Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1565/15.8T8VFR-A.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: CASO JULGADO
CASO JULGADO MATERIAL
PEDIDO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
EXCEÇÃO DILATÓRIA
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
Data do Acordão: 12/05/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
-Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 177, 178 e 179;
-Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, p. 354;
-Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 382;
-Miguel Mesquita, Reconvenção e Excepção em Processo Civil, p. 429, 439, 441 e 453;
-Miguel Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, n.º 41, p. 24-25 ; O objecto da sentença e o caso julgado material, BMJ nº 325, p. 171 e ss ; Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 576, 586, 578, 579 e 590;
-Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, p. 60-61;
-Vaz Serra, R.L.J., ano 110º, p. 232.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 619.º, N.º1 E 628.º.
Sumário :

I - A lei processual civil define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insuscetibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado – arts. 619.º, n.º 1, e 628.º, ambos do CPC.
II - Ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (“autoridade do caso julgado”) e uma função negativa (“exceção do caso julgado”).
III - A função positiva opera por via de “autoridade de caso julgado”, que pressupõe que a decisão de determinada questão – proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda – não possa voltar a ser discutida.
IV - A função negativa opera por via da “exceção dilatória do caso julgado”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações – contendo uma delas decisão já transitada em julgado – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.
V - Objetivamente, a eficácia do caso julgado material incide nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença; porém, estende-se à decisão das questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado.
VI - Do ponto de vista subjetivo, em regra, o caso julgado tem eficácia restrita às partes processuais que o provocaram, embora se possa projetar, conforme o caso, na esfera jurídica de terceiros.
VII - Temporalmente, o caso julgado é limitado ao encerramento da discussão em 1.ª instância, implicando a preclusão da invocação, no processo subsequente, das questões que, apesar de anteriores àquele momento, não foram – podendo ter sido – suscitadas no processo com decisão transitada. A referência temporal do caso julgado consubstancia, deste modo, um momento preclusivo.
VIII - A identidade de pedido – que integra a tríplice identidade referida em IV – é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional – implícita ou explícita – pretendida pelo autor, no conteúdo e objeto do direito a tutelar e nos efeitos jurídicos pretendidos.
IX - Ocorre identidade de pedidos – que a par da identidade da causa de pedir e das partes, constitui fundamento da exceção de caso julgado – se o autor, numa e noutra ação, pretende obter o mesmo efeito útil, isto é, compelir os réus ao cumprimento do contrato-promessa de compra e venda de parcela de terreno.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. Município de AA intentou a presente ação em processo comum contra os herdeiros da Herança aberta por óbito de BB e CC, pedindo, nomeadamente:

a) (…)

b) que se reconheça como prédio autónomo, distinto, dividido e demarcado, a parcela de terreno com a área de 270 m2, desanexando-o de facto e de direito do prédio de que proveio, desanexação essa livre de qualquer ónus ou encargos que sobre o mesmo incidam;

c) condenar-se os RR a isso mesmo verem declarado e reconhecido;

d) condenar-se os RR ao cumprimento do contrato promessa de compra e venda, comparecendo na data e hora para realização da escritura pública de compra e venda que venha a ser agendada pelo A. e mediante notificação por carta registada com aviso de receção para o domicílio profissional do(s) ilustre(s) mandatário(s) dos RR;

e) condenar-se os RR ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada mês vencido após a data agendada para a realização da escritura de compra e venda à qual não tenham comparecido no valor de 250€/mês.

Alega, em síntese, – na parte que ao caso agora interessa – que:

- com data de 03/01/1991, mas assinado a 18/03/1991, celebrou, na qualidade de promitente comprador, com BB e marido CC, na qualidade de promitentes vendedores, um contrato promessa de compra e venda de uma parcela de terreno com a área aproximada de 270 m2, a destacar do prédio sito na Rua ..., AA, o qual tem a área de 1018 m2, inscrito na matriz sob o art° 1322, e que nessa data logo foi paga a totalidade do preço;

- foi acordado entre as partes que o Autor tomasse posse da parcela de terreno, para a realização das obras de infraestruturas urbanísticas, tendo executado o muro de vedação, na parte sobrante do prédio dos promitentes vendedores, encontrando-se o mesmo fisicamente separado da parcela prometida vender, reconhecendo os promitentes vendedores como prédio autónomo, distinto e demarcado, a parcela de terreno com a área de 270 m2, encontrando-se o mesmo, desde essa, desanexado de facto do prédio de que proveio;

- os RR. notificados para esse efeito, nem forneceram os elementos necessários à realização a escritura, nem compareceram aos atos que foram aprazados

2. Citado, o R. veio contestar, opondo a tais pedidos, além de outras exceções e razões, a exceção de caso julgado, alegando a prévia existência de uma ação de execução específica, entre as mesmas partes, destinada a obter o cumprimento do mesmo contrato promessa, que foi julgada improcedente.

