Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00027788 | ||
Relator: | CASTRO RIBEIRO | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA APRECIAÇÃO DA PROVA RESPOSTAS AOS QUESITOS FACTO NEGATIVO SEQUESTRO OFENSAS CORPORAIS GRAVES CONCURSO DE INFRACÇÕES AGRAVANTES NON BIS IN IDEM AGRAVANTE MODIFICATIVA | ||
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Nº do Documento: | SJ199601310476093 | ||
Data do Acordão: | 01/31/1996 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N453 ANO1996 PAG192 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | REJEITADO O RECURSO. NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR CONST - DIR FUND. DIR CRIM - TEORIA GERAL / CRIM C/PESSOAS. DIR PROC PENAL - RECURSOS. | ||
Legislação Nacional: | CONST89 ARTIGO 29 N4. CP82 ARTIGO 72 ARTIGO 143 A B C ARTIGO 144 N1 ARTIGO 160 N2 A B C F G. CP95 ARTIGO 2 N2 ARTIGO 71 ARTIGO 144 ARTIGO 158 N1 N2 B. CPP87 ARTIGO 123 N1 ARTIGO 127 ARTIGO 403 N1 N2 A ARTIGO 410 N2 A B N3 ARTIGO 411 N2 N3 ARTIGO 420 N1 ARTIGO 433. L 23/91 DE 1991/07/04 ARTIGO 14. L 15/94 DE 1994/05/11 ARTIGO 8 ARTIGO 11. DL 48/95 DE 1995/03/15. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1990/10/03 IN CJ XV T4 PAG20. ACÓRDÃO STJ DE 1992/06/15 IN BMJ N418 PAG486. ACÓRDÃO STJ DE 1994/07/07 IN CJ ANOII T3 PAG190. | ||
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Sumário : | I - O Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar a valoração que o Colectivo tenha dado às provas de livre apreciação. II - Dar como "não provado" um facto não pode levar a concluir que se "provou" o contrário. III - O sequestro com ofensas corporais graves constituiam, no domínio do Código Penal de 1982, um concurso real de infracções. Eram diferentes os interesses protegidos por um e outro tipo. IV - É claro que autonomizado o segundo dos crimes, as ofensas deixam de funcionar como "agravante" do sequestro, sob pena de se violar o princípio do "non bis in idem". V - Hoje, face à redacção da alínea b) do n. 2 do artigo 158 do Código de 1995, a dita conduta integraria não dois crimes autónomos, mas um só - sequestro qualificado. Isto, salvo se não concorresse outra das circunstâncias modificativas assinaladas no citado n. 2. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Na Comarca de Alijó e perante o Tribunal de Círculo de Vila Real, sob a acusação do Ministério Público acompanhado da assistente A, e mediante pedido civil formulado por esta, responderam B, e C, por lhes ser atribuída a co-autoria dos crimes de sequestro e de ofensas corporais graves previsto e punido, respectivamente, pelos artigos 160 ns. 1 e 2 alíneas b), f) e g), e 143 alíneas a), b) e c) do Código Penal (na redacção anterior ao Decreto-Lei 48/95, e de que serão os normativos que indicarmos sem outra origem), e lhes ser exigida uma indemnização global de 6900000 escudos, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela assistente. 2. No decurso da audiência de julgamento e como se vê da respectiva acta, em folha 521, a arguida B interpôs recurso de um despacho então proferido a negar exame grafológico que requerera quanto aos documentos juntos a folhas 515 e seguintes, recurso esse logo admitido para subir com o que eventualmente viesse a ser interposto da decisão final; do mesmo recurso, nunca foi apresentada qualquer motivação. 3. Feito o julgamento e proferido acórdão, decidiu o Colectivo, na procedência da acusação e, em parte, do pedido cível, condenar as arguidas como segue: - por co-autoria dos referidos crimes de sequestro e de ofensas corporais graves, e por cada um deles, em 3 anos de prisão; em cúmulo jurídico, cada uma das arguidas na pena unitária de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, de que logo se declararam perdoados um ano, com base no artigo 14 da Lei 15/94; - solidariamente, a pagarem à assistente A a indemnização de 2984000 escudos (dois milhões, novecentos e oitenta e quatro mil escudos), pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causaram; - ainda nas adequadas tributações. 