM Vodafone com n.º 91.213.89.46, avaliado em 50,00 ( cinquenta ) euros e, tudo no valor de 60,00 ( sessenta ) euros;
j) OO, a quantia de 300,00 (trezentos ) euros;
57.º
Os arguidos da forma descrita ao acercarem-se dos ofendidos sob a ameaça da pistola descrita no ponto dois, que apresenta todas as características de uma pistola verdadeira, mesmo para uma pessoa conhecedora de armas de fogo, pretenderam e conseguiram intimidar e coagi-los e assim, pela força obrigá-los a levantar das contas bancárias das mesmas as quantias referidas, contra a vontade daqueles, quantias de que se apoderaram, bem como se apoderaram, das quantias que aqueles transportavam, e dos telemóveis referidos, bem sabendo que aqueles bens não lhes pertenciam, que o faziam sem o consentimento e contra a vontade dos seus legítimos donos, que só lhos entregaram sob a ameaça de uma pistola, tudo fazendo de mútuo acordo e comunhão de esforços, em execução de plano que previamente haviam traçado, ambos usufruindo daqueles valores e objectos, que dividiram entre si de forma não apurada;
58.º
Os arguidos em todas as circunstâncias supra descritas agiram de forma livre, deliberada e consciente, tendo pleno conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei;
59.º
As ofendidas FF, CC, GG, II, KK, DD, MM e OO, ainda hoje têm receio de se dirigirem a caixas Multibanco fechadas, evitando o fazer;
60.º
O arguido BB mostrou sempre maior agressividade;
61.º
O arguido BB, na altura estava desempregado há dois ou três meses;
62.º
Era consumidor de drogas pela forma fumada, o que fazia há 3 anos, sendo que já abandonou tais consumos;
63.º
Vivia com a mulher e dois filhos de ambos, de 3 anos e meio e 10 anos de idade, respectivamente;
64.º
A mulher, actualmente, trabalha na Telecel;
65.º
Tem a 4ª Classe;
66.º
Assumiu ter tirado dinheiro e ter praticado alguns dos factos acima referidos;
67.º
Foi anteriormente condenado:
a)por decisão de 18Fev88, proferida no processo 858/87 da 2ª Secção do 4º Juízo Criminal de Lisboa, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na execução pelo período de 3 anos, a qual foi revogada, pela prática de um crime de roubo;
b)por decisão de 5Nov90, proferida no processo 8271/90 da 1ª Secção do 1º Juízo Criminal de Lisboa, na pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado;
c)por decisão de 22Dez93, proferida no processo 797/92.0 PFLSB da 1ª Secção da 2ª Vara Criminal de Lisboa, na pena de 6 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo;
68.º
O arguido AA sempre trabalhou, sendo que o fez até Julho de 2005;
69.º
Trabalhava por conta própria;
70.º
Consumiu drogas durante 5/6 anos, tendo começado com heroína e depois passou a usar também cocaína;
71.º
Consumia fumando e inalando;
72.º
Antes de preso vivia com a mãe e um filho de 10 anos de idade e que é tetraplégico;
73.º
A mãe padece da diabetes e é quem agora cuida do seu filho;
74.º
Deixou os consumos desde que se encontra preso;
75.º
Tem a 4ª Classe;
76.º
Confessou os factos e mostrou-se arrependido;
77.º
Não tem antecedentes criminais.

II.FACTOS NÃO PROVADOS
De relevante para a boa decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:
1.º
Os arguidos tiraram à ofendida KK, a quantia de 300,00 euros.
(fim de transcrição)

2.2 Perante esta factualidade, o Tribunal considerou o arguido AA co-autor material, em concurso real, de sete crimes de roubo, p. e p. pelos artsº 210º/nsº 1 e 2 al.b) e 204º/nº 2 al.f) do CPenal, e co-autor material, em concurso real, de três crimes de roubo, p. e p. pelos artsº 210º/nsº 1 e 2 al.b) com referência aos arts.º 204º/nºs 2 al.f) e 4 e 202º al.c) todos do CPenal, (ofendidas CC, DD e EE) .