3. Em fase de saneador, esta exceção foi julgada procedente em relação a tais pedidos, pelo que os RR. foram absolvidos da instância na parte respetiva.

4. Não se conformando com esta decisão, os RR. interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto decidido:

“julgar procedente a presente apelação, em consequência do que revogam a decisão recorrida, que deu por verificada a excepção de caso julgado e absolveu da instância os RR., relativamente às pretensões constantes das als. d) e e) do pedido, a qual substituem por outra que, julgando não verificada tal excepção dilatória, determina que a acção prossiga para a respectiva apreciação.”

5. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões (com exceção daquelas que se reportavam à matéria da admissibilidade do recurso):

3ª. Sendo pacífico no processo a verificação dos requisitos da identidade de sujeitos e da identidade de causa de pedir, subjacentes à verificação da excepção de caso julgado -, verifica-se igualmente o requisito da identidade de pedidos porquanto, quer com a acção sumária nº. 2540/08.4TBVFR, quer com a presente acção com a formulação dos pedidos constantes das alíneas b) a e) do douto petitório, o que o Autor pretende é o efeito jurídico adveniente do cumprimento do contrato-promessa, a celebração do contrato definitivo, a aquisição derivada da parcela do direito de propriedade da parcela em discussão nos autos (sob o ponto de vista prático também coincidem as pretensões);

4ª. Atento, não só, o conteúdo da sentença transitada em julgado na acção nº. 2540/08.4TBVFR, a qual julgou improcedente a pretensão do Autor de ver celebrado o contrato definitivio, mas também o fundamento que lhe subjaz, não olvidando ainda a factualidade alegada em sede desta acção para materializar os pedidos formulados sob as alíneas b) e c) do douto petitório, verifica-se que nenhuma factualidade superveniente ao trânsito em julgado da decisão da referida acção é alegada que demonstre a existência ou autonomia jurídicas da parcela de terreno em discussão nos autos, mormente, a realização de um destaque ou de um loteamento que possibilite o cumprimento do contrato prometido,

5ª. Pelo que aquela decisão, como um todo (dispositivo e resolução de questões que constituam o seu antecedente lógico) não pode ver-se na contingência de ser confirmada ou contrariada, sob pena de violação da autoridade de caso julgado;

6ª. O douto acórdão recorrido violou/interpretou incorrectamente, designadamente, o disposto nos artigos 580.°, 581.° e 621.° do C.P.Civil, 817.° e 830.° do C.Civil.

Conclui pela procedência do recurso.

6. O Recorrido Município de AA não contra-alegou.

7. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


       II. Delimitação do objeto do recurso
Como é jurisprudência sedimentada, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos RR. se respiga como questões:

- a identidade dos pedidos (caso julgado);
 - a verificação da autoridade do caso julgado.

            III. Fundamentação

1. Do factualismo processual relevante

Com relevo para a apreciação do objeto do presente recurso, destaca-se o que consta do relatório que antecede e o seguinte:
1.1. No processo nº2540/08.4TBVFR, o aqui Autor formulou o seguinte pedido:
seja proferida sentença que, condenando os Réus, emita decisão que produzindo os efeitos da declaração faltosa dos Réus, ou seja os efeitos da declaração de venda dos Réus ao Autor, da parcela de terreno, com a área de 270 m2, a destacar do prédio sito na Rua ..., freguesia e concelho de AA, com a delimitação constante da planta topográfica que faz parte integrante do contrato promessa junto sob o doc.1, sendo que tal prédio está inscrito na matriz sob o artº1322 e descrito na Conservatória do Registo Predial de AA sob o nº2161, adjudicando ao Autor e transmitindo-lhe a respectiva propriedade da referida parcela de terreno.
1.2. Na presente ação, o Autor formulou os seguintes pedidos:
a) (…)
b) que se reconheça como prédio autónomo, distinto, dividido e demarcado, a parcela de terreno com a área de 270 m2, desanexando-o de facto e de direito do prédio de que proveio, desanexação essa livre de qualquer ónus ou encargos que sobre o mesmo incidam;
c) condenar-se os RR a isso mesmo verem declarado e reconhecido;
d) condenar-se os RR ao cumprimento do contrato promessa de compra e venda, comparecendo na data e hora para realização da escritura pública de compra e venda que venha a ser agendada pelo A. e mediante notificação por carta registada com aviso de receção para o domicílio profissional do(s) ilustre(s) mandatário(s) dos RR;
e) condenar-se os RR ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada mês vencido após a data agendada para a realização da escritura de compra e venda à qual não tenham comparecido no valor de 250€/mês.

