Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório
1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Évora promoveu, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 50.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto ‒ Lei da Cooperação Judiciária Internacional ‒, o cumprimento do pedido de extradição do cidadão de nacionalidade..., AA, ..., natural de...., onde nasceu a ..., filho de ... e de ...., titular do passaporte ..., n.° ...., residente no ..., retificada, a fls 1102, para ..., invocando para tanto, consoante os termos do acórdão recorrido, que:
«-Ao abrigo da Convenção Europeia de Extradição (Paris, 1957), a Federação Russa solicita ao Estado Português a extradição do seu nacional acima identificado, para efeitos de procedimento criminal (julgamento);
-Resultando do pedido formal de extradição e respectiva documentação anexa, juntos aos autos, que contra o cidadão em causa corre termos, no Tribunal do Distrito de Leningraskyi, o processo n.º 050676/2007 (caso.390048/2013), pela indiciada prática de factos (pelos quais se acha ali acusado) puníveis como crime de sequestro organizado de uma pessoa, levado a cabo por grupo organizado, com ameaças de violência e perigo para a vida e a saúde, previsto pelos artigos 126.º, n.º 3, a) e 33.º, n.º 3, do Código Penal da Federação Russa, e punível com pena de prisão máxima de 15 (quinze) anos.
-Tais factos pelos quais se encontra aí acusado (a 25/01/2013), consistem, em síntese, no seguinte:
O cidadão cuja entrega é pedida pelo Estado requerente, em data anterior a 18 de Abril de 2007, por razões que se prendem com um litígio sobre a construção de um bloco de apartamentos sito na rua Bassejnaâ, na cidade de Kaliningrado, e que opunha Ûcûs S.P. (Yutsyus S.P.) e Sevalie LA., decidiu organizar o rapto e sequestro do primeiro, levando-o para local desconhecido, tendo por objectivo que o mesmo abandonasse a construção do referido bloco de apartamentos.
Para tanto, elaborou um plano e contratou os serviços de Tazov S.Û, Babienko I.V., [Skosarev I.V.] e Artmenko S.M., que ao proposto aderiram, praticando actos indispensáveis à respectiva execução e recebendo dele, como pagamento/recompensa, uma quantia monetária não inferior a 40.000 rublos russos.
Assim, segundo instruções específicas de Arcadiy Jurevich Bunin, no dia 18 de abril de 2007, pelas 7,00 horas, fazendo-se transportar num veículo de marca Mercedes, modelo 230, cujas características identificadoras o Artmenko viciou, de forma a fazer crer que se tratava de um veículo do Estado, Tazov, Babienko, Skosarev e Artmenko seguiram Ûcûs S.P. desde a residência deste, no ..., e, pelas 8,00 horas, abordaram-no na Rua, numa passagem para peões, fazendo-se passar por agentes policiais, e fizeram-no introduzir no referido veículo, transportando-o -sob ameaças e colocando-o na impossibilidade de lhes resistir, fazendo uso de uma pistola da marca Makarov, que exibiram - para um local na floresta, a 1700 metros a sudeste do Km 32 da autoestrada A 194, que liga Kaliningrado a Mamonovo, perto da aldeia de Pâtidorosnoe, onde o mantiveram em cativeiro, algemado, fazendo-o temer pela sua integridade física, tudo de molde a que ele abandonasse a construção do já referido bloco de apartamentos.
Seguidamente, naquela floresta e em local próximo, e com aquele objectivo, abriram uma cova, fazendo-lhe seriamente crer que a mesma se destinava a si e, usando a já referida pistola, que se encontrava municiada e equipada com silenciador, fizeram-no ajoelhar perante Soksarev, que a empunhava e lha encostou à cabeça, actos que praticaram a fim de nele criarem, como criaram, a impressão de morte eminente, a qual veio a ocorrer no dito local, já passadas as 12 horas do dia 18 de abril de 2007, como consequência directa e necessária das lesões causadas, por pelo menos três tiros, desferidos pelo dito Skorasev, com aquela arma sobre a cabeça e o tronco de Ûcûs S.P.
-Os factos descritos, imputados ao extraditando, são susceptíveis de integrar o, crime de sequestro, agravado, nos termos do disposto no artigo 158°, n.°s 1 e 2, alíneas b) e g), conjugado com o artigo 26°, ambos do Código Penal Português, punível em abstracto com pena de prisão de dois a dez anos.
-O mesmo abandonou o seu país de origem a 02/06/2011 e a 19/06/2013, pelo Tribunal do Distrito de Kaliningrado foi determinada a sua prisão preventiva, nos termos do artigo 108.º do Código de Processo Penal da Federação Russa, e inserido na lista da INTERPOL de procurados internacionalmente.
-O extraditando esteve detido à ordem dos presentes autos, desde 19 de Maio de 2014, até 27 de Junho de 2014, tendo sido restituído à liberdade, por ter sido atingido o prazo limite de 40 dias, sem que o pedido formal de extradição houvesse sido recebido pelas autoridades portuguesas, tendo então ficado sujeito a apresentações semanais no SEF com jurisdição na área da respectiva residência, nos termos do n.º 3 do artigo 64.º da Lei n.º 144/99.
-Após ter sido apresentado o pedido formal de extradição às autoridades portuguesas, Sua Excelência, a Sr.ª Ministra da Justiça, por despacho datado de 21 de Janeiro de 2015, considerou admissível o seu prosseguimento.
-O procedimento criminal não se encontra extinto, por prescrição, nos termos da legislação portuguesa, ou russa.
-Não corre, nem correu, nos Tribunais Portugueses, qualquer processo criminal contra o extraditando, pelos mesmos factos que fundamentam o presente pedido de extradição, ou por outros.
-O presente pedido formal de extradição satisfaz os requisitos do artigo 2.º da Convenção Europeia de Extradição, e do artigo 31.º da Lai n.º 144/99, de 31 de Agosto.
-Este Tribunal é o competente para a decretar nos termos do disposto no artigo 49.º, n.º 1 da Lei 144/99, de 31 de Agosto.»
O extraditando foi ouvido, nos termos do artigo 54.º da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto (Lei da Cooperação Judiciária Internacional), não tendo abdicado da regra da especialidade, nem consentido na sua extradição para a Federação Russa, nem renunciado à fase judicial do processo, bem como tendo, nesse ato, ficado o mesmo sujeito à medida de Termo de Identidade e Residência.
Notificado para deduzir oposição, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 55.º da citada Lei n.º 144/99, veio deduzir oposição ao pedido de extradição, invocando em síntese, como mencionado no acórdão recorrido, que:
- Não bastam as garantias formais de não se verificarem as situações previstas no artigo 6.º, alíneas a) e d) da Lei 144/99 de 31 de Agosto, com base nos elementos fornecidos pelo próprio Estado requerente, quando o mesmo reiteradamente viola os diretos constantes da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas e da Convenção Sobre Tortura, Convenção contra Tortura o Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, tratando-se de causa de recusa expressa na citada Lei 144/99;
- Da inexistência de garantias reais e não meramente formais relativamente ao princípio da especialidade, pelo Estado requerente perante, nomeadamente a ineptidão da acusação proferida no processo da Federação Russa (traduzida de forma ininteligível), que deu origem aos presentes autos, quando apreciada à luz da lei portuguesa;
- Da verificação neste caso do pressuposto negativo do artigo 6.º, n.º 1 alínea a) e da causa de recusa facultativa prevista no artigo 18º, n.º 2 da Lei 144/99 de 31/08;
- Do extraditando ser alvo de perseguição da "máfia russa", tendo sido vítima de ameaças e tentativa de homicídio, conforme queixa crime por si apresentada no seu país, por factos ocorridos a 31/10/2010, documentos de fls. 367 a 369, razão pela qual temendo pela sua vida e ainda para protecção da sua família, abandonou aquele pais;
- Encontra-se em Portugal, desde Agosto de 2011, actualmente com a sua família (mulher e três filhos, todos menores), que se encontram todos regularizados neste país, a mulher é empresária e os filhos frequentam a escola (documentos de fls. 370 a 373, o requerido e efectuou pedido de reagrupamento familiar ao S.E.F. (conforme recibo junto a fls. 374), vive em casa própria e colabora na empresa da mulher, encontrando-se integrado empresarial, social e familiarmente;
- Da extradição acarretar a separação desta família, com violação do disposto no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (dificuldade de contactos e escassez de visitas);
- Não praticou os factos que lhe são imputados no aludido processo da Federação Russa;
- Do tratamento desumano e degradante durante a prisão preventiva ou cumprimento de pena, nomeadamente pela falta de condições (nomeadamente de higiene, luz natural, de espaço ou privacidade, nas celas russas) e no transporte de presos e da violência das forças policiais, violando o Estado requerente sistematicamente o disposto nos artigos 3.º e 6.º da CEDH e das violações de decisões do TEDH, quando decidem ordenar provisoriamente a suspensão de uma extradição, como fundamento da recusa, nos termos do disposto nos artigos 6.º, alínea a) da Lei 144/99 de 31/08 e artigo 1.º, alínea b) da Resolução da Assembleia da República n.º 23/89 de 21/08;
Indicou prova testemunhal, 9 testemunhas e juntou documentos.»
2. O Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação respondeu à oposição deduzida, pugnando pela procedência do pedido inicial de extradição, invocando para tanto, e em suma, «que o extraditando foi identificado como a pessoa a extraditar, o que reconheceu, e não se mostram presentes razões fundamentais determinantes do afastamento dos pressupostos do pedido de extradição, constantes dos artigos 6.º, 7º, 8.º, 10.º e 18.º, n.º 2, todos da referida Lei 144/99, atentas desde logo às garantias apresentadas pelo Estado requerente a fls. 260 e 261 destes autos, nomeadamente em conformidade com as normas da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, das Nações Unidas e do Conselho da Europa, sobre esta matéria, sem olvidar que a observância das garantias prestadas pode ser objecto de controlo pelos serviços do Estado requerido, o desrespeito pelos direitos humanos, não é exclusivo do estado requerente, podendo verificar-se em qualquer um que se reclame de regime democrático, não constituindo característica intrínseca do próprio Estado requerente, atento a que a lei do mesmo permite ao cidadão reagir na afirmação dos seus direitos, com todas as garantias de defesa que o processo penal russo lhes confere, e de acordo com o estatuído na própria Constituição dessa Federação, para além do eventual cumprimento de pena, acarretar apenas o sacrifício inerente ao cumprimento da mesma, sem violar o direito constitucional, à família. Mais se opôs à produção de prova testemunhal, invocando em suma que, os autos se encontram já devidamente apetrechados com elementos bastantes apurados por entidade imparcial, como sejam os relatórios da CPT sobre as condições prisionais na Federação Russa, sendo que as garantias processuais decorrem da legislação do Estado requerente, e pela própria garantia fornecida pelo mesmo nos presentes autos, sendo que as razões que o levaram a abandonar o estado requerente, para além de se subtrair à acção da justiça do seu país, são estranhas ao objecto do presente processo e bem assim ser indeferida a produção de prova sobre os documentos juntos em língua Russa, porque se mostra já junta a tradução dos mesmo que não é susceptível de explicações ou interpretações alheias sobre o respectivo conteúdo.
3. Por acórdão do tribunal da Relação de Évora de 21 de maio de 2015, foi decidido:
a) indeferir a requerida audição das testemunhas e, quanto ao mérito,
b) conceder a requerida extradição do cidadão AA, ..., natural de ..., onde nasceu a ..., filho de... e de ..., titular do passaporte russo, n.º ..., para a Federação Russa, para procedimento criminal, apenas no âmbito do processo que corre termos, no Tribunal do Distrito de Leningraskyi, com o n.º 050676/2007 (caso 390048/2013), e pelos factos constantes destes autos
Quanto ao indeferimento para audição de testemunhas funda-se na seguinte argumentação:
«Desde já, cumpre referir, que não se procede à audição das testemunhas arroladas, por se afigurar inútil a sua audição, neste caso concreto, não só atenta a vasta prova documental junta aos mesmos, nomeadamente que no que diz respeito à inserção social, familiar e laboral do extraditando e ainda, sem olvidar que, a audição de testemunhas se deve restringir ao objecto do presente processo, para além de não se vislumbrar qualquer utilidade, na audição de testemunha (intérprete) para confirmar o conteúdo ou alcance dos documentos em Russo, uma vez que se encontram juntas as respectivas traduções, e por outro lado, que relativamente aos factos pelos quais se encontra acusado no país requerente, nos está vedada a apreciação dos mesmos, e relativamente às demais circunstâncias invocadas na oposição deduzida (condições prisionais na Rússia, garantias processuais de que beneficiará em Kaliningrado ou na Federação Russa) e relativamente às quais pretendia fazer prova com a audição de testemunhas, não se vislumbra que pudesse este Tribunal dar como provada tal matéria de facto com base em tais depoimentos, uma vez que não nos seria permitido olvidar a legislação daquele país, nem extravasar o objecto restrito deste processo, e cuja celeridade que lhe deve ser imprimida não se compadece com a realização de actos dos quais não é possível retirar qualquer utilidade para a decisão a proferir no mesmo.»
4. Inconformado com a decisão de extradição, dela recorre o extraditando, afirmando, preliminarmente, que o faz, sem prejuízo dos «vários vícios de procedimento [que invocou, e], sem conceder quanto ao respectivo conhecimento e procedência, e não obstante continuar sem ter sido pessoalmente notificado de versão traduzida do acórdão proferido a 21ABR15», e «sem prescindir do conhecimento da arguição da omissão de notificação pessoal daquele acórdão», formulou as seguintes conclusões:
«1.ª Da interpretação o artigo 56.º da Lei n.º 144/99, de 31.08 não resulta qualquer margem de discricionariedade para o juiz relator decidir realizar ou não as diligências requeridas, mas tão só a faculdade de poder, ele próprio, determinar a realização de outras (para além das requeridas) que entenda necessárias.
2.ª Outro entendimento ou interpretação daquela norma, como o propugnado no douto acórdão recorrido, ao indeferir com fundamento na alegada inutilidade da sua audição porquanto extravasaria o objecto do processo, não tem reflexo na lei e viola, de forma evidente, as garantias de defesa e o direito a um processo justo e equitativo.
3.ª A oposição à extradição é análoga à contestação em processo penal, devendo aplicar-se-lhe as mesmas disposições quanto à admissão da produção de prova requerida.
4.ª Desde que respeitado o número de testemunhas previsto na Lei 144/99, de 31AGO (10 testemunhas), não pode a sua audição ser simplesmente indeferida.
5.ª As testemunhas indicadas Dr. ..., advogado, e ..., S., motorista, deporiam em concreto sobre o risco de ser sujeito a tratamento violador da CEDH é real e efectivo.
6.ª Estes testemunhos são pessoais, presenciais e directos, por isso imprescindíveis, relevantes, adequados e totalmente integrados no objecto do processo.
7.ª Ao indeferir a audição das testemunhas, o Venerando Tribunal a quo violou o disposto no artigo 56.º da Lei n.º 144/99, de 31.08.
8.ª A omissão de audição das testemunhas consubstancia a nulidade prevista no art. 119.º, al. d), do CPP, ou, pelo menos, no art. 120.º, n.º 2, al. d), do mesmo diploma, aplicável ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08.
9.ª Por mera cautela e dever de patrocínio, a não se entender que assim é, sempre terá de considerar-se que a falta de produção de prova consubstancia irregularidade, por violação do artigo 56.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08, e do art. 340.º, n.º 3, a contrario, do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08, a qual foi devida e atempadamente arguida perante o Venerando Tribunal a quo.
