Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | LUCAS COELHO | ||
Descritores: | LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ FACTOS PROVA TESTEMUNHAL | ||
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Nº do Documento: | SJ200312110002942 | ||
Data do Acordão: | 12/11/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 444/02 | ||
Data: | 05/27/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA. | ||
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Sumário : | I - Não havendo a parte logrado provar factos por si articulados, nem por isso se pode concluir pela falsidade ou a desconformidade com a verdade da alegação respectiva, de forma a tornar legítima uma pronúncia de litigância de má fé com base na alínea b) do n.º 2 do artigo 456.º do Código de Processo Civil; II - Assim sucede quando em acção visando o pagamento de honorários de advogado o autor alega que o réu lhe entregou determinadas provisões num total inferior aos honorários devidos, pedindo a condenação no saldo subsistente, e o réu contrapõe que se tratava, ao invés, do montante global de honorários previamente convencionado com o autor (artigo 65.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados), antes que de provisões, apenas se provando, meramente, a entrega das importâncias em causa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal da Justiça: I Alega neste sentido, como bases do saldo, por um lado, haver debitado à ré a título de honorários a quantia de 3 000 000$00, mais IVA a 17% no valor de 510 000$00, e despesas quantificadas em 10 190$00 (3 520 190$00). Por outro lado, ter dela recebido a título de provisões 750 000$00 (3 520 190$00-750 000$00 = 2 770 190$00). Contestou a ré alegando, em síntese, que pagara ao autor os honorários previamente acordados e fixados por duas vezes num total, precisamente, de 750 000$00, considerando em todo o caso imoderado o montante de honorários por aquele pretendido. Veio a ser proferida sentença final em 18 de Maio de 2001, que, aderindo a laudo da Ordem dos Advogados adrede emitido, fixou os honorários em apreço no quantitativo global de 1 700 000$00. Todavia, atendendo ao facto de a ré ter já entregue a soma de 750 000$00, considerou-a devedora tão-somente de 950 000$00, termos em que a acção procedeu parcialmente, com a condenação daquela a solver ao autor esta importância acrescida de juros à taxa legal desde a citação. Apelaram ambas as partes, sustentando as suas posições quanto aos montantes dos honorários, mas a Relação do Porto julgou improcedente a apelação da ré, e parcialmente procedente a do autor, condenando aquela representada pelo seu advogado como litigante de má fé na multa de 5 UC e na indemnização a arbitrar ao autor conforme o disposto no artigo 457.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e confirmando a sentença quanto ao mais, inclusive no tocante ao questionado montante dos honorários. Do acórdão a propósito proferido, em 27 de Maio de 2002, traz a ré a presente revista, fluindo da respectiva alegação e suas conclusões, à luz dos fundamentos da decisão em apreço, que o objecto do recurso compreende: a questão da correcta quantificação do montante dos honorários devidos; e o acerto da condenação por litigância de má fé. O autor recorrido suscita, é certo, na contra-alegação a questão prévia da inadmissibilidade da revista, mas sobre ela se debruçou já o despacho liminar, pronunciando-se pela sua admissibilidade com fundamentos que, data venia, se perfilham e dão como reproduzidos. II 1. A Relação considerou assentes os seguintes factos, dados já como provados na 1.ª instância:1.1. A ré outorgou procuração ao advogado autor para a representar no processo n.