2.3 A primeira pretensão do recorrente tem a ver com a 'desqualificação dos crimes de roubo', alegando que 'não se encontra provado que fosse exibido uma arma, mas tão só algo com essa configuração, um objecto com a configuração de uma arma, uma réplica', pelo que 'dos factos descritos e da jurisprudência apresentada (1) resulta deverem ser os crimes desqualificados para roubo simples, p. e p. n.º 1 do art.º 210º do Código Penal, com uma moldura penal em abstracto de 1 a 8 anos de prisão' .

2.3.1 A decisão sob recurso, no ponto em que tratou da subsunção, deixou explicitado que (…) 'atentando na matéria de facto apurada e acima elencada, dúvidas não há de que os arguidos ao agirem do modo descrito e em relação a qualquer dos ofendidos, caíram no âmbito da previsão do tipo legal de crime de roubo .
Na verdade, colocando os ofendidos em situação que os impossibilitou de resistir, criando até forte receio, através do uso de arma que o arguido BB exibia/apontava/ e até chegou a encostar, lograram retirar-lhes quantias em dinheiro e, noutros casos montantes pecuniários e telemóveis, deles se apropriando e fazendo seus .
Acresce que, tendo exibido/usado a arma descrita, mostra-se verificada a qualificativa "trazendo no momento do crime, arma aparente ou oculta", inserta na al. f) do nº 2 do art.º 204 do CPenal' . (fls. 967)

2.3.2 A "arma" a que o texto se refere - bem como 'a pistola' e 'arma' referidas ao longo da matéria de facto (n.ºs 4.º, 15.º, 25.º, 30.º, 31.º, 32.º, 39.º 43.º, 45.º, 47.º, 50.º, 51.º e 57.º) - é o instrumento caracterizado no seu ponto 2.º :
Mais decidiram que, para melhor alcançarem os seus intentos, se muniriam de uma pistola, que veio a ser apreendida, a qual apresenta as seguintes características, ”é uma arma de alarme, com forma de pistola, de acção simples, funcionando por actuação do percursor, quando armada (puxando) a corrediça ou cão à retaguarda. É uma réplica de uma Walter PPK/S 380 ACP, que apesar de se tratar de uma arma de alarme as suas dimensões, cor e características são em tudo semelhantes a uma pistola verdadeira do tipo Walter, modelo PPK, made in Germany, sendo pois confundível, mesmo para um perito, como uma pistola verdadeira .
Trata-se, portanto, de 'uma arma de alarme, com forma de pistola (…), réplica em tudo semelhante de uma Walter PPK 380 ACP (…)' .

2.3.3 O crime de roubo (2) é punido com prisão de 3 a 15 anos se se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo . (al. b), do n.º 2., do art.º 210.º, do C.P.) . E a al. f), do n.º 2., do art.º 204.º, do Código Penal, estabelece a previsão de o agente 'trazer, no momento do crime, arma aparente ou oculta', circunstância que qualifica o crime .

Para efeito do disposto no Código Penal, considera-se arma qualquer instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja utilizado como meio de agressão ou que possa ser utilizado para tal fim . (art.º 4.º, do Dec. Lei n.º 48/95, de 15 de Março (3)

