Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A786
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CARDOSO ALBUQUERQUE
Descritores: ALEGAÇÕES DE RECURSO
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
ADMISSIBILIDADE
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OBRAS DE CONSERVAÇÃO EXTRAORDINÁRIA
OBRAS DE CONSERVAÇÃO ORDINÁRIA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
ABUSO DE DIREITO
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: SJ20080527007866
Apenso:
Data do Acordão: 05/27/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - Apesar de a recorrente ter invocado expressamente nas conclusões do seu recurso de apelação que o documento em causa, pedido pela mesma depois de notificada da sentença da 1.ª instância, se tornou necessário em virtude desta, se não existe a menor relação entre o documento superveniente junto e a decisão recorrida, o mesmo não podia ser atendido - arts. 706.º e 724.º do CPC.
II - Provado que por motivo do senhorio se ter escusado, apesar de solicitado, a proceder a obras no edifício, invocando falta de meios para isso, a A. inquilina do 1.º andar do prédio (onde explora uma hospedaria e também habita) queixou-se à Câmara Municipal, a qual por vistoria reconheceu o mau estado de conservação do edifício por motivo de infiltrações de água que deterioraram as paredes exteriores e também pondo em risco a cobertura e o telhado, a qualificação das obras que o senhorio foi intimado a fazer (mas que não efectuou) como sendo de conservação ordinária ou extraordinária, em nada interfere com a solução da causa, iniciada em 1998 e pretendendo-se com a acção que o senhorio o reponha no estado em que ele supostamente se encontraria em 1974.
III - Efectivamente, no caso da Câmara Municipal ter já ordenado a execução de obras de conservação (ordinária ou extraordinária ou de beneficiação) - art. 13.º, n.º 1, do RAU - e o senhorio a elas não procedesse, nem a Câmara diligenciasse pela respectiva execução coerciva - arts. 14.º e 15.º - e estas, pela sua urgência, não se compadecessem com tal inércia, sempre o arrendatário teria a possibilidade de as fazer, mas seguindo os procedimentos indicados no art. 14.º do RAU, ou seja, depositando à ordem do senhorio, a parte da renda correspondente à actualização prevista no art. 38.º do mesmo diploma.
IV - Este condicionalismo não foi alterado com o regime do NRAU (aprovado pela Lei n.º 6/2006 de 27-02) constando agora a matéria atinente a obras no art. 1111.º do CC no que respeita aos arrendamentos para fins não habitacionais e no art. 1074.º para os demais, sendo certo que numa e noutra das disposições, tem sempre em princípio o senhorio que efectuar as obras de conservação ordinária ou extraordinárias necessárias para assegurar o gozo de locado pelo arrendatário.
V - Complementando este novo diploma, foi entretanto publicado o DL n.º 157/2006, igualmente aplicável aos contratos de arrendamento anteriores ao RAU (para fins habitacionais) ou ao DL n.º 257/95 (para fins não habitacionais) o qual prevê os diversos tipos de intervenção em caso de recusa ou impossibilidade de realização pelo senhorio, a cargo quer dos municípios quer do próprio arrendatário.
VI - Também não relevam para o caso as vicissitudes ocorridas com o processo administrativo, e de uma eventual inércia da Câmara em accionar os mecanismos próprios da execução coerciva, constantes e previstos no art. 15.º do RAU na redacção em vigor à data da instauração do pleito, por tal matéria não ser da competência dos tribunais comuns.
VII - Provado que as obras orçamentadas e necessárias para repor o prédio nas condições em que se encontraria quando a hospedaria que ele preenche em parte foi tomada pela A de trespasse em 1974, ascendem a mais de € 27.423, 91, enquanto a renda mensal paga se cinge a escassos € 13,97, concluímos que não se mostra desacertada a aplicação do art. 334.º do CC, feita na sentença e corroborada no acórdão, o que exclui ilicitude à conduta omissiva do falecido senhorio, não tendo este obrigação alguma de consumir fundos seus em imóvel que não lhe faculta rendimentos que possam acompanhar as constantes necessidades de intervenção para travar o inexorável processo do seu envelhecimento e degradação.
Decisão Texto Integral:


ACÓRDÃO NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I - AA intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra BB, tendo sido habilitados na pendência da acção, por morte daquele, CC, DD e EE.
Pede:
- que se condene o R. a efectuar as obras necessárias à colocação do locado no estado em que se encontrava à data da celebração do contrato de trespasse no prédio arrendado à A., sito no Largo ..................., n.º...,....... Sacavém, e que estão identificadas nos orçamentos juntos (sic);
- que se condene o R. a efectuar uma limpeza do logradouro do imóvel e
- que se condene o R. a entregar a chave do portão que dá entrada para o logradouro pela via pública.
Para tanto, e em síntese, alega:
- que o R. é seu senhorio;
- que o arrendado necessita de obras;
- que o R. lhe vedou o acesso ao exterior pelo logradouro que sempre utilizou e que encheu este de lixo.
Regularmente citado, o R. contestou arguindo a excepção de ilegitimidade activa por a A. litigar desacompanhada dos demais inquilinos, impugnando o alegado pela A. e aduzindo que o logradouro é para seu exclusivo uso, que sabe ser necessária a realização de obras, mas que o montante da renda não permite a realização das mesmas, não detendo meios para o efeito.
A A. replicou pugnando pelo desatendimento da excepção e impugnando o alegado pelo R.
Teve lugar audiência preliminar no decurso da qual foi elaborado despacho saneador em que se decidiu ser o tribunal competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia; não existirem nulidades que invalidassem todo o processo e terem as partes personalidade e capacidade judiciárias. A excepção de ilegitimidade foi desatendida e as partes julgadas legítimas, declarando-se, tabelarmente, inexistirem outras excepções de que cumprisse conhecer.
Foram, de seguida fixados os factos assentes e elaborada base instrutória, sobre os quais não recaiu reclamação.