4. Não se conformando com tal decisão, as arguidas interpuseram recurso; ao motivá-lo, e em suma, concluíram: não cometerem o crime de sequestro, mas sim um mero acto preparatório das ofensas corporais; as agressões que praticaram constituem o crime de ofensa corporal com dolo de perigo, e não o de ofensas corporais graves; a prova aduzida quanto ao crime do artigo 143, é contraditória e insuficiente, dado que as sequelas dos ferimentos não podem, simultaneamente, apresentar um péssimo aspecto e não impressionar vivamente quem as vê, sendo certo não terem sido examinadas e qualificadas por médico dermatologista; para mais, o laudo do médico indigitado pela assistente é suspeito de parcialidade; as circunstâncias atenuantes foram deficientemente valoradas, pois justificam a atenuação especial da pena nos termos dos artigos 72 e 73; deste modo e pela prática do crime previsto e punido pelo artigo 144 n. 1, deverão as arguidas ser condenadas em pena de prisão não superior a 6 meses; ainda que se considere terem praticado o crime previsto e punido pelo artigo 143 alínea a), a pena não deverá ultrapassar 1 ano de prisão; a assistente não sofre de desfiguração grave e permanente, e tão pouco viu a sua capacidade de trabalho afectada de maneira grave; a sentença em recurso fez errada apreciação da prova, e condenou sobre prova insuficiente; valorou erradamente as atenuantes - artigos 72, 73 e 74; enferma de erro de julgamento, por errada e deficiente indagação, interpretação e aplicação da lei; a indemnização arbitrada afigura-se exagerada; o Colectivo entendeu que a conduta das arguidas preenche os requisitos do artigo 160 ns. 1 e 2 alíneas b), f) e g); mas defendem as recorrentes que ela se enquadra no artigo 21; quanto às ofensas corporais, o tribunal subsumiu-as ao artigo 143, devendo sê-lo ao artigo 144 n. 1; as atenuantes não foram devidamente valoradas, em particular a confissão muito relevante, sendo que deverá ser atenuada especialmente a pena nos termos do artigo 74; no provimento do recurso, devem as arguidas ser absolvidas dos crimes que se lhes atribuíam, e condenadas pelo crime do artigo 144 n. 1 em pena não superior a 6 meses de prisão, logo perdoada pelas Leis 23/91 e 15/94. 5. Responderam o Digno Magistrado do Ministério Público e a assistente, cada um deles pugnando pela falta de razão das recorrentes e confirmação de decidido. Subidos os autos a este Supremo Tribunal, pronunciou-se a Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta no sentido de se rejeitar o recurso interposto em folha 521, por ausência de atinente motivação; Notificada a recorrente Ermelinda para responder, nada disse. Colhidos os vistos, teve lugar a audiência em que se observou o adequado formalismo. Cumpre decidir. 6. Interposto recurso pela arguida B através da declaração na acta de folha 521, dispunha ela de dez dias para o motivar, conforme resulta claro do artigo 411 ns. 2 e 3 do Código de Processo Penal (C.P.P.); a verdade é que a recorrente nunca motivou esse recurso, impondo-se-nos rejeitá-lo - como se rejeita - por força e nos expressos termos do artigo 420 n. 1 do mesmo Código de Processo Penal. 7. Entrando na apreciação do recurso que ambas as arguidas interpuseram do douto acórdão de folhas 526 e seguintes, vejamos, antes de mais, a matéria de facto que o Colectivo deu como provada e assim se descreve: em 20 de Março de 1991, pelas 13 horas, as arguidas, actuando conjuntamente, em comunhão de esforços e em execução de um plano previamente traçado, após terem atraído An à residência delas, no lugar do Cruzeiro, Vila de Alijó, convenceram-na a entrar no veículo automóvel de cor vermelha, Austin Morris, de matrícula ..., a pretexto de a conduzirem ao local onde, para elas, trabalharia nessa tarde apanhando vides; após iniciada a marcha e durante o percurso, indo a arguida C a conduzir, a A a seu lado e a arguida B no banco traseiro, as três começaram a falar àcerca de uma pretensa relação amorosa entre a A e o marido da B e pai da C, tendo esta conduzido o carro para uma mata em cujas proximidades apenas existe uma capela, sita nos limites da freguesia do Pópulo, área da Comarca de Alijó; aí, as arguidas tiraram a A, contra a vontade desta, do interior do carro, e arrastaram-na