2.3.4 O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a decidir que 'a circunstância qualificativa da al. f) do n.º 2 do art.º 204 do Código Penal pressupõe um perigo objectivo emergente das características da arma como instrumento de agressão, sendo irrelevante que tenha sido ou não criado qualquer receio à pessoa lesada com o crime . É uma manifestação de perigosidade do agente ; a vítima pode nem sequer se aperceber da detenção da arma pelo agente, situação que será até a comum na perpetração dos crimes de furto . Por isso, não importa para o efeito de preenchimento da apontada qualificativa a circunstância de o arguido ter utilizado "um objecto com forma, cor e aspecto de uma arma de fogo verdadeira", embora, no caso, a exibição do referido instrumento pelo arguido tivesse sido decisiva para o desencadear do medo que levou os ofendidos a não oferecerem resistência à subtracção dos objectos de que foram desapossados . Mas tal releva tão-somente no âmbito do n.º 1 do art.º 210.º do Código Penal, como forma de violência contra os ofendidos". (Ac. STJ de 18.05.06, proc. n.º 1170/06, citando, no mesmo sentido, os acórdãos de 26.03.98, proc. n.º 1293/97, de 20.05.98, proc. n.º 261/98, de 17.01.02, proc. n.º 3132/01, de 19.11.03, proc. n.º 3272/03, e de 23.02.05, proc. n.º 4443/04)

E, em sentido idêntico, poderiam ainda citar-se, a título de exemplo, os acórdãos de 10.05.06, proc. n.º 962/06 ; de 04.05.06, proc. n.º 1187/06 (4) ; de 25.10.06, proc. n.º 3042/06 ; de 09.03.06, proc. n.º 272/06 (5); 22.02.06, proc. n.º 105/06 (6), e de 18.03.98, proc. n.º 1461/97 (7) .

Face a esta jurisprudência, conclui-se, em suma, que, no caso [em síntese : os arguidos, 'para melhor alcançarem os seus intentos - de, sob ameaça de atentarem contra a integridade física ou mesmo a vida, coagirem as vítimas a entregarem-lhe dinheiro - se haverem munido de uma arma de alarme, com forma de pistola, de acção simples, funcionando por actuação do percursor, sendo réplica de uma Walter PPK/S 380 ACP'] se não verifica a circunstância qualificativa de 'trazer o agente, no momento do crime, arma aparente ou oculta' (al. b), do n.º 2., do art.º 210.º, do C.P., e al. f), do n.º 2., do art.º, 204.º, do mesmo diploma) .
Isto, sem embargo de se ter por assente, como na matéria provada (ponto 57.º), que os ofendidos 'só lhos entregaram (os bens) sob a ameaça de uma pistola', embora daquela concreta (réplica de) 'pistola'

Procede, neste ponto, o recurso do arguido AA . E, uma vez que a procedência se não funda em motivos estritamente pessoais do recorrente, o recurso interposto aproveita ao arguido não recorrente, uma vez que se verifica comparticipação . (art.º 402.º, n.º 2., al. a), do C.P.P.)

3. O recorrente defende 'que as penas devem ser diminuídas', devendo ter-se em conta 'o facto de o recorrente sempre ter trabalhado até Julho de 2005 ; de ser, à data, dos factos consumidor de drogas desde há 5/6 anos ; de, antes de preso, viver com a mãe e ter um filho de 10 anos de idade, tetraplégico, a necessitar, por isso, de ajuda paternal ; de, após a prisão, ter deixado de consumir estupefacientes ; de ter confessado os factos e mostrar arrependimento, evidenciando um espírito de auto-censura ; de, enfim, não ter antecedentes criminais .