Teve lugar prova pericial.
Por fim, procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais.
E exarou-se na devida oportunidade douta sentença que apenas julgou procedente o pedido de condenação do R ( “rectius” os seus sucessores, devidamente habilitados) na limpeza do logradouro, absolvendo-o dos demais.
Irresignado com o dito desfecho. a A recorreu de apelação, mas sem êxito, visto a Relação de Lisboa ter confirmado, por acórdão de fls 537 e ss e na íntegra a sentença para cuja fundamentação remeteu, por com ela concordar.

A A não se conformou com o beneplácito dado à sentença e veio recorrer de revista do citado acórdão, tendo apresentado na 2ª instância, extensa minuta que concluiu da seguinte forma :
“ 1 - No Acórdão recorrido violaram-se as normas jurídicas substantivas e processuais a saber , artº 1031º aln b) do CCivil, artºs 11º e 12º do revogado RAU (aplicável aos presentes autos ) e atºs 193º, 474º, 706º e 668º aln d) do CPC.
2 – Delimita-se o âmbito do presente recurso à parte do Acórdão que absolveu os RR do pedido de realização de obras no arrendado.
3 – Foi dada como provada, relativamente ao âmbito do recurso no ponto antecedente, a matéria de facto acima referidas nos pontos II e I a 20 que aqui se dá por reproduzida .
4 – Foi produzida prova pericial no que se refere aos pontos relativos às deteriorações do imóvel e relativamente aos demais foi produzida prova testemunhal, apenas não sendo produzida prova por inspecção, porque o tribunal “a quo” a indeferiu a requerimento da Recorrente na audiência de julgamento .
5 – No Acórdão recorrido concluiu-se que face à matéria de facto provada acima elencada que “ o gozo do arrendado raia a impossibilidade ou está no mínimo extremamente diminuido nas suas potencialidades “ – o que é rigorosamente verdade.
6 – As obras dos autos não são de reconstrução, pois reconstrução significa “ construir de novo “ pressupondo que aquilo que se vai reconstruir já não existir , o que não é o caso .
7 – A qualificação das obras como de reconstrução além de incorrecta , é irrelevante para os efeitos de aplicação da lei que rege as relações entre senhorio e inquilino , uma vez que nem o revogado RAU, nem o recentemente aprovado NRAU preveêm esse tipo de obras.
8 – Por outro lado, o A não efectuou nos presentes autos um pedido de obrás de conservação extraordinárias .
9 - Pelo contrário ,a A pediu a realização de obras de conservação ordinária
10 – As obras anexas aos orçamentos da p.i. de fls … dos autos integram-se na categoria de obras de conservação ordinária, nos termos do nº 2 aln a) do artº 11ºdo RAU.
11 – No mesmo sentido os Acs do STJ de 18/12/2004 e do Tribunal da Relação do Porto de 6/10/2005 , ambos em www djsi .pt.
12 – Ora sendo obras de conservação ordinária, não são obras de conservação extraordinária ( nem sequer conceptualmente), pois que para serem como tais qualificáveis não poderia a sua necessidade ocorrer de omissão ilícita do senhorio, como se vê do disposto no artº 11º, nº3 do RAU.
13 – No mesmo sentido o Ac do Supremo já referido .
14 – Ainda que as obras viessem a classificar-se como extraordinárias, o que apenas a benefício de raciocínio se admite, estaria de igual modo, o senhorio obrigado à realização das mesmas.
15 – Neste sentido , o Ac do STJ de 25/11/1998 também na Internet.
16 – O senhorio deliberadamente não cumpriu a sua obrigação de fazer as obras , nem mesmo após ter sido intimado pala autarquia para tal tendo desprezado olímpicamente essa ordem.
17 –Essa ordem não foi coercivamente executada porque a autarquia se recusou a fazê-lo, tal como recusaria a execução coerciva de qualquer outra ordem do mesmo teor, porque não dispõe de dotação orçamental para o efeito.
18 – Para prova do alegado na conclusão antecedente, a recorrente juntou aos autos documento emanado pela autarquia, a qual se tornou necessário na sequência da sentença da 1ª instância , ao abrigo do disposto no artº 706º do CPC. O mencionado documento não foi alvo de apreciação pelos Mmos Juízes do tribunal “a quo” em clara violação do artº 668º, de onde decorre a nulidade do acórdão.
19 – O pedido constante da p. i. de fls dos autos é inteligível, idóneo e preciso .
20 - Na p. i. de fls … dos autos, por um lado pede-se a condenação do R a efectuar as obras necessárias à colocação do locado no estado em que se encontrava à data da celebração do contrato de trespasse ( pelo qual entrou na posse da A) formulação decalcada do preceito legal aplicado .
21 – Por outro lado remete-se para os orçamentos, em anexo à p. i. , onde se identificam as referidas obras.
22 – Não era exigível à A , ora recorrente que reproduzisse “ ipsis verbis “ no pedido todos os itens constantes dos referidos orçamentos.
23 - A p. i. de fls não foi alvo de despacho liminar de indeferimento, nem razões haveriam para tal , no entendimento da A, ora Recorrente.
24 – Existiu audiência preliminar nos presentes autos , não tendo a A sido convidada ao aperfeiçoamento do seu articulado (p.i.) ao abrigo do disposto na aln b) do nº 1 do artº 508º do CPC.
25 – No despacho saneador de fls … dos autos, o Tribunal não se pronunciou sobre qualquer eventual nulidade que obstasse ao conhecimento do mérito da causa.
26 – Assim, ainda que a “vaguidade “ ou excepção inominada da iliquidez do pedido existisse – o que não se admite - tendo existido momentos de apreciação dessa eventual situação do pedido, não poderia vir o tribunal . – sem grave denegação da sua função de julgar e, maxime da realização da justiça – volvidos mais de oito anos sobre a data da propositura da acção , dizer que “ se condenasse não se saberia em quê “.
