Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | FERREIRA GIRÃO | ||
Descritores: | DIVÓRCIO ALIMENTOS MONTANTE DA PENSÃO CULPA CÔNJUGE CULPADO | ||
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Nº do Documento: | SJ200501270040352 | ||
Data do Acordão: | 01/27/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 5899/03 | ||
Data: | 04/27/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
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Sumário : | I -- O direito a alimentos do divorciado, ao abrigo do artigo 2016 do Código Civil, tem natureza alimentar, pelo que não nasce por mero efeito da verificação do pressuposto da culpa previsto no nº1 do mesmo artigo, nem tem como finalidade assegurar ao requerente o mesmo padrão de vida que usufruía na vigência do casamento; II - Assim, e em primeira linha, há que averiguar se o requerente tem real necessidade da ajuda alimentar do requerido para fazer face às exigências de uma vivência normal e digna; III - Comprovada a necessidade alimentar do requerente explicitada em II e se as condições económicas do requerido o permitirem, fixar-se-á o montante da prestação de acordo com estas condições e ponderando ainda os demais parâmetros previstos no nº3 do artigo 2016 do CC, incluindo o referido padrão de vida da extinta sociedade conjugal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Na presente acção especial de divórcio litigioso intentada por A contra B foi julgado procedente o pedido de divórcio - com a declaração de ser o réu o exclusivo culpado - e foram julgados improcedentes os pedidos de alimentos e de indemnização por danos não patrimoniais a favor da autora (e cujos montantes peticionados são de 100.000$00/mês e 3.000.000$00, respectivamente). No entanto, a Relação de Lisboa, concedendo parcial provimento ao recurso de apelação que a autora interpôs desta sentença, alterou-a apenas no que concerne ao pedido indemnizatório e condenou o réu a pagar à autora, a esse título, a quantia de 7.500euros. Insiste agora a autora na procedência do pedido de alimentos, salientando-se, das conclusões da respectiva alegação, as seguintes: 1. Por violação de todos os deveres conjugais, nomeadamente o dever de assistência, foi ainda o réu declarado exclusivo culpado do divórcio, condição necessária para a autora peticionar os alimentos; 2. Os fundamentos e a as condições para a atribuição de pensão de alimentos vêm estabelecidos no artigo 2016 do Código Civil; 3. O réu, sendo arquitecto, auferia em 1999 a quantia de 4220euros, sendo mais do que natural que actualmente aufira muito mais; 4. Actualmente aufere a quantia de 6511euros; 5. A autora, por seu lado, exerce actividade de enfermeira, em regime de exclusividade no Hospital CUF Descobertas, auferindo um vencimento mensal na ordem dos 1300euros; 6. Devido às actividades profissionais de autora e réu, facilmente se percebe que o réu, através da realização de projectos de arquitectura, tem maiores possibilidades e oportunidades de garantir uma estabilidade financeira do que a autora; 7. Para além do mais, é a recorrente que dedica mais tempo à educação e criação das filhas do casal, pois é à recorrente que pertence o poder paternal em exclusivo, não tendo, também por isso, oportunidade de conseguir outras formas de rendimento; 8. Fica assim demonstrado que a autora cumpre todos os requisitos para lhe ser concedida uma pensão de alimentos; 9. Na esteira do que defende a doutrina e a jurisprudência uniforme, a pensão de alimentos entre cônjuges tem um carácter específico, sendo que o seu objecto é diferente da prestação alimentar comum; 10. Ao contrário daquela, a pensão de alimentos devida ao cônjuge não se mede apenas e estritamente pelas necessidades vitais (alimentação, vestuário, calçado e alojamento) do cônjuge necessitado, visando também assegurar a este, na medida do possível, a manutenção das condições económico-sociais existentes ao tempo do matrimónio; 11. A posição do marido, como prestador de alimentos, in casu, tem de ser entendida como uma pessoa que contraiu pelo casamento o dever de constituir com a mulher uma comunhão de vida e, por isso, de lhe assegurar uma situação patrimonial condizente com a condição de família, como esta existia até o réu ter decidido destruí-la; 12. A obrigação alimentar entre cônjuges tem necessariamente de ser encarada como um prolongamento do dever recíproco de assistência; 13. Para além do mais o acórdão recorrido entra em clara contradição com a matéria