3.1 Sobre este ponto, a decisão sob recurso explicitou o seguinte raciocínio :
(…)
'Os crimes de roubo em que com as suas condutas os arguidos incorreram são punidos com uma pena de 1 a 8 anos de prisão (ofendidas CC, DD e EE) e com uma pena de 3 a 15 anos (restantes ofendidos), respectivamente.
Encontrados os parâmetros punitivos, há que apelar ao disposto no artº 71º do CPenal, que determina que, a medida da pena, terá por base e será proporcional à medida da culpa concreta do agente, às necessidades de prevenção geral e especial, devendo ainda olhar-se às várias notas conformadoras do caso concreto que deponham contra e/ou a favor do arguido.
Nesta linha e em relação a todos os roubos em presença e no que concerne ao arguido BB, concorre a seu desfavor:
-o dolo directo, a vertente mais grave do dolo (intensidade do dolo);
-o elevado grau de ilicitude dos factos traduzido no uso de uma arma, na violência gratuita exibida, no tipo de vítimas que foi procurado ( mulheres e dois jovens, naturalmente mais frágeis fisicamente ) e nas consequências de algum relevo produzidas nos ofendidos, que ainda hoje manifestam receio, mormente, em se dirigirem a caixas Multibanco;
-os antecedentes criminais do arguido patenteando percurso ligado à prática de crimes contra o património, ressaltando a existência de outros roubos.
A militar favoravelmente ressalta:
-a modesta situação social e económica do arguido, face às suas básicas habilitações literárias e ao pouco desafogo económico em que vivia antes de preso, encontrando-se inclusive desempregado.

Ao nível da prevenção geral as exigências são de rigor pois a prática de crimes de roubo provoca sempre um grande alarme social e é factor de perturbação da paz pública, sendo que no caso em apreço dada a violência imprimida nos actos cometidos, tal assume maior evidência, criando de facto um enorme receio/temor/intranquilidade.
Em termos de prevenção especial há a considerar a conduta do arguido anterior à prática dos factos, e bem assim o modo como actuou revelador de uma grande agressividade e falta de sensibilidade – sempre procurando vitimas de menor capacidade/força física e, mesmo assim, sempre exibindo uma arma, encostando-a ao corpo das mesmas e ameaçando accioná-la -, o que ilustra pouca interiorização do quotidiano que o estar social reclama e, um desrespeito e desinteresse em relação às consequências dos seus actos e sentimentos do seu semelhante, podendo até falar-se em maldade despudorada.
Tudo visto e ponderado, entende-se que só a prisão efectiva e algo acima dos limites mínimos, acima expressos, em relação a todos os crimes, se mostra adequada e equilibrada.

Para o arguido AA, e em relação a todos os ilícitos que se lhe apontam, pesa negativamente:
-o dolo directo, a vertente mais grave do dolo (intensidade do dolo);
-a elevada ilicitude da conduta revelada, embora de menor grau comparativamente com o seu co-arguido, atentas as características das vítimas e as consequências nelas produzidas, com a sua conduta.
A militar favoravelmente emerge:
-a confissão dos factos;
-o arrependimento manifestado;
-a ausência de antecedentes criminais;
-a modesta situação social e económica do arguido, traduzida nas suas baixas habilitações literárias e na pouca base económica que exibe, sendo que tem um filho que padece de problema grave de saúde, reclamando por isso cuidados especiais.
Quanto à prevenção geral as exigências e como já se deixou expresso acima, são aquelas de rigor, pois a prática de crimes de roubo e destes contornos, provoca sempre um grande alarme social sendo factor de grande instabilidade, beliscando fortemente a paz pública.
A nível da prevenção especial há a considerar a conduta do arguido anterior aos factos, sem qualquer mácula, a confissão e o arrependimento exibido, o que ilustra algum sentimento de auto crítica, sendo assim menos prementes os cuidados aqui a ter.
Sopesando, entende-se que, só pena concreta efectiva, um pouco acima dos limites mínimos, mas de menor peso em relação ao outro arguido, se mostra adequada e eficaz para repor a paz e o equilíbrio social.
(…)
Nestes termos e pelo exposto, os Juízes que constituem o Tribunal Colectivo considerando a acusação procedente, em consequência decidem:
a) Condenar o arguido BB como co-autor material, em concurso real, de três crimes de roubo, p. e p. pelos artsº 210º/nsº 1 e 2 al.b) com referência aos arts.º 204º/nºs 2 al.f) e 4 e 202º al.c) todos do CPenal, na pena de 3 (três) anos de prisão, por cada um (ofendidas CC, DD e EE);
b) Condenar o arguido BB como co-autor material e, em concurso real, de sete crimes de roubo, p. e p. pelos artsº 210º/nsº 1 e 2 al.b) e 204º/nº 2 al.f) do CPenal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, por cada um (restantes ofendidos);
c) Em cúmulo jurídico, englobando as penas supra referidas condenar o arguido BB, na pena única de 9 (nove) anos de prisão;