27 – A A e Recorrente é arrendatária - paga a sua renda, elevada ou diminuta, é a renda legalmente exigível .
28 – Os Recorridos são proprietários, se não podem manter as suas propriedades, têm da os alienar .
29 - O que não podem é sobre o pretexto da ausência de possibilidades financeiras quer de resto não lograram provar nos presentes autos, prevalecer-se do eventual abuso de direito para se furtarem ao cumprimento das suas obrigações.
30 - O Tribunal não pode estribar-se no binómio valor das obras / valor da renda .
31 – Há que analisar o comportamento do senhorio ( independentemente de estarmos ao primeiro locador ou aos seus sucessores ) bem como o tempo decorrido desde a interposição da presente acção , sem que tivesse existido qualquer intervenção no arrendado, por mínima que fosse.
32 – Hà que ter em conta que o senhorio quando comprou o prédio, sabia que o mesmo necessitava de obras e sabia qual o montante das rendas que a respectiva inquilina ainda assim , quis comprá-lo.
33 –Hà que ter ainda em conta que o senhorio fez um pedido de apoio financeiro para a realização das obras que admitiu serem necessárias após ter sido intimado pela Câmara Municipal de Loures para a realização das mesmas , apenas para se prevalecer do decurso desse pedido para se escusar à referida realização, uma vez nunca apresentou os documentos necessários q ue só ele senhorio poderia apresentar, não aproveitou a colaboração oferecida pela R , ora Recorrente no sentido de obter essa documentação e instruir o pedido devidamente .
34 – As circunstâncias acima descritas e o que o Tribunal deu como provadas mas considerou irrelevantes para a decisão, não o são de todo, e provado que não existe abuso de direito por parte da inquilina, mas antes venire contra factum proprium por parte do senhorio .
35 – Neste sentido veja-se o acórdão do S. T. J. de 26/10/1999 in www djsi. pt.
36 – E veja-se ainda o já citado acordão da R Lxa de 12/12/1985, idem
37 – A A não dispõe de meios para fazer as obras.
38 – A Câmara Municipal de Loures – segundo afirma – não dispõe de meios para fazer as obras .
39 – Os Recorridos alegam que não dispõem de meios para fazer as obras.
40 – Ora, se isto é assim e as obras têm de ser feitas, afigura-se que a justa decisão do tribunal não poderia ter sido outra que não a condenação dos recorridos na realização dessas obras, pois é sobre eles que impende a obrigação de as fazerem!
41 – Neste sentido, veja-se - talvez o mais eloquente de todos os Acórdãos citados nas presentes alegações - o Acórdão da Relação de Lisboa de 16/ 02/ / 2006 in www,djsi.pt.
42 –Inexiste, assim o alegado abuso de direito, analisadas todas as circunstâncias do caso concreto, pois pese embora a A pague uma renda baixa, é a legalmente devida e, por outro lado, se as obras de conservação ordinária necessárias ascendem aos valores que ascendem é porque o senhorio culposamente deixou degradar o arrendado ao ponto em que o mesmo se degradou, razão pela qual, omitindo desde já o seu principal dever como locador, ou seja , assegurar à locatária o gozo do arrendado para o fim a que se destina – artº 1031º aln b) do C Civil.
Termina pedindo que se revogue o acórdão e em substituição do mesmo se condenem os hsabilitasdos sucessores do R a realizar as obras para a recolocação do arrendado no estado em que se encontrava à data da celebração do contrato de trespasse.
Contra alegaram os recorridos, como já o haviam feito no recurso de apelação os quais pugnam pela manutenção do decidido por o pedido da A envolver um manifesto abuso de direito

II - Depois de proferido
despacho liminar foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, agora, decidir.
III – Desde logo, importa relembrar os factos dados por assentes e provados pelas instâncias e que são os seguintes.
1 – A A. vive no 1.º andar, frente do n.º ..................., em Sacavém, desde que este lhe foi dado cedido por escritura de trespasse e arrendamento de 17-4-1974.
2 – Ali também explora, desde então, uma casa de hóspedes.
3 – O prédio em causa encontra-se descrito na C.R.P. de Loures sob o n.º ....... da freguesia de Sacavém e inscrito na matriz urbana sob os arts. 28 e 719 da freguesia de Sacavém.
4 – Em 1985 este imóvel foi vendido pelo anterior proprietário FF a BB.
5 – A venda não foi objecto de inscrição no registo predial.
6 – Desde então os recibos de renda passaram a ser emitidos em nome do R..
7 – O R. era arrendatário de uma das lojas do prédio que adquiriu.
8 – O prédio situa-se no centro histórico de Sacavém.
9 – Desde o início as relações entre senhorio e arrendatária não foram as melhores.
10 – O logradouro encontra-se cheio de entulho e lixo.
12 – O logradouro dispõe de um portão de acesso directo à via pública.
13 – A pedido da A., no dia 3 de Abril de 1997, foi efectuada uma vistoria ao locado cujo respectivo auto, aprovado por unanimidade, relatou o mau estado geral da casa de hóspedes, enunciando como principal causa as infiltrações de água da chuva.
14 – O auto refere: os tectos em madeira do piso superior e da sala estão deteriorados devido a infiltrações de água da chuva, originados pelo mau estado de conservação da cobertura e dos algerozes (…) as paredes externas estão deterioradas devido a infiltrações de água da chuva originadas pela existência de rebocos desagregados.
15 – Em consequência, no dia 16-5-1997 o Vereador .............., da Câmara Municipal de Loures, homologou o respectivo auto e ordenou intimar o proprietário do imóvel a efectuar as respectivas obras no prazo de 30 dias.
16 – No seguimento desse despacho de intimação, a A. foi informada do mesmo, assim como da existência de orçamento camarário para as ditas obras, no valor de esc. 2 960 000$00.