2. Da verificação de caso julgado e da ofensa à "autoridade do caso julgado"

2.1. Do quadro normativo aplicável

2.1.1. Dos efeitos processuais produzidos pelo caso julgado material: positivo/vinculativo e negativo/impeditivo

Transitada em julgado, a sentença que decida sobre o mérito da causa alcança o fim normal da ação, qual seja, o pronunciamento definitivo do órgão jurisdicional sobre a relação material controvertida, pondo assim termo ao litígio. É o que se designa por caso julgado material, definido no artigo 619º, nº 1, do Código de Processo Civil.

A nossa lei adjetiva define, assim, o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insuscetibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respectivo trânsito em julgado (cfr., ainda, artigo 628º do Código de Processo Civil).

E ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva ("autoridade do caso julgado") e uma função negativa ("exceção do caso julgado").

Nas palavras de CASTRO MENDES, os efeitos de autoridade do caso julgado e a exceção do caso julgado, ainda que constituindo duas formas distintas de eficácia deste, mais não são do que duas faces da mesma moeda (in "Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil", p. 36 e segs.).

Assim:

A função positiva do caso julgado opera o efeito de "autoridade do caso julgado", o qual vincula o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que julga, nos termos consignados nos artigos. 205º, nº 2, da Constituição República Portuguesa e 24º, nº 2, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), bem como nos artigos 619º, nº 1, e 621º e seguintes do Código de Processo Civil.

E uma tal vinculação ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal que proferiu a decisão justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas.

 A função negativa do caso julgado (traduzida na insuscetibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão) opera por via da "exceção dilatória do caso julgado", nos termos previstos nos artigos 577º, alínea i), 580º e 581º do Código de Processo Civil, impedindo que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objeto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objeto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior.

A este propósito, sublinha TEIXEIRA DE SOUSA: «O caso julgado assegura a confiança nas decisões dos tribunais, pois que evita o proferimento de decisões contraditórias por vários tribunais. Para obter este desiderato o caso julgado produz, como bem se sabe, dois efeitos: um efeito impeditivo, traduzido na excepção de caso julgado, e um efeito vinculativo, com expressão na autoridade do caso julgado. Aquela excepção visa obstar à repetição de decisões sobre as mesmas questões (ne bis in idem), impede que os tribunais possam ser chamados não só a contrariarem uma decisão anterior, como a repetirem essa decisão. Em contrapartida, a autoridade de caso julgado garante a vinculação dos tribunais e dos particulares a uma decisão anterior, pelo que impõe que aqueles tribunais e estes particulares acatem (e, neste sentido, respeitam) o que foi decidido anteriormente (…).» (in «Preclusão e "contrario contraditório"», Cadernos de Direito Privado, n.º 41, p. 24-25).

E, concretizando o âmbito de aplicação de cada um dos assinalados efeitos, acrescenta o mesmo Autor, «a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente» (in "O objecto da sentença e o caso julgado material", BMJ nº 325, p. 171 e segs.).

Delimitando aqueles dois efeitos, salientam, igualmente, LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO: «a exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (…). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…). Mas o efeito negativo do caso julgado nem sempre assenta na identidade do objeto da primeira e da segunda ações: se o objecto desta tiver constituído questão prejudicial da primeira (e a decisão sobre ela deva, excecionalmente, ser invocável) ou se a primeira ação, cujo objeto seja prejudicial em face da segunda, tiver sido julgada improcedente, o caso julgado será feito valer por exceção» (in "Código de Processo Civil Anotado", vol. 2º, p. 354).

Neste conspecto, podemos, então, estabelecer a seguinte distinção:


A exceção dilatória do caso julgado «destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual», pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir;

A autoridade de caso julgado «tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica», pressupondo a vinculação de um tribunal de uma ação posterior ao decidido numa ação anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda) não possa voltar a ser discutida.