10.ª O Venerando Tribunal a quo omitiu da decisão a consideração da pertinência do alegado e requerido para o objecto do processo em face de ao Extraditando ter sido aplicada a prisão preventiva no Estado requerente, bem como omitiu manifestamente qualquer juízo sobre a relevância dos factos alegados e da prova requerida para a decisão sobre a verificação do disposto na reserva formulada por Portugal à Convenção Europeia de extradição (artigo 1.º, al. b), da Resolução da Assembleia da República n.º 23/89, de 21 de Agosto).
11.ª A decisão de indeferimento da produção dos meios de prova padece de vício por falta de fundamentação, por violação do disposto no artigo 97.º, n.º 5, do CPP, aplicável ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08.
12.ª A aplicação de prisão preventiva a cumprir em condições violadoras dos arts. 3.º e 8.º da CEDH, em condições em que os presos são sujeitos a tortura e ameaças e maus-tratos físicos, consubstancia por si só a falta de garantias jurídicas de um “procedimento penal que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos direitos do homem”. Como consubstancia um “cumprimento de pena em condições desumanas”.
13.ª O Venerando Tribunal a quo violou ainda o artigo 97.º, n.º 5, do CPP, ao fundar a sua decisão na posição assumida pelo Ministério Público na resposta à oposição e não tendo sido objecto de notificação prévia ao Extraditando, impediu-o de compreender o conteúdo da decisão final.
14.ª As violações do art. 97.º, n.º 5, do CPP, ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08, consubstanciam, no mínimo, irregularidade, nos termos do art. 123.º do CPP, que afecta o valor do acto, o que à cautela foi arguido atempadamente, se não até nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1 al. a), em conjugação com o art. 374.º, n.º 2, do CPP, que também foi arguida junto do Tribunal a quo e agora também se invoca.
15.ª Não sendo acolhido o critério normativo supra defendido, suscita-se, desde já, a inconstitucionalidade por violação do n.º 4, do art. 20.º, e dos n.ºs 1 e 5 do artigo 32.º da CRP, da norma constante do artigo 56.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08, e do artigo 340.º, n.º 3, a contrario, do CPP, se interpretados, singularmente considerados ou em conjugação com outro artigo, no sentido de ser permitido ao tribunal indeferir a produção de prova requerida pelo Extraditando, desde que contida no objecto do processo, ou seja, desde que verse sobre as condições previstas na reserva formulada por Portugal à Convenção Europeia de Extradição (artigo 1.º, al. b), da Resolução da Assembleia da República n.º 23/89, de 21 de Agosto) e no art. 6.º, al. a), da Lei 144/99, de 31.08, ou sobre qualquer questão relevante para a decisão de extradição, nomeadamente as condições de reclusão no país requerente quando ao extraditando foi aplicada a prisão preventiva.
16.ª O Venerando Tribunal a quo ao nem sequer se ter pronunciado sobre a legalidade e pertinência da audição do Extraditando violou o disposto no artigo 97.º, n.º 5 do CPP, violação que consubstancia a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1 al. c), do CPP.
17.ª Decorre do artigo 54.º da Lei 144/99, de 31.08 que a primeira audição do extraditando compreende apenas a identificação do detido, a elucidação sobre o direito de se opor à extradição ou de consentir nela e dos termos em que o pode fazer, bem como sobre a faculdade de renunciar ao benefício da regra da especialidade. Tratando-se de meras formalidades que apenas exigem declarações básicas como consentir ou não consentir, renunciar ou não renunciar, não é, evidentemente e atendendo ao princípio da igualdade de armas e ao direito a um processo justo e equitativo, o momento processual adequado para expressar e fundamentar a sua eventual oposição, isto muito embora esta norma permitir que o juiz aprecie os fundamentos da oposição se ele os quiser expor e as partes, Ministério Público e Defensor, poderem formular perguntas ao extraditando.
18.ª O direito do arguido/extraditando ser ouvido pelo Tribunal decorre directamente do disposto no artigo 61.º, n.º 1, al. b) do CPP.
19.ª À semelhança do que sucede com o previsto no artigo 292.º do CPP, também o interrogatório requerido em sede de processo de extradição, será, pela mesma ordem de razões, obrigatório quando requerido, configurando a sua não realização a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, al. d) do CPP).
20.ª Suscita-se a inconstitucionalidade, por violação do n.º 4, do artigo 20.º, e dos n.ºs 1 e 5 do artigo 32.º, ambos da CRP, da norma constante dos artigos 54.º e 56.º, da Lei 144/99, de 31.08, singularmente considerados ou em conjugação com qualquer outro artigo, quando interpretados no sentido de ser recusada a audição do extraditando – quando expressamente requerida por este.
21.ª Privar o Extraditando de tomar posição sobre o processo após o período de tempo que decorre para apresentação da oposição escrita, viola o artigo 6.º, n.º 3, al. b) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
22.ª O Extraditando não foi notificado da resposta à oposição emitida pelo Ministério Público, perdendo, assim, a oportunidade sequer de exercer o princípio do contraditório, em violação do disposto no n.º 5 do artigo 32.º da CRP, bem como no artigo 327.º do CPP.
23.ª Cabia ao Venerando Tribunal a quo, garantir, nos termos do disposto no art. 323.º, al. f), do CPP, o contraditório a exercer pelo Extraditando.
24.ª A violação do disposto nas normas supra referidas consubstancia a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, por omissão de diligência essencial às finalidades do processo e boa decisão do mesmo.
25.ª Em violação do n.º 2 do artigo 56.º da Lei 144/99 nem o Extraditando, nem a sua mandatária foram notificados para apresentar alegações, o que consubstancia uma nulidade prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP.
26.ª Deve ser feita uma interpretação do art. 120º, n.º 2, al. d), do CPP conforme aos arts. 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 1 e 5, da CRP, de forma a abranger nas nulidades dependentes de arguição a omissão de diligências de índole contraditória que se revelem essenciais para a boa decisão da causa.
27.ª A preterição das alegações previstas no artigo 56.º, n.º 2, e 57.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08, sempre consubstanciaria irregularidade.
28.ª A interpretação retirada dos arts. 56.º, n.º 2, e 57.º, nº 1, da Lei 144/99, de 31.08, singularmente considerados ou em conjugação com qualquer outro artigo, no sentido de ser possível a não concessão de prazo ao Extraditando para alegar, é materialmente inconstitucional, por violação dos arts. 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 1 e 5, da CRP.
29.ª É ainda inconstitucional, por violação dos arts. 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, o entendimento retirado do art. 55.º, n.º 3, da Lei 144/99, de 31.08, singularmente considerado ou em conjugação com qualquer outro artigo, no sentido de determinar que um Extraditando não tem de ser notificado da resposta do Ministério Público à oposição à extradição.
30.ª O Tribunal, ao inutilizar o direito de exercer o contraditório sobre a posição do Ministério Público, não notificando o Extraditando da resposta à oposição e não lhe concedendo sequer prazo para alegar, violou, de igual forma, o sentido expresso na norma do art. 56.º, n.º 2, e 57.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08, do art. 327.º do CPP e a tutela constitucional do processo equitativo e dos direitos de defesa do arguido plasmados nos arts. 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 1 e 5, da CRP, e, consequentemente, as garantias fundamentais de defesa do Extraditando.
31.ª O Extraditando não foi notificado pessoalmente do acórdão, pelo que aplicando-se subsidiariamente o CPP aos processos de extradição, ex vi, art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99 de 31.08, terá de ser necessariamente aplicado a este caso concreto o artigo 113.º, n.º 10 do CPP.
32.ª Devendo ser o Extraditando notificado pessoalmente da sentença e não podendo esta notificação ser substituída pela notificação somente dirigida à mandatária, ainda para mais sendo em língua que o Extraditando não entende, e prevendo a CEDH, bem como o CPP (art. 92.º, n.º 2, 111.º, n.º 1, al. c), 113.º, n.º 10), o direito do arguido à notificação pessoal em língua por si compreensível, a violação destes normativos (supra citados) sempre geraria, no mínimo, irregularidade susceptível de afectar o valor do acto de notificação – a qual foi devida e atempadamente arguida perante a 1ª instância –, porquanto manifestamente a notificação ao defensor em língua que o arguido não compreende não é susceptível de levar ao conhecimento pessoal deste o teor da sentença, com grave afectação dos seus direitos de defesa (nomeadamente do de interpor recurso). Porém, é de tal forma grave esta omissão que a mesma deve ser considerada nulidade insanável nos termos da al. c), do art. 119.º do CPP que se invoca.
Nulidade insanável por falta de número de juízes que devem constituir o Tribunal
33.ª O julgamento e a decisão recorrida foram realizados e decididos por um colectivo composto por dois juízes desembargadores;
34.ª Padece, pois, da nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. a), do CPP;
35.ª Com efeito, dispõe o art. 56.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26.08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário, doravante LOSJ), que “Fora dos casos previstos na lei de processo e nas alíneas g) e h) do artigo anterior, o julgamento nas secções é efetuado por três juízes, cabendo a um juiz as funções de relator e aos outros juízes as funções de adjuntos”.
36.ª A lei do processo, in casu o art. 12.º, n.º 3, al. c), dispõe também que compete às secções criminais das relações, em matéria penal, julgar os processos judiciais de extradição, determinando o n.º 4 que as secções funcionam com três juízes.
37.ª A lei do processo é ainda constituída pelos arts. 49.º, n.º 2, e 57.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08, norma esta que “supõe a intervenção de dois adjuntos, pois aí se refere expressamente que “(…) o juiz relator procede, em 10 dias, ao exame do processo e manda dar vista a cada um dos dois juízes-adjuntos, por 5 dias” (cf. ACSTJ, de 23.06.2010, processo 2113/09.4YRLSB.S1, Relator: Raúl Borges ).
38.ª Foram, desta forma, violadas as regras de constituição do tribunal, no que respeita ao número de juízes que o deve constituir, padecendo a decisão de nulidade insanável, nos termos do art. 119.º, al. a), do CPP, que aqui expressamente se argui, com os legais efeitos.
39.ª O Venerando Tribunal a quo olvidou matéria de facto que deveria ter dado como assente (não tivesse ignorado o acervo documental junto com a oposição).
40.ª Ao desconsiderar a matéria de facto alegada na oposição, sem que sobre a mesma especificadamente se tivesse pronunciado, incorreu o acórdão na nulidade por omissão de pronúncia prevista no artigo 379, n.º 1, al. c) do CPP.
41.ª Considerando os documentos existentes nos autos, os factos alegados são também relevantes para a aferição da verificação do pressuposto negativo do artigo 6.º, n.º 1, al. a), e de causa de recusa facultativa prevista no artigo 18.º, n.º, 2, da Lei 144/99, de 31.08.
42.ª Considerando que ao Extraditando foi, no Estado requerente, aplicada prisão preventiva importaria valorar todos os elementos existentes a respeito das condições de reclusão na Rússia. Não o tendo feito incorreu o douto acórdão na nulidade de omissão de pronúncia prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, configurando, ademais, nos termos da al. b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, uma contradição insanável na fundamentação ao, na fundamentação de direito, o Tribunal ter partido do pressuposto de que a questão das condições da prisão não seria de colocar simplesmente porque não se sabe se o Extraditando irá ser condenado.
43.ª O Venerando Tribunal a quo incorreu, nos termos do disposto no n.º 2, al. b) do artigo 410.º do CPP, no vício da contradição insanável entre a matéria de facto dada como provada (a aplicação da prisão preventiva) e a fundamentação (que desvaloriza a condição invocada por presumir não haver certeza quanto à condenação) e, consequentemente, deveria ter dado como provados os factos atinentes às condições de reclusão.
44.ª O Venerando Tribunal a quo recorrido ao não ter valorado e ponderado os factos alegados relativos às garantias processuais do Estado requerente padece vício acima invocado, pelo que, deveria ter dado como provado esses factos.
45.ª Ao não se ter pronunciado especificadamente sobre os factos alegados na oposição relativos às garantias processuais no sentido de estarem ou não provados, porquanto entendeu “inexiste matéria de facto dada como não provada com interesse para a decisão da causa”, o acórdão recorrido violou o disposto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP incorrendo, assim, na nulidade prevista no artigo 379.º n.º 1, al. a) do CPP, aplicável ex vi artigo 3.º, n.º 2 da Lei 144/99, de 31.08.
46.ª Ao desconsiderar a matéria de facto relativa às garantias processuais alegada na oposição, sem que sobre a mesma especificadamente se tivesse pronunciado, incorreu o douto acórdão na nulidade por omissão de pronúncia prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. c) do CPP, que desde já se invoca.
47.ª A sufragar-se tal entendimento quanto à interpretação das normas dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) e c), no sentido de desconsiderar-se matéria de facto articulada pelo extraditando, desde que conexionada com a questão de direito a decidir, viola a tutela constitucional das garantias de defesa, o princípio do contraditório e o direito a um processo justo e equitativo, tal como decorrem do disposto nos artigos 32.º, n.º 1 e 5 e 20.º, n.º 4 da CRP.
48.ª Para os efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, al. b) do C. Processo Penal, aplicável ex vi do artigo 3.º, n.º 2 da Lei 144/99, de 31.08, há que relevar todo o acervo documental pré-existente nos autos, bem como o carreado para os autos pelo Extraditando, o qual não foi indeferido ou impugnado.
49.ª Os factos elencados nas alíneas a) e b) da parte II deste recurso deverão ser dados como provados porquanto os documentos 1 e 2 juntos com a oposição.
50.ª Os factos constantes das alíneas c), d) f) e g) estão suficientemente demonstrados por via do conteúdo e sentido da queixa crime apresentada pelo extraditando em 31OUT10.
51.ª O facto constante da alínea e), resulta de documento superveniente que, consequentemente, deverá ser admitido e valorado.
52.ª O facto constante da alínea g) subsume-se ao direito a uma vida familiar e, independentemente das questões de direito que suscita, deveria ter sido dado como provado porquanto resulta demonstrado por via da simples circunstância de, tal como o seu agregado familiar, o extraditando está perfeitamente integrado em território nacional, residindo, com a sua mulher e filhos, de forma legal, como ademais decorre da recente concessão de autorização de residência.
53.ª O Venerando Tribunal a quo não dispunha de elementos que permitissem concluir que a família do extraditando, se confrontada com a extradição, pretendia acompanhá-lo, naturalmente que deveria ter dado como provado que a concessão da extradição acarretará a separação da família, facto que, para além do mais, constitui violação do direito a uma vida familiar, consagrado no artigo 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem como mais adiante se detalhará.
54.ª Os factos constantes das alíneas h) e i) do presente recurso, tal como os constantes das alíneas seguintes, terão que necessariamente ser dados como provados porquanto resultam, de forma pública, notória e inquestionável quer de relatórios produzidos por instituições internacionais credíveis, quer de instâncias judiciais internacionais, como o TEDH e tribunais de países signatários da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
55.ª Os factos constantes das alíneas j) a o) terão que ser dados como provados por via do acervo documental existente. Ou seja, como atrás se referiu, partindo do pressuposto que o Venerando Tribunal a quo deu como provada a aplicação da prisão preventiva, impunha-se-lhe valorar as condições de reclusão no Estado requerente e assim dar como provadas aquelas alíneas com base no teor do Relatório sobre a visita do Comité para a Prevenção da Tortura e Tratamentos ou Punição desumanos ou degradantes à Federação Russa, e nos casos mais relevantes do TEDH.
56.ª Não é de todo aceitável que o Estado requerido se alheie do reconhecimento das violações sucessivas por parte do Estado requerente, negando a sua excepcionalidade, entregando o extraditando às autoridades de um país que – admite - pontualmente atropela direitos legalmente consagrados.
57.ª Também resulta da prova carreada para os autos que o processo penal russo não é justo e equitativo, ao arrepio dos comandos legislativos internacionais, e dos comandos constitucionais em vigor no ordenamento jurídico português.