para junto de um pinheiro ao qual a amarraram com uma corda que foram buscar à mala do automóvel, atando-lhe ainda à volta da boca, para a impedirem de gritar, o lenço fotografado a folhas 101 verso; depois, a C retirou daquela mala uma pequena mangueira de côr vermelha, com cerca de um metro, e uma corrente de ferro, também desse comprimento, instrumentos com os quais agrediram, voluntária e corporalmente, a ofendida A, utilizando a B a corrente de ferro e a C a mangueira; em seguida, a B muniu-se da garrafa de vidro de cor verde, examinada e descrita a folha 117, que igualmente retirara da mala do automóvel, a qual continha um líquido em cuja composição existia hidróxido de sódio ou soda cáustica, produto com acção corrosiva e, enquanto a C levantava as saias que a ofendida vestia, a B derramou, voluntariamente, tal líquido sobre o corpo da mesma ofendida, da cintura para baixo; abandonada pelas arguidas no local, desamarrada, a ofendida arrastou-se até à estrada, tendo sido socorrida por um taxista que ocasionalmente passou e, conduzida ao Hospital de Alijó, dali foi transferida para o Hospital Distrital de Vila Real onde esteve internada 14 dias, e deste para o Hospital da Prelada, no Porto, onde foi submetida a três intervenções cirúrgicas; com as agressões e lançamento de soda cáustica sobre a ofendida A, as arguidas causaram-lhe as lesões examinadas e descritas nos documentos de folhas 32 e seguintes, 74 a 80 e 136 a 138, e no auto de exame directo e de sanidade de folha 49, aqui dados por integralmente reproduzidos, as quais lhe determinaram directa, necessária e adequadamente 223 dias de doença com incapacidade para o trabalho e, ainda, desfiguração grave e permanente, afectação grave da capacidade de trabalho, e doença particularmente dolorosa; as arguidas actuaram voluntária, deliberada e conscientemente, querendo provocar na ofendida as lesões físicas graves que ela sofreu, bem como as demais consequências delas decorrentes, e privá-la da sua liberdade; enquanto esteve internada no Hospital Distrital de Vila Real, a ofendida foi submetida a dolorosíssimos tratamentos; porque houve na região posterior do joelho direito retracção da pele, ficará a ofendida com dificuldade na extensão dessa perna direita; e ficará a ofendida sujeita, se exposta ao calor, a ter dores e ardor intensos devido à alteração estrutural a que a pele foi submetida; a A sofreu fortes dores, quer após as agressões corporais com os instrumentos já referidos, quer, sobretudo, quando as arguidas lhe largaram a soda cáustica no seu corpo, dores que se prolongaram por vários meses, nos hospitais, aquando dos tratamentos, intervenções cirúrgicas, e mesmo depois disso; temeu pela sua vida, pensou não mais ter cura e, olhando para o seu próprio corpo, ficou horrorizada; era uma mulher normalmente constituída, com 36 anos de idade; as partes atingidas do seu corpo apresentam um péssimo aspecto; anteriormente aos factos, a A trabalhava como jornaleira, auferindo, em média, 2000 escudos por dia de trabalho, sendo certo que trabalhava dois dias por semana; os médicos aconselharam-na a não trabalhar ao sol, pois isso pode ter efeitos graves e maléficos face às lesões de que é portadora; ao longo de toda a sua vida e desde o dia da agressão, a ofendida A terá largamente diminuída a sua capacidade de trabalhar; o marido dela é jornaleiro, tendo o casal filhos menores a seu cargo; ela nada pagou de despesas hospitalares, nem de transporte; as arguidas têm tido bom comportamento, quer até à data dos factos, quer posteriormente; a ofendida tem trabalhado normalmente nas lides domésticas, como dantes; o marido da B tem uma serração de cujos rendimentos ambos vivem; têm duas filhas menores a seu cargo; a C é doméstica, vivendo dos rendimentos do trabalho do marido, que exerce a profissão de trolha, na construção civil; ambas as arguidas são delinquentes primárias e prestaram declarações com grande relevância para a descoberta da verdade; agiram no convencimento de que entre a A e o marido e pai delas, havia uma relação de amantismo. 