Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16/20.0PEBJA-C.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO PENAL
RECURSO DE REVISÃO
NOVOS MEIOS DE PROVA
CONDENAÇÃO
PROVA TESTEMUNHAL
APRECIAÇÃO DA PROVA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 10/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - Constitui jurisprudência constante deste tribunal a de que, para efeitos de admissibilidade da revisão com fundamento na al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, são factos novos ou novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, sendo desconhecidos da jurisdição no acto de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado; “novos” são também aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal. A novidade, neste sentido, refere-se ao meio de prova, seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da produção da prova.

II - Num processo penal de tipo acusatório completado por um princípio de investigação, a que corresponde o modelo do CPP, as garantias e procedimentos que devem ser respeitados tendo em vista a formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena, incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário admissível, por regra, relativamente a todas as decisões in procedendo e in judicando (art. 399.º do CPP), previnem e reduzem substancialmente as possibilidades de erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão, o que eleva especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão.

III - A garantia do direito a um processo justo, nas suas múltiplas dimensões, tal como se consagra no art. 32.º da CRP e no art. 6.º da CEDH, que concorrem neste sentido, impõem que ao arguido, que tem o direito e o dever de estar presente em audiência, assistido por defensor (arts. 61.º e 332.º do CPP), seja dado o tempo e os meios necessários para preparação da sua defesa e apresentar os meios de prova a produzir e assegurada a faculdade de contradizer a prova contra si produzida em audiência (como se estabelece nos arts. 315.º, 327.º, 339.º, n.º 4, 340.º e 355.º do CPP).

IV - A dúvida relevante para a revisão tem de ser qualificada. Não basta a mera existência da dúvida; é necessário que ela se eleve a um patamar de solidez que permita afirmar a sua «gravidade», isto é, que, na ponderação conjunta de todos os factos e meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação (art. 127.º do CPP) e sem prejuízo da sujeição das novas provas ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação.

V - O recorrente “indica” o que considera serem dois meios de prova, que, como reconhece, foram apreciados no processo, mas que qualifica como sendo “novos”.

VI - O indicado “primeiro novo meio de prova” traduz-se na expressão de uma discordância quanto ao decidido no acórdão recorrido; tal discordância, que manifesta um juízo de valoração da prova, não é meio de prova.

VII - A testemunha agora indicada não é um “novo” meio de prova, pois não foi descoberta após trânsito em julgado da condenação; tendo sido indicada para ser ouvida em audiência de julgamento e tendo o tribunal indeferido a audição, nos termos do art. 340.º do CPP, a testemunha não era desconhecida nem do arguido, nem do tribunal.

VIII - Garantindo a lei todos os meios de defesa para contrariar as provas contra si apresentadas, pode ainda o arguido, em caso de discordância, impugnar a decisão e a formação da prova e das bases de facto pelas vias ordinárias de recurso para o tribunal da relação (arts. 412.º, n.º 3, e 428.º do CPP, citados); mas não pode servir-se do recurso extraordinário de revisão para, como no caso, produzir prova por meio apreciado e não admitido em julgamento.

IX - Sendo o recurso manifestamente infundado, deve ser negada a revisão.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



I.  Relatório

1. AA, com a identificação dos autos, interpõe recurso extraordinário de revisão do acórdão de 15 de julho de 2021, proferido pelo Juízo Central Cível e Criminal de Beja - Juiz ... , do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, confirmado em recurso por acórdão do tribunal da Relação ... de 16 de dezembro de 2021, que o condenou pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-C em anexo, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2. Fundando o recurso nas alíneas a), d) e e) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal (CPP) – “vem interpor recurso extraordinário de revisão de sentença, nos termos do artigo 449.º n.º 1 al. a), d) e al. e), do CPP”, diz o recorrente – conclui a motivação dizendo, na parte relevante (transcrição):

“(...)

11º. Por ser um Tribunal Superior e de última instância, vem o ora recorrente solicitar a apreciação e o provimento para o recurso extraordinário de sentença, nos termos e com os fundamentos seguintes:

Dos novos meios de prova

12º. Indica-nos o CPP no seu artigo 449º, que devem existir a descoberta de “novos meios de prova e que tais factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”, e “Quanto ao primeiro dos indicados pressupostos, são unânimes a doutrina e a jurisprudência na afirmação de que deve entender-se que os factos ou meios de prova devem ser novos, no sentido de não terem sido apresentados e apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar.”