º 876/98, tendo este, no desempenho profissional dessa representação, praticado aí tudo quanto emerge das diversas peças processuais por ele subscritas e havendo recebido no seu escritório do Porto todas as respectivas notificações referentes ao mesmo processo; 1.2. O autor, por carta de 27 de Novembro de 1998, enviou-lhe, e a ré recebeu, a sua conta relativa ao referido processo, discriminando despesas no quantitativo de 10 190$00 e honorários no montante de 3 000 000$00 mais IVA à taxa de 17% no valor de 510 000$00, emergindo a crédito do autor um saldo no montante de 2 770 190$00; 1.3. A ré entregou ao autor a soma global de 750 000$00 com respeito a esse processo; 1.4. E por carta datada de 28 de Dezembro de 1998, que o autor recebeu em 4 de Janeiro de 1999, recusou-se a solver o saldo aludido. Além dos factos descritos, considerou o acórdão recorrido ademais provada a factualidade que segue, com relevo para a decisão da apelação do autor (1). 1.5. No decurso da audiência preliminar de 16 de Setembro de 1999 o advogado da ré requereu se solicitasse o laudo do Conselho Geral da Ordem dos Advogados quanto aos honorários peticionados pelo autor, contrapondo este, acto contínuo, que o requerimento visava objectivos dilatórios, porquanto a ré já precedentemente havia pedido e obtido esse laudo, e requerendo a confirmação do facto pelo aludido órgão a fim de se aferir da sua conduta processual; 1.6. Instado, o Conselho Geral informou que correra efectivamente termos um processo de laudo a requerimento da ré, figurando o autor como requerido, de cujo julgamento, por unanimidade, na sessão de 23 de Abril de 1999, fora a requerente notificada mediante ofício do subsequente dia 26, registado com aviso de recepção; 1.7. Nesse laudo (junto por cópia de fls.77 a 82) o Conselho Geral da Ordem dos Advogados rejeitou os honorários de 3 000 contos acrescidos de IVA à taxa legal apresentados pelo autor, antes reputando ajustado o montante global de 1700 contos; 1.8. Sequentemente, deferindo em 17 de Novembro de 1999 novo requerimento da ré nesse sentido, o tribunal de 1.ª instância veio ainda a solicitar o laudo da Ordem, facultando-se a esta os respectivos autos; sem sucesso, contudo, perante a inviabilidade, informada pela Ordem, de um segundo laudo sobre a mesma conta de honorários, quando nem sequer pendia revisão do anterior. 2. Em face da factualidade que teve como provada, a 4.ª Vara Cível do Porto qualificou o contrato celebrado entre autor e ré como prestação de serviço (artigo 1154.º, do Código Civil), na modalidade de mandato (artigo 1157.º). E, ponderando a obrigação que impende sobre o mandante de retribuir o mandatário [artigo 1167.º, alínea b)], assim como os critérios de determinação da medida da retribuição, na falta de ajuste entre as partes, plasmados no artigo 1158.º, n.º 2, e os critérios dos honorários definidos no artigo 65.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, fixou como sabemos os honorários em 1 700 000$00, deduzindo-lhes 750 000$00 já recebidos pelo autor, e condenou a ré na diferença de 950 000$00, com juros a contar da citação. 3. A partir outrossim dos factos acima descritos, já vimos que a Relação do Porto confirmou a sentença, e, em suprimento de nulidade desta por omissão de pronúncia quanto à litigância de má fé, condenou a ré representada pelo seu advogado na multa de 5 UC e numa indemnização a arbitrar ao autor. Quanto ao primeiro aspecto, concedeu aprovação ao juízo nuclear de fixação dos honorários na quantia global de 1 700 contos, emitido em 1.ª instância, que, para além de «tributário dos pertinentes critérios constantes do artigo 65.º, n.º 1, do E. O. A. - lê-se no acórdão -, está em sintonia com o correspondente e especializado laudo emitido, com unanimidade, pelo Conselho Geral da O. A. e exaustivamente fundamentado, em termos pormenorizados e que não são, minimamente, postos em causa ou infirmados pelas alegações e conclusões formuladas por qualquer dos apelantes». Refira-se ademais que, remetendo-se num certo passo da fundamentação da sentença para o aludido laudo, a ré arguiu-a na apelação de nulidade por «omissão de análise e de pronúncia» acerca dos princípios previstos no citado artigo 65.