17 – O R. requereu à Câmara Municipal de Loures a realização de obras no prédio ao abrigo do projecto Recria.
18 – O prédio é composto por r/c e 1.º andar, com várias dependências e anexos, encontrando-se actualmente ocupado por oito inquilinos.
19 – Do prédio fazem parte as seguintes divisões:
- 1.º andar frente e esq.º - hospedaria;
- 1.º andar dt.º - habitação;
- loja no r/c – talho;
- loja no r/c – móveis;
- loja no r/c – congelados;
- loja no r/c – snack-bar;
- loja no r/c – agência imobiliária;
- loja no r/c – restaurante.
20 – Aquando da aquisição do prédio o R. sabia qual o montante das rendas devidas pelos respectivos inquilinos, incluindo o valor daquela que a A. paga.
21 - Aquando da aquisição do prédio pelo R. em 1985, aquele necessitava de obras.
22 – O R. adquiriu o prédio pelo valor declarado de esc. 1 500 000$00.
23 – O R. colocou entulho de obras e lixos no logradouro, o que atrai bichos, tais como ratos.
24 – O R. mudou um portão que dá acesso ao logradouro.
25 - A A. foi instada a remover o que se encontrava no logradouro, designadamente pelo Centro de Saúde de Sacavém, devendo ainda limpar e desinfestar aquele.
26 - A A. não detinha a chave do portão que permite o acesso ao logradouro pela via pública e o R. não lha entregou.
27 – O imóvel está em processo de deterioração e não tem sido alvo de manutenção na estrutura e fachada.
28 – As deteriorações tiveram especial incidência no telhado, que começou a ceder.
29 –As vigas são de madeira e a maior parte apodreceu.
30 – O telhado deixa entrar enormes quantidades de água e humidade que se aloja no tecto e escorre pelas paredes.
31 – E com água e humidade, o tecto e as paredes interiores danificaram-se, ficando negras ou manchadas.
32 – O chão, de madeira, apodreceu.
33 – As canalizações, pelo decurso do tempo, estragaram-se.
34 –A A. cimentou o telhado, revestiu o chão, substituiu as loiças e canos da casa de banho e pintou as paredes para esconder a humidade.
35 – Os problemas advêm do telhado que começou a ruir e das paredes exteriores do prédio, mormente a do lado esquerdo do primeiro e segundo andares na parte utilizada pela A., que estão num estado de degradação acelerada.
36 – O que se reflecte no interior, com o apodrecimento dos forros, absorção de águas infiltradas nas paredes, tudo motivando insalubridade e insegurança.
37 – Os custos previsíveis para a reparação tanto do exterior como do interior ultrapassarão esc. 5 498 000$00.
38 - A A. solicitou ao senhorio que procedesse a obras.
39 – O R. omitiu a entrega de parte dos documentos necessários a que o projecto Recria avançasse.
40 - A A. disponibilizou-se junto do R. para reunir os documentos em falta, o que o R. não aproveitou.
41 – A A. paga cerca de esc. 2 800$00 de renda mensal num casa para habitação própria e exploração de hospedaria.
42 – O logradouro não está compreendido na cedência à A., embora esta o tivesse vindo a utilizar parcialmente até à venda do imóvel ao R. ..........
43 – Os anteriores proprietários do prédio deram ao R., ainda na qualidade de inquilino, o uso exclusivo do logradouro.
44 – Da casa da A. há acesso directo ao logradouro.
IV – Sendo as conclusões da minuta recursória que servem de guia para este tribunal apreciar os erros de direito que a 2ª ou a 1ªinstância, conforme os casos, possa ter cometido e que são o fundamento do recurso de revista, nos termos das disposições combinadas dos artºs 684º,nº3, 690º, nº1, 721ºe 722º do CPC verifica-se serem as seguintes as questões jurídicas que nos compete dilucidar
a) Nulidade decorrente da não apreciação pela Relação do documento superveniente junto com as alegações da apelação
b) Errada qualificação das obras como de reconstrução ou de conservação extraordinária
c) Inexistência de abuso de direito
d) Inexistência da excepção dilatória inominada de iliquidez do pedido

Apreciemos, pois, cada uma destas questões.

1ª Questão
É, sem dúvida, exacto que A juntou às respectivas alegações do recurso de apelação, mas já se encontrando o processo na Relação, antes de ir aos vistos, um documento novo, ou seja, uma certidão da Câmara Municipal requerida pela recorrente depois de notificada da sentença da 1ª instância e de que constava o estado do processo administrativo para execução de obras no arrendado o qual mereceu da Relatora despacho que relegou para o acórdão a sua apreciação, sendo que neste nada ficou a constar.
Daí a recorrente haver arguido a nulidade do acórdão por omissão de pronuncia, nos termos previstos no artº 668, nº 1 aln d) do CPCivil.
E face à arguição dessa nulidade, foi proferido novo acórdão que em termos gerais referiu que o novo documento em causa não se ajustava ao disposto no artº 706 º do CPCivil, visto que a decisão proferida na 1ª instância e confirmada pela Relação não se basear no alegado incumprimento das obras de recuperação do prédio arrendado determinadas pela Câmara Municipal de Loures, além de que podia ter sido apresentado antes, sendo certo contudo que a necessidade da respectiva junção decorria de considerandos expressos relativamente ao desconhecimento pelo tribunal dos factos que levaram à não execução coerciva das obras por parte da dita Câmara, o qual em nada influiu na decisão recorrida por se ter baseado noutros fundamentos.
Daí tal acórdão considerar inócuo por extemporâneo o dito documento, rejeitando a arguida nulidade.
Ora este acórdão foi notificado à recorrente aliás condenada em custas, sendo que esta não o impugnou.