13º. O recurso extraordinário de revisão de sentença é estabelecido e regulado pelo Código de Processo Penal, como forma de corrigir decisões injustas, fazendo-se prevalecer o princípio da justiça material sobre a certeza e segurança do direito. Com efeito, este tem na sua base «uma adesão à segurança com eventual detrimento da verdade …», como observou EDUARDO CORREIA, Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Coimbra, Livraria Atlântida, 1948 p. 7). Mas nem tudo se alcança só com a estabilidade e a segurança, mormente se o sacrifício da justiça material - esse princípio estruturante de qualquer sociedade e pedra-de-toque de um Estado de direito democrático, que tem a dignidade humana como valor supremo em que assenta todo o edifício social e político – fosse levado a extremos que deitassem por terra os sentimentos de justiça dos cidadãos, pondo-se, assim, em causa, por essa via, a própria estabilidade e a segurança, que se confundiriam com a tirania ou com a «segurança do injusto», na expressão de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 44. Os cidadãos seriam, desse modo, transformados «cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada, porque criminosa, da lei e do direito», como opinou CAVALEIRO DE FERREIRA (cit. por MAIA GONÇALVES no seu Código de Processo Penal Anotado, 2007, 16ª Edição, p. 979.

14º. Daí que a Constituição no art.º 29.º n.º 6 estabeleça:

“Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

15.º Neste contexto, além das profundas nulidades já verificadas e que não foram reconhecidas pelos referidos Tribunais, vem o recorrente, indicar novos meios de prova, valoração de provas proibidas, que as datas dos factos não foram indiciadas e deveriam ter sido, que poderiam ser relevantes para a descoberta da verdade, e que neste momento solicitamos a v/Exma. a sua apreciação.

16º. O primeiro novo meio de prova apresentado: consta dos factos dado como provados no acórdão da 1.ª instância que o valor de € 7.250,00, que o arguido e ora recorrente, fez prova da proveniência de tal verba, e que não foi tida em consideração pelo douto Tribunal da 1ª instância, considerando completamente o oposto.

17º. O segundo novo meio de prova apresentado: Em sede de julgamento na 1.ª instância, o arguido e ora recorrente, solicitou através do seu mandatário a inclusão de uma testemunha que poderia aferir toda a veracidade do seu depoimento. Tal testemunha não foi permitida, omitindo assim a verdadeira descoberta da verdade.

18º. Pelo exposto no artigo anterior, vem o Requerente colocar como Testemunha o Sr. BB, que indica o seguinte:

19º. A nova testemunha deslocou-se a ..., na data do acontecimento dos factos, 22 de setembro de 2020, no seu veículo, para acompanhar o Requerente AA na possível compra de um veiculo de marca ... modelo ..., que tomaram conhecimento através do site OLX.

20º. Indica a testemunha que quando chegou a ..., contactou o Requerente telefonicamente e que lhe foi indicado dirigir-se ao ... pois estaria o proprietário do veículo a mostrar o mesmo.

21º. Como conhecedor de veículos e seus componentes, a nova testemunha indica que as características indicadas no OLX, não corresponderiam ao que vira presencialmente e por isso, a aquisição do veículo não foi concretizada. Ficando os mesmos a tomar um café no ....

22º. Vem assim o Requerente pedir a audição de uma nova testemunha BB, que foi recusado o seu testemunho na 1ª instância, e no qual se disponibilizou a fazer um documento de prova para o Tribunal, conforme Doc.1 que se junta.

23º. A testemunha pretende repor a verdade dos factos, pois tem conhecimento que a deslocação do arguido e agora recorrente a ..., apenas se prendeu pela compra de um veículo.

24º. Depreende-se assim, que a aceitação do pedido extraordinário de revisão de sentença, irá servir para que a verdadeira justiça seja feita.

25º. Como se assinala no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000, de 13 de Julho de 2000, proferido no processo n.º 379/99-1.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Dezembro, e no BMJ n.º 499, pág. 88, trata-se de recurso com uma natureza específica, que no próprio plano da Lei Fundamental se autonomiza do genérico direito ao recurso garantido no processo penal pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

26º. A reparação da decisão, condenatória ou absolutória, reputada de materialmente injusta, pressupõe que a certeza, a paz e a segurança jurídicas que o caso julgado encerra (a justiça formal, traduzida em sentença transitada em julgado), devem ceder perante a verdade material; por esta razão, trata-se de um recurso marcadamente excecional e com fundamentos taxativos.

27º. Constitui passo imprescindível para a apreciação de recurso de revisão com este fundamento, o conhecimento do núcleo essencial da decisão revidenda, ao nível da fixação da matéria de facto, pois que como se refere no já aludido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 376/2000, de 13 de Julho de 2000, processo n.º 379/99 - 1.ª Secção, publicado in BMJ n.º 499, pág. 88, uma vez que a revisão solicitada nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal implica apreciação de matéria de facto, a decisão a rever deverá ser aquela que tiver apreciado os factos provados e não provados, sendo essa a decisão a submeter a recurso de revisão.

