Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3936/03.3 TBGDM.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: ESCRITURA PÚBLICA
DOAÇÃO
DECLARAÇÃO
PAGAMENTO
FORÇA PROBATÓRIA
USUFRUTO
CÔNJUGE SOBREVIVO
DIREITO DE ACRESCER
PARTILHA DA HERANÇA
Data do Acordão: 03/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Como resulta do disposto no art. 371º, nº 1 do Código Civil, a escritura pública faz prova plena dos factos que refere como praticados pelo notário, assim como dos factos que por ele são atestados com base nas suas percepções; não faz daqueles que constituem objecto de declarações de ciência produzidas pelos outorgantes.

II. Se na escritura de doação consta que a donatária entregará aos doadores uma referida quantia a título de “entrada” pelos bens doados e também, mais adiante, que a referida “entrada” foi já recebida pelos doadores, não pode a escritura pública fazer prova plena da existência de qualquer pagamento, que não foi directamente percepcionado pelo notário;

III. Com o falecimento de um dos co-usufrutuários, marido e mulher, o outro sobrevivo adquire a totalidade do direito de usufruto, constituído conjuntamente a favor deles, não por via hereditária (o direito de usufruto, na titularidade do falecido, não entra na sucessão) mas por via do direito de acrescer, não devendo, por isso, proceder-se, no âmbito da partilha, a qualquer dedução do valor do usufruto.”

Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:

*



 AA intentou no Tribunal Judicial da Comarca do .... – Juízo Local Cível de ........ o processo de inventário para partilha dos bens deixados por óbito de BB, seu pai (seguindo-se, doravante, o exaustivo relatório do acórdão da Relação).

Foi nomeada cabeça de casal, a viúva, CC a qual prestou juramento e declarações em 10.11.2003. 

 Apresentada a relação de bens, dela reclamou a interessada AA acusando a falta de relacionação de bens e ainda de sonegação por parte da cabeça-de-casal de determinada quantia em dinheiro.

Depois de instruída a reclamação, foi proferida, em 29.01.2010, a seguinte decisão:

“Face ao exposto, decido julgar a presente reclamação procedente por provada e, em consequência:

1. determinar o aditamento à relação de bens dos seguintes bens:

 - recheio de um quarto de habitação da casa onde habitava o inventariado;

- cama, penteadeira, cómoda, roupeiro, 2 mesas de cabeceira, uma televisão a cores e dois roupeiros:

 - cristaleira, dois aparadores, mesa com seis cadeiras, dois castiçais e terrina em prata, serviço de jantar em porcelana, serviço de chá, serviço de copos e serviço de café;

- sapateira, estante, cofre e mesa de telefone;

 - estante, mesa de vidro e quatro cadeiras, três sofás vermelhos, televisão a cores, vídeo, móvel com aparelhagem de música e garrafeira;

- móveis de cozinha de fornica castanha, mesa e seis cadeiras, fogão a gás com seis bocas e louças variadas (pratos, copos e travessas);

- metade do saldo da conta nº .......65, do Crédito Agrícola, cujo saldo global é de € 40.000,00;

- mais um terço do depósito poupança-casal reformado referido na verba nº 1 da relação de bens;

2. remeter os interessados para os meios comuns relativamente à questão de saber se o veículo de matrícula VD-..-.. é pertença da herança;

3. no mais, julgar a reclamação improcedente.

 (…) Notifique, sendo a cabeça de casal para, em 10 dias, relacionar os bens em falta”. 

 E relativamente à sonegação, foi na mesma data proferida a seguinte decisão:

“A interessada AA requereu se considere que a cabeça-de-casal sonegou o saldo de €40.000,00 supra aludido.

A cabeça-de-casal, notificada para o efeito, não se pronunciou.

  Cumpre decidir.

 De acordo com o disposto no artigo 2096.º/1 do Código Civil, o herdeiro que sonegar bens da herança, ocultando dolosamente a sua existência, seja ou não cabeça de casal, perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados.

O conceito de sonegação exige, pois, em primeiro lugar, uma ocultação de bens, o que pressupõe a omissão de uma declaração e o dever de declarar, por parte do omitente (neste sentido, cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, VI, 157).

 Exige ainda que a omissão seja dolosa, isto é, que envolva uma conduta activa ou passiva tendente a enganar os co-herdeiros, e que tenha como consequência a ocultação de bens pertencentes ao acervo hereditário (neste sentido, cfr. Ac. RC, 30.11.1999, CJ, V, 35 ss).

No caso concreto, dúvidas não restam de que a cabeça-de-casal omitiu o relacionamento de metade do saldo da conta bancária n.º .......65, do Crédito Agrícola (uma vez que a outra metade era pertença de terceiro), tendo o dever de a relacionar, atentas as funções que desempenha (cfr. artigos 1345.º e 1346.º do CPC).

Por outro lado, afigura-se-nos também manifesto ser sua intenção enganar os co-herdeiros (pelo menos a reclamante), o que resulta das regras da experiência comum, uma vez que nenhum outro fundamento se concebe para a ocultação, a qual manteve mesmo depois da reclamação apresentada.

 Concluímos assim que a cabeça de casal sonegou bens da herança, decretando-se a perda do seu direito a metade do saldo da conta bancária n.º .......65, do Crédito Agrícola (…)”.

A cabeça-de-casal interpôs recurso da referida decisão que, por despacho de 6.04.2010, devidamente transitado, não foi admitido, para o que se considerou que:

“A cabeça-de-casal interpôs recurso do despacho de fls. 329 e ss, o qual lhe foi notificado electronicamente por ofício datado de 02.02.2010, presumindo-se expedido em 05.02.2010 e a notificação efectuada na data da expedição (cfr. 21º-A/5 da Portaria 1538/2008, de 30.12 e artigo 254º/5 do CPC).

Verifica-se assim que o recurso interposto em 16.03.2010 é extemporâneo, porquanto apresentado para além dos dez dias de que a interessada dispunha para o efeito.