(Cfr. RODRIGUES BASTOS, in "Notas ao Código de Processo Civil", vol. III, p. 60 e 61)

2.1.2. O caso julgado como exceção dilatória: da tríplice identidade exigível para a sua aferição

Conforme ficou referido, para efeitos de exceção, verifica-se o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário (cfr. parte final do nº 1 do artigo 580º do Código de Processo Civil).

E o nº 1 do artigo 581º do Código de Processo Civil vem estabelecer que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2 do mesmo preceito), identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3 do preceito em análise) e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (nº 4 do referido artigo 581º).

Verifica-se, então, a identidade de sujeitos quando as partes se apresentem com a mesma qualidade jurídica perante o objeto da causa, quando sejam portadoras do mesmo interesse substancial, independentemente da sua identidade física e da posição processual que ocupam, no lado ativo ou passivo da lide.

A identidade relevante é, assim, identidade jurídica (enquanto identidade de litigantes titulares da relação jurídica material controvertida ajuizada), do que resulta a vinculação ao caso julgado de todos aqueles que, perante o objeto apreciado, possam ser equiparados, atendendo à sua qualidade jurídica, às partes na ação, conforme infra (sob o ponto 2.1.3.2.) melhor se analisará.

Por sua vez, a identidade de pedido é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos (ainda que implícitos), do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado.

E, assim, ocorrerá identidade de pedido se existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional (implícita ou explícita) pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter.

Por último, a identidade de causa de pedir verifica-se quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico concreto, simples ou complexo, de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente a sua pretensão, constituindo um elemento definidor do objeto da acção.

E, de acordo com a "teoria da substanciação", subjacente ao mencionado nº 4 do artigo 581º do Código de Processo Civil, tal factualidade afirmada pelo autor de que faz derivar o efeito jurídico pretendido terá de traduzir a causa geradora (facto genético) do direito alegado ou da pretensão invocada, de modo a individualizar o objeto do processo e a prevenir assim a repetição da mesma causa.

Visando a salvaguarda de eventuais relações de concurso que se possam estabelecer entre o objeto da decisão transitada e o do processo ulterior, adianta, ainda, TEIXEIRA DE SOUSA que «o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento» (in "Estudos sobre o Novo Processo Civil", p. 576).

2.1.3. Dos limites objetivos, subjetivos e temporais do caso julgado

Definindo o alcance do caso julgado, diz o artigo 621º do Código de Processo Civil: «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga».

Assim, dada a natureza da sua eficácia com alcance externo, o caso julgado material está sujeito a limites objetivos e subjetivos (questão a que diretamente se refere aquela tríplice identidade exigida pelo nº 1 do artigo 581º anteriormente analisada), mas também temporais.

2.1.3.1. Do ponto de vista dos limites objetivos (referentes ao pedido e à causa de pedir):

Quanto ao âmbito objetivo do caso julgado (respetivos limites objetivos), no que respeita à determinação do quantum da matéria que foi apreciada pelo tribunal e que recebe o valor da indiscutibilidade do caso julgado, durante algum tempo foi dominante o entendimento de que a eficácia do caso julgado apenas abrangia a decisão contida na parte final da sentença, ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou na pretensão reconvencional e limitada através da respetiva causa de pedir ("conceção restrita do caso julgado").

Atualmente, a posição jurisprudencial predominante reconhece, na esteira da doutrina defendida por VAZ SERRA (cfr. R.L.J. ano 110º, p. 232) - embora sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objetivos da sentença / a toda a matéria apreciada, incluindo os fundamentos da decisão ("tese ampla") -, que, apesar da eficácia do caso julgado material incidir nuclearmente sobre a parte dispositiva da sentença, a mesma alcança também a decisão daquelas questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do julgado (isto é, os fundamentos e as questões incidentais ou de defesa que entronquem na decisão do pleito enquanto limites objetivos dessa decisão), em homenagem à economia processual e à estabilidade e certeza das relações jurídicas ("tese eclética").

E, quanto à assinalada extensão do caso julgado aos fundamentos de facto, sublinha ainda TEIXEIRA DE SOUSA que «não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão» (in "Estudos sobre o Novo Processo Civil", p. 578-579).

2.1.3.2. Do ponto de vista dos limites subjetivos (referentes aos sujeitos):

Do ponto de vista dos limites subjetivos, em regra, o caso julgado tem eficácia restrita às partes processuais que o provocaram.