28ª. Será relevante indicar e mencionando BARRA DA COSTA, que muito embora que o individuo cometa um delito e seja punido por ele, não deverá o mesmo ser considerado como um individuo com um comportamento desviante, pois criará estima na sociedade e quiçá diremos nós, a inclusão da teoria da rotulagem, que tanto se tem vindo a mitigar no seio da justiça. Não menos importante se indicará que o Recorrente apenas pretende ter uma vida justa, tendo sempre presente o que aprendeu com o seu delito anterior, por isso não se coadjuvando com o crime imputado em crise, mas sim, sendo um Bon Patter Familia como assim lhe será exigido.

Respeitosa e humildemente, submete-se assim a V. Exma. a apreciação e aceitação com efeito suspensivo do pedido de recurso para aceitação de revisão de sentença extraordinária, de forma que se possa obter a tão acostumada JUSTIÇA!”

3. Na resposta, pronunciando-se pela improcedência do recurso, diz o Ministério Público, pelo Senhor Procurador da República no tribunal recorrido (transcrição):

“1.º - Não é apresentada nem invocada qualquer decisão judicial que tenha considerado falsos meios de prova determinantes para a condenação do recorrente [alínea a)].

2.º - Tampouco é invocada sentença ou acórdão que tenha dado como provado crime cometido por algum dos juízes que interveio no julgamento e que esteja relacionado com o exercício da sua função no processo [alínea b)],

3.º - É igualmente evidente que inexiste qualquer incompatibilidade entre a factualidade que serviu de fundamento à condenação nestes autos e a factualidade dada como provada noutra qualquer sentença [alínea c)], ou que a condenação tivesse assentado em provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º [alínea e)];

4.º - Não houve a declaração, pelo Tribunal Constitucional, de inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação [alínea f)];

5.º - Não foi proferida sentença vinculativa do Estado Português, por qualquer instância internacional, que seja inconciliável com a condenação ou suscite graves dúvidas sobre a sua justiça [alínea g)];

6.º - Por último, não são apresentados novos factos ou meios de prova que, isoladamente ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação [alínea d)].

Como é sabido, “novos” são apenas os factos e elementos de prova que eram ignorados ao tempo do julgamento pelo tribunal e pelo recorrente [citando os acórdãos do STJ de 27 de Janeiro de 2016, processo 124/11.9SLLB-A.S1 (www.stj.pt), de 3 de Fevereiro de 2016, processo 85/12.7JAFAR-A.S1 (www.stj.pt), de 18 de Fevereiro de 2016, processo 31/10.2JACBR.S1 (www.stj.pt), de 18 de Fevereiro de 2016, processo 87/07.5PFLRS-A.S1 (www.stj.pt), de 30 de Março de 2016, processo 74/12.1JACBR-A.S1 (www.stj.pt), de 17 de Março de 2016, processo 2/11.1SLPRT-A.S1 (www.stj.pt), de 8 de Junho de 2016, processo 132/13.5GBPBL-A.S1 (www.stj.pt), de 2 de Junho de 2016, processo 14850/02.0TDLSB-D.S1 (www.stj.pt), de 7 de Julho de 2016, processo 83/10.5PAVNO-A.S1 (www.stj.pt), de 13 de Julho de 2016, processo 164/14.6GBABF-E.S1 (www.dgsi.pt), de 28 de Setembro de 2016, processo 1459/05.5GCALM-A.S1 (www.stj.pt), de 16 de Novembro de 2016, processo 154/14.9GASPS-B.S1 (www.stj.pt) e de 14 de Dezembro de 2016, processo 130/12.6PEALM-C.S1 (www.stj.pt). Como bem assinala Paulo Pinto de Albuquerque, «se o arguido (ou o MP em seu benefício) conhecia os factos e os meios de prova ao tempo do julgamento e os podia apresentar, devia ter requerido a investigação desses factos e a produção desses meios de prova (…).].

O Recorrente, na conclusão 16.º do recurso de revisão, alega que: “O primeiro novo meio de prova apresentado: consta dos factos dado como provados no acórdão da 1ª instância que o valor de € 7.250,00, que o arguido e ora recorrente, fez prova da proveniência de tal verba, e que não foi tida em consideração pelo douto Tribunal da 1ª instância, considerando completamente o oposto.”.

No artigo 4.º da matéria de facto dada como provada do Acórdão Recorrido consta o seguinte: “Nesse circunstancialismo de tempo e lugar, eram transportados no interior do referido veículo: (…) - a quantia de €7250,00 (sete mil duzentos e cinquenta euros) em notas de 5, 10, 20 e 50 euros, embaladas em película de plástico aderente, acondicionadas debaixo do banco do dianteiro direito, produto da actividade ilícita que desenvolviam; (…).”