d) Condenar o arguido AA como co-autor material, em concurso real, de três crimes de roubo, p. e p. pelos artsº 210º/nsº 1 e 2 al.b) com referência aos arts.º 204º/nºs 2 al.f) e 4 e 202º al.c) todos do CPenal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, por cada um (ofendidas CC, DD e EE);
e) Condenar o arguido AA como co-autor material e, em concurso real, de sete crimes de roubo, p. e p. pelos artsº 210º/nsº 1 e 2 al.b) e 204º/nº 2 al.f) do CPenal, na pena de 3 (três) anos de prisão, por cada um (restantes ofendidos) .

3.2 Face à desqualificação operada - com inaplicação, portanto, do disposto no n.º 2., al. b), do art.º 210.º, do Código Penal - a moldura legal da punição dos crimes de roubo é de um a oito anos de prisão (n.º 1, da disposição citada). E a primeira nota a relevar é a de que as concretas penas aplicadas por cada crime, embora sob diverso enquadramento, se contêm na nova moldura .
Por outro lado, tem de constatar-se que a decisão sob recurso equacionou e valorou todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor dos agentes ou contra eles, não apontando o recorrente qualquer omissão de valoração, apenas lhe contrapondo a sua pretensão de a ver melhor ponderada, em seu favor, pedindo que 'a medida da pena nesses crimes que o douto tribunal a quo considerou desagravar ser mais próxima dos seus limites mínimos, não devendo ultrapassar entre 1 ano e 3 meses a 1 ano e 6 meses, próximo dos limites mínimos'.

3.2.1 A decisão sob recurso, partindo das molduras legais do crime de roubo qualificado (3 a 15 anos de prisão), fixou em três anos de prisão a medida da pena por cada um dos sete crimes de roubo (qualificado) e em dois anos de prisão a pena por cada um dos (restantes) três crimes de roubo (8), em que não houve lugar a qualificação, por a coisa furtada ser de diminuto valor (sendo, aqui, a moldura legal de 1 a 8 anos de prisão) .

O recorrente pretende, como se disse, que, mesmo no quadro da nova moldura legal, todas as penas deveriam ser encontradas próximo do respectivo limite mínimo .

3.2.2 As considerações da decisão sobre a caracterização e intensidade do dolo (directo, na sua 'vertente mais grave'), sobre o 'elevado grau de ilicitude' (embora de menor grau comparativamente com o seu co-arguido), sobre as exigências de prevenção geral ('de rigor', pois este tipo de crimes - de que a comunicação social dá cada vez mais frequentes notícias - provoca sempre grande alarme social, criando um enorme receio/temor/intranquilidade'), sobre o modo de actuação (revelando grande agressividade e falta de sensibilidade, sempre procurando vítimas de menor capacidade de defesa, sempre exibindo uma arma, ameaçando accioná-la), sobre as consequências dos crimes (para lá perda dos bens, as ofendidas FF, CC, GG, II, KK, DD, MM e OO, ainda hoje têm receio de se dirigirem a caixas Multibanco fechadas, evitando fazê-lo), sobre as exigências de prevenção especial (conduta anterior aos factos, confissão e arrependimento, com algum sentimento de auto crítica), não merecem reparo. Foram igualmente enunciadas e valoradas, nos termos do n.º 2., do art.º 71.º, do Código Penal, as (todas as) circunstâncias que depunham a favor do agente, como se deixou registado .