No entanto, invocou a recorrente que:

- teve conhecimento do despacho há menos de dez dias, por o mesmo ter sido notificado ao seu mandatário por via electrónica, o qual não contava com a notificação por tal meio;

- o seu mandatário enviou para o tribunal um requerimento por via electrónica, mas sem as devidas formalidades, como dele se evidencia;

- o processo em causa é especial e data de 2003.

A alegação da interessada não pode deixar de enquadrar-se no justo impedimento previsto no artigo 146º do CPC:

 De acordo com o disposto no citado normativo, a parte pode ser admitida a praticar o acto fora do prazo se se verificar justo impedimento, entendendo-se por este o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto.

Deve ainda a parte que invoca o justo impedimento apresentar-se a requerê-lo logo que ele cessou.

 Vejamos se a invocada falta de conhecimento do despacho em causa, por o mesmo ter sido notificado electronicamente ao Mandatário da interessada, é ou não imputável à parte ou ao seu Mandatário.

 Dispõe o artigo 21º-A/4/b) da citada Portaria 1538/2008 que as notificações às partes em processos pendentes são realizadas por transmissão electrónica de dados quando, para além do mais, o mandatário tenha enviado para o processo qualquer peça processual através do sistema informático citius.

 No caso concreto, o mandatário da requerente remeteu requerimento ao processo através do sistema informático citius em 27.07.2009 (cfr. fls. 322 e ss). Pese embora tenha alegado que o fez sem as devidas formalidades, verifica-se que a lei não faz depender tal acto de quaisquer formalidades. Por outro lado, o citado artigo 21º-A/4 é expresso no sentido da sua aplicação aos processos pendentes, não excepcionando os processos especiais. Concluímos assim que a notificação em causa foi devidamente efectuada, pelo que a alegada falta de leitura da mesma é imputável ao mandatário da interessada.

 Não se verifica assim qualquer justo impedimento, pelo que o recurso interposto em 16.03.2010 é extemporâneo, não se admitindo, em consequência, o mesmo (…)”.

Não obstante ter sido notificada pelo tribunal por três vezes, e sob a cominação de condenação em multa, o que se veio a efectivar, para apresentar nova relação de bens contendo os bens em falta, a cabeça-de-casal- nada disse ou fez, tendo, posteriormente a interessada AA vindo peticionar a sua remoção e substituição, o que veio a ser deferido por despacho de 12.07.2010, de onde consta, além do mais, “(…)

Face ao exposto, decido remover a cabeça-de-casal e, em sua substituição, nomear DD (…)”.

 A nova cabeça-de-casal prestou declarações e em 26.04.2011 juntou aos autos a respectiva relação de bens, e dela veio reclamar a interessada AA acusando a falta dos bens móveis que haviam sido anteriormente acusados em falta e ordenada a sua relacionação, por decisão de 29.01.2010.

 Não obstante ter sido notificada repetidas vezes para o efeito, e mesmo depois de ter sido condenada em multa pela sua inacção, a cabeça-de-casal nada fez ou disse, e de seguida a interessada AA veio alegar que o cargo de cabeça-de-casal deverá ser desempenhado por DD por ser a filha mais velha, o que veio a merecer o seguinte despacho de 2.11.2011, de onde consta, além do mais,

“A interessada que a requerente AA indica para ser nomeada cabeça de casal foi aquela que o tribunal removeu.

Assim, não se atenderá à sugestão ora oferecida.

Notifique.

Para exercer o cargo de cabeça de casal, na falta de qualquer outro interessado, nomeio, AA (…)”.

A nova e actual cabeça-de-casal juntou aos autos, em 24.11.2011, a relação de bens, de onde constam 35 verbas de bens móveis e dinheiro; duas verbas de bens doados à interessada DD, um imóvel e um estabelecimento comercial; um jazigo e três verbas de passivo – dívidas da herança à interessada DD.

Foi designada data para a realização da conferência de interessados, a qual se veio a realizar a 20.06.2012, onde se verificou que as partes não chegaram a acordo quanto à aprovação do passivo, sendo certo que a cabeça de casal AA não o aprova e as interessadas DD e CC o aprovam.

 Por outro lado, verificou-se ainda que a cabeça de casal AA declarou pretender licitar os bens doados à interessada DD, ao que esta se opôs. Nesse seguimento requereu a cabeça de casal que se procedesse à avaliação dos bens doados, o que foi deferido pelo Tribunal.  

 Após o que a diligência foi suspensa para realização da avaliação do valor dos bens doados.

 Oportunamente foi junto aos autos o laudo da avaliação dos bens doados – verbas n.ºs 36 e 37, que não mereceu qualquer censura por parte das interessadas.

Relativamente ao passivo não aprovado pela cabeça-de-casal, em 17.12.2013, foi proferido o seguinte despacho:

“Em sede de conferência de interessados as interessadas DD e CC aprovaram o passivo, enquanto que a interessada AA não o fez.

 (…)

 O tribunal aprecia da existência do passivo se a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados. Aí reconhecerá a existência do passivo. Caso contrário, não o reconhecerá. Porém, tal não significa a inexistência do passivo, mas apenas que o mesmo terá de se reclamado, discutido e apreciado noutra sede, nomeadamente através de uma acção declarativa. Ora, no caso que nos ocupa os elementos documentais juntos aos autos não permitem que, com segurança, se conclua pela existência do passivo relacionado, pelo que não é o mesmo reconhecido relativamente à interessada que o não aprovou, a cabeça-de-casal AA.

 Notifique”.

Retomada, em 28.01.2014 a conferência de interessados onde foi acordada a adjudicação das verbas n.ºs 3, 4, 5, 11, 12, 21 e 29 e 1/3 da verba n.º 1, à interessada CC; a adjudicação das verbas n.ºs 23, 24 e 1/3 da verba n.º 1 e 1/2 da verba n.º 2 à cabeça de casal, AA e, a adjudicação da verba n.ºs 36, 37 (após rectificação) e 38, mais 1/3 da verba n.º 1 e 1/2 da verba n.º 2, à interessada DD.

 Mais ficou consignado que “Mais acordaram, unanimemente, em eliminar as restantes verbas da relação de bens”, o que mereceu o seguinte despacho: “Determino a eliminação da relação das verbas indicadas pelas interessadas. Notifique a cabeça de casal nos termos e para os efeitos do disposto no art.º seja dado cumprimento ao disposto no art.º 1373.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Lei n.º 29/2009, de 29/Junho”.