58.ª Tal como alegado na alínea n), e respectivas subalíneas, o Venerando Tribunal a quo teria que ter dado como demonstrado o facto de serem as práticas descritas naquelas alíneas normais no seio do Estado requerente.
Princípio da Especialidade – nulidade nos termos do disposto no artigo 283.º, n.º 3. al. b), do CPP, aplicável ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08, e Inexistência de Garantia Efectiva
59.ª Quando do seu interrogatório, o extraditando não renunciou ao princípio da especialidade, o que o faz beneficiar da protecção conferida pelo disposto no artigo 16.º da Lei 144/99, de 31.08, e no art. 14.º da Convenção Europeia de Extradição (STE n.º 024), de 27.04.1977 .
60.ª Com a não renúncia ao princípio da especialidade, a eventual extradição ficará condicionada ao cumprimento pela Federação Russa das garantias por escrito prestadas, ou seja, à garantia de que, uma vez submetido ao poder judicial russo, a acusação que consta dos autos, e que aparentemente foi formulada, não poderá sofrer qualquer alteração, nem o arguido poderá ser processado, julgado, detido ou preso por outros factos anteriores à extradição.
61.ª O princípio da especialidade, tal como previsto naquelas normas, limita o poder do Estado requerente sujeitar a restrição da liberdade da pessoa extraditada ou de a julgar ou executar pena aos factos que fundamentaram o pedido de extradição, impedindo que, uma vez removido para o Estado requerente, o arguido seja processado, julgado, preso preventivamente ou colocado em execução de pena relativamente a crimes praticados antes da extradição.
62.ª Qualquer desvio aos ditames deste princípio faz incorrer o Estado requerente numa violação de tratados ou convenções internacionais. Essa violação poderá ter como consequências (1) a quebra da confiança no Estado que acabou por não assumir o comportamento esperado e (2) a desacreditação do instituto da extradição. Porém, estas consequências sentir-se-ão apenas a nível diplomático. Já a posição do cidadão extraditado ficará irremediavelmente prejudicada, pois este não tem qualquer direito exequível para fazer valer a decisão que declare violada a garantia da especialidade e ordene a sua libertação – cf. o caso paradigmático subjacente do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.01.2012, proferido no processo n.º 111/11.7YFLSB , em que, apesar de declarada a resolução da extradição, o Estado requerente não acata a decisão.
63.ª Ou seja, a partir do momento em que o cidadão é removido para o Estado requerente, existindo violação do princípio da especialidade o Estado requerido nada poderá fazer para salvaguardar aquele princípio e, em última instância, proteger o extraditando.
64.ª A prática tem evidenciado que os Estados, pelo menos fora da União Europeia, como é o caso, não respeitam por vezes o condicionamento a que internacionalmente se vincularam, pois, ainda que se possam verificar esforços diplomáticos no sentido de “devolver” o extraditando, tal não ocorre. O problema põe-se com particular acuidade nos autos, pois na Federação Russa é usual serem alteradas as acusações ou acrescentados novos crimes, o que acontece muitas vezes até após os arguidos serem absolvidos – são absolvidos de um crime, por tribunal de júri, e logo a seguir alvo de novo processo, de forma a manter a sua situação de detenção ou prisão.
65.ª Por este motivo, é imprescindível assegurar que existem garantias reais e não meramente formais relativamente ao princípio da especialidade, nomeadamente é necessário que o Estado requerente assuma e garanta que, caso decretada pelos Tribunais portugueses a violação do princípio e decidida a resolução da decisão de extraditar, se compromete a imediatamente libertar o cidadão extraditado e a permitir que este regresse a Portugal.
66.ª Não sendo concedida garantia nesses termos, não pode o cidadão ser extraditado.
67.ª Por outro lado, e esta foi uma circunstância suscitada em plena audição do recluso, constatou-se que a tradução dos documentos oficiais, enviados pelas autoridades da Federação Russa, que foi carreada para os autos, é manifestamente ininteligível e não permite conhecer com detalhe e rigor a imputação que ao extraditando é feita, tendo sido apresentado o seguinte requerimento, que foi indeferido por “inexistência de base legal”:
68.ª A questão não é despicienda pois, à luz do nosso ordenamento jurídico, designadamente do disposto no artigo 283.º, n.º 3, al. b) do CPP, uma acusação deve conter, sob pena de nulidade, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; e a A indicação das disposições legais aplicáveis;”
69.ª Compulsados os documentos que suportam o pedido de extradição, facilmente se constata que, relativamente ao extraditando, não consta uma narração dos factos de acordo com os parâmetros nacionais, o que permite convictamente supor, atentas as lacunas e contradições existentes naquela narrativa, que outros factos poderão vir a ser introduzidos, podendo comportar uma alteração drástica e significativa da situação processual do extraditando, nomeadamente passando de acusado pela alegada prática de sequestro a acusado pela alegada prática de homicídio.
70.ª Esta simples circunstância – manifesta ineptidão – bastaria, à luz do nosso ordenamento, para suscitar a nulidade da acusação por violação da norma atrás referida, o que culminaria na sua anulação e, para além do mais, não permite considerar que se encontra assegurada a garantia do princípio da especialidade, à qual o extraditando não renunciou.
71.ª O Estado português, não pode consentir num pedido de extradição cujos factos vêm descritos de forma ininteligível, com erros que são susceptíveis de alterar o conteúdo da acusação descrita – por exemplo, é difícil perceber se os factos, afinal, se enquadrariam, segundo o nosso direito, na mera cumplicidade (e não na autoria como “organizador”), cumplicidade essa que teria também de estar consubstanciada em factos que preenchessem os pressupostos do tipo previsto no nosso CP.
72.ª É que a cumplicidade tem como pressuposto um contributo causal para o facto, sem o qual o mesmo não poderia ter ocorrido nas mesmas circunstâncias, e tem de ser dolosa, não só quanto ao auxílio prestado, mas também quanto ao tipo realizado pelos autores e às respectivas agravantes (cf. art. 158.º, n.º 1, als. b) e g), e arts. 13.º e 27.º do CP). Não se verificando os seus pressupostos, não existe crime, logo não pode ser concedida a extradição. Mais, não se verificando os pressupostos referentes às agravantes, a medida da pena aplicável em Portugal já não será a do art. 158.º, n.º 2, mas sim a do n.º 1, especialmente atenuada, nos termos dos arts. 27.º e 73.º do CP. Podia até, na pior das hipóteses, tratar-se de actos preparatórios não puníveis segundo o direito penal português. Ou seja, os factos constantes do pedido de extradição têm de estar claros, precisos e inteligíveis, bem como correctamente escritos em língua portuguesa (não se tratam de gralhas, in casu, mas de erros de sintaxe que são susceptíveis de alterar o significado das frases).
73.ª . Ao decidir de outra forma violou o Tribuna recorrido os arts. 283.º, n.º 3. al. b), do CPP, aplicável ex vi art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08.
Da natureza das normas da Convenção de Extradição
74.ª O Tribunal a quo parte de um entendimento incorrecto da natureza das normas de direito internacional público e, em particular, das normas de Convenções extradicionais, como é o caso da Convenção em causa.
75.ª Com efeito, como é sabido, tais Convenções não importam, para os Estados, uma obrigação de extraditar, estando sempre na disponibilidade dos Estados requeridos a recusa de extradição por motivos decorrentes, quer da sua legislação interna, quer de decisões puramente políticas.
76.ª Estamos no campo das relações de direito internacional entre Estados, regidas pelo princípio de comity, ou respeito mútuo, onde os Estados assumem obrigações que cumprem por deferência para os Estados “amigos”, mas não por se tratar de obrigações juridicamente vinculativas de entrega de cidadãos.
77.ª Aliás, esta é precisamente a característica que marca a diferença entre a extradição dita “clássica” e a entrega no âmbito do Mandado de Detenção Europeu, ao abrigo do princípio do reconhecimento mútuo. É que nos casos dos instrumentos de reconhecimento mútuo, vem-se argumentando que o Estado requerido (ou de execução) apenas pode recusar a entrega nos casos taxativamente previstos no instrumento internacional. Já nos casos de extradição clássica, apesar de os Estados se comprometerem por Tratado a extraditar, este compromisso é mera declaração de princípio e intenção, podendo o Estado requerido recusar a extradição, quer com fundamento na Lei interna, quer num juízo político.
78.ª O art. 46.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08 não é mais do que uma manifestação desta natureza, ao permitir que o decisor político recuse a extradição por motivos de ordem política, de oportunidade ou de conveniência.
79.ª Em qualquer, caso, a cooperação internacional e, em particular, a extradição, estará sempre subordinada “à protecção dos interesses da soberania, da segurança, da ordem pública e de outros interesses da República Portuguesa, constitucionalmente definidos”, de acordo com o art. 2.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08.
80.ª Ademais, as disposições normativas da Lei 144/99 não podem ser interpretadas como conferindo um qualquer direito de exigir a cooperação internacional em matéria penal, segundo o art. 2.º, n.º 2, o que não é mais do que a manifestação da natureza das normas de cooperação internacional.
81.ª A não verificação de motivos de exclusão de extradição verificados na Convenção Europeia de Extradição não isenta, assim, Portugal de aferir a verificação dos pressupostos negativos e positivos gerais da cooperação internacional e especiais da extradição, previstos na Lei 144/99, de 31.08, em particular todos os que se reconduzem à ordem pública constitucional portuguesa e ao respeito dos direitos humanos fundamentais consagrados interna e internacionalmente.
Da insuficiência das “garantias” prestadas pela Federação Russa
82.ª As garantias formais prestadas pela Federação Russa são manifestamente insuficientes para afastarem o risco real das violações de direitos humanos invocadas na oposição, por quatro ordens de razões:
a. Em primeiro lugar, não resulta comprovado nos autos que tais garantias tenham sido prestadas por quem tem competência para vincular a Federação Russa internacionalmente, bem como para vincular as diversas pessoas e autoridades cuja conduta é susceptível de violar os direitos do Extraditando previstos na CEDH.
b. Em segundo lugar, tais garantias não respeitam as exigências da CEDH e da jurisprudência do TEDH quanto à suficiência de garantias.
c. Em terceiro lugar, a mera existência de garantias formais não é suficiente, em particular quando resulta comprovado (sendo que bastaria resultar suficientemente indiciado) que o Estado requerente não cumpre, na prática, aquilo que, na retórica do processo, proclama garantir, como resulta demonstrado pelas múltiplas e graves condenações nas instâncias internacionais, nos relatórios de ONG absolutamente credíveis em que se comprova a violação dos mais elementares direitos humanos.
d. Em quarto lugar, é público e notório que a Federação Russa não respeita minimamente as suas obrigações de direito internacional, não só como resulta demonstrado por aquelas múltiplas e graves condenações nas instâncias internacionais, nos relatórios de ONG absolutamente credíveis em que se comprova a violação dos mais elementares direitos humanos, bem como ainda das próprias decisões que constatam o incumprimento pela Rússia das decisões das instâncias internacionais de direitos humanos e, ainda, pelo comportamento público e notoriamente violador de direito internacional.
83.ª A suficiência das prestadas garantias deve ser apreciada tendo em conta a sua qualidade das garantias prestadas e as práticas do Estado requerente/de destino da pessoa a extraditar ou deportar, de forma a avaliar se as garantias são fiáveis (acórdão Othman (Abu Qatada) c. Reino Unido, de 17 de Janeiro de 2012, transitado em 09.05.2012, queixa n.º 8139/09, ponto 189).
84.ª Para decidir da suficiência das garantias o Tribunal tem de aferir:
i. se os termos das garantias foram divulgados ao Tribunal;
ii. se as garantias são específicas ou são gerais e vagas;
iii. quem deu as garantias e se essa pessoa pode vincular o Estado de recepção;
iv. se as garantias foram emitidas pelo governo central do Estado de recepção e se é expectável que as autoridades locais as venham a cumprir;
v. se as garantias se referem a tratamento legal ou ilegal no Estado de recepção;
vi. se as garantias foram dadas por um Estado Contratante;
vii. a duração e força das relações bilaterais entre o Estado de envio e o de recepção, incluindo o historial do Estado de recepção relativamente ao cumprimento de garantias similares;
viii. se o cumprimento das garantias pode ser objectivamente verificado através de mecanismos de monitorização diplomáticos ou outros, incluindo através do provimento de acesso irrestrito aos advogados do requerente;
ix. se existe um sistema eficaz de proteção contra a tortura no Estado de recepção, inclusive se este está disposto a cooperar com os mecanismos de acompanhamento internacionais (incluindo ONGs internacionais de direitos humanos internacionais), e se está disposto a investigar alegações de tortura e punir os responsáveis;
x. se o requerente já foi sujeito a tratamento abusivo no Estado de recepção;
xi. se a fiabilidade das garantias foi examinada pelos tribunais nacionais do Estado de envio/Contratante.
85.ª Ora, in casu, os factores ii, iii, iv, vi, vii, viii, ix e xi impõem a conclusão de que as garantias são insuficientes:
a. as garantias prestadas são vagas, não se especificando concretamente o estabelecimento prisional em que o Extraditando vai ser colocado caso seja entregue, isto durante o período de prisão preventiva que foi decretada, ou, caso seja condenado, durante o cumprimento de pena, nem sequer as condições prisionais de tal ou tais estabelecimentos (decorrendo dos elementos dos autos que os Estabelecimentos de Kaliningrado não respeitam o art. 3.º da CEDH); também não se especifica quais as garantias de defesa de que o mesmo beneficiará, nem sequer em que tribunal será julgado, quanto tempo poderá estar em prisão preventiva, se terá acesso ao processo ou beneficiará de apoio judiciário, caso necessite e se pode recorrer em matéria de facto e de direito e para que tribunais. Nenhuma garantia concreta se fornece quanto à salvaguarda do Extraditando relativamente actos de tortura e tratamento desumano e degradante, nem sequer se sabendo que meios de reacção lhe assistem, caso veja os seus direitos violados (factor ii).
b. as supostas garantias foram prestadas pelo Vice Procurador-Geral da Federação Russa, inexiste no processo qualquer comprovativo de acto ou norma que atribua à referida autoridade competência para internacionalmente vincular a Federação Russa ou internamente vincular ou garantir o cumprimento das garantias pelas autoridades das subdivisões federais, garantias que, em face da sua natureza, não aparentam poder ser prestadas por tal autoridade (antes por autoridades com poder legislativo, político, diplomático ou judicial, e de gestão dos serviços prisionais) (factores iii e iv).
c. A Federação Russa apenas é Estado Contratante e Membro do Conselho da Europa desde 1998 não sendo, neste momento, tendo-lhe sido aplicadas sanções (foram suspensos os direitos de voto da delegação russa na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e o seu direito a estar representada nos órgãos directivos da Assembleia; foram suspensos o direito dos membros russos de serem nomeados relatores, de observarem processos eleitorais ou de representarem a Assembleia noutros órgãos do Conselho da Europa ou externos (factor vi)
d. As relações bilaterais entre Portugal e a Federação Russa são recentes e fracas, inexistindo Tratados bilaterais e apenas existindo representação diplomática deste 1974, tendo muito recentemente ocorrido incidente diplomático grave, nunca tendo ocorrido extradição de Portugal para a Federação Russa (factor vii)
e. É desconhecido se a monitorização diplomática é exequível ou sequer se já alguma vez ocorreu, mais a mais quando o consulado se localiza em Moscovo que fica a cerca de 1300 km de Kaliningrado, divisão federal na qual corre o processo no qual se requer a extradição, inexistindo qualquer referência ao acesso pelo TEDH ao advogado que o Extraditando possa vir a constituir ou ter (factor viii)
f. A tortura é prática corrente na Federação Russa em particular nos estabelecimentos de prisão preventiva (SIZO) e nas prisões, sendo a prova obtida usada em julgamento e inexistindo qualquer sistema eficaz de prevenção, proteção e de repressão, inexistindo investigações sérias das alegações de tortura e punição dos respectivos responsáveis. A Federação Russa não se encontra a cooperar com os organismos internacionais, nomeadamente a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e o Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas, desrespeitando medidas provisórias decretadas pelo TEDH (factor xi).