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem, princípios orientadores na fixação dos honorários profissionais dos advogados. O acórdão em recurso rejeitou, porém, a imputação. A decisão apelada não deixara «de abordar as questões suscitadas pela apreciação, quer da causa de pedir apresentada, quer do pedido formulado, únicas que demandam a respectiva actividade cognitiva e decisória, nos termos do disposto nos artigos 660.º, n.º 2, e 668.º, n.º 1, alínea d), primeira parte». Dessa actividade devem «arredar-se (2) os simples ’argumentos’ ou ’raciocínios’ expostos na defesa da tese de cada uma das partes que, podendo constituir ’questões’ em sentido lógico ou científico, não integram matéria decisória para o juiz». Isto com respeito à confirmação da sentença pelo acórdão sub iudicio e à base decisória primacial da condenação da ré no saldo de honorários ainda subsistente. No tocante, por sua vez, à litigância de má fé ponderou o mesmo aresto que «a ré, nas suas intervenções processuais, qualificou de honorários previamente ajustados entre si e o autor (excluindo, portanto, que aqueles pudessem ser de montante superior) aquilo que se demonstrou não passar de simples provisão adiantada, por duas vezes e no montante global de Esc. 750 000$00, pela ré ao autor», o que fez «com dolo directo» e no «intuito de se eximir à condenação no pagamento do excedente de honorários peticionados pelo autor, tanto mais que se tratava de factos que, dizendo-lhe directamente respeito, não podia ignorar». Ou seja, aduz em remate a Relação do Porto, a ré e o seu legal representante «alteraram, dolosamente, a verdade dos factos de si bem sabidos e relevantes para a decisão da causa, com o que incorreram na litigância de má fé prevista na alínea b) do n.º 2 do artigo 456.º». 4. Da decisão que vem de se delinear dissente a ré mediante a presente revista, sintetizando a respectiva alegação nas conclusões que se reproduzem: 4.1. «Na fixação dos honorários, o advogado deve nortear-se pelos princípios da moderação, o factor tempo, dificuldade do assunto, posses do interessado e a praxe do foro e estilo da comarca, conforme dispõe o n.° l do artigo 65° do E. O. A; 4.2. «No caso sob apreciação importa fixar a retribuição justa do trabalho prestado pelo recorrido, que apresenta enorme grau de subjectivismo; 4.3. «Tendo a sentença recorrida determinado tal remuneração em Esc: 950 000$00, remetendo-se pura e simplesmente para um laudo da Ordem dos Advogados que não teve em consideração nem ponderou convenientemente os princípios referidos na primeira conclusão, não determinou a remuneração justa; 4.4. «Ponderados todos os princípios supra alegados, verificados pelos elementos que compõem os próprios autos de providência cautelar, apresenta-se como justa a determinação da remuneração de Esc: 750 000$00; 4.5. «Assim, a decisão recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do disposto no n.° 1 do artigo 65.° do E. O. A.; 4.6. «Da factualidade considerada provada também não resulta que a recorrente através do seu legal representante tenha litigado com má fé; 4.7. «Tendo ficado demonstrado que não praticou qualquer acto que visasse entorpecer a acção da justiça, também não se vislumbra quais os factos que a recorrida dolosamente alterou, uma vez que o laudo requerido traduzia apenas um meio técnico de prova, de entre outros que poderiam ter sido requeridos; 4.8. «O que se verificou foi que a recorrente não conseguiu provar a sua versão, tal como o recorrido também não o fez integralmente; 4.9. «Sendo a recorrente condenada como litigante de má fé com o fundamento que consta do acórdão recorrido, por maioria de razão o teria de ser o recorrido, uma vez que omitiu tal laudo e insistiu pelo seu pedido de pagamento na totalidade; 4.10. «No sentido do acórdão recorrido, quem alterou a verdade dos factos foi o recorrido; 4.11. «A recorrente apenas não conseguiu fazer prova de que a importância paga ao recorrido, de Esc. 750 000$00, correspondia à totalidade dos honorários acordados; 4.12. «Convenhamos que tal prova não era fácil , uma vez que o normal é que tudo se passe em lugar restrito, entre as partes e habitualmente não formalizado atenta a confiança que o cliente deposita no advogado; 4.13. «Pelo exposto, o acórdão recorrido faz errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 456.