Salvo o devido e merecido respeito não pode o Ministério Público concordar com a conclusão 16.º apresentada pelo Recorrente, uma vez que esse facto já não é novo e foi objeto de apreciação pelo Tribunal Coletivo e, como tal, nada tem de inédito.

Não é alegado nenhum meio de prova que, de per si ou combinado com os que foram apreciados no processo, suscite graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Já no que toca à conclusão 17.º do recurso de revisão na qual o arguido argui que: “O segundo novo meio de prova apresentado: Em sede de julgamento na 1ª instância, o arguido e ora recorrente, solicitou através do seu mandatário a inclusão de uma testemunha que poderia aferir toda a veracidade do seu depoimento. Tal testemunha não foi permitida, omitindo assim a verdadeira descoberta da verdade.”, efetivamente consta da ata de audiência de discussão e julgamento (Referência citius n.º 31970439, datada de 12.07.2021 – do Processo 16/20.0PEBJA-C), que o Ilustre Mandatário do arguido requereu a audição dessa testemunha, contudo o Tribunal indeferiu esse requerimento.

O arguido podia nessa altura opor-se, pelos meios ordinários, quer ao indeferimento do seu pedido (recorrendo do despacho de indeferimento), quer à omissão de diligências que pudessem reputar-se como essenciais para a descoberta da verdade [arguindo a nulidade, artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP], ou como necessárias para a descoberta da verdade [arguindo a irregularidade, artigo 123.º do CPP].

A lei não permite que a inércia voluntária do arguido em fazer actuar os meios ordinários de defesa seja compensada pela atribuição de meios extraordinários de defesa ou, como se diz no acórdão do TC n.º 376/2000, “no novo processo, não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior e que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias” (…). Só esta interpretação faz jus à natureza excepcional do remédio da revisão e, portanto, aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da protecção do caso julgado (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4.ª Ed., 2011, p. 1208.3).

Do que vem de ser exposto conclui-se, então, que:

1.ª – Os fundamentos em que assenta o recurso de revisão interposto pelo arguido AA não se enquadram em nenhuma das alíneas do artigo 449.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

2.ª – Nessa decorrência, deve negar-se provimento ao recurso de revisão.”

4. Pronunciando-se sobre o mérito do pedido, de acordo com o disposto no artigo 454.º do CPP, consigna o Senhor Juiz do processo, concluindo pela denegação da revisão (transcrição), sem audição da testemunha indicada:

“Da realização de diligências indispensáveis (art. 453.º do CPP):

Com fundamento no disposto no art. 449.º n.º 1 d) do CPP, vem o recorrente AA requerer a audição de uma testemunha, BB, juntando ao recurso supostamente um depoimento escrito por este lavrado, com vista a justificar a proveniência do dinheiro apreendido e, dessa forma, infirmar a versão dada como provada no acórdão condenatório.

Porém, como o próprio recorrente afirma, o depoimento dessa testemunha foi requerido em audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no art. 340.º do CPP, e sobre o qual recaiu o seguinte despacho:

“Como resulta das declarações do próprio arguido AA, o negócio que o mesmo alega como justificação para ter vindo a ..., reporta-se à data dos factos da acusação, pelo que desde essa data que o arguido sabe quem foram as pessoas que tomaram conhecimento desse suposto negócio.

Isto para dizer que testemunha ora arrolada já era do conhecimento do arguido, e não foi indicada em tempo. Por outro lado, e não tendo arguido referido que essa mesma testemunha o acompanhou a ..., o conhecimento que terá dos factos alegados pelo arguido será meramente conhecimento indireto por aquilo que ouviu dizer ao próprio arguido ou a terceiros e, como tal, por estas duas razões, vai indeferido o requerido.”

Este despacho transitou em julgado.

Acresce que, como refere o MP na sua resposta, no acórdão condenatório o Tribunal pronunciou-se expressamente sobre a versão apresentada pelo arguido quanto à proveniência do dinheiro, afastando-a por não ser merecedora de qualquer credibilidade. Isto mesmo foi reafirmado pelo acórdão proferido pelo tribunal da Relação ....

Pelo que, não pode servir o recurso extraordinário de revisão para contornar as regras processuais relativas à fase de julgamento e, dessa forma, reabrir a discussão da causa.

Tanto assim é que, nos termos do nº.2 do art. 453º do CPP, não pode o recorrente indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser nos casos em que ignorava a sua existência ao tempo do julgamento ou que estivessem impossibilitadas de depor. A pretensão do recorrente não se enquadra em nenhuma destas situações, já que o indeferimento da audição de uma testemunha nos termos do art. 340º do CPP não pode ser considerada uma impossibilidade de depoimento para aqueles efeitos.

Termos em que, indefiro à requerida inquirição da testemunha.