Por despacho de 11.04.2014 foi determinada a forma da partilha. Após o que foi junto aos autos o respectivo mapa informativo.

Em 15.05.2014 foi informado nos autos que a doação efectuada excede a parte disponível do inventariado, nos termos do disposto n.º 1 do art.º 1376.º do CPC, demonstrado pela seguinte forma:

- Doação (1/2 das verbas n.ºs 36 e 37)............................€65.000,00

            - Parte disponível.............................................................€13.596,75.

Após o que foi proferido o seguinte despacho:

“(…) dou sem efeito o mapa informativo anteriormente presentado, bem como a notificação ordenada nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 1377.º do Código de Processo Civil. Mais, determino que sejam os interessados notificados a informação ora lavrada nos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 1376.º do Código de Processo Civil”.

 Após audição das interessadas, foi em 7.11.2014 proferido o seguinte despacho:

 “Fls. 685.

A reclamação apresentada pela interessada DD não pode ser atendida na medida em que não é conforme com o despacho determinativo da forma à partilha, nem de acordo com os valores dos bens e da responsabilização pelo passivo já determinados nos autos todos por despacho transitado em julgado, pelo que se indefere.

 Notifique.

Fls. 691 a 693.

 A reclamação apresentada pela cabeça de casal AA padece de um lapso que porque cometido logo à partida inquina toda a sua alegação.

 É que o valor da quantia relacionada sob a verba n.º 1 da relação de bens não é de 19.403,24 euros, mas apenas 2/3 desse valor, ou seja 12.935,493 euros. A única conclusão que se pode retirar da redacção da descrição dessa verba (2/3 do saldo da conta bancária (…) constituído por um depósito a prazo no valor total de €19.403,24 e juros vencidos e vincendos.).

 Assim, o valor global dos bens não doados é de 16.580,49 euros, pelo que os valores afirmados pela cabeça de casal não podem ser atendidos.

 De todo o modo, a informação prestada pelo Sr. Escrivão de Direito quanto a montante doado que excede a quota disponível não se encontra correcta.

 Na verdade, ascendendo o valor global da herança ao montante de 73.290,24 euros o valor da quota disponível é de 24.430,082 euros, pelo que a doação realizada excede a quota disponível em 40.569,918 euros.

 Assim, determino a correcção dos montantes indicados a fls. 680 pelos agora indicados no presente despacho e a repetição da notificação das interessadas nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 1376.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, com advertência de que decorridos 10 dias sobre a notificação será ordenada a elaboração do mapa informativo a fim de serem determinados os quantitativos as tornas em dívida.

  Notifique”.

 Em 22.01.2015 foi junto aos autos novo mapa informativo da partilha, após o que foram notificadas as devedoras de tornas para requererem a composição dos seus quinhões ou reclamar o pagamento das tornas. Tendo a cabeça-de-casal reclamado o seu pagamento.

A interessada DD veio requerer que na organização do mapa de partilha o cálculo da quota disponível pela totalidade do activo da herança e o usufruto de metade dos bens doados.

 Para tanto, além do mais alega que o valor total dos bens doados e não doados é o das verbas 1, 2, 3, 4, 5, 11,12, 21, 23, 24, 29, 36, 37 e 38, no montante de €166.777,17, sendo a quota disponível da donatária de 1/3 do activo da herança, no montante de €55.592,39. E estando as verbas que constituem os bens doados (36 e 37) avaliadas em €130.000,00, a esse valor de propriedade plena deve ser retirado o valor do usufruto de metade, ficando as verbas 36 e 37 com o valor total de €84.000,00, adjudicando-se à viúva, além do mais, o usufruto de metade e à donatária a totalidade ou metade do valor dos bens doados, por conta da quota disponível.

A mesma interessada veio ainda pedir a rectificação da partilha, dizendo para tanto que a conta n.º .......65 do Crédito Agrícola foi ordenado que fosse relacionada pelo valor de €20.000,00, por ser essa a parte da herança, mas dessa parte falta salvaguardar a meação da viúva. Assim: O valor do casal é de €20.000,00. A meação da viúva é de € 10.000,00. A perda da viúva por sonegação é de €3.333,33. Pelo que deve ser relacionado €10.000,00.

 Por outro lado, a conta do Banco Popular, no valor de €19.403,24, foi ordenado que fosse relacionada por 2/3 do valor, 1/3 da viúva, e outro 1/3 do autor da herança o que soma os dois terços do casal, mas não foi objecto de perda do direito da herança, pelo que seguindo o critério da verba anterior, para facilitação das operações de partilha deve ser relacionado o saldo por 1/3 da quantia, ou se relacionado por 2/3, adjudicando-se 4/9 do valor, à viúva, e a cada uma das interessadas 1/9 desta quantia.

Em 5.05.2015 foi proferido o seguinte despacho:

“ Fls. 710 a 714.

A reclamação ora apresentada pela interessada DD padece, em absoluto de fundamento.

Senão, vejamos:

 - as verbas n.ºs 36 e 37 foram já incluídas na acta da conferência de interessados realizada em 28.01.2014, conforme despacho que ordenou a sua rectificação, constante de 659, devidamente notificado às partes que dele não reclamaram nem recorreram;

 - o valor de cada uma destas verbas a considerar foi já fixado por despacho constante de fls. 671 e que corresponde ao valor da sua avaliação, devidamente notificado às partes que dele não reclamaram, nem recorreram;

 - a influência dos bens doados na partilha e forma como nela devem ser considerados está explicada de forma cristalina no despacho determinativo da forma à partilha, devidamente notificado às partes que dele não reclamaram nem recorreram.

  Assim, nada mais há a corrigir, pelo que carecendo a reclamação ora apresentada de fundamento, vai a mesma indeferida.

  Custas do incidente a cargo da interessada com taxa de justiça que se fixa em 1UC – art.º 7.º do Regulamento das Custas Processuais.

    Notifique.

    Fls. 719.