Independentemente de entendermos que no caso não competiria à Relação decidir sobre a apontada arguição, enquanto fundamento do recurso de revista, mas apenas, se fosse o caso suprir a nulidade apontada, nos termos do nº 4 do artº 668º do CPC o certo é que a recorrente apesar de devidamente notificada do dito segundo acórdão, não o impugnou, pelo que o mesmo transitou em julgado.
Ainda que assim se não pudesse entender e tendo em conta que no dito segundo acórdão constam as razões que militaram para se considerar extemporâneo ou irrelevante tal documento, verificamos que caso vertente se justificava a não atendibilidade do mesmo.
O artº 706º do CPC determina que as partes podem juntar documentos às alegações nos casos excepcionais a que alude o artº 524º ou no caso em que essa junção apenas se torne necessária em virtude do julgamento na 1ª instância, sendo que os documentos supervenientes podem se juntos até se iniciarem os vistos dos juízes.
Invocou expressamente a recorrente nas conclusões do seu recurso de apelação que o documento em causa pedido pela mesma depois de notificada da sentença da 1ª instância se tornou necessário em virtude da sentença da 1ª instância.
Ora a sentença da 1ª instância não concluiu pela improcedência da acção por motivo de não saber do andamento do processo administrativo decorrente da intimação pela Câmara Municipal de Loures aos senhorios da A, para a execução das obras no prédio arrendado mas sim por entender que aquelas concretamente pedidas pela mesma no âmbito da presente acção atingiam pelo seu custo valores desproporcionados com o montante da renda mensal paga envolvendo abuso de direito da sua parte e que além do mais, sem embargo do tribunal não poder interferir no curso do processo administrativo, muito menos haviam sido fornecidos elementos sobre o real estado de conservação do edifício à data em que em que ele foi ocupado, por via de trespasse em 1974, o que colocava sérias dificuldades quanto a saber concretamente que obras deveriam ser levadas a cabo para o imóvel ser reposto à situação em que se encontrava nessa data.
Não existe pois a menor relação entre o documento superveniente junto e a decisão recorrida, pelo que o mesmo não podia ser atendido.

2ª Questão
No que respeita à qualificação das obras como de “ conservação extraordinária” e não como de “conservação ordinária “, insurge-se a recorrente contra a sentença por esta contrariar os critérios de distinção entre umas e outras e que constam do artº 11º do RAU ( Regime de Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL nº 321-B/90 de 15/10 e objecto de várias e sucessivas alterações pontuais)
A recorrente não tem razão, já que a douta sentença não deixou de considerar que à luz dos critérios expressos no citado artº 11º do RAU, diploma entretanto revogado no decurso da acção, as obras necessárias para obviar ao estado de elevada degradação do imóvel retratados nos pontos 27 a 33 da matéria de facto integravam a categoria legal de obras de “conservação ordinária “, mas não deixavam de envolver uma intervenção de fundo, já que “mexendo” com elementos estruturais, como sejam a da mudança do telhado e dos pavimento interiores, bem como nas paredes exteriores e fachada por muito deteriorados.
Na verdade, dispõe o artº 11º nº3 do RAU que são obras de conservação extraordinária as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior e em geral, as que não sendo imputáveis a acções ou omissões ilícitas do senhorio, ultrapassem na data em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano.
Por sua vez, o nº 2 do mesmo preceito qualifica como obras de conservação ordinária respectivamente:
a) A reparação e a limpeza geral do prédio;
b) As obras impostas pelas Administração Pública, nos termos da lei geral ou local aplicável e qiue visem conferir ao prédio as caracteristícas apresentadas aquando da concessão da licença de utilização;
c) Em geral, as obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração.
No caso ficou demonstrado que por motivo do senhorio se ter escusado, apesar de solicitado a proceder a obras no edifício, invocando falta de meios para isso, a A inquilina do 1º andar do prédio ( onde explora uma hospedaria e também habita ) queixou-se à Câmara Municipal de Loures, a qual por vistoria reconheceu o mau estado de conservação do edifício por motivo da infiltrações de água que deterioraram as paredes exteriores e também pondo em risco a cobertura e o telhado.
Basta ler a sentença para darmos conta que o Mmo Juiz reconheceu que as obras solicitadas pela A se reconduziam legalmente à noção de obras de conservação ordinária, todavia anotando que elas se traduziam, na prática numa intervenção de fundo, de reabilitação do próprio imóvel, de resto enquadrável no programa RECRIA a que os senhorios se candidataram, como ficou provado, ( esse programa foi instituído pelo DL nº4/88 de 14/01 e sucessivamente aperfeiçoado pelos DL nºs 420/89 de 30/11 e de197/92 de 22 /09 e 104/96 de 31/07 e por fim substituído em novos moldes pelo DL nº239-C/2000 de 22/11) face ao estado de degradação do edifício e, sobretudo, por falta de condições de salubridade e de segurança, de algum modo reconhecidos no auto de vistoria levado a efeito pela Câmara Municipal.
No entanto, sempre adiantaremos que a diferente qualificação das obras que o senhorio foi intimado a fazer em nada interferiu com a solução dada ao pleito, tendo em conta que com o recurso à via administrativa, ou se devia aguardar pela execução coerciva das mesmas, sem prejuízo da iniciativa da arrendatária em função da respectiva urgência, desde que avisando os senhorios e com direito depois ao seu reembolso, nos termos previstos no artº 1036º do CCivil, normativo esse que dispõe que quando o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas e umas e outras pela sua urgência se não compadecerem com as delongas do procedimento judicial, tem o locatário a possibilidade de fazê-las extrajudi cialmente com direito ao seu reembolso ( v. o Ac. deste Supremo de 27/10/1994, BMJ 440º, 478).
Com efeito, o que se entendeu na sentença da 1ª instância foi que a exigência feita na presente acção para que o senhorio fosse condenado a realizar obras que visassem repôr o prédio nas condições em que se encontrava em 1974 e que atingiam um custo global deveras elevado e desproporcionado com a renda paga, mesmo ponderando a sua eventual actualização nos termos então previstos nos artºs 36º e 79º , se traduziam em abuso de direito, para além de que ao tribunal comum não competiria promover a execução de obras ordenadas pela autarquia.