86.ª A suficiência material das garantias é, evidentemente, questão de conhecimento oficioso que cabia ao Tribunal a quo investigar e decidir, em particular face aos factos invocados na oposição, à prova junta, e à alegação expressa e especificada de que as garantias meramente formais prestadas eram insuficientes.
87.ª O ónus de aferir a sua adequação e suficiência é do Tribunal e não do Extraditando, mais a mais quando o Extraditando invocou violações de direitos humanos que não só são públicas e notórias, como resultam demonstradas pelos documentos oficiais cuja junção requereu ou citou.
88.ª Com efeito, como se demonstra na oposição (ou, no mínimo fortemente indicia, o que seria suficiente para exigir uma aferição adequada e séria da fiabilidade das garantias) a violação da CEDH pela Federação Russa é reiterada, sistemática e manifesta.
89.ª Resulta comprovado nos autos que o Estado requerente não cumpre, na prática, aquilo que proclama processualmente garantir, pelo teor do texto e alcance das condenações internacionais do Estado Russo, destacando-se o Acórdão do TEDH no caso ANANYEV e Outros, de 10 de Janeiro de 2012, queixa n.º 42525/07 e 60800/08, em que o TEDH fez uso do pilot judgment procedure , i.e., confrontado com um número constantemente elevado de queixas, semelhantes entre si, por violação reiterada de um dos Direitos da Convenção, por parte de determinado Estado-membro, o TEDH concluiu pela existência de violação sistémica do art. 3.º (proibição de tratamentos desumanos ou degradantes) e do art. 13.º (direito a um recurso efectivo) em mais de 80 casos decididos pelo TEDH, existindo 250 casos semelhantes pendentes, continuando o julgamento piloto em vigor, não tendo a Federação Russa tomado medidas adequadas para lhe dar execução (o que resulta também dos restantes acórdãos do TEDH citados na oposição e no presente recurso), cujo teor se dá reproduzido.
90.ª Existem centenas de outros acórdãos condenando a Rússia, pelo menos por violações dos arts. 3.º, 6.º e 13.º da CEDH, todos disponíveis em http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/Pages/search.aspx# (em concreto, na data de 7 de Maio de 2015, verifica-se a existência de 506 acórdãos referentes a violações do artigo 3.º e 13.º em língua inglesa, de um total de 563 acórdãos; 789 acórdãos referentes a violações do art. 6.º em língua inglesa, de um total de 870 acórdãos) .
91.ª O mesmo resulta também da documentação junta e citada, toda ela pública e provinda de instâncias internacionais governamentais e não governamentais altamente reputadas, designadamente, para além dos abundantes elementos disponíveis on-line:
a. Relatório do Conselho da Europa para a Prevenção da Tortura e Tratamento Desumano e Degradante (Dezembro de 2012);
b. “Global Corruption Barometer 2013” (http://www.transparency.org/gcb2013), segundo o qual a polícia russa é considerada como uma das mais corruptas instituições públicas do país, tendo os elementos da polícia muitas possibilidades e oportunidades para abusar do seu poder; as regras de conduta dos polícias não estão definidas; não recebem formação anti-corrupção, pelo que actuam com grande impunidade;
c. Comunicado do TEDH sobre o incumprimento de medidas provisórias ordenadas pelo TEDH por parte da Federação Russa, disponível em hudoc.echr.coe.int/webservices/content/pdf/003-4912875-6010472;
d. Comunicado do TEDH sobre o incumprimento de medidas provisórias ordenadas pelo TEDH por parte da Federação Russa, disponível em hudoc.echr.coe.int/webservices/content/pdf/003-4338633-5201894;
e. Relatório da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa adoptada pela resolução 2040(2015) de 6 de Março de 2015 intitulado “Ameaças ao Estado de Direito nos Estados Membros do Conselho da Europa: afirmar a autoridade da Assembleia Parlamentar”;
f. Observações conclusivas sobre o sétimo relatório periódico sobre a Federação Russa, adoptadas pelo Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas em 31 de Março de 2015 ;
g. Resolução 2034 (2015) versão final, intitulada “Objecção, por motivos substantivos, às credenciais ainda não ratificadas da delegação da Federação Russa” .
cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
92.ª O circunstancialismo supra descrito já levou inclusivamente a que os Tribunais de outros Estados-Membros da União Europeia e signatários da CEDH recusassem a extradição para a Federação Russa, pelo menos o Reino Unido e a França, de acordo com os docs. 13 a 15 juntos com a oposição que se dão por integralmente reproduzidos, inclusivamente, o Reino Unido neste momento recusa liminarmente a extradição para a Rússia com fundamento na violação do art. 3.º da CEDH, presumindo que a mesma existe e já nem carece de ser comprovada.
93.ª Apesar das múltiplas condenações em instâncias internacionais, incluindo o julgamento-piloto no caso Ananyev, bem como relatórios de organizações internacionais de direitos humanos altamente credíveis (Amnistia Internacional, Comité da Prevenção de Tortura do Conselho da Europa, Comité de Direitos Humanos das Nações Unidas), a Federação Russa em nada alterou o seu comportamento a nível de respeito dos direitos humanos.
94.ª Acresce ser manifesto, público e notório que a Federação Russa não respeita as obrigações de direito internacional por si supostamente assumidas.
95.ª A Federação Russa não viola apenas, reiteradamente, a CEDH, o PIDCP e as Convenções das Nações Unidas e do Conselho da Europa para a Prevenção da Tortura, mas incumpre as injunções emitidas pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos nos termos da Rule 39, ordenadas pelo TEDH para impedir provisoriamente a suspensão de uma extradição (v.g. acórdão Mamazhonov v. Russia, de 23.10.2014, queixa n.º 17239/13 e decidido no acórdão Savriddin Dzhurayev c. Russia, de 25.04.213, queixa n.º 71386/10), estando em causa risco iminente de sujeição a tratamentos violadores do art. 3.º da CEDH.
96.ª A Federação Russa não respeita minimamente as suas obrigações de direito internacional, como resulta demonstrado pelo comportamento público e notoriamente violador do direito internacional (v.g. a anexação ilegal na Crimeia; a intervenção na Ucrânia através de forças paramilitares; os voos militares não autorizados sobre o espaço aéreo de vários países da União Europeia, incluindo Portugal, a actividade ilegal de espionagem por parte de elementos da Embaixada da Federação Russa em Portugal).
97.ª Por estes motivos tem de ser recusada a extradição por verificação de condição negativa de cooperação da extradição do art. 6.º, al. a), da Lei 144/99, de 31.08, e da reserva formulada por Portugal à Convenção Europeia de extradição (artigo 1.º, al. b), da Resolução da Assembleia da República n.º 23/89, de 21 de Agosto), com referência aos arts. 3.º e 6.º da CEDH.
98.ª É verdade que o presente pedido de extradição foi apresentado pela Federação Russa, instruído com os elementos constantes de fls. 169 a 242ss, inclusivamente com as “garantias” formais constantes de fls. 260-261 (idênticas às de fls. 169-170).
99.ª Muito embora da informação a fls. 165 conste que não se verificam as situações previstas no art. 6.º, als. a) a d), da Lei 144/99, de 31.08, é manifesto que tal apreciação é meramente uma apreciação perfunctória e com base em prima facie evidence, ou seja, com base nos elementos fornecidos pelo próprio Estado requerido, nomeadamente nas garantias meramente formais que o mesmo apresenta (fls. 169-170 ou 260-261), não vinculando o Tribunal a quo, nem podendo vincular o Tribunal ad quem.
100.ª A apreciação da inexistência dos pressupostos negativos da cooperação internacional não se basta com garantias formais.
101.ª A suficiência material e não meramente formal das garantias é, evidentemente, questão de conhecimento oficioso que cabia ao Tribunal a quo investigar e decidir, em particular face aos factos invocados na oposição, à prova junta, e à alegação expressa e especificada de que as garantias meramente formais prestadas eram insuficientes.
102.ª O ónus de aferir a sua validade, adequação e suficiência – como aqui faz agora o requerente por a isso se ver forçado dada a total ausência de decisão séria, fundada e crítica pelo Tribunal a quo – era do Tribunal a quo e não do Extraditando, mais a mais quando o Extraditando invocou violações de direitos humanos que não só são públicas e notórias, como resultam demonstradas pelos documentos cuja junção requereu, foi admitida e não foi impugnada.
103.ª Com efeito, como se demonstra na oposição (ou, no mínimo fortemente indicia) a violação da CEDH pela Federação Russa é reiterada, sistemática e manifesta.
104.ª Ao decidir que basta existir uma garantia formal – leia-se, um documento assinado por autoridade cuja competência inclusivamente se desconhece – para considerar que não se verifica a condição negativa de cooperação da extradição do art. 6.º, al. a), da Lei 144/99, de 31.08, e da reserva formulada por Portugal à Convenção Europeia de extradição (artigo 1.º, al. b), da Resolução da Assembleia da República n.º 23/89, de 21 de Agosto), com referência aos arts. 3.º e 6.º da CEDH, violou o Tribunal a quo manifestamente estas normas, bem como o art. 13.º da CEDH, colocando o Extraditando em risco sério e iminente de violação daqueles seus direitos consagrados na Convenção Europeia dos Direitos do Humanos (e também na Constituição da República Portuguesa).
105.ª Impunha-se, sim, uma interpretação de tais normas – que se destinam a salvaguardar a ordem pública constitucional e internacional de direitos humanos e os direitos fundamentais constitucionalmente e convencionalmente consagrados – em conformidade com os arts. 2.º, 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 1 e 2, 16.º, nº 1 e 2, 20.º, n.º 4, 25.º, 26.º e 32.º, n.º 1 e 8, da CRP (estes últimos aplicáveis à extradição porquanto a mesma assume natureza penal, tal como resulta da aplicação subsidiaria das normas de processo penal determinada pelo art. 3.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08, nelas se incluindo as garantias constitucionais a um processo justo e equitativo e com todas as garantias de defesa).
106.ª Impõe-se também interpretação conforme com os normativos da Declaração Universal dos Direitos humanos (DUDH), da Convenção Europeia dos Direitos humanos (CEDH), da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes das Nações Unidas (CTOPTCDD), da Convenção Europeia para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes (CEPTPTDD), do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas (PICDP) referentes à proibição de tortura e/ou tratamentos degradantes, incluindo também a proibição de uso e valoração de prova obtida mediante tortura, bem como do direito a um processo justo e equitativo, com garantias de imparcialidade:
Proibição de tortura e/ou tratamentos degradantes:
DUDH: artigo 5.º: Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
CTOPTCDD: todo o normativo da Convenção, em especial o artigo 3.º, n.º 1: Nenhum Estado parte expulsará, entregará ou extraditará uma pessoa para um outro Estado quando existam motivos sérios para crer que possa ser submetida a tortura.
PIDCP: artigo 7.º: Ninguém será submetido à tortura nem a pena ou a tratamentos cruéis, inumanos ou degradantes.
CEDH: artigo 3.º: Ninguém pode ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes.
CEPTPTDD: todo o normativo da Convenção que cria o Comité, que, numa lógica preventiva, fiscaliza o cumprimento do artigo 3.º da CEDH.
Proibição de uso e valoração de prova obtida mediante tortura:
DUDH: artigos 5.º e 10.º
CTOPTCDD: artigo 15.º: Os Estados partes deverão providenciar para que qualquer declaração que se prove ter sido obtida pela tortura não possa ser invocada como elemento de prova num processo, salvo se for utilizada contra a pessoa acusada da prática de tortura para provar que a declaração foi feita.
PIDCP: artigos 7.º e 14.º
CEDH: artigo 3.º e 6.º
Direito a um processo justo e equitativo, com garantias de imparcialidade:
DUDH: artigo 10.º: Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.
PIDCP: artigo 14.º, n.º 1: Todos são iguais perante os tribunais de justiça. Todas as pessoas têm direito a que a sua causa seja ouvida equitativa e publicamente por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido pela lei, que decidirá quer do bem fundado de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra elas, quer das contestações sobre os seus direitos e obrigações de carácter civil.
CEDH: artigo 6.º, n.º 1: Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela.
107.ª Interpretação essa que tem de preconizar que a aferição da existência de garantias efectivas de não violação dos normativos de direitos fundamentais constitucionalmente ou internacionalmente consagrados, em particular a CEDH, como preconizado no art. 6.º, al. a), da Lei 144/99, de 31.08, não pode bastar-se com uma garantia formal (ainda mais inadequada), mais a mais quando resulta demonstrada (e bastaria encontrar-se suficientemente indiciada) a violação grave, sistemática e recorrente daqueles normativos no Estado requerente da extradição, bem como o incumprimento por parte deste Estado das suas obrigações de direito internacional.
108.ª Ao não apreciar a existência das garantias efectivas, bastando-se com a mera apreciação formal, o Tribunal a quo violou ainda os arts. 2.º, n.º 3, do PICDP, e 13.º, da CEDH.
109.ª A norma extraída dos arts. 1.º e 2.º da Convenção Europeia de Extradição, em conjugação com o art. 3.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, al. a), da Lei 144/99, singularmente considerados ou em conjugação com outro artigo, no sentido de que existe uma imposição de extraditar quando não se verifiquem os requisitos das “exclusões” previstas na Convenção de não violação dos instrumentos internacionais de direitos humanos referentes aos tratamentos desumanos e degradantes, em particular a tortura e situações de perigo para a saúde, integridade física e psíquica e vida, e ao processo justo e equitativo, nomeadamente com a utilização de provas obtidas por tortura, padece de inconstitucionalidade por violação dos arts. 2.º, 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 1 e 2, 12.º, 15.º, n.º 1, 16.º e 18.º, n.º 1 e 2, 20.º, n.º 4, 24.º, 25, 32.º, n.º 1 e 8, da CRP.
110.ª A norma extraída dos arts. 1.º e 2.º da Convenção Europeia de Extradição, em conjugação com o art. 3.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, al. a), da Lei 144/99, singularmente considerados ou em conjugação com outro artigo, no sentido de que existe uma imposição de extraditar quando não se verifiquem os requisitos das “exclusões” previstas na Convenção e tenha sido prestada garantia meramente formal de não violação dos instrumentos internacionais de direitos humanos referentes aos tratamentos desumanos e degradantes, em particular a tortura e situações de perigo para a saúde, integridade física e psíquica e vida, e ao processo justo e equitativo, nomeadamente com a utilização de provas obtidas por tortura, padece de inconstitucionalidade por violação dos arts. 2.º, 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 1 e 2, 12.º, 15.º, n.º 1, 16.º e 18.º, n.º 1 e 2, 20.º, n.º 4, 24.º, 25, 32.º, n.º 1 e 8, da CRP.
111.ª A norma extraída dos arts. 1.º e 2.º da Convenção Europeia de Extradição, em conjugação com o art. 3.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, al. a), da Lei 144/99, singularmente considerados ou em conjugação com outro artigo, é permitido extraditar com fundamento numa garantia meramente formal de não violação dos instrumentos internacionais de direitos humanos referentes aos tratamentos desumanos e degradantes, em particular a tortura e situações de perigo para a saúde, integridade física e psíquica e vida, e ao processo justo e equitativo, nomeadamente com a utilização de provas obtidas por tortura, padece de inconstitucionalidade por violação dos arts. 2.º, 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 1 e 2, 12.º, 15.º, n.º 1, 16.º e 18.º, n.º 1 e 2, 20.º, n.º 4, 24.º, 25, 32.º, n.º 1 e 8, da CRP.