Independentemente da tempestividade da reclamação apresentada pela interessada DD, diremos que o por si afirmado não corresponde à realidade legal e como tal não pode ser atendido, uma vez que, conforme de forma clara ficou explicado no despacho determinativo da forma à partilha, apenas foi considerada metade da doação, a parte correspondente ao inventariado, sobre a qual, obviamente, não recai qualquer usufruto, dado este extinguir-se com a morte do usufrutuário – cfr. despacho de fls. 671 a 674, em especial o sexto parágrafo de fls. 672 e art.º 1476.º, n.º 1, al.ª a) do Código Civil.

  Em face do exposto, indefiro o requerido.

  Custas do incidente a cargo da interessada com taxa de justiça que se fixa em 2UC – art.º 7.º do Regulamento das Custas Processuais.

  Notifique.

   Fls. 729.

 A decisão proferida em 29.01.2010 e constante de fls. 329 e seguintes, há muito que se mostra transitada em julgado. Por outro lado, não padece a mesma de qualquer erro de cálculo que imponha a sua rectificação, pelo que se indefere o requerido.

 Custas do incidente a cargo da interessada, com taxa de justiça que se fixa em 3UC – art.º 7.º do Regulamento das Custas Processuais.

 Notifique.

 Fls. 707.

 Notifique a interessada devedora de tornas (DD) para, no prazo de 10 dias, proceder ao depósito das tornas devidas à interessada AA (art.º 1378.º, n.º 1 do Código de Processo Civil de 1961)”.

 Por despacho de 8.07.2015 foi ordenado a elaboração do mapa de partilha o qual foi junto aos autos em 9.07.2015 e foi posto em reclamação por despacho de 13.07.2015. 

 Porém em 15.07.2015 foi proferido o seguinte despacho:

 “Compulsados os autos constatamos que o mapa de partilha elaborado não coincide, nem reproduz o mapa informativo realizado nos autos e que se encontra correto, pelo que dou sem efeito o mapa de partilha elaborado e, bem assim, o despacho que determinou que fosse colocado em reclamação, determinando a elaboração de novo mapa de partilha.

 Notifique e d.n.”

 Em 20.10.2015 foi junto aos autos novo mapa de partilha, de seguida posto em reclamação.

 Dele veio reclamar a interessada DD, dizendo, além do mais, que ao valor das verbas n.ºs 36 e 37 deve ser abatido o valor da entrada em dinheiro, e do usufruto, pelo que o seu valor é de €30.396,06.A viúva perde o valor da sucessão (1/6), mas não perde a sua metade, a que não sucede, (meação) no valor do dinheiro, pelo que a verba n.º 2 tem de ser dividida em duas partes iguais de € 10.000,00 cada uma, sendo uma a meação da viúva, e a outra a meação do falecido que é dividida em duas partes iguais de €5.000,00, uma para cada um das filhas. A viúva recebe os bens móveis das verbas n.ºs 3,4,5, 11,12, e 29, no valor de €545,00 pelo que tem a haver €23.175.00 da herança e ainda o crédito da herança de €2.603,38 que apenas a filha DD aprovou, mas como aprovou o passivo da herança das obras em favor da interessada DD no valor de €37.266,67 compensa o crédito com o contra-crédito e recebe apenas, de tornas, o valor de €2.381,83.

 O Mapa da partilha não se pronunciou sobre as seguintes questões:

- Está junta nos autos relação de bens apresentada pela última cabeça de casal que relaciona o activo e o passivo como dela consta, de que foram eliminadas verbas e objecto de deliberação o passivo.

- Consta dos autos doação e rectificação com reserva de usufruto, por conta da quota disponível, e com entrada em dinheiro, que faz prova plena dos factos nela contidos, e que sobre ela não recaiu qualquer acção de anulação ou de simples apreciação que invalide as suas disposições e convenções.

 - A sonegação de bens apenas retira os bens sonegados que constituam herança, e não abrange a meação da viúva, porque não a herda, dado que já era dela.

- As deliberações da conferência relativas ao passivo vinculam as partes que aprovam as dívidas.

 A cabeça-de-casal veio responder dizendo, em síntese, que tendo em consideração as decisões já transitadas, verifica-se que no Mapa de Partilha no item “bens da partilha”, os valores encontram-se correctos. Sucede, porém, que existem erros nos itens seguintes, fáceis de verificar, tornando os valores de pagamento e tornas errados. Assim, no item a partilhar (meia conferência) o mapa contém quanto aos imóveis (bens doados – verbas 36 e 37) já a metade, isto é, já depois da meação deduzida, e no item seguinte “operações da partilha” volta a proceder à dedução da meação do cônjuge sobrevivo, o que, salvo melhor opinião, não pode suceder. Ou seja, ou mantinha no item “a partilhar” a totalidade de todos, incluindo os imóveis, ou não o fazendo, não pode voltar a deduzir a meação no item seguinte.

  Com data de 17.12.2015, foi proferido o seguinte despacho:

“Reclamação ao mapa de partilha:

Nos presentes autos foi junta relação de bens após decisão sobre a reclamação de bens e outros incidentes, a fls. 481.

 Em sede de conferência de interessados foi determinada a avaliação das verbas 36 e 37. 

  Efectuada a avaliação a verba 36 foi avaliada por 18.000,00 e a verba 37 por 112.000,00.

A conferência de interessados foi concluída a 28.01.2014, v. acta de fls. 653, onde se adjudicaram verbas e decidiu-se eliminar as restantes.

 Assim, fazem parte da partilha as seguintes verbas: 1-5, 11, 12, 21, 23, 24, 29, 36-38.

     Verba 1 – 12.935,49

     Verba 2 – 20.000,00

     Verba 3 – 200,00

      Verba 4 – 100,00

      Verba 5 – 100,00.

      Verba 11 – 25,00

      Verba 12 – 25,00

      Verba 21 – 20,00

       Verba 23 – 1.500,00

       Verba 24 – 1.000,00

       Verba 36 – 18.000

      Verba 37 – 112.000

      Verba 38 – 600,00

  Segundo o que consta do despacho de forma à partilha, o mapa deve atender ao seguinte:

  Soma-se o valor dos bens não doados (com excepção da verba 2).