Interessa relembrar que no caso da Câmara Municipal ter já ordenado a execução de obras de conservação ( ordinária ou extraordinária ou de beneficiação) – artº 13º, nº1 do RAU – e o senhorio a elas não procedesse, nem a Câmara diligenciasse pela respectiva execução coerciva- artºs 14º e 15º - e estas, pela sua urgência, não se compadecessem com tal inércia, sempre o arrendatário teria a possibilidade de as fazer, mas seguindo os procedimentos indicados no artº 14º do RAU, ou seja depositando à ordem do senhorio, a parte da renda correspondente à actualização prevista no artº 38º do mesmo diploma.

Este condicionalismo não foi alterado com o regime do NRAU ( aprovado pela Lei nº 6/2006 de 27/02) constando agora a matéria atinente a obras no artº 1111º do Civil no que respeita aos arrendamentos para fins não habitacionais e no artº 1074ºpara os demais, sendo certo que numa e noutra das disposições, tem sempre em principio o senhorio que efectuar as obras de conservação ordinária ou extraordinárias necessárias para assegurar o gozo de locado pelo arrendatário, mas sendo certo que no regime anterior estas últimas só se tornavam obrigatórias, nos termos do artº 13º ou havendo ordem emitida pela Câmara Municipal competente nos termos das leis administrativas em vigor ou havendo acordo escrito das partes, sendo que fora dessas situações, a lei não obrigava o senhorio a efectuar as obras, tal como acontecia nas obras de conservação ordinária, mesmo que reconhecida a sua necessidade ( cfr a este respeito Margarida Grave, NRAU Anotado e Comentado, 4ªed.,51 ).
E complementando este novo diploma para justamente regular o regime jurídico das obras ( vulgo RJOPA) foi entretanto publicado o DL nº157/2006, igualmente aplicável aos contratos de arrendamento anteriores ao RAU ( para fins habitacionais) ou ao DL nº257/95 ( para fins não habitacionais) o qual prevê os diversos tipos de intervenção em caso de recusa ou impossibilidade de realização pelo senhorio, a cargo quer dos municípios quer do próprio arrendatário, a quem se confere legitimidade para, independentemente de recorrer ao município, se o senhorio intimado a efectuar as obras necessárias à obtenção de um nível médio de conservação conforme os critérios definidos no DL 156/2006 e por aplicação do artº 33º do NRAU, realizar ele mesmo as obras de conservação, compensando-as com as rendas e até adquirir o locado, se não optasse pela resolução do contrato, por falta de condições para o exercício da actividade a que o prédio se destinava.
Julgamos todavia que todos esses dispositivos se mostram desfazados nos seus pressupostos e na sua eficácia com a realidade do presente caso, face ao pedido formulado pela A e que remonta a 1998, estando então o arrendado por falta de obras de conservação de algum modo justificados pelo baixíssimo rendimento líquido que ele proporcionava concerteza há décadas na parte ocupada pela A e dado a sua presumida antiguidade, em estado de adiantada degradação, pretendendo-se com a acção que o senhorio o reponha no estado em que ele supostamente se encontraria em 1974.e por não ter o mesmo cumprido a ordem da Câmara Municipal após vistoria nele levada a efeito.
Ora mesmo que aceitando a obrigatoriedade da realização de tais obras pelos recorridos e sendo certo que a recorrente também não tomou qualquer iniciativa para esse efeito, segundo diz , por falta de meios, designadamente procedendo a reparações tidas por urgentes e que sempre teria garantido o seu reembolso, há no entanto que saber se é justo e aceitável compelir-se os mesmos a suportar o efectivo custo apurado, em função da irrisória renda mensal que vem recebendo, temática que iremos abordar de imediato.

3ª Questão
A A insurge-se contra a circunstância da sentença e do acórdão confirmatório terem aludido a uma manifesta e grave desproporção entre o custo das obras peticionadas no prédio locado ( que no presnte momento superará em muito a avaliação das mesmas constante dos orçamentos juntos com a petição inicial ) e o valor da renda que a mesma paga como constitutiva de um abuso de direito da sua parte.
Vejamos se lhe assiste razão.
A questão colocada tem sido objecto de tratamento nem sempre consensual tanto na doutrina ( v. entre outros autores, Pinto Furtado, Manual de Arrendamento Urbano, 383, ............................ , Anotações ao RAU, 6ªed., 96 e Aragão Seia, Arrendamento Urbano, 7ªed. 210 e 211) como na jurisprudência.
Trata-se de saber se é exigível, a pedido do inquilino, a condenação de um senhorio na realização de obras num locado, cujo encargo os artºs 1031ºº aln b) do Ccivil e 12º do RAU, então vigente atribuem ao mesmo ( não tendo as partes estipulado o contrário) quando entre o valor das ditas obras e o valor da renda paga pelo locatário haja uma desproporção excessiva.
Assim o acórdão deste tribunal de 8/06/2006 , proferido no recurso nº 1103/06 da 7ª secção decidiu que não obstante o disposto no artº s 1031º, aln b) do CCivil e e 12º do RAU, sendo o contrato de arrendamento sinalagmático, a obrigação de realização de obras pelo senhorio tem de ser aferida de harmonia com os princípios da equivalência das prestações de que há manifestação no artº 237º do CCivil E acrescenta o mesmo acórdão que um entendimento contrário viola elementar princípio de justiça e cai na previsão do artº 334º do CCivil.
Ainda refere que há que atender à relação entre o custo das obras pretendidas e a renda paga pelo arrendatário, acabando por considerar que é excessiva para o efeito a desproporção entre o valor das obras de reparação e o das rendas quando forem precisos 12 anos para atender ao retorno desse dinheiro, logo não sendo a exigência de obras nessas condições um exercício equilibrado , moderado , lógico e racional daquele direito do locatário.