112.ª A norma extraída dos arts. 1.º e 2.º da Convenção Europeia de Extradição, em conjugação com o art. 3.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, al. a), da Lei 144/99, singularmente considerados ou em conjugação com outro artigo, no sentido de que pode ser concedida a extradição apesar da existência comprovada de violações dos instrumentos internacionais de direitos humanos referentes aos tratamentos desumanos e degradantes, em particular a tortura e situações de perigo para a saúde, integridade física e psíquica e vida, e ao processo justo e equitativo, nomeadamente com a utilização de provas obtidas por tortura, padece de inconstitucionalidade por violação dos arts. 2.º, 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 1 e 2, 12.º, 15.º, n.º 1, 16.º e 18.º, n.º 1 e 2, 20.º, n.º 4, 24.º, 25, 32.º, n.º 1 e 8, da CRP.
113.ª A norma extraída dos arts. 1.º e 2.º da Convenção Europeia de Extradição, em conjugação com o art. 3.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, al. a), da Lei 144/99, singularmente considerados ou em conjugação com outro artigo, no sentido de que pode ser concedida a extradição apesar da existência comprovada de risco de violações dos instrumentos internacionais de direitos humanos referentes aos tratamentos desumanos e degradantes, em particular a tortura e situações de perigo para a saúde, integridade física e psíquica e vida, e ao processo justo e equitativo, nomeadamente com a utilização de provas obtidas por tortura, padece de inconstitucionalidade por violação dos arts. 2.º, 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 1 e 2, 12.º, 15.º, n.º 1, 16.º e 18.º, n.º 1 e 2, 20.º, n.º 4, 24.º, 25, 32.º, n.º 1 e 8, da CRP.
114.ª A norma extraída dos arts. 1.º e 2.º da Convenção Europeia de Extradição, em conjugação com o art. 3.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, al. a), da Lei 144/99, singularmente considerados ou em conjugação com outro artigo, no sentido de que pode ser concedida a extradição apesar de estar fortemente indiciada a existência de violações dos instrumentos internacionais de direitos humanos referentes aos tratamentos desumanos e degradantes, em particular a tortura e situações de perigo para a saúde, integridade física e psíquica e vida, e ao processo justo e equitativo, nomeadamente com a utilização de provas obtidas por tortura, padece de inconstitucionalidade por violação dos arts. 2.º, 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 1 e 2, 12.º, 15.º, n.º 1, 16.º e 18.º, n.º 1 e 2, 20.º, n.º 4, 24.º, 25, 32.º, n.º 1 e 8, da CRP.
115.ª A norma extraída dos arts. 1.º e 2.º da Convenção Europeia de Extradição, em conjugação com o art. 3.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, al. a), da Lei 144/99, singularmente considerados ou em conjugação com outro artigo, no sentido de que pode ser concedida a extradição apesar de estarem suficientemente indiciada a existência de violações dos instrumentos internacionais de direitos humanos referentes aos tratamentos desumanos e degradantes, em particular a tortura e situações de perigo para a saúde, integridade física e psíquica e vida, e ao processo justo e equitativo, nomeadamente com a utilização de provas obtidas por tortura, padece de inconstitucionalidade por violação dos arts. 2.º, 7.º, n.º 1, 8.º, n.º 1 e 2, 12.º, 15.º, n.º 1, 16.º e 18.º, n.º 1 e 2, 20.º, n.º 4, 24.º, 25, 32.º, n.º 1 e 8, da CRP.
116.ª Acresce ainda que, conforme resulta da matéria de facto supra enunciada, o extraditando foi forçado a abandonar a Federação Russa, com toda a sua família, por ter sido ameaçado por elementos de uma organização criminosa que o extorquiu, tendo sido ameaçado quer na sua própria pessoa, quer no seu negócio, quer quanto à sua família. Por não ter aceitado alimentar mais a extorsão que estava a tornar-se incomportável, foi vítima de ameaças e de tentativa de homicídio, passando a ser perseguido e apontado como alvo a abater.
117.ª Fixou-se, com a sua família, em Portugal, desde Agosto de 2011, onde vive com o seu agregado familiar composto pela sua mulher, Irina Bunina de 42 anos, os seus filhos Gleb Bunin, de 17 anos, Mark Bunin, de 7 anos, e a sua filha Victoria Bunina de 17 anos, todos os elementos da família têm a situação em território nacional regularizada e estão perfeitamente integrados no contexto social, escolar e empresarial.
118.ª O próprio extraditando já adquiriu autorização de residência por via de pedido de Reagrupamento Familiar.
119.ª Tal como o seu agregado familiar, o extraditando está perfeitamente integrado em território nacional, residindo, com a sua mulher e filhos, em casa própria, colaborando na empresa que a sua mulher constituiu.
120.ª Por estes motivos, e particularmente porque a mulher do extraditando tem receio de regressar à Federação Russa e ao próprio Cazaquistão, a extradição de AA acarretará a separação desta família, por período que durará certamente longos anos (quer em razão do processo que está na base do pedido de extradição, quer em razão da possibilidade de a Federação Russa não respeitar o princípio da especialidade e vir a imputar factos diferentes ao extraditando, ocorridos antes da extradição), por período totalmente indefinido e de forma a impedir totalmente os contactos com a família, uma vez que, estando preso, tais contactos serão impossíveis.
121.ª Esta separação constitui violação do direito a uma vida familiar, consagrado no artigo 8.º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
122.ª Circunstâncias que, por certo, se verificarão no presente caso, porquanto a família próxima reside, como se referiu, em Portugal e o extraditando não tem ligações familiares na Federação Russa, muito menos em Kaliningrado.
123.ª Em particular tratando-se de um caso onde a separação desta família se materializará num período muito longo e de duração indefinida, durante o qual o extraditando será sujeito a um processo penal que não respeita o art. 6.º, bem como a tratamentos desumanos e degradantes durante o período de prisão preventiva e de cumprimento de pena, violadores do art. 3.º da CEDH.
124.ª De salientar que, durante o período em que estiver preso preventivamente, não poderá contactar a família, ou apenas muito dificilmente e raramente o conseguirá.
125.ª É que, em cumprimento de pena, será enviado para estabelecimento prisional muitíssimo distante, em local remoto, ao qual a família não poderá ir para o visitar, quer por medo de represálias, quer porque apenas terá direito a entre 2 a 10 visitas anualmente!
126.ª A colocação do extraditando à mercê das autoridades da Federação Russa, sujeito a período indefinido de prisão preventiva e a cumprimento de pena longa, ademais em condições violadoras do art. 3.º da CEDH, sem permitir contactos familiares, é manifestamente contrária aos fins das penas.
127.ª O extraditando teme, também, ser vítima de homicídio, como já foi de uma tentativa, se regressar ao território da Federação Russa.
128.ª Por este motivo, a extradição não pode ser concedida, por verificação de condição negativa de cooperação internacional do art. 6.º, al. a), da Lei 144/99, de 31.08, e da reserva formulada por Portugal à Convenção Europeia de extradição (artigo 1.º, al. b), da Resolução da Assembleia da República n.º 23/89, de 21 de Agosto), com referência ao art. 8.º da CEDH.
129.ª Ou, no mínimo, não deve ser concedida, por ser aplicável o art. 18.º, n.º 2, da Lei 144/99, de 31.08.»
A final pede que «devem ser declarados os vícios arguidos, com os legais efeitos, ou reconhecida a verificação dos pressupostos negativos de cooperação internacional e, em consequência, ser revogada a decisão que ordenou a extradição do requerente».
4. Após a apresentação da motivação de recurso, a Senhora Desembargadora relatora proferiu o despacho, que se transcreve:
«(…) Veio o arguido (a 7 de Maio de 2015) interpor recurso para o STJ do acórdão proferido por este Tribunal (a 21/04/2015), o qual se admite por ser tempestivo e interposto por quem tem legitimidade para tanto, o qual sobe de imediato nos próprios autos com efeito suspensivo (artigo 58.º da Lei 144/99 de 31/08 e artigos 432.º, n.º 1 alínea a), 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2 alínea a) e 408.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal).
3- Mais determino que os autos vão, ao M.P. para responder querendo ao recurso, nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 3 da Lei 144/99 de 31/08.
4- Relativamente às "irregularidade ou nulidades" arguidas pelo extraditando (originais constantes de fls. 803 e segs., enviadas inicialmente por cópia a este Tribunal a 30/04/2015, como se constata a fls. 783), cumpre referir que:
o extraditando AA, veio arguir diversas nulidades do Acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Évora, a 21/04/2015, admitindo também poderem constituir as mesmas irregularidades, ao abrigo do disposto no artigo 123º do CPP, resultando claramente do invocado que o extraditando discorda do acórdão final proferido por este Tribunal, (nomeadamente no que concerne à interpretação do artigo 56.º da Lei n.º 144/99 de 31/08 ou ainda da decisão deste Tribunal em limitar o objecto do processo, ao caso concreto, e de se entender que cabe apenas a este Tribunal atender às provas que se mostrem relevantes para a decisão desta causa), mais invocando ainda que não foi notificado da posição assumida nos autos pelo MP junto deste Tribunal, nem não foi dada a oportunidade de alegar, finda a produção de prova, nos termos do n.º 2 do artigo 56.º e ainda da falta de tradução do acórdão proferido aquando da notificação do extraditando.
O MP junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de a decisão ser considerada inválida, em virtude de não ter sido observado o disposto no artigo 56.º, n.º 2 da Lei n.º 144/99 "(omissão de notificação para produção de alegações)" .
O MP junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de a decisão ser considerada inválida, em virtude de não ter sido observado o disposto no artigo 56º, n.º2 da Lei n.º 144/99 "(omissão de notificação para produção de alegações)".
Apreciando:
Importa, antes de mais, distinguir os diversos momentos processuais sobre os quais recaem as imputadas omissões.
Concretizando, verifica-se que, no presente requerimento, o extraditando ataca não só o deliberado no acórdão final, mas também o procedimento anterior e posterior ao mesmo. Importando assim atentar sobre:
- Acto omitido antes da prolação do acórdão;
- da decisão final contida no próprio acórdão; e
- da omissão de actos praticados após a prolação do mesmo
Começando já por este último ponto, cumpre referir que a questão suscitada pelo extraditando de para além de ter sido notificado do acórdão em língua portuguesa, deveria tê-lo sido juntamente com a respectiva tradução, por não entender bem a nossa língua, mostra-se a mesma a nosso ver já ultrapassada, neste momento, atento a que o mesmo já apresentou recurso para o STJ, logo já terá diligenciado no sentido de entender totalmente o teor do acórdão recorrido, mostrando-se agora inútil a apreciação de tal questão.
Relativamente à deliberação constante do acórdão final, importa salientar que o mesmo não só é recorrível, como já se mostra interposto nos autos o respectivo recurso, pelo que se entende já não poder ser reanalisada por este Tribunal as questões dirimidas no mesmo, voltando os autos à conferência para esse efeito, em virtude de quanto a elas se encontrar esgotado neste momento o poder jurisdicional deste Tribunal, só o podendo ser por via de recurso.
É o que resulta do disposto no art.º 379.º n.º 2 do Código Processo Penal, segundo o qual «as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações o disposto no art.º 414.º, n.º 4 do Código Processo Penal». Determinando este artigo 414.º, n.º 4 do mesmo Código, que «se o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objecto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão». Donde se retira conjugando os dois preceitos legais que o Tribunal recorrido só pode ou deve conhecer das nulidades de sentença, que não conheça do mérito da causa, só nesse caso podendo "sustentar ou reparar aquela decisão" ou ainda quando a sentença, conhecendo afinal do objecto do processo, já não seja recorrível. Logo, no caso presente, podendo as nulidades ser agora arguidas em recurso, só podem ser conhecidas pelo Tribunal superior quando tenha sido interposto recurso, sendo que o Tribunal recorrido apenas as poderá sustentar ou reparar quando a decisão recorrida não for de sentença ou acórdão final.
Neste sentido, se decidiu exemplarmente em Ac da Relação do Porto de 20/09/2006, (JTRPOOO39463 - ANTÓNIO GAMA-NULIDADE DE SENTENÇA), sumariado em anotação ao artigo 374.º do CPP, disponível em www.pgdlisboa.pr).
[…]
Seguindo esta jurisprudência entendemos que no presente caso, atento a que foi interposto recurso e admitido, já não compete a este Tribunal, agora reapreciar o que já deliberou (sustentando-o ou reparando-o).
Restando assim, apreciar agora, singularmente, a questão suscitada relativamente à não notificação do extraditando, da posição do Ministério Público sobre as provas apresentadas pelo mesmo, antes de ter sido proferido o acórdão, cumpre referir que se afigura ter sido cumprido o princípio do contraditório, atento a que ao Ministério Público foi dado conhecimento do alegado ou requerido pelo extraditando, e tendo o mesmo se pronunciado doutamente sobre o mesmo, nada foi requerido de novo, pelo que em nada se mostra violado o principio do contraditório, sob pena de o seu cumprimento levar à eternização de qualquer processo, ou seja, se o arguido vem requerer algo e ouvido o MP, sobre tal requerimento não pode o Juiz decidir, porque tem antes de voltar a ouvir o arguido sobre aposição do MP e após tem de voltar a ouvir o MP sobre o dito pelo arguido e após tem de voltar a ouvir o arguido sobre o que foi dito pelo MP, jamais poderia decidir, o que evidentemente não só não é compatível com a celeridade processual que cumpre imprimir a este tipo de processo, como com qualquer outro tipo de processo penal, pois carece de suporte legal, levando ainda à obstrução ou concretização da justiça tornando-a inoperante ou ineficaz.
Entende-se que o princípio do contraditório se mostra devidamente assegurado quando são ouvidas ambas as partes (acusação e defesa) sobre a mesma questão, como o foram no caso presente.
Pelo que nesta parte não se dá razão ao arguente, não se reconhecendo que se omitiu qualquer princípio de direito ou norma legal.
Mesmo no que ao invocado não cumprimento do disposto no artigo 56.º, n.º 2 da citada Lei 144/99, no sentido de se ter omitido a possibilidade, da defesa e da acusação poderem alegar por cinco dias, entendemos que como consta do aludido preceito legal as mesmas só têm lugar quando tenha havido a aludida "produção de prova", pois só após a sua efectivação, será dada ao MP e ao defensor ou advogado do extraditando vista do processo por cinco dias, como resulta da conjugação do disposto nos n.os 1 e 2 do invocado artigo 56.º, o que a título de observação se refere, atento o teor do mesmo preceito legal (transcrição) :
"1 - As diligências que tiverem sido requeridas e as que o juiz relator entender necessárias, designadamente para decidir sobre o destino de coisas apreendidas, devem ser efectivadas no prazo máximo de 15 dias, com a presença do extraditando, do defensor ou advogado constituído e do intérprete, se necessário, bem como do Ministério Público.
2 - Terminada a produção da prova, o Ministério Público, o defensor ou o advogado do extraditando têm, sucessivamente, vista do processo por cinco dias, para alegações."
Nestes termos se mantém o tramitado, antes e após a prolação do acórdão, que não se vislumbra padecer de qualquer omissão de cumprimento de norma legal, mesmo vistas as apontadas pelo extraditando (que em alternativa ou incerteza as apela de "irregularidades" ou "nulidades"), sendo que relativamente à decisão contida nesse acórdão se entende que só ao Tribunal superior cumprirá a sua reapreciação.»