 Ou seja: €12.935,49+€200+€100+€100+€25+€25+€20+€1500+€1000++€600= €16.505. Divide-se por dois: €16.505/2 = €8.252,50.

  As metades alcançadas correspondem uma à meação do inventariado (€8.252,50) e outra à meação do cônjuge sobrevivo CC (€8.252,50).

  À meação do inventariado adiciona-se o valor da meia conferência dos bens doados: €8.252,50 + (€18.000+€112.000/2) = €8.252,50 + €65.000= €73.252,5.

  Do acervo do inventariado 2/3 correspondem à legítima e 1/3 à quota disponível, correspondendo os 2/3 a €48.835 e 1/3 a €24.417,5.

  Os 2/3 (€48.835) são divididos em 3 partes iguais (€16.278,33).

   Cabendo a CC €16.278,33.

     A DD €16.278,33.

     E a AA €16.278,33.

 Metade da verba n.º 2 cabe a cada uma das descendentes, ou seja:

     À DD – €10.000,00.

     À AA – €10.000,00.

  A quota disponível (€24.417,5) será preenchida com o valor da meia conferência ou seja €65.000.

Assim, logo se verifica que o valor da meia conferência é superior à QD pelo que a doação teria de ser reduzida na medida do necessário a preencher a legítima dos herdeiros.   

  Contudo, notificados os herdeiros, nos termos do disposto no artigo 1376.º, n.º 2 do CPC, não vieram requerer tal redução.

  Deverá, ainda, ter-se em conta as adjudicações.

  Refira-se que da acta de conferência de interessados, consta que acordaram em eliminar as restantes verbas, pelo que tal facto deve considerar-se extensível ao passivo.

  Assim determino que se notifiquem as partes do presente despacho e de seguida se proceda à elaboração de novo mapa de partilha”.

  A fls. 799 a 802 foi junto o derradeiro mapa de partilha de onde consta:

“BENS A PARTILHAR

Total dos bens a partilhar:

Dinheiro/Verba n.º1 ------------------------€12.935,49

Móveis/Verba n.º2 --------------------------€3.645,00

Total dos bens não doados ------------------€16.580,49:2 = €8.290,25

Bens doados (por escritura, cfr. fls. 35):

Imóveis/meia conferência

Verbas n.ºs 36 e 37, com o aumento da avaliação----€130.000,00:2= €65.000,00

Total dos bens a partilhar -------------------------------€146.580,49

OPERAÇÕES DE PARTILHA

O valor total dos bens a partilhar divide-se por dois, correspondendo uma à meação à viúva que se lhe adjudica, no montante de ---------------------------------------€73.290,25

A outra, a meação do inventariado, divide-se por 3, para se achar a quota disponível que é no montante de ---------------------------------------€24.430,08

O remanescente (2/3=€48.860,16), a quota legitimária, divide-se por 3, por tantos serem os seus herdeiros, cada uma no montante de ---------------------------------------€16.286,72 


RESUMO


Cabe à viúva CC

Sua meação (bens não doados) --------------------------€8.920,25

Seu quinhão --------------------------------------------€16.286,72

                                                                                              Total Total----------------------------------------------------€24.576,97

Cabe à interessada/cabeça de casal AA

Seu quinhão ---------------------------------------------€16.286,72

Cabe à interessada DD


Seu quinhão --------------------------------------------€16.286,72

De doação (Quota disponível) --------------------------€24.430,08

                                                                      Total---------.716,80


PAGAMENTOS


À viúva/CC

Adjudicados

Dinheiro – 1/3 da verba n.º1 ----------------------------€4.311,83

Móveis – verbas n.ºs 3, 4, 5, 11, 12, 21 e 29------------- €545,00

                                                                    Total -------€4.856,83

Pertence-lhe---------------------------------------------€24.576,97

Recebe tornas de DD -----------------------------------€19.720,14

                                             E fica paga com ----------€24.576,97

À interessada/cabeça de casal AA

Dinheiro – 1/3 da verba n.º1 -------------------------------€4.311,83

Móveis – verbas n.ºs 23 e 24-------------------------------€2.500,00

                                                                                   Total-------------------------------------------------------€6.811,83

Pertence-lhe----------------------------------------------€16.286,72

Recebe tornas de DD--------------------------------------€9.474,89

                                            E fica paga com --------------€16.286,72

½ da verba n.º2 (dinheiro), que cfr. despacho e acordo não foi considerados nos bens a partilhar - €10.000,00.

À interessada DD

Dinheiro – 1/3 da verba n.º1 -----------------------------€4.311,83

Móveis – verba n.º 38 (jazigo) -----------------------------€600,00

Imóveis - verbas n.ºs 36 e 37 p/doação -----------------€65.000,00

                                                                     Total ------€69.911,83

Pertence-lhe-------------------------------------------€400716,80

Excede ---------------------------------------------€29.195,03

Paga tornas:

À viúva CC-----------------------------------------€19.720,14

À interessada AA -----------------------------------€9.474,89

                                           E fica paga ------------€40.716,80

½ da verba n.º2 (dinheiro), que cfr. despacho e acordo não foi considerados nos bens a partilhar - €10.000,00”.

 E posto tal mapa em reclamação, dele veio a interessada DD/apelante reclamar, pedindo a elaboração de um novo mapa de partilha.

 Para tanto veio defender que em sede de conferência de interessados foram eliminadas várias verbas mas mantido o passivo relacionado. Por despacho de 21.11.2012 foi decidido relegar a apreciação do passivo para momento posterior ao da avaliação das verbas n.ºs 36 e 37. Por despacho de 18.04.2013 ficou decidido que a apreciação do passivo deveria ser realizada nos meios comuns e como até hoje tal não sucedeu e o mesmo mantêm-se relacionado, aliás a entrada em dinheiro (9.000.000$00) consta de documento com força probatória plena, pelo que a disposição da quota disponível e a entrada em dinheiro têm de ser consideradas nos termos da doação.