8. Isto posto, convêm desde já anotar que o recurso é limitado à matéria penal, por as recorrentes não impugnarem a decisão na parte respeitante ao pedido civil; é certo que numa das conclusões da motivação afirmam que "a indemnização arbitrada se lhes afigura exagerada", mas nenhum argumento aduziram nesse sentido, nem formularam qualquer pedido de alteração do quantum indemnizatório. Nenhuma dúvida, pois, àcerca daquele limite do recurso, aliás, expressamente previsto no artigo 403 ns. 1 e 2 alínea a) do Código de Processo Penal. 9. Como é sabido e por força do artigo 433 do Código de Processo Penal, o recurso para este Supremo Tribunal visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, ainda que sem prejuízo do que dispõe o artigo 410 ns. 2 e 3 do mesmo diploma; por outras palavras, tendo o Supremo, enquanto alta instância de recurso, a dignidade de tribunal de revista, pode intrometer-se, também, na matéria fáctica quando ocorram os chamados "vícios" da "insuficiência para a decisão da matéria de facto provada", a "contradição insanável da fundamentação", e o "erro notório na apreciação da prova"; e pode, igualmente, conhecer da "inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada". Não invocaram as recorrentes, de modo claro, qualquer desses vícios ou nulidade, como suposto fundamento do recurso; todavia, e ainda que em termos não muito precisos referiram, nas conclusões da motivação, que "a prova aduzida (sic) para tipificar o crime do artigo 143 do Código Penal é contraditória e insuficiente", e que "as sequelas dos ferimentos... não foram examinadas e qualificadas por médico especialista na área dermatológica"; entretanto, na parte expositiva da mesma motivação, alegaram, a propósito das ofensas corporais, que "as respostas do tribunal colectivo à matéria de facto são contraditórias", e que "o exame judicial (sic) a que a assistente foi submetida, em sede de julgamento, foi realizado por dois médicos de clínica geral, um dos quais nomeado pela interessada e outro pelo tribunal, e não por médico especialista, como deveria ser". A admitir-se que, deste jeito, as recorrentes pretenderam invocar os vícios previstos nas alíneas a) e b) do n. 2, ou nulidade enquadrável no n. 3 do citado artigo 410 do Código de Processo Penal, desde já adiantaremos não lhes assistir razão. Na verdade, e pelo que tange a suposto vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, não esclareceram as recorrentes em que terá consistido tal insuficiência; claro que se não pode aceitar, como integrando esse vício, aquilo que as recorrentes pretenderiam ver como provado e o não foi, ou de se haver como provado o que elas entendem que se não provou; e não vai além disso, afinal, o comentário que as recorrentes fazem, na sua motivação, àcerca das provadas ofensas corporais graves em causa (cfr. folhas 551 verso e seguintes); efectivamente, não pode este Supremo sindicar a valoração das provas colhidas pelo Colectivo, em termos de criticá-lo por ter dado prevalência a umas em detrimento de outras, ou por ter formado a sua livre convicção com base em provas que às recorrentes se afiguram menos seguras (ut artigo 127 do Código de Processo Penal). Por outro lado, também se não podem considerar inequivocamente contraditórios os factos provados com os não provados e a que aludem as recorrentes; em particular, não é contraditório ter-se como provado que "as partes atingidas do corpo da ofendida apresentam um péssimo aspecto", e não se haver provado que essas mesmas partes atingidas "impressionem vivamente quem as vê"; como se sabe, a simples "não prova" de um facto não equivale a mais do que isso mesmo, ou seja, que ele não se provou, não sendo lícito concluir, daí, a prova do facto contrário que, no caso, seria o de as referidas partes atingidas da ofendida não impressionarem vivamente quem as vê; de toda a maneira, mesmo que se tivesse como provado este "não impressionamento", tal não estaria em necessária contradição com o (também) provado "péssimo aspecto" daquelas partes atingidas; sendo certo que exprimem realidades não convergentes, nem por isso são contraditórias; aspecto péssimo da zona corpórea atingida, mais não significa que muito mau, defeituoso, malfeito, irregular