Esta regra da "eficácia relativa" do caso julgado sofre, todavia, restrições e desvios, derivados da possibilidade de a sentença se projetar na esfera jurídica de terceiros:

Quer pela "vinculação direta desses sujeitos" ("extensão do caso julgado a terceiros"), que se justifica «quando (…) importa abranger pelo caso julgado os terceiros para os quais ele implica a constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica» e que se fundamenta, designadamente, na identidade da qualidade jurídica entre a parte processual e o terceiro (por sucessão "inter vivos" ou "mortis causa"); na hipótese de substituição processual; na situação de titularidade pelo terceiro de uma situação jurídica dependente do objeto apreciado e na oponibilidade resultante do registo da ação;

Quer através da "eficácia reflexa do caso julgado", que se verifica «quando a ação decorreu entre todos os interessados diretos (quer ativos, quer passivos) e, portanto, esgotou os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica, pelo que aquilo que ficou definido entre os legítimos contraditores (…) deve ser aceite por qualquer terceiro».

(Cfr. TEIXEIRA DE SOUSA, in "Estudos sobre o Novo Processo Civil", p. 590).

2.1.3.3. Dos limites temporais a que o caso julgado está sujeito

Por último, o caso julgado é temporalmente limitado, tomando como referência temporal o momento do encerramento da discussão em 1ª. instância, tal como decorre do disposto no nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil, pelo que a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.

Já para as partes, o estabelecido naquele nº 1 do artigo 611º do Código de Processo Civil significa que têm o ónus de alegar os factos supervenientes, ou a verificação superveniente de factos alegados, que ocorram até ao encerramento da discussão em 1ª. instância.

A relevância desse momento implica, então, a preclusão da invocação, no processo subsequente, das questões não suscitadas no processo em foi proferida a decisão transitada, mas anteriores ao encerramento da discussão e que nele podiam ter sido apresentadas. Ou seja: tal referência temporal do caso julgado consubstancia um momento preclusivo.

De extrema pertinência revelam-se, assim, os ensinamentos de CASTRO MENDES, que, a propósito do assinalado efeito preclusivo, afirma:

«Fora da hipótese de factos objetivamente supervenientes – e esta hipótese reconduz-se à ideia dos limites temporais do caso julgado: a sentença só é válida "rebus sic stantibus" - cremos que os "contradireitos" que o réu podia fazer valer são ininvocáveis contra o caso julgado. O fundamento essencial do caso julgado não é de natureza lógica, mas de natureza prática; não há que sobrevalorizar o momento lógico do instituto, por muito que recorramos a ele na técnica e construção da figura.

O que se converte em definitivo com o caso julgado não é a definição de uma questão, mas o reconhecimento ou não reconhecimento de um bem.(…)»

E prossegue o mesmo Autor:

«A paz e a ordem na sociedade civil não permitem que os processos se eternizem e os direitos das partes reconhecidos pelo juiz após uma investigação conduzida pelo juiz de acordo com as normas legais voltem a ser contestados sob qualquer pretexto.

Outro problema que se põe é o de saber se esta figura do efeito preclusivo pertence ao instituto do caso julgado, ou lhe é estranha.

A dogmática tradicional e dominante integra-o no caso julgado. Uma regra clássica diz-nos aqui que tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat, o caso julgado abrange aquilo que foi objeto de controvérsia, e ainda os assuntos que as partes tinham o ónus (não o dever) de trazer à colação; neste último caso, estão os meios de defesa do réu.

(…) Outros autores vêem este efeito preclusivo como efeito da sentença transitada, mas efeito distinto do caso julgado.

(…) Apreciando esta construção, notaremos antes de mais estarmos inteiramente de acordo com Schwab, quando este salienta que "não tem qualquer relevância prática, se os factos são excluídos com fundamento na eficácia do caso julgado ou com fundamento numa preclusão estranha ao caso julgado". O próprio Habscheid reconhece que caso julgado e efeito preclusivo "ambos se completam, ambos prosseguem o mesmo fim", tutela da paz e da segurança jurídica e chama ao efeito preclusivo "princípio-irmão" do caso julgado material.

 (…) A indiscutibilidade de uma afirmação, o seu carácter de res judicata, pode resultar pelo contrário tanto de uma investigação judicial, como do não cumprimento dum ónus que acarrete consigo vi legis esse efeito. (…) Sucede ainda a respeito das questões que as partes têm o ónus de suscitar, sob pena de serem ulteriormente irrelevantes para impugnar ou defender uma situação jurídica acertada ou rejeitada em termos de caso julgado.»