Sobre tal reclamação recaiu o seguinte despacho de 24.05.2017:

   “Req. com a ref.ª 25381164 –

  Como já referi no despacho de 17.12.2015 (fls. 774), da acta de conferência de interessados consta que foi acordado eliminar as restantes verbas, pelo que tal facto deve considerar-se extensível ao passivo. Assim, não assiste razão requerente nos artigos 2.º a 5.º (fls. 807).

  No que tange à aludida entrada em dinheiro de nove milhões de escudos, é de referir que nada consta na relação de bens, pelo que não pode ser tida em conta no mapa de partilha.

 No mais, afigura-se que o mapa de partilha se encontra correctamente elaborado, mormente de acordo com a forma à partilha há muito elaborada (fls. 673 e ss).

    Pelo exposto, indefiro a reclamação ao mapa de partilha.

    Notifique”.

   Por fim, a 24.04.2017, foi proferida sentença homologatória da partilha, da qual consta:

  “Nestes autos de inventário por óbito de BB em que é cabeça de casal AA, homologo pela presente sentença a partilha constante do mapa de fls. 799-802.

 Fixa-se à presente acção o valor de €146.580,49, referente à soma do valor dos bens a partilhar, fixados no mapa de partilha (cfr. artigo 302.º n.º3 do CPC), sendo as custas pagas pelos interessados, nos termos estipulados no artigo 1383.º do C.P.C.

 Registe e notifique (…)”.

 Inconformada com tais decisões, delas veio a interessada DD recorrer de apelação pedindo que a mesma seja revogada e substituída por outra que ordene a elaboração de novo mapa de partilha de acordo com as conclusões desta alegação, mas a Relação julgou improcedente a apelação confirmando as decisões recorridas. 

  Não se conformou novamente a mesma interessada, que recorre de revista, formulando as seguintes conclusões:

  “Ia- O Mandatário teve conhecimento da notificação do douto acórdão no dia 8 de Julho de 2019 pelo que se encontra afastada a presunção do artigo 248° do Código de Processo Civil e provado que a notificação ocorreu no supracitado dia 8.

 2a- O inventário dever ser corrigido para o valor de € 30.001,00, nos termos do n.° 4 do artigo 299° do Código Civil

 3a- O douto acórdão impugnado fez erada interpretação do douto despacho de 29 de janeiro de 2010 com a referência 6097945, porquanto omitiu a pronúncia sobre a meação da viúva na conta n.° .......65 da CA.

4a- O douto despacho de 29 de Janeiro de 2010 com a referência 6097945 apenas determinou a perda do direito à herança da viúva à meação do marido na quantia de € 20.000,00, da referida conta n.°.......65 da CA.

5a- A viúva reconhece, nos autos, que o valor de € 20.000,00 da conta n.".......65 da CA é pertença da filha DD e marido.

6a-Assim, a recorrente tem legitimidade para recorrer do douto acórdão, do douto despacho recorrido na apelação, da douta sentença e do mapa da partilha, em face do disposto no artigo 30" do Código de Processo Civil.

7a- A entrada em dinheiro correspondente à verba número um do passivo deve ser declarada provada, em face do disposto no artigo 371° do Código Civil.

8a- O usufruto reservado na doação pelos cônjuges doadores, à morte do primeiro que faleceu, acresceu ao do sobrevivo ficando a pertencer por inteiro até ao decesso do último, no caso dos autos à viúva, nos termos do disposto no artigo 1442° do Código Civil.

 9a-0 valor do usufruto, por inteiro, à morte do autor da herança corresponde a 40% do valor da propriedade plena dos imóveis doados.

10a- A relação de bens apresentada pela cabeça de casal AA deve ser constituída pelas seguintes verbas e valores

       Verba um, no valor de           € 12.935,49

       Verba dois, no valor de          € 20.000,00

        Verba três no valor de            €200,00

        Verba quatro no valor de       €100,00

        Verba cinco, no valor de        €100,00

         Verba onze, no valor de         € 25,00

         Verba doze, no valor de         € 25,00.

         Verba vinte e três, no valor   €1.500,00

         Verba vinte e quatro               € 1.000,00

         Verba vinte e nove                 €75,00   

         Verba trinta e seis                   € 10.800,00

         Verba trinta e sete                  € 67.200,00

         Verba trinta e oito                  €600,00.

11ª--O valor total dos bens é de €114 584,49

12a- O valor do ativo da herança é de €. € 69.692,68

 13a- C) passivo da herança provado é de 44.891,81

 14a-A quota disponível c de € 23.230,89.

15a-A legítima de € 46.461,78.

 16a-A viúva pertence o valor de € 30.974,52 e a cada uma das filhas pertence o valor de € 7. 743,63.

 17a- A viúva reconhece o passivo da verba n.° 2 no valor de € 55.900,08 e da verba n°3 no valor de € 2.603,38 que no total da sua quota-parte ascende ao montante de € 39.002,31.

 18a- A interessada CC deve ser adjudicado 1/2 da verba número 2, no valor de € 10.000,00.

 19a- Tem direito a 30.974,52 pelo que adjudicando 1/3 da verba número 1, 1/3 da verba número 2 e as verbas números 3,4,5,11, 12, 21 e 29, recebe o valor de € 14.856, 83 e fica com o direito a tornas de € 16.117,69.

 20a- A interessada confere a doação por metade do valor, de € 39.000,00, sendo € 11.615,45 por conta da quota disponível e o restante valor de € 11.615,45 por conta da sua legítima.

 21a-Como leva a mais do que o seu quinhão a quantia de € 18.783,65 compensa este valor com igual valor da dívida da verba número 2 do passivo e ainda fica com o direito a € 20.218,66 para a segunda conferência da outra metade.

 22a- A filha AA recebe 1/3 da Verba número 1, as verbas números 23 e 24 e € 931,80 da verba n.° 2.

  23o- Os restantes € 4.068,20 euros da verba n.° 2 ficam adjudicados à viúva e igual valor acresce ao direito da interessada DD em dívida de obras da mãe para a conferência da outra metade da doação.