Em suma : o resultado a que chegou a 3.ª Vara Criminal - fixando as penas parcelares de dois anos de prisão [portanto, um pouco acima do mínimo legal da moldura (1 a 8 anos de prisão)], por cada um dos três crimes de roubo não qualificado - também não suscita censura, tendo-se tais penas como necessárias, adequadas e justas, não ultrapassando, seguramente, a medida da culpa do arguido (posto que o juízo de censura pelas condutas delituosas, tal como resulta do quadro de facto traçado, deve ser tido como acentuado (9). E, por maioria de razão, idêntica conclusão seria de tirar em relação a cada uma das penas parcelares de três anos de prisão, por cada um dos restantes sete crimes de roubo, no quadro da moldura penal em que laborou o Tribunal (3 a 15 anos), posto que fixadas, precisamente, no mínimo legal .
Fazendo, agora, a transposição daquelas considerações para a moldura legal do crime de roubo, punido com prisão de 1 a 8 anos de prisão, tem-se como adequado fixar cada pena parcelar em dois anos e seis meses de prisão, justificando-se a diferença de penas, em relação às do primeiro grupo, com o diferente grau de ilicitude .

3.2.3 Aplicando os mesmos critérios à situação do arguido BB, tem-se por adequado manter as penas de três anos de prisão por cada um dos crimes de que foram vítimas CC, DD e EE, e fixar em quatro anos e seis meses de prisão cada uma das penas parcelares por cada um dos restantes sete crimes de roubo .

3.3 A decisão sob recurso 'verificou que as penas aqui a cominar aos arguidos, se encontram em relação de concurso entre si .
Nesta conformidade, procedeu a cúmulo jurídico nos termos do plasmado no art.º 77º do CPenal, tendo como limites a pena parcelar mais elevada (mínimo) e o somatório das penas parcelares, nunca excedendo o máximo legalmente permitido (máximo), resultando a pena concreta final, do apelo, de novo, aos critérios norteadores do citado artº 71º do CPenal.
E, usando tais premissas, entendeu que a pena única a aplicar, sediar-se-ia em nível algo superior ao limite inferior, para os dois arguidos, sendo que relativamente a BB será de “quantum”, significativamente mais elevado, atentos os limites em causa e as razões acima aduzidas, como modo de reequilibrar o tecido social e repor a paz e tranquilidade públicas'. (fls. 970 e 971)

Em consequência, decidiu, 'em cúmulo jurídico, englobando as penas supra referidas condenar o arguido AA, na pena única de 6 (seis) anos de prisão', e o arguido BB na pena única de nove anos de prisão .

3.3.1 Dispõe, na verdade, o art.º 77.º, do Código Penal, que 'quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena . Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente .'
E o número 2. daquela disposição legal determina que 'a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa ; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes' .

No caso, o limite mínimo da pena única a aplicar ao arguido AA tem como limite mínimo a pena de dois anos e seis meses de prisão e, como limite máximo, a pena de vinte e três anos e seis meses de prisão ; o limite mínimo da pena a aplicar ao arguido BB é de quatro anos e seis meses de prisão e o limite máximo é de 25 anos de prisão, por directa imposição legal (uma vez que a soma aritmética das penas parcelares ultrapassa a citada barreira legal) .

3.3.2 (…) Em sede de pena conjunta,"tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique" (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 429).
No caso, os arguidos - de mútuo acordo e em comunhão de esforços, em execução de plano previamente traçado - praticaram dez crimes de roubo, nas circunstâncias já descritas (exibição e ameaça de uso de 'arma', intimidando mulheres, junto a caixas de Multibanco, com a finalidade de apropriação de dinheiro), tendo repartido entre si os valores e objectos de que se apropriaram. Os factos foram cometidos durante um relativamente curto período de tempo (entre 19 de Agosto e 1 de Setembro) e foram executados de forma homogénea, revelando óbvia conexão entre si .