ou imperfeito, o que não implica, necessariamente, que deva impressionar vivamente, isto é, com exclamação, brado ou aclamação, quem a vê (vide Dicionário da Língua Portuguesa). Quanto à alegada não nomeação de especialista da área dermatológica para proceder, em sede de julgamento, ao exame na pessoa da ofendida A a requerimento da arguida C (cfr. acta de folhas 518 verso e 521 verso), dir-se-à que nem a acusação nem a defesa se opuseram a que tal exame fosse levado a cabo pelos dois médicos ali nomeados para o acto; de resto, assistiram à efectivação desse exame o Digno Magistrado do Ministério Público e os doutos advogados da assistente e das arguidas; por isso, e ainda que essa nomeação fosse susceptível de integrar irregularidade ou, mesmo, nulidade processual, sempre haveríamos de a considerar sanada face à inexistência de oportuna arguição (cfr. artigos 123 n. 1 e 120 n. 3 alínea a) do Código de Processo Penal). Isto posto, e numa apreciação global da transcrita matéria de facto que o Colectivo deu como provada, diremos que, pese embora uma ou outra conclusão de direito irrelevantes, nela não detectamos a ocorrência de qualquer vício previsto no citado artigo 410 n. 2 do Código de Processo Penal e que nos impeça de decidir da causa (cfr. artigo 426 do mesmo diploma); consequentemente, tem-se como fixada, em definitivo, aquela matéria. 10. Impugnam as recorrentes o enquadramento jurídico que no acórdão sub judice se deu ao factualismo provado, defendendo que este apenas integrará o crime de ofensas corporais com dolo de perigo previsto e punido pelo artigo 144 n. 1; também aqui lhes não poderemos conceder razão, como se vai mostrar. Resulta claramente da nossa lei penal que os crimes de sequestro e de ofensas corporais graves, de que as arguidas vinham acusadas, previstos nos artigos 160 e 143, visam proteger interesses diferentes; aliás, enquadram-se em diversificados capítulos dos crimes contra as pessoas; o de sequestro, é um crime contra a liberdade que, conforme se escreveu no acórdão de 3 de Outubro de 1990 deste Supremo Tribunal de Justiça, in Col. Jur. ..., "protege a liberdade ambulatória das pessoas, o jus ambulandi, a capacidade de cada homem se fixar ou movimentar livremente no espaço físico contra a ilícita restrição, por qualquer forma e medida temporal desse direito"; trata-se de "um crime de execução não vinculada", para cuja consumação "se não exige o preenchimento de um específico período de tempo, o qual, porém, pode qualificar o crime, como entre nós sucede - cfr. artigo 160 n. 2 alínea a)"; o crime de ofensas corporais graves, tem em vista proteger a integridade física das pessoas, relativamente a condutas susceptíveis de ocasionarem qualquer das lesões, incapacidades ou tipos de doença previstos naquele artigo 143. Por isso e num caso como o dos presentes autos, nada obsta a que se considere a verificação de concurso real daqueles dois tipos de crime, como o entendeu o Colectivo. Com efeito, tendo-se provado que as arguidas transportaram a A, de Alijó para uma mata em sítio ermo da freguesia do Pópulo, no automóvel ..., e desse veículo tiraram a ofendida contra a sua vontade, arrastando-a para junto de um pinheiro ao qual a amarraram com uma corda e lhe ataram um lenço à volta da boca para a impedirem de gritar - o que fizeram com a provada intenção de, além do mais, "privá-la da sua liberdade" - não vemos como possa, razoavelmente, questionar-se a prática do crime de sequestro definido no artigo 160 n. 1; a A foi privada da sua liberdade de se locomover ou de deambular, por isso que amarrada a um pinheiro e amordaçada de modo a nem sequer poder esquivar-se às subsequentes e também provadas condutas lesivas da sua integridade física; o crime de sequestro consumou-se, pese embora não se haver precisado durante quanto tempo esteve a A privada da sua liberdade ambulatória; como já referimos, o tempo de privação da liberdade não é elemento constitutivo do crime, mas tão só factor atendível na graduação da pena ou, se ultrapassar dois dias, circunstância qualificativa do ilícito (artigo 160 n. 2 alínea a)); aliás e conforme salienta Maia