 24a- Deve ser revogada a douta sentença e o douto acórdão, salvo quanto à matéria da conclusão seguinte, e ordenada a elaboração de novo mapa de partilhas

 25° - O douto acórdão decide corretamente na parte que determina que o que está decidido no despacho de 17.12.2013 é a eliminação das verbas do ativo que não foram adjudicadas e que quanto ao passivo que, por falta de elementos documentais que permitissem decidir pelo reconhecimento do alegado e relacionado passivo, não se reconheceu o passivo relacionado relativamente à interessada AA.”

  Pede, a final, que se revogue o acórdão, com exceção da matéria da última conclusão, e que seja proferida decisão que ordene a elaboração de novo mapa de partilha de acordo com as conclusões desta alegação, ou aquelas que superiormente for decidido.

  Não houve contra-alegações.

  Cumpre decidir:

 Os factos dados como relevantes para a decisão do recurso são os que constam do precedente relatório.

 1ª questão:

  No decurso do inventário, a interessada AA acusou a falta de relacionação de um depósito bancário de € 40.000 e a cabeça de casal CC de sonegação desse depósito.

  No despacho de 29.1.2010, considerando-se que a cabeça de casal omitiu deliberadamente o relacionamento de metade do depósito - uma vez que  a outra metade pertencia a terceiro – determinou-se o relacionamento da metade em falta e decretou-se, por sonegação, a perda do direito da cabeça de casal a metade do saldo da conta bancária.

  No recurso de apelação, veio a recorrente DD discutir o  mérito do despacho de 29.1.2010 relativamente à questão da sonegação de bens da herança ( suscitada nas conclusões 1ª a 3ª daquele recurso) mas a Relação entendeu que ela não tinha legitimidade para recorrer de uma decisão que, além do mais, se mostrava há muito tempo transitada em julgado.

 Alega agora a recorrente, no presente recurso de revista, que o acórdão fez interpretação errada da decisão de 29.1.2010 porquanto omitiu pronúncia sobre a meação da interessada CC na conta bancária. E que tem legitimidade, nos termos do art. 30º do CPC, para interpor recurso relativamente a esta questão, uma vez que a cabeça de casal, a viúva CC, reconheceu na alegação do recurso de agravo interposto no requerimento de 16 de Agosto de 2010, que o dinheiro pertencia, na totalidade, à interessada DD, tal como confessou, nos termos dos art. 352 ºe 357º do Código Civil, essa propriedade nos articulados da acção que a interessada DD e o marido  intentaram contra a interessada AA.

  Porém, a sua legitmidade para interpor recurso com esse objecto não pode ser aferida em função do art. 30º do CPC mas em face do disposto do art 631º do mesmo diploma.

 E essa legitmidade não advém, obviamente, da posição da cabeça de casal no agravo, que é irrelevante para o inventário, como não pode advir da confissao judicial que ela fez noutro processo (cfr. arts. 356º e 355º, nº 3 do Código Civil). Nem sequer da alegada circunstância, que não corresponde à verdade, de o acórdão não ter levado em consideração a meação da viúva no dinheiro (questão que tinha sido suscitada também na apelação). Com efeito, na relação de bens foi relacionada, como devia, a quantia de €  20.000, que correspondia a metade do saldo bancário, que era património comum do inventariado e da sua mulher, o que foi feito sem prejuízo da meação que pertencia a esta última (cfr. Ac. STJ de 26-10-2010, proc.  nº 303-A/1996.S2, em www.dgsi.pt), como decorre, aliás, do mapa da partilha, em termos que foram sufragados pela Relação.

 Como assim, a recorrente não tem legitimidade para interpor recurso do acórdão quer relativamente à propriedade do saldo (decidida, aliás, com trânsito em julgado no despacho de 29.1.2010), quer em relação ao destino da meação da interessada CC.

 Questão diferente seria a da perda da interessada CC à sua quota hereditária 1/3 de €10.000 - essa sim com reflexo na quota hereditária da recorrente - pois, interpretando o despacho de 29.1.2010, é de concluir que a então cabeça de casal CC perdeu o direito não  à meação ( ou metade do património  comum), mas apenas o direito à parte que teria, na qualidade de herdeira, do bem sonegado, ou seja, a 1/3 de € 10.000 como resulta do disposto no nº 1 do art.. 2096º do Código Civil Mas esta questão não vem suscitada nas conclusões do recurso.

.    2ª questão:

 No dia 24.11.2011, a então cabeça de casal, apelada e ora recorrida, AA, relacionou como  verba nº 1 do passivo da herança a quantia de € 44.891,81 devida pela herança, a título de entrada que a donatária DD entregou aos doadores seus pais contra a outorga da escritura de 22.6.1993,  “sendo € 36.730,48 relativos ao prédio da verba 26 e € 8.161,33 relativamente ao estabelecimento da verba 25, cuja quantia, à data do óbito do autor da hernaça, tem o valor de 0.603,94”.

  Em sede de conferência de interessados,  enquanto a DD e a CC aprovaram o passivo, a AA não o fez.

  Face a tal posição, e por despacho de 17.12.2013, o tribunal,  considerando que os elementos documentais juntos aos autos não permitiam concluir pela existência do passivo relacionado,  não o reconheceu.

 Em resposta à reclamação da interessda DD o tribunal indeferiu-a pelo facto de nada constar da relação de bens, mas a Relação, considerando haver um lapso de interpretação do que tinha sido decidido pelo despacho de 17.12.2013, reafirmou o decidido nesse  despacho, considerando que inexistia nos autos prova cabal e suficiente que permitisse reconhecer como existente a referida verba nº 1 do passivo.

  Argumenta a recorrente que a doadora CC e a donatária DD aceitaram que o pagamento foi feito e que  a escritura pública é um documento de força probatória plena que prova que aquelas outorgantes acordaram entregar e receber a referida entrada em dinheiro ( art. 371º do Código Civil). Entende, assim, que a verba nº 1 do passivo, mostrando-se provada por prova plena, deve ser reconhecida pela interessada AA.

  Mas não tem razão.