assente, na medida em que esta reconhece que a autora necessita de ajuda no sustento do lar, ajuda essa que é prestada pelos Pais, na medida em que o recorrido decidiu fugir às suas responsabilidades. O recorrido não contra-alegou. Corridos os vistos, cumpre decidir. Para a solução do recurso relevam os seguintes factos: 1º Autora e réu contraíram casamento católico no dia 8 de Setembro de 1990, sem convenção antenupcial; 2º Do casamento nasceram duas filhas menores, a C e a D, em, respectivamente, 1/2/1993 e 3/7/1998; 3º Desde o abandono do lar conjugal, ou seja em 7 de Maio de 1999, o réu jamais contribuiu para a satisfação das despesas inerentes à vida doméstica, designadamente as despesas relativas ao consumo de água, gás, electricidade, telefone e condomínio, deixando mesmo de pagar a prestação relativa ao empréstimo do imóvel onde a família residia a partir do mês de Maio de 2001; 4º No decurso do casamento, mais concretamente em 24/12/1998, o réu ofereceu à autora como prenda de Natal, uma viatura nova de marca Mercedes Benz, modelo classe A, com a matrícula MN; 5º O réu apoderou-se do carro de marca Mercedes acima indicado, sem conhecimento e autorização da autora, e deixou uma mensagem no telemóvel da autora, informando-a de tal facto e de que iria vender a referida viatura, não mais tendo a autora readquirido a posse de tal carro; 6º O réu, sendo arquitecto e sócio da sociedade «Oficina da Paisagem», auferia em 1999 cerca de 845.740$00 líquidos mensais; 7º O réu sempre contribuiu para o sustento das filhas e paga a título de pensão de alimentos para as menores a quantia mensal de 1.000euros, acrescida de duas prestações anuais de 400euros cada, suportando ainda os seu gastos pessoais e gastos do seu novo agregado familiar; 8º A autora, pelo seu lado, é enfermeira no Hospital Pulido Valente e aufere uma remuneração mensal líquida actual de 1.385.35euros; 9º A autora não tem qualquer outro rendimento para além do vencimento desde Janeiro de 2002, suportando encargos com a sua parte na educação da C e da D e ainda a prestação da habitação a partir de Maio de 2001; 10º É com a sua remuneração que a autora, desde que o réu abandonou o lar conjugal, passou a fazer face às suas despesas e às despesas normais do lar nos termos acima indicados; 11º O valor da prestação hipotecária referente à casa de morada de família é actualmente de 340.33euros; 12º Os pais da autora têm-na ajudado a suportar as despesas de sustento do lar. A única questão a resolver consiste em saber se a recorrente tem direito a alimentos a prestar pelo recorrido. Depois de ter considerado que o critério a ter em conta, neste âmbito, é o das necessidades do alimentando/possibilidades do obrigado a prestar alimentos e não o do padrão de vida que o casamento tenha proporcionado ao cônjuge carente, o acórdão recorrido, ponderando os factos apurados, decidiu que a recorrente não tinha direito à peticionada prestação alimentar. A recorrente insurge-se contra esta decisão, argumentando, além do mais, que: --a pensão de alimentos devida ao cônjuge não se mede apenas e estritamente pelas necessidades vitais (alimentação, vestuário, calçado e alojamento) do cônjuge necessitado, visando também assegurar a este, na medida do possível, a manutenção das condições económico-sociais existentes ao tempo do matrimónio; --o acórdão recorrido entra em clara contradição com a matéria assente, na medida em que esta reconhece que a autora necessita de ajuda no sustento do lar, ajuda essa que é prestada pelos pais. Vejamos. A disposição legal aplicável é o artigo 2016 do Código Civil. Provado o pressuposto da culpa exigido pelo seu nº1 (o réu, ora recorrido, foi declarado exclusivo culpado do divórcio), resta verificar se a recorrente carece de alimentos, nos termos das regras gerais estabelecidas nos artigos 2003 e 2004 do mesmo Código, e, se a resposta for afirmativa, fixar o respectivo montante de acordo com os parâmetros estabelecidos no nº3 do artigo 2016, ou seja, tomando em conta: --a idade e estado de saúde dos cônjuges; --as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego; --o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação dos filhos comuns; --os seus rendimentos e proventos; --de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta. Como se vê, especialmente desta última parte salientada em itálico, a atribuição do direito em análise tem como pressuposto básico a regra geral estabelecida no artigo 2004 do Código Civil, isto