° a 458.° do C. P. Civil.» O autor recorrido contra-alega cingindo-se praticamente à questão prévia já referenciada no início, e porfiando ainda, em breve alusão, no montante de honorários peticionado. III Coligidos os necessários elementos de apreciação, cumpre resolver as duas questões que integram o objecto da revista, já introdutoriamente esboçadas: a quantificação dos honorários devidos; e a condenação por litigância de má fé.1. A primeira foi decidida pelo acórdão sub iudicio no sentido da adequação e correcção de um quantitativo global de 1 700 000$00, com os fundamentos há pouco explanados (supra, II, 3.), o que tudo merece a nossa concordância, confirmando-se o julgado e negando-se nesta parte provimento à revista, conforme o n.º 6 do artigo 713.º do Código de Processo Civil. Improcedem, nestas condições, as conclusões 1.ª a 5.ª da alegação de recurso, que, aliás, constituem praticamente mera reprodução literal das conclusões 1.ª a 4.ª e 6.ª da alegação da apelação da ré, a que a Relação como vimos recusou acolhimento. 2. Outro, no entanto, deve ser o sentido da pronúncia concernente à questão da lide maliciosa, à qual respeitam as demais conclusões. Sabemos, na verdade, que a razão pela qual se propendeu no acórdão recorrido para a sancionar como tal consistiu na factualidade, imputada à ré e ao seu advogado - e adrede prevista em abstracto na alínea b) do n.º 2 do artigo 456.º do Código de Processo Civil -, de terem alterado dolosamente a verdade de factos relevantes para a decisão do pleito, deles conhecidos, na medida em que, nas suas intervenções processuais, apresentaram como «honorários previamente ajustados» entre autor e ré «aquilo - citamos ao pé da letra - que se demonstrou não passar de simples provisão adiantada, por duas vezes e no montante global de 750 000$00, pela ré ao autor». Se na realidade assim fosse, a distorção da verdade mereceria indubitavelmente a reprovação que transparece da condenação por litigância de má fé. Não vemos, todavia, salvo o devido respeito, que se tenha demonstrado a natureza de provisão da questionada verba de 750 000$00. O que tão-somente se provou foi que uma quantia desse montante tinha sido entregue pela ré ao autor com respeito ao processo respectivo [alínea F) da especificação; cfr. supra, II, 1.3.], o que, de resto, tanto bastava juridicamente para que a mesma fosse deduzida ao quantitativo global de honorários fixado na presente acção. Dito por outras palavras, a ré não logrou provar, como alegara, que essa verba tinha a natureza de honorários em tal montante previamente convencionados com o seu advogado no procedimento cautelar, um tipo de ajuste, aliás, que o artigo 65.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados reputa admissível. Pois bem. Pelo facto de não se ter feito a prova do que fora articulado, nem por isso se pode concluir pela falsidade ou desconformidade com a verdade da alegação respectiva, de forma a tornar legítima uma pronúncia de litigância de má fé à luz do artigo 456.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil. Procedem, por conseguinte, as conclusões da revista nesta parte. 3. Nos termos expostos, concedendo parcial provimento ao recurso, revogam o acórdão recorrido com respeito à condenação em multa e indemnização por litigância de má fé, confirmando o mesmo quanto ao mais. Custas pela ré recorrente e pelo autor recorrido, na proporção de 9/10 e 1/10, respectivamente (artigo 446.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). Lisboa, 11 de Dezembro de 2003 Lucas Coelho Santos Bernardino Bettencourt de Faria ---------------------------- (1) Nesta peça processual suscitara, na verdade, o autor a nulidade da sentença por omissão de pronúncia acerca do pedido, formulado na réplica e mais tarde reiterado, de condenação da ré e do seu advogado em multa e indemnização por litigância de má fé.: (2) E cita-se neste sentido Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3.ª edição, págs. 180 e 195.. |