5. Na resposta que apresentou sobre o recurso interposto pelo extraditando, o Senhor Procurador da República, pronuncia-se nestes termos:
«(…) pretende o recorrente que tal decisão seja revogada, no entendimento de que a mesma está ferida de nulidade, por omissão de pronúncia sobre os factos articulados na oposição, por se verificarem os pressupostos negativos da cooperação internacional, em virtude de violação do disposto no artigo 6º, alínea a), da Lei n.º 144/99, de 31/8, por referência aos artigos 3.º, 6.º e 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e por se verificar a causa de recusa prevista no artigo 18.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99» e, além disso,
«(…) sustenta que o procedimento se apresenta feridos de vícios vários, a saber, (a) indeferimento dos meios de prova apresentados com a oposição ao pedido de extradição, (b) violação do princípio do contraditório face à resposta à oposição deduzida pelo Ministério Público, (c) preterição das alegações do extraditando, (d) falta de notificação pessoal do acórdão traduzido ao extraditando e (e) nulidade insanável por falta do número de juízes que devem compor o tribunal.»
Sobre as questões prévias, e em particular «da preterição das alegações do extraditando deve proceder, como, aliás, e no momento próprio (cfr., fls. 802 dos autos), deixou expresso», porquanto:
«(…) o extraditando deduziu oposição ao pedido de extradição, peça a que o Ministério Público, no exercício do contraditório, respondeu, como se alcança de fls. 503-519.
Dispõe o n.º 2 do artigo 56º da lei n.º 144/99, que, "Terminada a produção de prova, o Ministério Público, o defensor ou o advogado do extraditando têm sucessivamente, vista no processo por cinco dias, para alegações."
Ora, neste domínio procedimental, os autos evidenciam que não só o tribunal deixou de pronunciar-se sobre a produção de prova requerida pelo extraditando com a oposição (produção de prova sobre a qual o Ministério Público tomou expressa posição na sua resposta, no sentido do indeferimento da pretensão probatória do extraditando), como suprimiu do procedimento aquela fase das alegações, determinando a remessa dos autos aos vistos e à conferência, como se vê do despacho exarado a fls. 519, decidindo (nos termos do disposto no artigo 57º da lei n.º 144/99) não só de fundo como, também, e só então, sobre a produção de prova requerida pelo extraditando (que indeferiu).
Posteriormente (vd., fls. 783-798), o extraditando arguiu, além de outras, a nulidade do acórdão que deferiu o pedido de extradição, por violação do prescrito no n.º 2 do artigo 56º da lei n.º 144/99, nulidade de que o tribunal apenas no despacho que compreende aqueloutro de admissão de recurso para o STJ veio a conhecer (fls. 1104-1108), nos seguintes termos:
"[ ... ]
Mesmo no que ao invocado não cumprimento do disposto no artigo 56°, n.º 2, da citada Lei 144/99, no sentido de se ter omitido a possibilidade, da defesa e da acusação poderem alegar por cinco dias, entendemos que como consta do aludido preceito legal as mesmas só têm lugar quando tenha havido a aludida "produção de prova", pois só após a sua efectivação, será dada ao MP e ao defensor ou advogado do extraditando vista no processo por cinco dias, como resulta da conjugação do disposto nos n.ºs 1 e 2 do invocado artigo 56°, o que a título de observação se refere, atento o teor do mesmo preceito legal [ ... ].
Nestes termos se mantém o tramitado, antes e após a prolação do acórdão, que não se vislumbra padecer de qualquer omissão de cumprimento de norma legal [...]."
Não parece ao Ministério Público que a acima transcrita constitua a melhor interpretação para o comando do n.º 2 do artigo 56.º da lei n.º 144/99.
Na verdade, uma tal interpretação carrega consigo um elemento de surpresa e impede que, no momento processual próprio e pelo meio processual legalmente previsto, o extraditando reaja a uma decisão sobre a produção de prova que lhe seja desfavorável; depois, só na aparência é compaginável com a natureza urgente que é apanágio legal do processo de extradição, porque pode a pretensão de produção de prova vir a ser admitida em sede de recurso (por aí se atender a nulidade nele invocada), tornando o procedimento à fase de produção de prova, com invalidade da decisão de fundo.
No caso, o extraditando requereu a produção de prova.
No ritmo dialético específico do processo de extradição, o que se impunha era que o tribunal tivesse tomado posição sobre a produção de prova requerida, admitindo-a ou julgando-a, fundamentadamente, desnecessária, passando-se depois à fase de alegações; evitar-se-ia, assim, como no caso concreto ocorre, que o extraditando, fora daquele ritmo processual, viesse arguir irregularidades e nulidades, como fez (o que faria em sede de alegações), das quais o tribunal conheceria, decidindo da respetiva verificação ou não; finda a fase das alegações, proferir-se-ia, então, decisão sobre a extradição requerida.
(Não há muito, em processo de execução de mandado de detenção europeu que pelo Tribunal da Relação de Évora correu termos (processo n.º 115/14.8YREVR), o tribunal, em decisão prévia à decisão sobre a execução do mandado, indeferiu a produção de prova sobre diligência complementar a propósito da necessidade de prestação de garantias pelo Estado membro de emissão que havia sido requerida pela pessoa procurada el havendo esta arguido a nulidade de tal decisão, foi a mesma atendida, produziu-se a prova requerida e só depois veio a ser proferida decisão sobre a execução do mandado.)
Como se decidiu no processo n.º 038680 (n.º convencional JSTJ00026813, documento SJ19860923086803), em acórdão do STJ de 23/9/1986, ocorre nulidade se, antes da decisão final, nem o Ministério Público nem o defensor do extraditando tiverem vista no processo para alegações.»
A final conclui pela «procedência da questão prévia analisada, o que acarreta a invalidade da decisão que deferiu a extradição.»
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A. Questões prévias
Como se deixou assinalado, o recorrente invoca as seguintes questões prévias: (a) indeferimento dos meios de prova apresentados com a oposição ao pedido de extradição; (b) a violação do princípio do contraditório face à resposta à oposição deduzida pelo Ministério Público e a preterição das alegações do extraditando; (c) a falta de notificação pessoal do acórdão traduzido ao extraditando; e (d) a nulidade insanável por falta do número de juízes que devem compor o tribunal.
Analisemo-las, cada uma de per si, que, procedendo, inviabilizam o conhecimento do mérito.
(a) O indeferimento dos meios de prova apresentados com a oposição ao pedido de extradição (Conclusões 1.ª a 24.ª)
1. Alega o recorrente que o artigo 56.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, não confere ao relator margem de discricionariedade para decidir realizar ou não as diligências requeridas, mas tão só a faculdade de poder, ele próprio, determinar a realização de outras, para além das requeridas, que entenda necessárias, sob pena de extravasar o objeto do processo, sem apoio legal e violar, de forma evidente, as garantias de defesa e o direito a um processo justo e equitativo, porquanto a oposição à extradição é análoga à contestação em processo penal, devendo aplicar-se-lhe as mesmas disposições quanto à admissão da produção de prova requerida e, assim, desde que respeitado o número de testemunhas previsto na Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, não pode a sua audição ser simplesmente indeferida, sob pena de, ao indeferir a audição das testemunhas, violar o disposto no artigo 56.º desta Lei, o que consubstancia a nulidade prevista no artigo 119.º, alínea d), do CPP, ou, pelo menos, no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do mesmo diploma, aplicável ex vi artigo 3.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto.
2. Na resposta, o Senhor Procurador da República refere que, «[n]o ritmo dialético específico do processo de extradição, o que se impunha era que o tribunal tivesse tomado posição sobre a produção de prova requerida, admitindo-a ou julgando-a, fundamentadamente, desnecessária, passando-se depois à fase de alegações; evitar-se-ia, assim, como no caso concreto ocorre, que o extraditando, fora daquele ritmo processual, viesse arguir irregularidades e nulidades, como fez (o que faria em sede de alegações), das quais o tribunal conheceria, decidindo da respetiva verificação ou não; finda a fase das alegações, proferir-se-ia, então, decisão sobre a extradição requerida», solução ancorada «em processo de execução de mandado de detenção europeu que pelo Tribunal da Relação de Évora correu termos (processo n.º 115/14.8YREVR), [e em que o] tribunal, em decisão prévia à decisão sobre a execução do mandado, indeferiu a produção de prova sobre diligência complementar a propósito da necessidade de prestação de garantias pelo Estado membro de emissão que havia sido requerida pela pessoa procurada el havendo esta arguido a nulidade de tal decisão, foi a mesma atendida, produziu-se a prova requerida e só depois veio a ser proferida decisão sobre a execução do mandado)», tanto mais que «[c]omo se decidiu no processo n.º 038680 (n.º convencional JSTJ00026813, documento SJ19860923086803), em acórdão do STJ de 23/9/1986, ocorre nulidade se, antes da decisão final, nem o Ministério Público nem o defensor do extraditando tiverem vista no processo para alegações», e, assim, pugna pela «procedência da questão prévia analisada, o que acarreta a invalidade da decisão que deferiu a extradição».
3. Do disposto no segmento inicial no n.º 1 do artigo 56.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, onde se estabelece que «as diligências que tiverem sido requeridas e as que o juiz relator entender necessárias, (…) devem ser efetivadas…», retira o recorrente que ao juiz relator falece qualquer margem de discricionariedade para indeferir diligência requeridas, podendo apenas, determinar a realização de outras que devam ser realizadas.
Não se afigura ser essa a teleologia da norma.
A formulação normativa reproduz o que se estabelecia no artigo 58.º do anterior diploma, que regulava a cooperação judiciária internacional, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de janeiro (1), já nesse âmbito se tendo debatido os poderes do juiz na condução do processo, e decidido que «[e]ste poder de direcção do processo, (…) é, aliás, co-natural à própria natureza e exercício da função jurisdicional constitucionalmente consagrada no artigo 205.º [da Constituição da República Portuguesa], por se afigurar de todo indispensável à administração da justiça e à efectiva realização dos fins constantes daquele preceito constitucional», e que «a atribuição ao juiz da causa de um poder de direcção do processo, que lhe permita indeferir diligências inúteis, impertinentes ou dilatórias, aferidas estas em vista da realização dos fins do respectivo processo, não representa violação das garantias de defesa do arguido em processo criminal» (2)
E no acórdão deste Supremo Tribunal de 23 de março de 1994 (3) considerou-se, também, que são as diligências requeridas pelo extraditando, «mas que possam ser efectivadas nos termos fixados no n.º 1 do indicado artigo 58.º e visem, as requeridas pelo extraditando, os fundamentos da oposição deduzida segundo as limitações do n.º 2 do artigo 57.º, a que também já se fez alusão».
Ainda em recente acórdão deste Supremo Tribunal, se reputou admissível o indeferimento de diligências de prova Acórdão de 3 de maio de 2012, processo n.º 205/11.9YRCBR. .
Não há razão para não continuar a sustentar esta jurisprudência.
De facto, a letra da lei, apelando às diligências que tiverem sido requeridas, consente uma interpretação que exclua a realização de diligências que sejam inúteis, impertinentes ou dilatórias, em obediência ao princípio da não realização de atos inúteis no processo, e à sua adequação ao fim daquele.
4. Refere também o recorrente que a decisão de indeferimento padece de vício por falta de fundamentação, em violação do disposto no artigo 97.º, n.º 5, do CPP, aplicável ex-vi dos artigos 3.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto.
Sem razão invoca este vício.
O artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) preceitua que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas nos termos da lei, explicitando o n.º 5 do artigo 97.º do CPP que os atos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
O acórdão recorrido, sobre a audição de testemunhas requerida pelo extraditando, pronunciou-se nestes termos:
«Desde já, cumpre referir, que não se procede à audição das testemunhas arroladas, por se afigurar inútil a sua audição, neste caso concreto, não só atenta a vasta prova documental junta aos mesmos, nomeadamente que no que diz respeito à inserção social, familiar e laboral do extraditando e ainda, sem olvidar que, a audição de testemunhas se deve restringir ao objecto do presente processo, para além de não se vislumbrar qualquer utilidade, na audição de testemunha (intérprete) para confirmar o conteúdo ou alcance dos documentos em Russo, uma vez que se encontram juntas as respectivas traduções, e por outro lado, que relativamente aos factos pelos quais se encontra acusado no país requerente, nos está vedada a apreciação dos mesmos, e relativamente às demais circunstâncias invocadas na oposição deduzida (condições prisionais na Rússia, garantias processuais de que beneficiará em Kaliningrado ou na Federação Russa) e relativamente às quais pretendia fazer prova com a audição de testemunhas, não se vislumbra que pudesse este Tribunal dar como provada tal matéria de facto com base em tais depoimentos, uma vez que não nos seria permitido olvidar a legislação daquele país, nem extravasar o objeto restrito deste processo, e cuja celeridade que lhe deve ser imprimida não se compadece com a realização de atos dos quais não é possível retirar qualquer utilidade para a decisão a proferir no mesmo.»
Da transcrição a que se procedeu, o acórdão recorrido explica, com desenvolvimento, as razões porque indeferiu a audição das testemunhas arroladas, pela inutilidade desse ato, atenta a «vasta prova documental junta aos autos», além de, quanto à audição do intérprete, não haver utilidade na mesma, por estar junta a tradução dos documentos, e, «relativamente aos factos pelos quais [o recorrente] se encontra acusado no país requerente, nos está vedada a apreciação dos mesmos».
Nesta parte, o decidido cumpre os fins pretendidos com a fundamentação, o de habilitar os destinatários da decisão e o tribunal superior sobre as razões que presidiram à decisão.
5. Por último, alega o recorrente a inconstitucionalidade, «por violação do n.º 4, do art. 20.º, e dos n.os 1 e 5 do artigo 32.º da CRP, da norma constante do artigo 56.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08, e do artigo 340.º, n.º 3, a contrario, do CPP, se interpretados, singularmente considerados ou em conjugação com outro artigo, no sentido de ser permitido ao tribunal indeferir a produção de prova requerida pelo Extraditando, desde que contida no objecto do processo, ou seja, desde que verse sobre as condições previstas na reserva formulada por Portugal à Convenção Europeia de Extradição (artigo 1.º, al. b), da Resolução da Assembleia da República n.º 23/89, de 21 de Agosto) e no art. 6.º, al. a), da Lei 144/99, de 31.08, ou sobre qualquer questão relevante para a decisão de extradição, nomeadamente as condições de reclusão no país requerente quando ao extraditando foi aplicada a prisão preventiva.»
A decisão recorrida indeferiu a audição das testemunhas por reputar inútil essa diligência, sendo explicandas as razões subjacentes à decisão, que se situam nos limites dos poderes do juiz no âmbito da direção do processo.
6. Em situação paralela, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela não verificação de inconstitucionalidade, argumentando que o recorrente, «mais do que contestar uma qualquer interpretação inconstitucional da lei, o que verdadeiramente resulta impugnado no presente recurso, face ao quadro jurídico-material atrás assinalado, é a decisão recorrida em si mesma, na sua estrutura decisória própria, a qual, como é sabido, se situa fora do âmbito de cognição deste Tribunal, em cuja esfera de apreciação apenas cabem as normas jurídicas e não já as decisões dos outros tribunais enquanto tais, isto é, na sua específica dimensão de avaliação dos factos e aplicação da lei.» Acórdão citado na nota 2.
Não ocorre inconstitucionalidade da norma.
Em síntese, o artigo 56.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, consente ao juiz o indeferimento de diligências inúteis requeridas pelo extraditando, não constituindo nulidade, nem, nessa interpretação, sendo inconstitucional, por violação das garantias de defesa.