Gonçalves, no seu Código Penal Português anotado, o crime de sequestro consuma-se com a privação da liberdade do ofendido, com a limitação da sua plena liberdade ambulatória, ainda que por escassos momentos, desde que isso seja censurável e tenha algum relevo; ora, que na hipótese sub judice a privação da liberdade é de censurar e tem inequívoco relevo, mostra-o, exuberantemente, a circunstância de, no seu decurso, ter a A sofrido as graves lesões corporais que, em sua pessoa, cometeram as arguidas conforme o haviam planeado. Nada autoriza concluir, pois e como pretenderiam as recorrentes, que o amarrarem a ofendida ao pinheiro mais não foi que acto preparatório da conduta agressiva que se seguiu; não custando aceitar que a amarração da A lhes terá facilitado levarem a cabo os seus propósitos agressivos, o certo é que estes poderiam ser conseguidos sem que privassem, como quiseram também privar, a ofendida da sua liberdade ambulatória; dizemos que, planeando provocar na A as lesões corporais que vieram a causar-lhe, as arguidas, pretendendo não falhar esse objectivo, não se inibiram de, prévia e concomitantemente, lhe retirarem a liberdade de movimentos; e foi essa privação de liberdade que, de modo voluntário e em consciência, também as arguidas quiseram levar a cabo, pelo que, sem dúvida, praticaram o crime de sequestro. Para tanto e em execução do plano que haviam congeminado, as arguidas B e R atraíram à sua residência a A e convenceram-na a entrar no referido automóvel, a pretexto de a conduzirem ao local onde iria trabalhar para elas na apanha de vides, artifício esse de que se serviram para, fraudulentamente, levar a ofendida até à mata em cujas proximidades apenas existe uma capela, retirando-lhe, assim, a hipótese de socorrer-se da autoridade pública ou de terceiros para se livrar da situação em que as duas arguidas a colocaram, amarrada ao pinheiro e amordaçada para não gritar; este circunstancionalismo preenche os requisitos previstos nas alíneas f) e g) do artigo 160, qualificando o sequestro. 12. Entendeu o tribunal a quo verificar-se, ainda, a agravativa estabelecida na alínea b) do mesmo normativo, já que o crime foi acompanhado das apuradas agressões físicas na pessoa da ofendida; todavia, e salvo o merecido respeito, autonomizado, como foi e bem, o crime de ofensas corporais, então a respectiva factualidade não pode ser chamada a preencher, cumulativamente, aquela agravativa do sequestro, sob pena de se violar o princípio non bis in idem; como se escreveu no acórdão de 7 de Julho de 1994 deste Supremo Tribunal de Justiça, in Col. Jur. II-3.-190, "à semelhança do que se passa nos crimes de furto qualificado e introdução em lugar vedado ao público, também neste caso existe concurso real de infracções, entre os crimes de sequestro e ofensas corporais, por se verificarem outras circunstâncias qualificativas do crime de sequestro, para além da agressão à integridade física prevista na alínea b) do n. 2 do artigo 160". Temos, pois, que as arguidas praticaram o crime de sequestro qualificado previsto e punido pelo artigo 160 ns. 1 e 2 alíneas f) e g), a que corresponde a moldura penal abstracta de 2 a 10 anos de prisão, para além do crime de ofensas corporais. 13. Quanto a este, e ao contrário do que defendem as recorrentes, entendemos que bem decidiu o Colectivo ao enquadrá-lo no artigo 143 alíneas a), b) e c). Na verdade, e como se provou, em consequência do voluntário derrame da água com soda cáustica que as arguidas fizeram sobre a A, esta ficou com extensas lesões cicatriciais nas nádegas e nas coxas, o que confere a essas partes do seu corpo um péssimo aspecto, desfigurando-o grave e permanentemente (cfr. cit. alínea a), e vide acórdão de 4 de Julho de 1990 deste Supremo Tribunal de Justiça, in Col. Jur. XV-4.