Subam os autos ao Supremo Tribunal de Justiça com informação (art. 454º do CPP) de que a pretensão do recorrente não consubstancia mais do que uma reapreciação da versão por si apresentada em audiência de julgamento, a qual não mereceu qualquer credibilidade, e, como tal, deve ser rejeitada.”

5. Recebido, foi o processo com vista ao Ministério Público, nos termos do artigo 455.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer, também no sentido da denegação da revisão (transcrição parcial, na parte diretamente relevante):

“(...)

7 – O recurso de revisão é um meio extraordinário de reacção contra sentenças e/ou despachos a elas equiparados, transitados em julgado, nos casos em que «o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas, susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa eliminar o escândalo dessa injustiça»[Alberto dos Reis, In "Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1981, pág. 158.]. O caso julgado concede estabilidade à decisão, servindo por isso o valor da segurança na afirmação do direito que é um dos fins do processo penal. Mas o fim do processo é também a realização da justiça. Por isso, não se confere valor absoluto ao caso julgado, que deve ceder em situações de gravíssima e comprovada injustiça, garantindo o artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) a revisão da sentença «nas condições que a lei prescrever».

“No conflito frontal entre o valor da certeza e da segurança jurídicas, assegurado pelo caso julgado, valor esse que é condição fundamental da paz jurídica comunitária que todo o sistema judiciário prossegue, e as exigências da verdade material e da justiça, que são também pressuposto e condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais, o recurso de revisão pretende encontrar um ponto de equilíbrio, uma solução de concordância prática que concilie até onde é possível esses valores essencialmente contraditórios, esse equilíbrio é conseguido a partir do reconhecimento de que o caso julgado terá de ceder, em casos excepcionais e taxativamente enumerados, perante os interesses da verdade e da justiça.”[Acórdão do S.T.J. de 03.04.2013, processo n.º 157/05.4JELSB-N.S1, 3.ª Secção.]

Densificando o comando normativo ínsito no artigo 29.º, n.º 6 da C.R.P., a lei processual penal vigente, nos seus artigos 449.º e seguintes, elenca, de forma taxativa, os fundamentos da revisão.

Preceitua o artigo 449.°, n.° 1, do C.P.P.: (...) [transcrição]

Invocando embora as disposições das alíneas a), d) e e), do n.º 1 do artigo 449.º do C.P.P., o recorrente reconduz o cerne do recurso de revisão que interpôs a novos meios de prova [alínea d)], sendo que, como o demonstra o Ministério Público na 1ª instância, na bem elaborada resposta ao recurso que apresentou, nenhum dos demais fundamentos legais ocorre.

Mas, na verdade, nem aquele a que se refere o artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do C.P.P. se verifica.

São factos novos ou novos meios de prova os que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão, sendo esta «a única interpretação que se harmoniza com o carácter excepcional do recurso de revisão. [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2013, proferido no Proc. n.º 693/09.3JABRG-A.S1 – 3.ª Secção.]

Concede, todavia, alguma jurisprudência, que também são novos factos ou meios de prova, para efeitos do disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do C.P.P., os que eram conhecidos ao tempo do julgamento, pelo requerente, desde que este justifique porque é que não pôde, na altura, apresentá-los ao tribunal.

Na verdade, e como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 453.º do C.P.P., o requerente da revisão “não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor”. Quanto ao momento do conhecimento dos factos novos, considere-se o acórdão de 27.01.2010 deste Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J), proferido no processo n.º 543/08.8GBSSB-A.S1 - 3.ª Secção, Relator: Conselheiro Santos Cabral, in www.dgsi.pt/, em que se sumariou: «I - Para efeitos de revisão, os factos ou provas devem ser novos e novos são aqueles que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e não puderam ser apresentados antes do julgamento e apreciados neste. A “novidade” dos factos deve existir para o julgador (novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo) e, ainda, para o próprio recorrente.

II - Se o recorrente tem conhecimento, no momento do julgamento, da relevância de um facto ou meio de prova, que poderiam coadjuvar na descoberta da verdade e se entende que o mesmo é favorável deve informar o Tribunal. Se o não fizer, jogando com o resultado do julgamento, não pode responsabilizar outrem, que não a sua própria conduta processual. Se, no momento do julgamento, o recorrente conhecia aqueles factos ou meios de defesa e não os invocou, não se pode considerar que os mesmos assumem o conceito de novidade que o recurso de revisão exige encontrando-se precludida a mesma invocação.» [A novidade, neste sentido, refere-se a meio de prova – seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da administração do meio de prova; no caso de provas pessoais, a “novidade” refere-se à testemunha na sua identidade e individualidade e não ao resultado da prova efectivamente produzida.]