é, o confronto dicotómico entre, por um lado, as necessidades do alimentando e as possibilidades do obrigado, pelo outro. O direito a alimentos do divorciado não nasce, assim, exclusiva e automaticamente por efeito da culpa, com o fito imediato de manter ou recolocar o requerente no nível de vida - eventualmente alto -- a que estava habituado durante a vigência da sociedade conjugal. Não há um direito adquirido a um nível de vida superior, a efectivar pela via alimentar, como escreve o Professor Inocêncio Galvão Teles, no seu parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência,, ano XIII, tomo 2, página 20, onde se pode ler ainda o seguinte: «Aliás, mesmo durante a vigência da sociedade conjugal, o nível de vida não tem a ver com a obrigação de prestar alimentos mas com a de contribuir para os encargos da vida familiar, isto é, não se prende com o eventual dever de um dos cônjuges alimentar o outro (dever de alimentação) mas sim com o de ambos manterem aquela sociedade, em medidas iguais ou diferentes (dever de manutenção) (Cód. Civ., arts.1675º, nº1, e 1676º).». Conclui-se, assim, que o direito do divorciado a alimentos tem natureza - não indemnizatória ou compensatória, como alguns defendem - mas sim alimentar e é condicionado, tal como na pendência do casamento, pelas necessidades do alimentando e pela possibilidades do alimentante (cfr. acórdão do STJ, de 24/6/1993, BMJ 428º-599. Por conseguinte, e em primeiro lugar, há que averiguar se o peticionante tem realmente necessidade da ajuda alimentar do accionado para fazer face, com o mínimo de dignidade socialmente aceitável, às exigências da sua vivência diária. Comprovada essa necessidade, atentar-se-á, então, às possibilidades económicas do obrigado e, se ele as tiver, deverá o montante da prestação alimentícia ser fixado de acordo com essas possibilidades e ainda na ponderação dos demais parâmetros estabelecidos no nº3 do artigo 2016, onde, também e naturalmente, poderá ser incluído o padrão de vida do ex-casal. Dito isto, logo vemos que andou bem o acórdão recorrido, quer ao começar por apreciar a necessidade alimentar da recorrente, quer ao concluir, face aos factos provados, pela inverificação dessa necessidade. Efectivamente, perante os factos provados que interessam à questão e atrás enumerados, verificamos que a recorrente é enfermeira no Hospital Pulido Valente, auferindo uma remuneração líquida mensal de 1.385,35euros. Exerce, portanto, uma profissão de carreira, o que, à partida, lhe garante, para além de fortes perspectivas de estabilidade de emprego, a possibilidade de vir a auferir remunerações mais elevadas. Como se diz no acórdão sob recurso, a principal despesa a que tem de fazer face com o referido e actual ordenado mensal é a da prestação mensal do mútuo, para aquisição do imóvel onde vive com as filhas, no valor de 340,33euros. Fica, assim, com mais de 1.000euros para as despesas e encargos normais, relativos não só ao seu sustento, como à sua quota parte no sustento e na educação das duas filhas menores, nascidas do casamento ora dissolvido. Só que esta sua comparticipação na criação das duas referidas menores está significativamente atenuada com os 1.000euros mensais, acrescidos de duas prestações anuais de 400euros cada, que o recorrido paga a título de alimentos a favor das mesmas menores, pelo que os referidos 1000euros mensais lhe permitem um razoável nível de vida. A recorrente não carece, por isso, de alimentos a prestar pelo recorrido. Nem tal carência se pode extrair do facto provado de que os seus pais a «têm ajudado a suportar as despesas de sustento do lar», por ser notório que essa frequente e normal ajuda de pais para filhos nem sempre corresponde a um estado de necessidade por parte destes. De qualquer forma, o acórdão não extraiu desse facto a ilação, pretendida pela recorrente, no sentido da referida necessidade e tanto basta - por se tratar de matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias -- para concluirmos pela irrelevância de tal facto e, consequentemente, pela inexistência da contradição imputada pela recorrente ao acórdão recorrido. Enfim, parafraseando o acórdão sob recurso, «o «peso económico» da recorrente, isto é, a sua capacidade de gerar rendimento é suficiente para se auto sustentar, bem como contribuir para o sustento das suas duas filhas.». DECISÃO Pelo exposto nega-se a revista, com custas pela recorrente.Lisboa, 27 de Janeiro de 2005 Ferreira Girão Luís Fonseca Lucas Coelho |