E, depois de acentuar que o efeito preclusivo precede a própria prolação da sentença, uma vez que se verifica no momento em que ocorre a cominação ou preclusão processual que está na sua base, formula a seguinte conclusão:

«Com o trânsito em julgado da sentença, o efeito preclusivo dissolve-se porém no instituto geral do caso julgado, e traduz-se no afastamento de possíveis limites argumentativos do mesmo. Se o tribunal condena o réu a pagar 100, fica assente que o réu deve 100 ao autor; e a indiscutibilidade desta afirmação não pode ser posta em causa invocando argumentos, factos ou razões que o efeito preclusivo cobriu. Tal efeito apresenta-se portanto, segundo cremos, como uma das bases do caso julgado material, e não como um instituto teleologicamente convergente, mas autónomo.»

 (In "Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil", p. 178 e segs.)

Ressaltando do exposto que a preclusão, enquanto fenómeno processual, mostra correlatividade com um ónus processual, então, importará ainda ter presente que o réu tem o ónus de alegar na contestação toda a defesa que queira deduzir contra o pedido formulado pelo autor (cfr. artigo 573º, nº 1 do Código de Processo Civil), isto é, o réu tem o ónus de concentração da sua defesa na contestação - na sugestiva expressão de CASTRO MENDES, «o réu tem o ónus de fundamentação exaustiva da sua defesa» (in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 177) -, pelo que não pode alegar posteriormente nenhum meio de defesa que já pudesse ter alegado nesse articulado, por razões de lealdade na litigância processual, a que subjazem, igualmente, razões de segurança e de certeza jurídicas que impedem que, tornada definitiva uma sentença, os seus efeitos possam vir a ser postergados com base em novos argumentos que em tal ação não foram, mas poderiam ter sido, invocados.

Quanto à posição do Autor, CASTRO MENDES ensinava que «sem sombra de dúvida que a pretensão do autor não está sujeita a este efeito preclusivo» e que «… é lícito ao autor em processo civil formular n vezes a mesma pretensão, desde que a baseie em n causas de pedir» (in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 179)  

Sublinhando as consequências mais importantes do aludido princípio, esclarece MANUEL DE ANDRADE: «devendo os fundamentos da defesa ser formulados todos de uma vez num certo momento, a parte terá de deduzir uns a título principal e outros in eventu – a título subsidiário, para a hipótese de não serem atendidos os formulados em primeira linha» (in "Noções Elementares de Processo Civil", p. 382).

No mesmo sentido, MIGUEL MESQUITA vem afirmar que «o réu que se absteve de alegar direitos acaba por ver precludida a possibilidade de vir a obter uma futura decisão que afecte, na prática, o resultado anteriormente alcançado pelo adversário ou uma decisão que desfira um golpe fatal no direito reconhecido pela precedente sentença» (in "Reconvenção e Excepção em Processo Civil", p. 439).

E, afrontando a problemática da natureza do direito de reconvir, mais sustenta que o réu «necessita de reconvir para afastar o risco de futura preclusão do direito, por força do caso julgado que venha a constituir-se sobre a decisão favorável ao autor. O réu reconvirá para se livrar de um prejuízo futuro e eventual (não certo): o prejuízo de preclusão do seu direito», ficando, assim, «inibido de propor uma contra-ação independente, baseando-se em factos anteriores deduzidos sem êxito ou que, podendo ter sido deduzidos em sua defesa, o não foram», já que, proferida uma sentença favorável ao autor, a formação de caso julgado material, impede o réu de, através de uma nova ação, com base em factos anteriores, vir a afetar o teor da sentença antes proferida (in ob. cit., p. 429, 441 e 453).

Ademais, em matéria de efeitos da citação, o artigo 564º, al. c), do Código de Processo Civil, determina que a citação do réu inibe esta parte de propor uma ação destinada à apreciação da questão jurídica colocada pelo autor.

Ou seja: a propositura de uma ação impõe ao réu um ónus de concentração de toda a sua defesa na ação pendente, obstando, portanto, à admissibilidade de uma ação destinada a contrariar o efeito pretendido pelo autor.

Por outro lado, importa referir o ensinamento de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (citado na decisão impugnada), «O âmbito da preclusão é substancialmente distinto para o autor e para o réu. Quanto ao autor, a preclusão é definida exclusivamente pelo caso julgado: só ficam precludidos os factos que se referem ao objeto apreciado e decidido na sentença transitada. Assim, não está abrangida por essa preclusão a invocação de uma outra causa de pedir para o mesmo pedido, pelo que o autor não está impedido de obter a procedência da ação com base numa distinta causa de pedir. Isto significa que não há preclusão sobre factos essenciais, ou seja, sobre factos que são suscetíveis de fornecer uma nova causa de pedir para o pedido formulado.