Na "avaliação da personalidade - unitária - do agente, relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma 'carreira') criminosa', ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta". (A. e ob. cit., § 521).
Os elementos apurados permitem indiciar, quanto ao arguido AA (sem antecedentes criminais ; aparente inserção familiar e laboral ; consumidor de heroína e de cocaína, até à data da prisão ; confissão dos crimes, com mostras de 'arrependimento'), uma situação de pluriocasionalidade ; quanto ao arguido BB (irmão mais velho; desempregado à data dos factos ; 'mostrando sempre maior agressividade' ; com uma condenação por furto qualificado e duas por roubo, uma delas com revogação da suspensão da pena e, outra, punida já com 6 anos de prisão ; consumidor de drogas ; com aparente inserção familiar), a situação revela uma personalidade com propensão para a prática de crimes da natureza daqueles por que, agora, responde .

"Enfim, não poderá deixar de se dar 'grande relevo' à 'análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)". (ibidem)
Os antecedentes criminais do arguido BB e o incidente da revogação da suspensão de execução da pena indiciam falta de sensibilidade às reacções criminais e consequente dificuldade em manter uma conduta de acordo com o direito .
Quanto ao arguido AA, regista-se, com interesse, a circunstância de ter 'deixado os consumos desde que se encontra preso' (ponto 74.º, da matéria de facto) .

Tudo ponderado, afigura-se adequado condenar o arguido BB na pena única de oito anos de prisão e o arguido AA na pena única de cinco anos de prisão .

4. Nos termos antes expostos - e na parcial procedência do recurso do arguido AA - acorda-se em :
- considerar que os arguidos cometeram dez crimes de roubo, p. e p. pelo n.º 1., do art.º 410.º, do Código Penal ;
- fixar a medida das penas parcelares nos termos referidos sob os pontos 3.2.2 e 3.2.3 ;
- condenar o arguido, não recorrente, BB na pena única de oito anos de prisão ;
- condenar o arguido AA na pena única de cinco anos de prisão ;
- manter, no mais, o decidido .

Custas pelo recorrente, com três UCs. de taxa de justiça.

Lisboa, 21 de Março de 2007

Soreto de Barros (relator)
Armindo Monteiro
Santos Cabral
Oliveira Mendes
----------------------------------------------------
(1) Ac. STJ de 29.09.99, proc. n.º 494/99 .
(2) Não está em causa que, na situação, se não esteja perante crimes de roubo .
(3) Definição legal intocada pela Lei n.º 5/06, de 23 de Fevereiro .
(4) 'Arma aparente é a que é visível, por oposição à que está oculta, e não a que aparenta ser uma arma (…) . Não se verifica a agravante do art.º 204.º, n.º 2, al. f), do Código Penal (…) quando se apura que "os arguidos eram portadores de uma arma de alarme, sem qualquer poder letal" .
(5) 'Uma pistola de alarme municiada com projécteis de salva, ainda que puxada e apontada em direcção à vítima, porque não é objectivamente apta a ferir ou matar, não integra a qualificativa do crime de roubo, a que respeita o art. 210.º, n.º 2, al. b), do CP.'
(6) 'O emprego de uma pistola de alarme como elemento intimidador não preenche a agravante qualificativa do roubo, prevista na b) do n.º2 do art. 210.º e, por remissão desta, na alínea f) do n.º 2 do art. 204.º do Código Penal'.
(7) 'As pistolas de alarme, quer pela sua função quer pelo material de que são feitas, não integram o conceito de arma, hoje com definição na própria lei (artigo 4 do DL n.º 48/95 de 15 de Março de 1995)'.
(8) Em que são ofendidas CC, DD e EE .
(9) Como se salienta na decisão, trata-se de uma série de dez crimes de roubo, com exibição de 'arma' e uso de violência sobre mulheres e dois jovens, naturalmente com reduzidas capacidades de resistência, com consequências de algum relevo produzidas nas ofendidas, que ainda hoje manifestam receio em se dirigirem ao Multibanco.'