-6); por outro lado, também se provou que, devido àquelas lesões e à retracção da pele na região posterior do joelho direito que dificulta a extensão da respectiva perna, e ainda por os médicos aconselharem a ofendida a não trabalhar ao sol por isso lhe propiciar efeitos graves e maléficos, sujeitando-a a dor e ardor intensos face à alteração estrutural a que a pele foi submetida, ficou a A, ao longo de toda a vida e desde o dia da agressão largamente diminuída na sua capacidade de trabalho, porquanto, trabalhando na agricultura, a sua actividade laboral será afectada em dias de sol ou muito quentes (cfr. cit. alínea b)); por último e como é notoriamente sabido, as queimaduras da pele sofridas pela A na sequência da agressão com soda cáustica, e bem assim os tratamentos a que teve de sujeitar-se, provocam doença particularmente dolorosa (neste sentido, vide acórdão de 15 de Junho de 1992 deste Supremo Tribunal de Justiça, in Boletim 418 página 486); aliás, provou-se que a ofendida sofreu fortes dores, quer após as agressões corporais com os instrumentos já referidos, quer, sobretudo, quando as arguidas lhe largaram a soda cáustica no seu corpo, dores que se prolongaram por vários meses, nos hospitais, aquando dos tratamentos, intervenções cirúrgicas e mesmo depois disso (cfr. cit. alínea c)). Ora, como também se demonstrou que as arguidas B e R actuaram voluntária, deliberada e conscientemente, querendo provocar na ofendida as lesões físicas graves que ela sofreu, bem como as demais consequências daí decorrentes, dúvidas não restam sobre a co-autoria do aludido crime de ofensas corporais graves previsto e punido pelo artigo 143 alíneas a), b) e c), a que corresponde a moldura penal abstracta de 1 a 5 anos de prisão. 14. Acontece, porém, que com a entrada em vigor da nova redacção do Código Penal introduzida pelo já citado Decreto-Lei 48/95 - em 1 de Outubro de 1995 se nos coloca um problema de aplicação no tempo de leis penais, tendo em conta as prescrições dos artigos 2 do mesmo Código e 29 n. 4 da Constituição da República; é que, como sabemos, havendo de aplicar-se, em regra, a lei vigente no momento da prática do facto previsível, tal não sucede quando seja mais favorável ao arguido uma nova lei que, assim, se aplica retroactivamente a menos que já tenha transitado a decisão condenatória. Visando, pois, resolver o suscitado problema de aplicação no tempo das sucessivas leis penais em referência - que são as diferentes redacções do Código Penal, uma anterior a 1 de Outubro de 1995, e a outra a partir dessa data - cumpre-nos analisar, em primeira linha, o enquadramento jurídico do factualismo provado, à luz da nova lei resultante do citado Decreto-Lei 48/95. Diga-se, antes de mais, que aos primitivos artigos 143 e 160 correspondem, agora, os novos artigos 144 e 158. Analisando este último, verifica-se que o crime de sequestro continua a definir-se em termos semelhantes ao que sucedia na vigência do antecessor artigo 160 n. 1, ainda que com alteração da medida punitiva que passou, da singela prisão até 2 anos, para prisão até 3 anos ou pena de multa (cit. art. 158 n. 1); no entanto, percorridas as diversas alíneas em que se desenvolve o n. 2 deste artigo 158, aí não encontramos previsões correspondentes às das alíneas f) e g) do antecessor artigo 160 n. 2, isto é, as circunstâncias agravativas que, no presente caso, qualificam o crime (fraudulenta atracção da vítima ao local do sequestro, e prática deste por duas ou mais pessoas); mas mantêm-se a agravativa da alínea b), se bem que em termos mais restritivos no tocante à ofensa à integridade física que, agora, haverá de ser "grave"; para o crime de sequestro assim qualificado, prevê o artigo 158 n. 2 a moldura de 2 a 10 anos de prisão. Pelo que se refere ao novo artigo 144, basicamente repete o que dispunha o seu antecessor artigo 143, sendo certo punir, agora, o crime de ofensa à integridade física grave com prisão de 2 a 10 anos. Isto posto e atento o apurado factualismo, verifica-se que as arguidas B e C deverão ser punidas, face ao Código Penal ora em vigor, apenas como co-autoras do crime de sequestro previsto e punido pelo artigo 158 ns. 1 e 2 alínea b) por isso que, sendo "a ofensa à integridade física grave" a única agravativa a qualificar aquele ilícito, perde autonomia a punição do crime previsto pelo artigo 144 acima referido. 