Mas está precludida a invocação pelo autor de factos que visam completar o objecto da ação anteriormente apreciada, mesmo que com uma decisão de improcedência. Portanto, quanto ao autor a preclusão incide sobre os factos complementares.

A preclusão incide igualmente sobre as qualificações jurídicas que o objecto alegado pode comportar e que não foram utilizadas pelo tribunal» (in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª. Edição, pág.586).

2.2. Do caso julgado nos presentes autos

            Ocorre a exceção de caso julgado?

            Para que se verifique a exceção de caso julgado é necessário que a causa se repita e a causa repete-se quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, pressupondo, assim, esta exceção esta tríplice identidade (cfr. nº1 do artigo 581º do Código de Processo Civil) – tríplice identidade que não é necessária para a verificação da “autoridade do caso julgado”.

            No caso presente, mostra-se somente questionada a verificação da identidade do pedido formulado nas duas acções, dado que se aceita, sem qualquer objeção, que as partes e a causa de pedir são as mesmas nessas ações.

            Os pedidos formulados nas duas ações:

Nesta ação, o Autor formula o seguinte pedido:

a) (…)

b) que se reconheça como prédio autónomo, distinto, dividido e demarcado, a parcela de terreno com a área de 270 m2, desanexando-o de facto e de direito do prédio de que proveio, desanexação essa livre de qualquer ónus ou encargos que sobre o mesmo incidam;

c) condenar-se os RR a isso mesmo verem declarado e reconhecido;

d) condenar-se os RR ao cumprimento do contrato promessa de compra e venda, comparecendo na data e hora para realização da escritura pública de compra e venda que venha a ser agendada pelo A. e mediante notificação por carta registada com aviso de receção para o domicílio profissional do(s) ilustre(s) mandatário(s) dos RR;

e) condenar-se os RR ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada mês vencido após a data agendada para a realização da escritura de compra e venda à qual não tenham comparecido no valor de 250€/mês.  

E na ação, que correu termos sob o processo nº2540/08.4TBVFR, o Autor Município de AA formulou o seguinte pedido:
 Que seja proferida sentença que, condenando os Réus, emita decisão que produzindo os efeitos da declaração faltosa dos Réus, ou seja os efeitos da declaração de venda dos Réus ao Autor, da parcela de terreno, com a área de 270 m2, a destacar do prédio sito na Rua Dr. ........., freguesia e concelho de AA, com a delimitação constante da planta topográfica que faz parte integrante do contrato promessa junto sob o doc.1, sendo que tal prédio está inscrito na matriz sob o artº1322 e descrito na Conservatória do Registo Predial de AA sob o nº2161, adjudicando ao Autor e transmitindo-lhe a respectiva propriedade da referida parcela de terreno.

Perante os pedidos nas duas ações, as instâncias tomaram posição diferentes (sendo que no Tribunal da Relação não se verificou a unanimidades dos Senhores Juízes Desembargadores).

Assim, a 1ª instância entendeu que existia identidade de pedidos no que respeita aos pedidos formulados sob as alíneas d) e e) da presente ação e o pedido formulado na outra ação - Ação Sumária nº2540/08.4TBVFR -, pelo que se verificava a exceção de caso julgado.

No Acórdão sob recurso entendeu-se que não existia a referida identidade de pedidos, pelo que revogou a decisão da 1ª instância, por não se verificar a exceção de caso julgado.

Ora, em face do que atrás se referiu, a identidade de pedido é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos (ainda que implícitos), do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado e que ocorre identidade de pedido quando existir coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional (implícita ou explícita) pretendida pelo autor e do conteúdo e objeto do direito a tutelar, na concretização do efeito que, com a ação, se pretende obter, temos de concluir que se verifica a exceção de caso julgado nos termos definidos pela 1ª instância.

Assim, na Ação Sumária nº2540/08.4TBVFR, o Autor, invocando a existência de um contrato promessa de compra e venda e com fundamento no disposto no nº1 do artigo 830º do Código Civil (“se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”), pretende obter a execução específica do mesmo contrato promessa de compra e venda.

Desta forma, o Autor pretendia concretizar a aquisição da parcela de terreno identificado no contrato promessa de compra e venda.