Uma referência para a conclusão 12.ª em que, de forma súbita e não totalmente percetível para o contexto, se alude «a aplicação de prisão preventiva a cumprir em condições violadoras dos arts. 3.º e 8.º da CEDH, em condições em que os presos são sujeitos a tortura e ameaças e maus-tratos físicos, consubstancia por si só a falta de garantias jurídicas de um “procedimento penal que respeite as condições internacionalmente reconhecidas como indispensáveis à salvaguarda dos direitos do homem”» e que «consubstancia um “cumprimento de pena em condições desumanas”» que se reporta a questão a ser apreciada aquando da discussão do fundo da causa, tendo presente as exigências da jurisprudência constitucional e de Estrasburgo sobre a matéria e nomeadamente sobre garantias.
c) Violação do princípio do contraditório face à resposta à oposição deduzida pelo Ministério Público e à preterição das alegações do extraditando (Em especial, conclusões 21.ª a 30.ª)
1. Alega o recorrente que «não foi notificado da resposta à oposição emitida pelo Ministério Público», inviabilizando o exercício do contraditório, em violação do disposto no n.º 5 do artigo 32.º da CRP, bem como no artigo 327.º do CPP, que ao tribunal recorrido cabia garantir, nos termos do preceituado no artigo 323.º, alínea f), do mesmo código, o que constitui a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, al. d), do CPP, por omissão de diligência essencial às finalidades do processo e boa decisão do mesmo e, assim, não tendo sido notificado, nem a sua mandatária, para apresentar alegações, foi violado o n.º 2 do artigo 56.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, o que caracteriza a nulidade prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 2 do artigo 120º do CPP, sendo inconstitucional a interpretação retirada dos arts. 56.º, n.º 2, e 57.º, nº 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, singularmente considerados ou em conjugação com qualquer outro artigo, no sentido de ser possível a não concessão de prazo ao Extraditando para alegar, é materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 20.º, n.º 4, e 32.º, n.os 1 e 5, da CRP».
Para além disso, «[é] ainda inconstitucional, por violação dos arts. 20.º, n.º 4, e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP, o entendimento retirado do art. 55.º, n.º 3, da Lei 144/99, de 31.08, singularmente considerado ou em conjugação com qualquer outro artigo, no sentido de determinar que um Extraditando não tem de ser notificado da resposta do Ministério Público à oposição à extradição», além de que «[o] Tribunal, ao inutilizar o direito de exercer o contraditório sobre a posição do Ministério Público, não notificando o Extraditando da resposta à oposição e não lhe concedendo sequer prazo para alegar, violou, de igual forma, o sentido expresso na norma do art. 56.º, n.º 2, e 57.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08, do art. 327.º do CPP e a tutela constitucional do processo equitativo e dos direitos de defesa do arguido plasmados nos arts. 20.º, n.º 4, e 32.º, n.º 1 e 5, da CRP, e, consequentemente, as garantias fundamentais de defesa do Extraditando.»
2. No despacho que exarou e a que antes se fez referência a Senhora Desembargadora relatora refere sobre a questão o seguinte:
«(…) cumpre referir que se afigura ter sido cumprido o princípio do contraditório, atento a que ao Ministério Público foi dado conhecimento do alegado ou requerido pelo extraditando, e tendo o mesmo se pronunciado doutamente sobre o mesmo, nada foi requerido de novo, pelo que em nada se mostra violado o principio do contraditório, sob pena de o seu cumprimento levar à eternização de qualquer processo, ou seja, se o arguido vem requerer algo e ouvido o MP, sobre tal requerimento não pode o Juiz decidir, porque tem antes de voltar a ouvir o arguido sobre aposição do MP e após tem de voltar a ouvir o MP sobre o dito pelo arguido e após tem de voltar a ouvir o arguido sobre o que foi dito pelo MP, jamais poderia decidir, o que evidentemente não só não é compatível com a celeridade processual que cumpre imprimir a este tipo de processo, como com qualquer outro tipo de processo penal, pois carece de suporte legal, levando ainda à obstrução ou concretização da justiça tornando-a inoperante ou ineficaz.
Entende-se que o princípio do contraditório se mostra devidamente assegurado quando são ouvidas ambas as partes (acusação e defesa) sobre a mesma questão, como o foram no caso presente.
Pelo que nesta parte não se dá razão ao arguente, não se reconhecendo que se omitiu qualquer princípio de direito ou norma legal.
Mesmo no que ao invocado não cumprimento do disposto no artigo 56.º, n.º2 da citada Lei 144/99, no sentido de se ter omitido a possibilidade, da defesa e da acusação poderem alegar por cinco dias, entendemos que como consta do aludido preceito legal as mesmas só têm lugar quando tenha havido a aludida "produção de prova", pois só após a sua efectivação, será dada ao MP e ao defensor ou advogado do extraditando vista do processo (…).»
3. O Senhor Procurador da República junto do Tribunal da Relação pronuncia-se pela procedência desta questão prévia, porquanto «o extraditando deduziu oposição ao pedido de extradição, peça a que o Ministério Público, no exercício do contraditório, respondeu», e o n.º 2 do artigo 56º da lei n.º 144/99, prescreve que, «[t]erminada a produção de prova, o Ministério Público, o defensor ou o advogado do extraditando têm sucessivamente, vista no processo por cinco dias, para alegações», sendo que neste domínio procedimental, os autos evidenciam que não só o tribunal deixou de pronunciar-se sobre a produção de prova requerida pelo extraditando com a oposição (produção de prova sobre a qual o Ministério Público tomou expressa posição na sua resposta, no sentido do indeferimento da pretensão probatória do extraditando), como suprimiu do procedimento aquela fase das alegações, determinando a remessa dos autos aos vistos e à conferência, como se vê do despacho exarado a fls. 519, decidindo (nos termos do disposto no artigo 57º da lei n.º 144/99) não só de fundo como, também, e só então, sobre a produção de prova requerida pelo extraditando (que indeferiu)», sendo que «uma tal interpretação carrega consigo um elemento de surpresa e impede que, no momento processual próprio e pelo meio processual legalmente previsto, o extraditando reaja a uma decisão sobre a produção de prova que lhe seja desfavorável; depois, só na aparência é compaginável com a natureza urgente que é apanágio legal do processo de extradição, porque pode a pretensão de produção de prova vir a ser admitida em sede de recurso (por aí se atender a nulidade nele invocada), tornando o procedimento à fase de produção de prova, com invalidade da decisão de fundo.
Tendo o extraditando requerido a produção de prova, «[n]o ritmo dialético específico do processo de extradição, o que se impunha era que o tribunal tivesse tomado posição sobre a produção de prova requerida, admitindo-a ou julgando-a, fundamentadamente, desnecessária, passando-se depois à fase de alegações; evitar-se-ia, assim, como no caso concreto ocorre, que o extraditando, fora daquele ritmo processual, viesse arguir irregularidades e nulidades, como fez (o que faria em sede de alegações), das quais o tribunal conheceria, decidindo da respetiva verificação ou não; finda a fase das alegações, proferir-se-ia, então, decisão sobre a extradição requerida.»
Em abono da posição que perfilha, o Excelentíssimo magistrado invoca o acórdão de 23 de setembro de 1996 deste Supremo Tribunal, proferido no processo n.º 038680 que decidiu «ocorre[r] nulidade se, antes da decisão final, nem o Ministério Público nem o defensor do extraditando tiverem vista no processo para alegações.»
4. Conhecendo da questão.
Consagrado como princípio constitucional no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição da República, afirma-se que «[n]ão é inteiramente líquido o âmbito normativo-constitucional» deste princípio, que significa, relativamente aos destinatários: «(a) dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão; (b) direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no desenvolvimento do processo; (c) em particular, direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo (…); (d) proibição por crime diferente do da acusação, sem que o arguido ter podido contraditar os respectivos fundamentos (…)», e «quanto à sua extensão processual», ele «abrange todos os actos susceptíveis de afectar a sua posição, e em especial, a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar (…)» (5)
Noutros termos, o princípio do contraditório «traduz o direito que tem a acusação e a defesa de oferecerem provas para provarem as suas teses processuais e se pronunciarem sobre as alegações, as iniciativas, os actos ou quaisquer atitudes processuais de qualquer delas» (6) (7)
5. Na jurisprudência convencional, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem afirmado que o direito a um processo contraditório «constitui uma das principais garantias de um processo judicial» (8) e «implica em princípio, a faculdade de as partes num processo, criminal ou civil, tomarem conhecimento de qualquer evidência ou observação apresentada ao juiz, mesmo por um magistrado independente, tendo em vista influenciar a decisão a discutir» (9) associando-o ao princípio da igualdade de armas «um dos elementos do conceito mais amplo de processo equitativo, reclamando que «a cada parte deva ser dada uma oportunidade razoável para apresentar o seu caso em condições que a não coloquem numa situação de clara desvantagem em relação ao seu adversário» (10)
6. Este Supremo Tribunal em acórdão de 5 de dezembro de 2012 (11) ponderou que o princípio do contraditório, «que tem conteúdo e sentido autónomo, impõe que seja dada a oportunidade a todo o participante processual de ser ouvido e de expressar as suas razões antes de ser tomada qualquer decisão que o afete; nomeadamente para que o acusado possa ter a efectiva possibilidade de contrariar e contestar as posições da acusação», e, «[n]a construção convencional, (…), colocado como integrante e central nos direitos do acusado (apreciação contraditória de uma acusação dirigida contra um indivíduo), tem sido interpretado como exigência de equidade, no sentido em que ao acusado deve ser proporcionada a possibilidade de expor a sua posição e de apresentar e produzir as provas em condições que lhe não coloquem dificuldades ou desvantagens em relação à acusação», tendo tal princípio «uma vocação instrumental da realização do direito de defesa e do princípio da igualdade de armas: numa perspectiva processual, significa que não pode ser tomada qualquer decisão que afecte o arguido sem que lhe seja dada a oportunidade para se pronunciar; no plano da igualdade de armas na administração das provas, significa que qualquer um dos sujeitos processuais interessados, nomeadamente o arguido, deve ter a possibilidade de convocar e interrogar as testemunhas nas mesmas condições que ao outros sujeitos processuais (a “parte” adversa). Ou, em outra formulação mais abrangente e que contemple diversas especificidades do sistema processual, a possibilidade e o modo de administrar as provas devem ser idênticos para todos os sujeitos, seja o MP, o assistente ou o arguido.»
7. A Senhora Desembargadora enfrentou a questão nos termos que se transcrevem:
«(…) afigura[-se] ter sido cumprido o princípio do contraditório, atento a que ao Ministério Público foi dado conhecimento do alegado ou requerido pelo extraditando, e tendo o mesmo se pronunciado doutamente sobre o mesmo, nada foi requerido de novo, pelo que em nada se mostra violado o principio do contraditório, sob pena de o seu cumprimento levar à eternização de qualquer processo, ou seja, se o arguido vem requerer algo e ouvido o MP, sobre tal requerimento não pode o Juiz decidir, porque tem antes de voltar a ouvir o arguido sobre aposição do MP e após tem de voltar a ouvir o MP sobre o dito pelo arguido e após tem de voltar a ouvir o arguido sobre o que foi dito pelo MP, jamais poderia decidir, o que evidentemente não só não é compatível com a celeridade processual que cumpre imprimir a este tipo de processo, como com qualquer outro tipo de processo penal, pois carece de suporte legal, levando ainda à obstrução ou concretização da justiça tornando-a inoperante ou ineficaz», e, por isso, «o princípio do contraditório se mostra devidamente assegurado quando são ouvidas ambas as partes (acusação e defesa) sobre a mesma questão, como o foram no caso presente.»
8. Nos exatos termos da questão em apreciação, em que após a apresentação do pedido de extradição, o visado a ela se opõe e, tendo «Vista», o Ministério Público a ela responde mostra-se respeitado o princípio do contraditório, com os contornos e conteúdo que se deixou delimitado, a ambas as partes tendo sido dada a oportunidade de apresentarem o seu caso e de sobre ele apresentarem as provas que reputarem necessárias.
9. Sobre a específica questão da produção ou não de alegações, uma vez indeferidas as diligências de prova, o Supremo Tribunal Acórdão de 3 de maio de 2012, processo n.º 205/11.9YRCBR. já tomou posição sobre ela, tendo concluído que, «[i]ndeferidas as diligências de prova, requeridas pelo extraditando, não há lugar à produção de alegações, por estas terem como pressuposto prévio necessário a existência de produção de prova. Contudo, com a audição do recorrente, nos termos do art. 54.º da Lei 144/99, de 31-08, e com a oposição deduzida, nos termos do art. 55.º do mesmo diploma, foi adequadamente assegurado o exercício do contraditório».
De facto, havendo produção de prova compreende-se que o extraditando e o Ministério possam exprimir as suas posições sobre o resultado da diligência, habilitando o tribunal com os seus pontos de vista sobre a questão; não havendo produção de prova, as respetivas posições decorrem já do pedido formulado pelo Ministério Público e pela resposta providenciada pelo extraditando.
Não há pois razão para, nestas situações, haver lugar a alegações, cuja omissão não ofende o disposto no artigo 56.º da Lei n.º 144/99. Aliás, nos termos do artigo 57.º. n.º 1, a não produção de alegações verifica-se, também, nos casos em que não há oposição à extradição, por se reputar formalidade desnecessária.
Improcede assim, a questão prévia suscitada.
(c) A falta de notificação pessoal do acórdão traduzido ao extraditando (Conclusões 31.ª a 32.ª)
1. Invoca também o recorrente não ter sido notificado pessoalmente do acórdão, devendo sê-lo, «e não podendo esta notificação ser substituída pela notificação somente dirigida à mandatária, ainda para mais sendo em língua que o Extraditando não entende, e prevendo a CEDH, bem como o CPP (art. 92.º, n.º 2, 111.º, n.º 1, al. c), 113.º, n.º 10), o direito do arguido à notificação pessoal em língua por si compreensível, a violação destes normativos (supra citados) sempre geraria, no mínimo, irregularidade susceptível de afectar o valor do acto de notificação – a qual foi devida e atempadamente arguida perante a 1ª instância –, porquanto manifestamente a notificação ao defensor em língua que o arguido não compreende não é susceptível de levar ao conhecimento pessoal deste o teor da sentença, com grave afectação dos seus direitos de defesa (nomeadamente do de interpor recurso). Porém, é de tal forma grave esta omissão que a mesma deve ser considerada nulidade insanável nos termos da al. c), do art. 119.º do CPP que se invoca».
2. Compulsando os autos, deles decorre (fls 545) que, em 22 de abril de 2015, foi expedida para o recorrente «notificação por via postal simples com prova de depósito», que foi devolvida, com a menção de que «Falta indicar o recetáculo postal», e foi junta aos autos.
3. Sobre os termos da notificação da sentença, este Supremo Tribunal já apreciou uma situação semelhante Acórdão de 24 de março de 2011, processo n.º 523/10.3YRLSB.S2., em solução que se sufraga, tendo concluído nos seguintes termos:
«A resposta à questão de saber se a decisão jurisdicional de conceder a extradição carece de notificação pessoal ao extraditando – não bastando a notificação ao respectivo defensor –, é afirmativa: o processo de extradição assume uma natureza especial, em que se impõe a notificação pessoal do extraditando para a sua audição pelo juiz relator no Tribunal superior (o da Relação, nos termos do art. 53.º, n.ºs 3 e 4, da Lei 144/99), e a decisão final de extradição é uma sentença, na definição do art. 97.º do CPP», sendo certo que «no elenco da nossa lei processual penal não se inclui a notificação pessoal dos acórdãos proferidos pelos Tribunais superiores em reexame das sentenças, sendo suficiente que seja feita aos advogados ou defensores (tanto mais que a sua estruturação formal não se ajusta aos termos previstos pelos arts. 365.º e ss. do CPP), mas a sentença obedece ao princípio regra da notificação pessoal», e, por isso, «não só a decisão de extradição da Relação é uma sentença – com a peculiaridade de ser da competência desse Tribunal –, como tem múltiplas implicações para o visado, tanto ao nível pessoal, familiar e profissional, com a entrega à justiça de outro país e corte com o país de localização, pelo que tem que ser notificada na sua própria pessoa, a fim de se acautelarem convenientemente os seus direitos de defesa.»