Igualmente se refere no acórdão de 17.02.2011, também do S.T.J. (processo n.º 66/06.0PJAMD-A.S1, 5ª Secção, Relator: Conselheiro Souto Moura, in www.dgsi.pt/) que: “A al. d) supra referida exige que se descubram novos factos ou meios de prova. Essa descoberta pressupõe obviamente um desconhecimento anterior de certos factos ou meios de prova, agora apresentados. Ora, a questão que desde o início se vem por regra colocando, quanto à interpretação do preceito, é a de se saber se o desconhecimento relevante é do tribunal, porque se trata de factos ou meios de prova não revelados aquando do julgamento, ou se o desconhecimento a ter em conta é o do próprio requerente, e daí a circunstância de este não ter levado ao conhecimento do tribunal os factos, ou não ter providenciado pela realização da prova, à custa dos elementos que se vieram a apresentar como novos. Na doutrina, acolheram-se ambas as posições, não interessando à economia do presente recurso expor a respectiva fundamentação. Diremos simplesmente que a posição que se tem mostrado largamente maioritária neste Supremo Tribunal é a primeira. Também temos defendido, porém, dentro dessa linha, não bastar que pura e simplesmente o tribunal tenha desconhecido os novos factos ou elementos de prova para ter lugar o recurso de revisão.

E a limitação é a seguinte: os factos ou meios de prova novos, conhecidos de quem cabia apresentá-los, serão invocáveis em sede de recurso de revisão, desde que seja dada uma explicação suficiente, para a omissão, antes, da sua apresentação. Por outras palavras, o recorrente terá que justificar essa omissão, explicando porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal. Na verdade, existe um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado a este propósito, e que resulta da redacção do artº 453º nº 2 do C. P. P.: “O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor”. Isto é, o legislador revela com este preceito que não terá querido abrir a porta, com o recurso de revisão, a meras estratégias de defesa, ou dar cobertura a inépcias ou desleixos dos sujeitos processuais. O que teria por consequência a transformação do recurso de revisão, que é um recurso extraordinário, num expediente que se poderia banalizar. E assim se prejudicaria, para além do aceitável, o interesse na estabilidade do caso julgado, e também se facilitariam faltas à lealdade processual (cf. v. g. P.P. Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal”, pag. 1198, ou os Ac. deste S. T. J. de 25/10/2007 (Pº 3875/07, 5ª Secção), de 24/9/2009 (Pº 15189/02.6. DLSB.S1, 3ª Secção), ou de 28/10/2009 (Pº 109/94.8 TBEPS-A.S1, 3ª Secção, entre vários outros).

O artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do C.P.P., exige ainda que os novos factos e/ou os novos meios de prova, por si só, ou conjugados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação.

Dúvidas efectivamente graves ou sérias, já que «[a] dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há de subir o patamar da mera existência, para atingir a vertente da "gravidade" que baste», não sendo «uma indiferenciada "nova prova" ou um inconsequente "novo facto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada»[Acórdão do STJ de 29-04-2009 - Proc. n.º 15189/02.6.DLSB.S1, disponível in www.dgsi.pt.] .

Havendo, ainda, esse facto e/ ou meio de prova novo de «fazer sentido no contexto e de ser portador de verosimilhança que o credite para evidenciar a alta probabilidade de um erro judiciário e desse modo potenciar a alteração do que antes ficou provado» [Acórdão do STJ de 05-09-2018 - Proc. n.º 3624/15.8JAPRT-F.S1 (id.)].

Sendo que é «sobre o condenado/recorrente que impende o ónus de demonstrar que o conhecimento dos novos factos e/ou a apresentação de novos elementos de prova têm a peculiaridade de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, sob pena de a revisão não poder ser autorizada» [Acórdão do STJ de 10-12-2015 - Proc. n.º 7/05.1GFBRG-B.S1 – 5].

Na situação vertente, e na linha da tomada de posição do Ministério Público na 1ª Instância, como se expõe na resposta ao recurso, e que se passa a transcrever (…) não são apresentados novos factos ou meios de prova que, isoladamente ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação [alínea d)]. (...)

Merecendo a mais completa adesão tais considerandos, fica clara, afigura-se, a insubsistência da pretensão do recorrente, cuja condenação assentou num juízo valorativo da prova produzida em julgamento, do qual foi afastada toda a dúvida razoável sobre a existência dos pressupostos de responsabilização criminal, sendo isto precisamente que agora se visa, procurando-se, por via deste recurso extraordinário, proceder a uma reapreciação da prova então considerada.

O que é legalmente inadmissível.