Nos pedidos desta ação identificados sob as alíneas d) e e) pretende o Autor compelir o Réu ao cumprimento do contrato prometido, pedindo a condenação dos Réus do contrato promessa de compra e venda, com a sua comparência na data e hora para a realização da escritura pública de compra e venda e a condenação ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.

Assim, embora os pedidos nas duas ações não sejam formalmente os mesmos, o Autor pretende, com esses pedidos, obter o mesmo efeito jurídico, pelo que estamos em presença da identidade de pedidos.

Refere-se no Acórdão sob recurso que a interpretação do pedido da presente ação à luz da decisão anteriormente proferida na ação nº2540/08.4TBVFR explica, por um lado, a admissão dos pedidos formulados nas alíneas b) e c) e, por outro lado, o reconhecimento de uma interdependência entre esses pedidos e os descritos nas alíneas d) e e), que obstam ao seu tratamento atomístico e que naquela outra sentença o tribunal decretou que a obrigação principal do contrato-promessa em questão só era exequível se previamente fossem cumpridos deveres acessórios conducentes à autonomização da parcela de 270 m2 do prédio em que se integrava e como à realização do direito alegado deve ser assegurado um meio processual adequado, não podendo ele ficar dependente da livre vontade dos obrigados de cumprirem aqueles deveres acessórios identificados, deve admitir-se a propositura de uma ação tendente à condenação dos réus ao respetivo cumprimento e, todavia, o cumprimento desses deveres acessórios só tem sentido na medida em que seja instrumento da realização da obrigação principal.

Ora, desta argumentação se extrai que efetivamente se verifica que os pedidos formulados sob as alíneas b) e c), isto é, que se reconheça como prédio autónomo, distinto, dividido e demarcado, a parcela de terreno com a área de 270 m2, desanexando-o de facto e de direito do prédio de que proveio, desanexação essa livre de qualquer ónus ou encargos que sobre o mesmo incidam (alínea b)) e que se condene os RR a isso mesmo verem declarado e reconhecido (alínea c)), não podem ser vistos isoladamente e, principalmente, dos pedidos formulados sob as alíneas d) e e), porquanto são absolutamente necessários para se alcançar estes pedidos, pois esses dois pedidos têm caráter instrumental porquanto a sua finalidade única é assegurar o resultado útil e eficaz dos pedidos que estão agora em causa (indicados sob as alíneas d) e e)).

Assim, o que o Autor visa verdadeiramente alcançar é a procedência dos dois pedidos formulados sob as alíneas d) e e) e estes têm como fim compelir os Réus ao cumprimento do contrato prometido nos termos pretendidos com a primeira ação, como bem se refere no voto de vencido apresentado no Acórdão sob recurso.

Deste modo, e como se referiu, pretendendo o Autor obter o mesmo efeito útil, estaremos em presença da exceção de caso julgado, como se decidiu na 1ª instância, no que concerne aos pedidos formulados sob as alíneas d) e e), porquanto se verifica a tríplice identidade para a verificação da exceção de caso julgado.

- Quanto a estes pedidos fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão suscitada –

3. Quanto aos pedidos formulados sob as alíneas b) e c)

Quanto a estes pedidos, as Recorrentes referem que o Tribunal não pode debruçar-se sobre esses pedidos sob pena de violação da autoridade de caso julgado.

Ora, no caso presente, o Tribunal de 1ª instância decidiu “que entre as duas ações (nesta ação quanto aos pedidos das alíneas b), c) e f)) não se verifica exceção de caso julgado ou deva ser reflectiva qualquer consequência em virtude da chamada autoridade de caso julgado ou princípio da preclusão”.

Desta decisão não foi interposto recurso pelas Rés.

Assim, tendo havido decisão expressa pelo Tribunal de 1ª instância, que não foi impugnada, a decisão transitou em julgado, pelo que não pode, agora, ser posta em causa.

Desta forma, e nesta parte, a pretensão das Recorrentes não pode ser atendida.


IV. Decisão

Posto o que precede, concede-se parcialmente a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, julgando-se verificada a exceção de caso julgado no que concerne aos pedidos formulados pelo Autor sob as alíneas d) e e), como decidido pela 1ª instância.

As custas serão suportadas pela recorrente na proporção de metade (atenta a não oposição do Recorrido).

Lisboa, 5 de dezembro de 2017

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas

Pedro Lima Gonçalves (Relator)

Cabral Tavares
Maria de Fátima Gomes
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)