15. Como se sabe, na sua tarefa para determinar a medida da pena de acordo com os critérios estabelecidos no primitivo artigo 72 e no ora em vigor artigo 71, deverá o tribunal atender, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do arguido ou contra ele, considerando nomeadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, os fins ou motivos do crime, as condições pessoais do agente, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando se destine a reparar as consequências do crime, etc. etc.. Tendo presente o que se deixa referido e numa genérica apreciação do factualismo provado, salientaremos, em desfavor de ambas as arguidas, o elevado grau de ilicitude dos factos cometidos, atenta a pluralidade de agravativas que a sua conduta preencheu, nomeadamente no tocante ao crime do artigo 143 ou 144, e aos consideráveis danos daí resultantes e ainda não ressarcidos; pelo que se refere ao sequestro e sob a perspectiva da nova lei (artigo 158 n. 2 alínea b)), o modo fraudulento como as arguidas atraíram a vítima ao local onde executaram o crime e a circunstância de serem duas, o que lhes conferia indubitável superioridade; também o dolo com que agiram, pois se revela muito intenso na premeditação e congeminação do plano que ambas traçaram para levarem a cabo os seus propósitos, aliás, utilizando diversos meios; em benefício das arguidas, anotam-se o serem primárias, terem bom comportamento anterior e posterior aos factos, haverem prestado declarações com grande relevância para a descoberta da verdade, e o terem agido no convencimento de que entre a A e o marido e pai delas havia uma relação de amantismo. Confrontados os dois sectores circunstanciais que salientamos, em favor e contra as arguidas, de modo algum se justificaria atenuar especialmente as penas a aplicar-lhes, como elas pretendiam; é que não se mostram diminuídas, por forma acentuada, a ilicitude dos factos, a culpa das agentes ou a necessidade das penas; aliás, e pese embora o demonstrado bom comportamento posterior aos factos, o mesmo não foi acompanhado da reparação dos danos, e também se não provou que as arguidas se tenham arrependido da sua muito censurável e grave conduta delitiva. 16. Tudo ponderado, consideradas as molduras penais abstractas aplicáveis por cada um dos ilícitos cometidos de acordo com os dois regimes do Código Penal, e sem esquecermos as exigências da prevenção, entendemos serem ajustadas à culpa e personalidade de cada uma das arguidas as seguintes penas: segundo o velho regime (Código Penal na redacção anterior a 1 de Outubro de 1995), 3 anos de prisão pelo crime do artigo 143 alíneas a), b) e c), e idêntica pena pelo crime do artigo 160 ns. 1 e 2 alíneas f) e g); e em cúmulo jurídico, a pena unitária de 4 anos e 6 meses de prisão; e tendo por base o novo regime legal (posterior àquela data), 4 anos e 6 meses de prisão pelo crime do artigo 158 ns. 1 e 2 alínea a); em ambos os casos, beneficiam as arguidas dos perdões de 1 ano de prisão por força do artigo 14 da Lei n. 23/91 e de outro ano de prisão nos termos dos artigos 8 e 11 da Lei n. 15/94. 17. Consequentemente e por ser da mesma gravidade a punição de cada uma das arguidas, segundo o velho ou o novo regime legal, será de se lhes aplicar a lex temporis em obediência ao disposto no artigo 2 n. 2 do Código Penal; o que significa manterem-se as penas parcelares e unitárias cominadas na 1. Instância, apesar da alteração introduzida quanto à tipificação do crime de sequestro, e que passa a ser o previsto e punido pelo artigo 160 ns. 1 e 2 alíneas f) e g) daquele Código. 18. De harmonia com o exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso da arguida B quanto ao despacho de folha 521, e em negar provimento ao recurso de ambas as arguidas relativamente à decisão final, sem prejuízo de se alterar esta no que respeita à tipificação do crime de sequestro nos termos referidos nos anteriores 12. e 17.. Pagará a recorrente B 4 UCs, pela rejeição (ut artigo 420 n. 4 do Código de Processo Penal); e por terem decaído no outro recurso, pagará cada uma das recorrentes 10 UCs de taxa de justiça. Lisboa, 31 de Janeiro de 1996. Castro Ribeiro, Augusto Alves, Andrade Saraiva, Lopes Rocha. Decisão impugnada: Acórdão de 18 de Outubro de 1994 do Círculo de Vila Real. |