Por outro lado, também o acórdão deste tribunal de 11/10/2005 proferido no recurso nº 2274/05 da 6ª secção decidiu que é facto notório do conhecimento deste Supremo que o critério legal de actualização das rendas redunda em facto impeditivo de uma actualização em valores pecuniarios minimamente aceitáveis, obstaculizante da atribuição ao senhorio de uma rentabilidade económica susceptível de lhe proporcionar a realização de obras de renovação.
E continua aquele acórdão, referindo que há uma absoluta falta de equivalência entre as atribuições patrimoniais resultantes do citado contrato de arrendamento quando o valor da renda mensal é de 1. 030$00 à data da propositura da acção e o montante das obras é de € 11.997 6,98.
E mais recentemente o acórdão deste mesmo tribunal de 31 /01/2007, 1ª secção e na Internet wwdjsi.pt com o nº 06ª4404 considerou em caso similar de ausência de obras pelo senhorio em prédio que por falta delas e dada a sua antiguidade se apresenta com os tectos e soalho apodrecidos por infiltrações e humidade, colocando o imóvel em situação certificada de insalubridade ser desproporcionado e inaceitável o pedido de realização das mesmas importando em € 183.000,00 aproximadamente enquanto a renda mensal se cifrava em € 80,03.
No caso vertente, as obras orçamentadas e necessárias para repor o prédio de que a A ocupa todo o 1º andar ( trata-se de um prédio tudo indica que muito antigo e logo envelhecido de rés do chão e 1º andar) em condições que de resto não foram devidamente explicitadas na petição em que ele se encontraria quando a hospedaria que ele preenche em parte foi tomada pela A de trespasse, em 1974 ascendem em euros a mais de € 27.423, 91, enquanto a renda mensal paga se cinge na mesma moeda a escassos 13,97.
Mas será que no caso se justificará o recurso àquele instituto?
O Consº Aragão Seia na derradeira edição da sua obra sobre o arrendamento urbano colocou algumas reservas ao entendimento de existir abuso de direito do inquilino que requer obras em todas as situações em que se verifique a inexistência de equivalência de atribuições patrimoniais.
E isto porque segundo diz, para além das rendas serem actualizadas anualmente, nos contratos antigos e afectados pela rigidez vinculística podem mesmo as obras de conservação extraordinária dar lugar à actualização das rendas, regulada, então nos artºs 38º e 39º do revogado RAU.
E não só as obras de conservação extraordinária, como mesmo as de conservação ordinária quando o senhorio tenha sido notificado pela Câmara Municipal para as efectuar, após vistoria dentro de determinado prazo e nada tenha feito ou diligenciado nesse sentido.
Nesta linha de orientação insere-se o Acórdão deste Supremo de 26/10/1999, in BMJ 490º, 273 e ss o qual concluiu não configurar abuso de direito por parte do inquilino a exigência de obras necessárias para que a casa reúna as condições de habitabilidade próprias do fim a que se destina mesmo tendo em conta a alguma desproporção entre a renda mensal paga e as obras ( ni o caso o inqulino pagava 27.000$00 de renda mensal e as obras orçavam em cerca de 8.500.000$00) se desde a celebração do contrato que remontava a 1966, sempre o senhorio se escusara a realizar obras apesar de solicitado e o inquilino as vir reclamando desde 1987.
Devemos deixar claro que discordamos, com a ressalva do merecido respeito deste posicionamento que não corresponde à orientação maioritária deste Supremo.
No âmbito da aplicação do instituto do abuso de direito, há que sobretudo ter em atenção e de um modo especial as concepções ético-jurídicas dominantes na colectividade e que constituem um limite ao exercício de um direito quando este as possa atingir, em termos de defrontar a boa fé.
Como desenvolvidamente o explica Menezes Cordeiro, (Tratado, Parte Geral , Tº IV, 346 ess) a ultrapassagem desses limites dá-se, entre outras situações, quando se verifique um desequilíbrio no exercício das posições jurídicas e por forma a impor-se um sacrifício desproporcionado a outrem com a vantagem pretendida pelo titular e que na jurisprudência tem sido utilizado para corrigir soluções de direito estrito e que se apresentam injustas para os intervenientes, designadamente no domínio do inquilinato em função da tradição do vinculismo que o caracterizava e do longo período de congelamento de rendas, responsável pela degradação geral do parque habitacional no nosso país e que só em anos mais recentes mereceu a adequada atenção dos poderes públicos.
E no âmbito das pretensões de condenação dos senhorios de prédios urbanos antigos a realizar obras cujo valor orçamentado excede em larguíssima medida o valor da renda paga pelo inquilino, é muito relevante o número de acórdãos até na segunda instância consonantes com os atrás apontados e que uma consulta à Base de Dados Jurídico–Documentais acessível pela Internet permitirá facilmente comprovar, podendo citar-se entre outros os Acs da R Lxa de 18/03/2004, Proc nº 1275/2006 ( renda de € 4,99, obras orçamentadas em € 7.851,08) e o recentíssimo de 24/04/2008, na internet com o nº 8732/2007-2 ( renda de € 20,00 e obrãs orçamentadas em € 4.023,30 e da R Porto de 22/05/2005, Procº nº 0534208 ( renda mensal de €9,62 e obras de mais de € 1000,00 ).
Sem dificuldade se concluirá que se tratam justamente da situações em tudo similares à dos presentes autos, sendo certo que o valor das obras orçamentadas atingiriam hoje expressão muito mais elevada, sendo válido o cálculo efectuado na sentença e que a levou a considerar que com base no rendimento, seriam necessários muitos anos para recuperar o senhorio o investimento na reabilitação do imóvel e que porventura nem chegariam para acudir aos juros de um qualquer financiamento, mesmo que eventualmente comparticipado.