  Como resulta do disposto no art. 371º, nº 1 do Código Civil, a escritura pública, como documento autêntico, apenas faz prova plena dos factos que refere como praticados pelo notário, assim como dos factos que nela são atestados por ele com base nas suas percepções. Não faz prova daqueles factos que constituem objecto de declarações de ciência produzidas perante a autoridade (notário), como é o caso, por exemplo, da entrega, antes da escritura, do preço da compra e venda pelo comprador ao vendedor, conforme a declaração confessória deste (Lebre de Freitas, Código Civil anotado, Volume I, Coord. Ana Prata, págs. 459-460)

   Ora, da escritura de doação de 22.6.1993 apenas consta que  a donatária entregará aos doadores a referida quantia de € 44.891,81 ( 9.000.000$00) e que essa “entrada” foi já recebida. E, por isso, não pode a escritura pública fazer prova plena da existência de qualquer pagamento, que não foi directamente percepcionado pelo notário.

   3ª questão:

 A Relação ponderou que: foram relacionados nos autos dois bens – verbas n.ºs 36 e 37 – como bens doados pelo “de cujus” à interessada DD, com reserva de usufruto para os doadores, BB e mulher CC: a verba trinta e seis – a raiz ou nua propriedade de um estabelecimento industrial destinado a oficina de ourivesaria, instalado no prédio, no valor de €9.975,96; e o imóvel - verba trinta e sete – raiz ou nua propriedade do dito prédio urbano; que  os referidos bens foram objecto de avaliação tendo a verba n.º 36 sido avaliada em €18.000,00 e a verba n.º 37 em €112.000,00; que, sendo certo que tais bens foram doados pelo “de cujus” e pela sua mulher, a ora interessada CC, à filha de ambos, DD, ora apelante, por conta da quota disponível e com reserva de usufruto para os doadores, a verdade é que, tendo falecido um destes últimos, o correspondente direito de usufruto do mesmo se tinha extinguido nos termos do art. 1476.º n.º 1, al. a) do Código Civil. pelo que na partilha apenas podia ser considerada metade dos bens doados – a metade deixada por óbito de BB – sendo que tal metade não estava “cativa” de qualquer usufruto, devendo, por isso, ser submetida à colação a metade da propriedade perfeita daqueles bens, conforme a sua avaliação, ou seja, €9.000,00 e €56.000,00.

 Argumenta a recorrente que o usufruto reservado na doação pelos cônjuges doadores, à morte do primeiro que faleceu, acresceu ao do sobrevivo ficando a pertencer até ao decesso do último, no caso dos autos, à viúva CC, nos termos do art. 1442º do Código Civil. A metade do falecido, do usufruto reservado pelos doadores acresceu, assim, à viúva, que ficou usufrutuária da totalidade dos bens. Propõe que o valor do usufruto corresponda a 40% do valor da propriedade plena dos imóveis doados, nos termos do art. 13 do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis e que se deduza esse valor ao da propriedade.

  Mas não tem razão, como se explica, de seguida.

  Nos termos do art. 1441º do Código Civil, o ”usufruto pode ser constituído em favor de uma ou mais pessoas, simultânea ou sucessivamente, contanto que existam ao tempo em que o direito do primeiro usufrutuário se torne efetivo”.

  Dispõe, por sua vez, o art. 1442º, subordinado à epígrafe “Direito de Acrescer”  que: “ Salvo em contrário, o usufruto constituído por contrato ou testamento em favor de várias pessoas conjuntamente só se consolida com a propriedade por morte da última que sobreviver”

  Finalmente, estabelece a al. a) do nº 1 do art. 1476º do Código Civil: “O usufruto extingue-se por morte do usufrutuário ou chegado o termo do prazo por que o direito foi conferido, quando não seja vitalício”.

  Revertendo ao caso judice, verifica-se, assim, que, por escritura pública, foi constituído um usufruto conjunto (simultâneo) a favor do falecido BB e da sua mulher, ora viúva; e que, com a morte de BB o seu direito de usufruto se extinguiu, tendo a sua quota de metade do direito acrescido à da viúva CC. Ou seja: com a extinção do direito do de cujus, o direito de usufruto da viúva expandiu-se, proporcionalmente, ficando ela com o direito na sua totalidade (Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 4ª edição pág. 386). Portanto, o direito de usufruto do de cujus não entrou na sucessão, não se transmitiu mortis causa aos seus herdeiros (Rui Pinto, Código Civil anotado, Volume II Coord. Ana Prata,  págs. 304 e 347). A herdeira recebeu a sua quota de usufrutuária não por via hereditária mas por via do direito de acrescer.

   Em resumo: não pode o valor do usufruto ser deduzido ao valor da propriedade dos bens doados com reserva de usufruto.

  4ª questão:

 Tendo por base as anteriores questões, a recorrente propõe outros valores para os bens e outra forma de partilha.

 Todavia, não tendo obtido razão em qualquer das questões anteriores, fica prejudicada a questão do modo como deve ser organizada a partilha.

 Sumário (art. 663º, nº 7 do CPC):

 “1. Como resulta do disposto no art. 371º, nº 1 do Código Civil, a escritura pública faz prova plena dos factos que refere como praticados pelo notário, assim como dos factos que por ele são atestados com base nas suas percepções; não faz daqueles que constituem objecto de declarações de ciência produzidas pelos outorgantes.

 2. Se na escritura de doação consta que a donatária entregará aos doadores uma referida quantia a título de “entrada” pelos bens doados e também, mais adiante, que a referida “entrada” foi já recebida pelos doadores, não pode a escritura pública fazer prova plena da existência de qualquer pagamento, que não foi directamente percepcionado pelo notário;

 3. Com o falecimento de um dos co-usufrutuários, marido e mulher, o outro sobrevivo adquire a totalidade do direito de usufruto, constituído conjuntamente a favor deles, não por via hereditária (o direito de usufruto, na titularidade do falecido, não entra na sucessão) mas por via do direito de acrescer, não devendo, por isso, proceder-se, no âmbito da partilha, a qualquer dedução do valor do usufruto.”

 Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


*


Lisboa, 9 de Março de 2021


 O relator António Magalhães (que, nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020 de 13.3., atesta o voto de conformidade dos Srs Juízes Conselheiros Adjuntos que não puderam assinar)