4. Sobre a comunicação dos atos em processo penal e na lei de cooperação judiciária, em nenhum destes instrumentos se contém norma que imponha a notificação da tradução da sentença ao extraditando.
Na Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, alude-se à nomeação de intérprete para assistir o extraditando em certos atos, e o artigo 92.º do CPP, depois de estabelecer no n.º 1, que, nos «atos processuais, tanto escritos como orais, utiliza-se a língua portuguesa, sob pena de nulidade», o n.º 2 preceitua que «[q]uando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada», acrescentando o n.º 3 que «[o] arguido pode escolher, sem encargo para ele, intérprete diferente do previsto no número anterior para traduzir as conversações com o seu defensor».
Ao recorrente foi-lhe nomeado o mesmo intérprete para o primeiro interrogatório de arguido detido, realizado em 20 de maio de 2014 (fls 34), e para o interrogatório realizado a 16 de março de 2015 (fls 313).
A comunicação de atos do processo, levando ao conhecimento do destinatário atos ou peças processuais e o respetivo teor, que relevem para a sua defesa, não é incompatível com a inexistência, no ato notificação, de tradução da peça processual a comunicar, desde que o cumprimento de levar ao conhecimento do destinatário o ato processual realizado em língua que aquele não conheça nem domine, possa ser levado a efeito de outro modo, no respeito pelo processo equitativo.
5. A Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) consagra no artigo 6.º, n.º 3, o direito de o arguido, que não fala nem compreende a língua do processo, ser assistido, gratuitamente, por intérprete que lhe traduza ou interprete os atos do processo. Sobre o conteúdo e limites deste direito, a jurisprudência convencional não exige a tradução de todas as peças ou atos do processo. No já aludido caso Kamasinski c. Austria, o tribunal esclarece que a assistência gratuita de um intérprete aplica-se não apenas à audiência de julgamento, mas igualmente a todos os atos do processo que o arguido carecer de conhecer e compreender para a realização do processo equitativo (14), mas a jurisprudência convencional não vai ao ponto de exigir uma tradução escrita de todos os elementos de prova escrita ou dos documentos oficiais do processo, devendo a assistência fornecida ser de molde a permitir ao arguido ter conhecimento do caso, e dele se defender, nomeadamente sendo capaz de expor ao tribunal a sua versão dos factos (15)
6. O Tribunal Constitucional, relativamente à notificação da acusação, mas cuja fundamentação é transponível para a notificação da sentença, ponderou se é conforme com as garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da CRP e se os direitos de defesa daquele são assegurados, no caso em que aquele desconheça a língua portuguesa, e lhe é entregue cópia da acusação escrita em português, acompanhada da transmissão oral do seu conteúdo, por intérprete, na língua conhecida pelo notificando, tradução oral da acusação, por intérprete, não compromete as garantias de defesa do arguido consagradas no comando constitucional com a assinalada dimensão, tendo concluído afirmativamente, porquanto «a tradução oral da acusação, por intérprete, não compromete as garantias de defesa do arguido consagradas no comando constitucional com a assinalada dimensão», e tal forma de notificação não obstar «a que o arguido p. ex. vá colhendo da leitura as notas (escritas) que entender convenientes, peça esclarecimentos ao intérprete ou solicite repetições sobre trechos eventualmente mais complexos, tudo no sentido de uma perceção completa, minuciosa e profunda da peça acusatória», tanto mais que, «[c]ompetindo ao funcionário encarregado da notificação a transmissão fiel do conteúdo da acusação, o desempenho perfeito da função de interpretação há-de permitir ao arguido os procedimentos referidos em termos que o apetrechem com o conhecimento necessário e suficiente para gizar a estratégia de defesa subsequente.»
7. A comunicação da decisão de extradição, com desrespeito pela notificação pessoal, como o exige o artigo 113.º, n.º 10, do CPP, sem intérprete que explique o conteúdo da sentença, constitui nulidade, nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea c), ex vi artigo 92.º, n.º 2, ambos do CPP, invalidando o ato e reclamando a sua repetição (artigo 122.º, n.os 1 e 2, do CPP).
(d) A nulidade insanável por falta do número de juízes que devem compor o tribunal (Conclusões 33.ª a 38.ª).
1. Invoca o recorrente que «[o] julgamento e a decisão recorrida foram realizados e decididos por um colectivo composto por dois juízes desembargadores», o que constitui «nulidade insanável prevista no art. 119.º, al. a), do CPP», pois o «art. 56.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2013, de 26.08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário, doravante LOSJ), [estabelece] que “Fora dos casos previstos na lei de processo e nas alíneas g) e h) do artigo anterior, o julgamento nas secções é efetuado por três juízes, cabendo a um juiz as funções de relator e aos outros juízes as funções de adjuntos” e o «art. 12.º, n.º 3, al. c), [do CPP] dispõe também que compete às secções criminais das relações, em matéria penal, julgar os processos judiciais de extradição, determinando o n.º 4 que as secções funcionam com três juízes», importando ainda aludir ao disposto nos «arts. 49.º, n.º 2, e 57.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08» tendo sido «violadas as regras de constituição do tribunal, no que respeita ao número de juízes que o deve constituir, padecendo a decisão de nulidade insanável, nos termos do art. 119.º, al. a), do CPP, que aqui expressamente se argui, com os legais efeitos», invocando em seu abono o acórdão de 23 de junho de 2010, proferido no processo n.º 2113/09.4YRLSB.S1
O acórdão mostra-se assinado por dois juízes desembargadores e a ata de audiência refere que «(…) em sessão presidida pelo Excelentíssimo Senhor Juiz Desembargador Presidente da Secção Criminal – 1.ª Subsecção, Dr (…), foram apresentados [estes autos] a fim de se proceder à respectiva conferência», e que «[o]s excelentíssimos Juízes Desembargadores conferenciaram entre si, tendo em seguida a Excelentíssima Senhora Juíza Desembargadora Relatora, …, entregue os autos com o antecedente Acórdão por ela assinado e pelo Senhor Juiz Desembargador Adjunto, Dr (…)».
O julgamento da extradição foi efetuado apenas pelos dois juízes desembargadores subscritores, não tendo o presidente da secção qualquer intervenção na deliberação.
2. Dispõe a Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (16) no artigo 73.º, relativo à competência das relações, na alínea d), que compete às secções, segundo a sua especialização, «[j]ulgar os processos judiciais de cooperação judiciária internacional em matéria penal», acrescentado o n.º 1 do artigo seguinte, com epígrafe «[d]isposições subsidiárias», que «[é] aplicável aos tribunais da Relação, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 54.º e 56.º», sendo que esta última norma, com a epígrafe «Julgamento nas secções [do Supremo Tribunal de Justiça]» preceitua, no n.º 1, que «[f]ora dos casos previstos na lei de processo e nas alíneas g) e h) do artigo anterior, o julgamento nas secções é efetuado por três juízes, cabendo a um juiz as funções de relator e aos outros juízes as funções de adjuntos».
Por sua vez, o Código de Processo Penal, dispondo também sobre competência das relações, preceitua no artigo 12.º, n.º 3, alínea c), que compete às secções criminais das relações, em matéria penal, julgar os processos judiciais de extradição, e, no n.º 4, que «[a]s secções funcionam com 3 juízes», o artigo 229.º, relativo à prevalência dos acordos e convenções internacionais, estabelece, além do mais, que a extradição é regulada pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial, e, finalmente, o artigo 419.º, n.º 1, estabelece que «[n]a conferência intervêm o presidente da secção, o relator e um juiz adjunto».
A composição da conferência limitada ao presidente, o relator e o adjunto decorre das alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, e foi justificada na exposição de motivos da proposta de lei que lhe deu origem, nos seguintes termos: «A conferência, por seu turno, passa a ter uma composição mais restrita, englobando apenas o presidente da secção, o relator e um vogal, competindo-lhe julgar o recurso quando a decisão do tribunal a quo não constituir decisão final e quando não houver sido requerida a realização de audiência (artigo 419.º). Só nos restantes casos o recurso é julgado em audiência. Com esta repartição de competências racionaliza-se o funcionamento dos tribunais superiores, promovendo-se uma maior intervenção dos juízes que os compõem a título singular.»
3. A Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, no artigo 57.º, com a epígrafe «decisão final», estabelece, no n.º 1, – numa formulação que já vem dos diplomas anteriores, artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 437/75, de 16 de agosto (Lei da Extradição), e se manteve no artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de janeiro, e agora modificada quanto aos prazo conferido ao relator para exame do processo, estendendo-o a 10 dias –, que «[s]e o extraditando não tiver apresentado oposição escrita, ou depois de produzidas as alegações nos termos do n.º 2 do artigo anterior, o juiz relator procede, em 10 dias, ao exame do processo e manda dar vista a cada um dos dois juízes-adjuntos por 5 dias», sendo o acórdão elaborado nos termos do código de processo penal, face ao preceituado no n.º 2 daquele artigo.
Aquela lei foi objeto de alteração pela própria Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, que lhe aditou o artigo 154.º-A, relativo à «[t]ransmissão e receção de denúncias e queixas», e, posteriormente, em 2009, pela Lei n.º 115/2009, de 12 de outubro, que aprovou o «Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade», e deu nova redação ao artigo 118.º, relativo à definição da competência interna para a formulação do pedido de transferência de condenado, mas em nenhum desses dois momentos, ou anteriormente, o artigo 57.º foi objeto de modificação.
4. É a primeira vez que este Supremo Tribunal é chamado a pronunciar-se por situação semelhante, mas teve ocasião de apreciar questão paralela, relativa a revisão e confirmação de sentença estrangeira – acórdão de 23 de junho de 2010, processo n.º 2113/09.4YRLSB, citado pelo recorrente –, tendo concluído que, no caso «em que o acórdão recorrido se encontra assinado por dois Juízes Desembargadores, não se verifica qualquer falta do número de juízes», tendo intervindo, «quem tinha que intervir e assinou quem devia assinar, não o fazendo o Presidente por desnecessário», porquanto «[h]avendo maioria, formada com os votos do relator e do adjunto, o que conduz à dispensa de voto do presidente, que só vota para desempatar, não há necessidade de intervenção do presidente na decisão, havendo dispensa de assinatura, assim se cumprindo o n.º 3 do art. 374.º do CPP – assinando os membros do tribunal, que no caso formaram maioria», e, deste modo, nestes casos «[a] assinatura do presidente (…) constará apenas da acta, a certificar a regularidade da tramitação e do julgamento em conferência a que presidiu, não se verificando, pois, qualquer nulidade».
No entanto, este mesmo acórdão reconhece que a tramitação do processo de extradição, no que respeita à decisão final e atento o disposto no «art. 57.º, n.º 1, supõe a intervenção de dois adjuntos, pois aí se refere expressamente que “(…) o juiz relator procede, em 10 dias, ao exame do processo e manda dar vista a cada um dos dois juízes-adjuntos, por 5 dias”», atendendo a que, no processo de extradição, o Tribunal da Relação funciona como 1.ª instância, com recurso das respetivas decisões para o Supremo Tribunal de Justiça.
5. Em síntese, em processo de extradição, o tribunal da relação, reunindo em primeira instância para apreciar o pedido, tem a composição que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 57.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, sendo integrado por um relator e dois adjuntos.
No caso dos autos, não tendo sido respeitada essa composição do tribunal, foi violado o disposto no artigo 119.º, alínea a), do CPP, que comina com nulidade insanável a falta do número de juízes que devam constituir o tribunal, vício que além de ser de conhecimento oficioso foi arguido pelo recorrente, em tempo, e tem de ser declarado, com a consequente repetição do ato.
III. Decisão
Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça:
a) Na improcedência das questões prévias suscitadas pelo requerente, relativas: (a) ao indeferimento dos meios de prova apresentados com a oposição ao pedido de extradição; e (b) à violação do princípio do contraditório, face à resposta à oposição deduzida pelo Ministério Público e a preterição das alegações do extraditando;
b) Na procedência das questões prévias suscitadas pelo requerente, relativas:
a. À falta de notificação pessoal do acórdão traduzido ao extraditando, em declarar a nulidade da mesma, nos termos das disposições conjugadas dos artigos artigo 113.º, n.º 10, e 120.º, n.º 2, alínea c), ex vi artigo 92.º, n.º 2, todos do CPP; e,
b. À falta do número de juízes que devem compor o tribunal, em declarar nulo o acórdão recorrido, nos termos das disposições combinadas dos artigo 57.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, dos artigos 73.º, alínea d), 56.º, n.º 1, ex vi artigo 74.º, n.º 1, todos da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e dos artigos 12, n.os 3, alínea c), e 4, e 119.º, alínea a) ambos do CPP, e determinar a repetição da decisão, por tribunal, em cuja composição intervenham dois juízes adjuntos;
c) Em não conhecer da questão de fundo, por prejudicada; e, em
d) Não tributar em custas, por não serem devidas (artigo 73.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto).
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Supremo Tribunal de Justiça, 9 de julho de 2015
João Silva Miguel
Armindo Monteiro
Pereira Madeira
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(1) E este reproduzia o que se prescrevia no artigo 33.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 437/75, de 16 de agosto, relativo à lei da extradição.
(2) Acórdão n.º 113/95, de 23 de fevereiro de 1995, processo n.º 345/94
(3) Processo n.º 000003, também publicado no Boletim do Ministério da Justiça (BMJ) n.º 435, p. 679.
(4) Acórdão de 3 de maio de 2012, processo n.º 205/11.9YRCBR.
Acórdão citado na nota 2.
(5) J J Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa — Anotada, vol. I, 4.ª edição revista, 2007, Coimbra, Coimbra Editora, anotação XII ao artigo 32.º, pp. 522-523. Itálicos como no original.
(6) Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Noções Gerais – Sujeitos Processuais e Objecto, Vol. I, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2013, pp. 86-87.
(7) Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, Coimbra Editora, p. 149.
(8) Acórdão de 19 de dezembro de 1989, proferido no caso Kamasinski c. Austria, §102, disponível, tal como outros do TEDH que se citarem no texto, na base de dados do Tribunal em http://hudoc.echr.coe.int
(9) Acórdão de 20 de fevereiro de 1996, proferido no caso Lobo Machado c. Portugal, publicado em Recueil… 1996-I, pp. 206-207, § 31. Vd, também, o acórdão de 6 de junho de 2000, proferido no caso Morel c. França, §27.
(10) Acórdão de 18 de fevereiro de 1997, caso Nideröst-Huber c. Suíça, Recueil…, 1997-I, p. 107, § 23.
(11) Proferido no processo n.º 105/11.2TBRMZ.E1-A.S1
(12) Acórdão de 3 de maio de 2012, processo n.º 205/11.9YRCBR.
(13) Acórdão de 24 de março de 2011, processo n.º 523/10.3YRLSB.S2.
(14) Ver sobretudo os §§ 74 e 79.
(15) Reportando-se ao ato de acusação, mas o princípio valendo também para a sentença, Ireneu Cabral Barreto, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem anotada, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2005, p. 166, afirma que «só a tradução da acusação evitará que a dúvida [sobre a sua compreensão] se desenhe, exigindo-se ao Estado a prova de que, apesar dessa omissão, a notificação atingiu o seu objetivo, o que nem sempre se mostrará fácil sobretudo na hipótese frequente de o acusado ou o seu defensor a terem reclamado».
(16) Retificada pela Declaração de retificação n.º 42/2013, de 24 de outubro, sem repercussão nas normas analisadas.