8 – Pelo exposto, secundando as tomadas de posição do Ministério Público na 1.ª Instância e do Mm.º Juiz titular do processo, entende-se ser manifestamente improcedente a pretensão do recorrente, não se verificando os requisitos a que se refere a norma do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do C.P.P., ou de qualquer dos demais segmentos do mesmo preceito legal, o que deverá determinar a negação da pretendida revisão de sentença, sendo, neste sentido, que se emite parecer.”

6. O recorrente tem legitimidade para requerer a revisão (artigo 450.º, n.º 1, al. c), do CPP).

O acórdão recorrido transitou em julgado em 28.04.2022, com o trânsito da decisão sumária do Tribunal Constitucional de 12.4.2022, que decidiu não conhecer do objeto do recurso que o arguido interpôs do acórdão do tribunal da Relação ....

Nada obstando ao conhecimento do recurso, colhidos os vistos, o processo foi remetido à conferência para decisão (artigo 455.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).

II. Fundamentação

Factos – sentença recorrida

7. A sentença recorrida, cuja revisão agora se pretende, julgou provados, na parte que agora interessa, os seguintes factos:

“1.  Pelo menos no dia 22 de Setembro de 2020, o arguido juntamente com outro indivíduo, em comunhão de esforços e vontades, e em execução de um plano previamente delineado, decidiu dedicar-se a actividades relacionadas com a detenção, transacção e transporte de produtos estupefacientes, designadamente, haxixe.

2.    Assim, na prossecução do seu desígnio criminoso, no dia 22 de Setembro de 2020, pelas 16h30, o arguido e outro indivíduo faziam-se transportar na viatura alugada de matrícula ..-XG-.., no IP..., em ..., circulando no sentido da rotunda de acesso a ....

3.    O arguido AA ocupava o banco dianteiro direito, sendo o veículo conduzido pelo outro indivíduo.

4.    Nesse circunstancialismo de tempo e lugar, eram transportados no interior do referido veículo:

- 10 placas de “pólen” de haxixe, com o peso de 984.96 gramas (966,01g peso líquido), colocados no interior do compartimento destinado ao filtro de ar do veículo automóvel;

- 3 placas de “pólen” de haxixe, com o peso bruto de 297,96 gramas (292,64g peso líquido), colocadas debaixo da consola de mudanças do lado esquerdo do veículo;

- 23 bolotas de haxixe, com o peso bruto de 213,10 gramas (199,13g peso líquido), acondicionadas no interior de um saco de plástico, colocado debaixo da consola de mudanças do lado direito do veículo;

- a quantia de €7250,00 (sete mil duzentos e cinquenta euros) em notas de 5, 10, 20 e 50 euros, embaladas em película de plástico aderente, acondicionadas debaixo do banco do dianteiro direito, produto da actividade ilícita que desenvolviam;

- uma faca de cor verde, de marca Solognac, 5C15, com vestígios de corte de produtos estupefacientes, guardada num compartimento junto às mudanças do veículo.

5.   O arguido agiu em conjugação de vontades e esforços e no desenvolvimento de um plano previamente delineado com outra pessoa, com o propósito concretizado de ter consigo e transportar o descrito produto estupefaciente, cujas características, natureza e quantidade bem conhecia, e que destinavam à venda ou cedência a qualquer título a terceiros.

6.    O arguido agiu de forma concertada, deliberada e consciente e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. (...)”

8. Da motivação da decisão condenatória em matéria de facto consta, designadamente, quanto às provas em que se funda a decisão de facto:

“Saliente-se, em primeiro lugar, que toda a prova produzida na audiência de julgamento se encontra gravada. Essa gravação, permitindo a ulterior reprodução de toda a referida prova e, assim, um rigoroso controlo do modo como o Tribunal formou a sua convicção sobre a matéria de facto, legitima uma mais sucinta fundamentação desta convicção e que nos concentremos nos aspectos mais importantes em matéria de prova, tornando desnecessário tudo o que vá além disso.

Assim, consideraram-se desde logo:

- Relatório de exame pericial, de fls. 188/189;

- Auto de notícia de fls. 4 a 7 e aditamento de fls. 25;

- Auto de apreensão de fls. 14 e 15;

- Auto de apreensão de fls. 16 e 17;

- Auto de apreensão de fls. 19 e 20;

- Pesquisa do registo automóvel de fls. 21;

- Auto de busca e apreensão de fls. 26 e 27; - Talão de pagamento de fls. 28;

- Reportagens fotográficas de fls. 30 a 35 e 36 a 38.

Quanto a declarações, o arguido referiu que se deslocou a ... à boleia de um amigo a fim de vir adquirir um veículo automóvel a uma pessoa, um tal de CC, que tinha um anúncio no OLX. O amigo deixou-o no centro de ... e foi à vida dele tendo depois regressado para o apanhar, uma vez que não concretizou o negócio. Não sabia da existência de produto estupefaciente no veículo onde se fazia transportar como passageiro. O dinheiro apreendido era seu, que trazia para fazer o negócio do carro.