Não se ignora que as rendas sempre seriam ou podiam ser objecto de actualizações anuais pelos factores de correcção indexados e fixados por via administrativa.
Mas não há que escamotear que mesmo com o concurso dos incentivos do programa do RECRIA, a actualização para que aponta o artº 12º do já revogado DL nº329-C/2000 e do antecedente os dispositivos dos diplomas anteriores apenas atenuaria de forma muito limitada o tempo de recuperação de tão vultuoso investimento.
Situação que leva a não valorizar em demasia o apontado imobilismo do falecido senhorio na obtenção do respectiva comparticipação nos programas do RECRIA
A recorrente argumenta que até pelo invocado “impasse” na realização das obras determinadas pela autarquia e que a levou a dirigir-se ao tribunal, por ela mesmo reconhecer não ter tomado, como a lei então vigente (RAU e diplomas que estabeleceram o acesso aos fundos disponibizados pelo RECRIA) o permitia, as iniciativas adequadas para a sua execução, então sempre sobre o proprietário recairia tal encargo.
Mas esquece que não tem que ser este a proceder a obras e assegurar os seus direitos, quando é certo que com o irrisório rendimento que décadas de congelamento proporcionaram, no caso aliás bem patente por uma renda que está a “anos luz” das vigentes actualmente no mercado tanto habitacional como para a actividade lucrativa de hospedaria e na zona suburbana da Lisboa, em que se integra a freguesia de Sacavém, não lhe era possível assegurar a manutenção do prédio em estado normal de conservação e ainda a ter de suportar custos anormalmente elevados de reparações de vulto sem a contrapartida face ao condicionamento imposto mesmo à actualização extraordinária das rendas, de recuperar em tempo útil, algum benefício com a aplicação do capital investido nessas ditas obras.
Em face do exposto, concluímos que não se mostra desacertada a aplicação do artº 334º do CCivil feita na sentença e corroborada no acórdão o que exclui ilicitude à conduta omissiva do falecido senhorio, não tendo este obrigação alguma de consumir fundos seus que ele alegou não dipôr em imóvel que não lhe faculta rendimentos que possam acompanhar as constantes necessidades de intervenção para travar o inexorável processo do seu envelhecimento e degradação.

Digamos que não relevam para o caso as vicissitudes ocorridas com o processo administrativo, e de uma eventual inércia da Câmara em accionar os mecanismos próprios da execução coerciva, constantes e previstos no artº 15º do RAU na redacção em vigor a data da instauração do pleito ( anterior ao DL 329-B/2000 e que apenas entrou em vigor no dia 4/02/2001 o qual foi por sua vez revogado pelo RJOPA e anterior ainda ao DecLei nº555/99 de 16/12 atributivo das novas competências das Câmaras no domínio urbanístico e de segurança das edificações urbanas, ) por tal matéria não ser da competência dos tribunais comuns
Mas sempre se acrescentará que nos termos do próprio programa de apoio à reabilitação de prédios arrendados em mau estado, o denominado RECRIA, não estava o próprio arrendatário impedido de aceder ele também, além do Município, às comparticipações para o financiamento de obras que tomasse a seu cargo, ante a omissão dos senhorios

4ª Questão.
Por ultimo é de todo exacto que a douta sentença faz reparo de que a A ao pedir que o prédio fosse reposto pelos senhorios no estado em que se encontrava à data da celebração do trespasse acabou por não individualizar ou descrever o mesmo, apenas remetendo para os orçamentos juntos aliás em si contraditórios por num deles se apontar a necessidade de substituir todo o telhado e noutro prever-se apenas a substituição das telhas partidas.
Na verdade tais orçamentos documentados nos autos reportam as obras que se tornam necessárias para serem eliminados do imóvel todas as deteriorações que apresentava e que aliás ficaram em grande parte provadas, só que a A teria de indicar qual o efectivo estado do imóvel quando o recebeu pela de resto módica importância de 50.000$00, certo que reportada a 1974 antes de se verificar o fenómeno inflaccionário subsequente ao 25 de Abril.
Daí que a serem condenados os senhorios a repor o imóvel nas condições existentes em que a A inquilina o tomou de arrendamento tal envolveria uma notória dificuldade na sua execução e que configuraria uma excepção dilatória inominada.
A recorrente ataca a douta sentença e o acórdão confirmatório quanto a este segmento, dizendo que na fase do saneador poderia e deveria acaso se concluísse que o pedido ressumava alguma vaguidade ou imprecisão, ser ela convidada a aperfeiçoar o mesmo, o que não aconteceu.
Afigura-se.nos no entanto que no caso não se justifica a apontada incerteza havendo que ter em conta que na falta de concretização se deveria entender as obras orçamentadas como as adequadas para repor o prédio nas condições em que ele se encontrava em 1974, por a necessidade das mesmas ser no fundo o resultado da falta continuada e confessada de intervenções no imóvel e do gradual degradação deste a partir da data apontada e em última análise, sempre deveria ter-se em devida atenção aquelas constantes do auto de vistoria da Câmara Municipal de Loures e que os RR haviam sido intimados a realizar antes da propositura da acção.
E de todo o modo, verificando-se não estarem reunidos os pressuposto para um pedido de obras não suficientemente explicitadas e idóneas a rccolocar o prédio no estado em que se encontrava em 1974 , tal corresponderia a uma nulidade processual que se deverá ter por sanada por não ter sido tempestivamente arguida, como tal abrindo caminho ao incidente de liquidação.

Mas admitindo não ser de acolher a apontada vaguidade do pedido de realização de obras, este, pelas razões atrás explanadas, nunca poderia vingar.
O recurso, portanto, não pode proceder.

V- Nos termos expostos, nega-se a revista..
Custas a cargo da recorrente.
Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Maio de 2008

Carlos Albuquerque (Relator)
Azevedo Ramos
Silva Salazar