Esta versão do arguido não mereceu qualquer credibilidade.

Desde logo, o arguido e o outro indivíduo faziam-se transportar num carro alugado (cf. fls. 86/87), sendo este, de há uns anos a esta parte, como deram conta os Agentes da PSP inquiridos em audiência (DD, EE e FF, todos da Esquadra de Investigação Criminal), o meio de transporte privilegiado por indivíduos que se dedicam ao tráfico de estupefacientes. Estes Agentes encontravam-se em missão descaracterizada e rondavam o Bairro ..., em ..., local fortemente conotado com o tráfico de estupefacientes, quando avistaram aquele veículo e, ao introduzirem a matrícula no sistema, constataram que se tratava de um veículo alugado, o que logo os determinou a procederem à sua intercepção.

Referindo o arguido que enquanto o seu acompanhante terá “ido à vida dele” (sic), querendo com isso dizer que enquanto ele próprio ficou a negociar o carro no centro da cidade, o outro foi fazer o negócio da droga, não há explicação válida, plausível, a não ser a realização por ambos do negócio da droga, para o facto de os dois terem sido vistos a circular no veículo proveniente do Bairro ....

Por outro lado, a forma como estava acondicionada toda aquela quantia monetária, num rolo envolto em película aderente (cf. fotografia de fls. 32), em notas de €50, €20, €10 e €5, escondida debaixo do banco ocupado pelo arguido, é mais consentânea, à luz das regras da experiência comum, com uma proveniência de actividade de tráfico de droga do que com a compra de um automóvel. Quanto a isto, o arguido referiu que acondicionou assim o dinheiro por ser de mais fácil transporte, que o levava em cima do banco, entre as pernas, e que caiu quando ocorreu uma travagem do veículo. Ora, uma vez mais, esta versão é frontalmente contrariada pelos depoimentos dos Agentes, que asseguraram de uma forma coerente, segura, que o dinheiro estava escondido debaixo do banco e até foi o arguido quem espontaneamente lhes indicou onde se encontrava.

E se alguma dúvida houvesse quanto à absoluta inverosimilhança da versão do arguido, a mesma dissipar-se-ia através do confronto com as declarações que prestou em sede de 1º interrogatório judicial, em que declarou que o vendedor do veículo que pretendia comprar era um tal de GG, e não CC como afirmou em audiência, ao que o arguido se resignou com um encolher de ombros encabulado, mas sem deixar de dizer que se enganou.

Aqui chegados importa pronunciarmo-nos quanto às buscas e apreensões realizadas nos autos, e que a defesa do arguido pôs em causa em sede de alegações.

Ora, o tribunal não tem qualquer razão para questionar a actuação dos Agentes da PSP. Como os próprios referiram, tratou-se de uma apreensão de droga como tantas outras que realizaram ao longo dos muitos anos de experiência que acumulam, sendo que no caso presente a única diferença, por se tratar de uma inovação, foram os compartimentos do veículo onde o estupefaciente foi ocultado. Se relativamente à droga escondida no compartimento do filtro do ar facilmente lá chegaram porque o próprio filtro se encontrava num saco no banco detrás do veículo, o restante, não fora a indicação que receberam de um colega, e a que respeita o aditamento de fls. 25, poderia escapar, apesar do forte odor que se fazia sentir no interior do veículo, como referiu o Agente FF, dado que não era um compartimento (debaixo da consola das mudanças) que suspeitassem poder ocultar aquelas substâncias. Importa referir que as fotografias de fls. 37 não documentam a forma como a droga era transportada, mas sim o local, a dita consola, de onde foi retirada, como é óbvio.

Na primeira busca ao veículo estiveram presentes ambos os ocupantes do veículo, como referiram os Agentes da PSP, tendo o respectivo condutor, por ser o seu detentor, assinado o auto. Ou seja, foram cumpridas as formalidades exigidas pelos arts. 174º nº. 5 a) e 176º nº.1 do CPP.

Na segunda busca ao veículo, os próprios Agentes admitiram que nenhum dos ocupantes do veículo se encontrava presente. Todavia, trata-se de mera irregularidade, que se encontra sanada quer por força da validação das apreensões realizada por autoridade judiciária competente, o MP (cf. fls. 45), quer por não ter sido arguida tempestivamente – arts. 119º e 120º a contrario e 123º do CPP.”

De direito

9. O direito à revisão de sentença condenatória tem consagração, como direito fundamental, no artigo 29.º, n.º 6, da Constituição, que dispõe: “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”

O direito à revisão, que se efetiva por via de recurso extraordinário que a autorize, nos termos dos artigos 449.º e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), com realização de novo julgamento, possibilita a quebra do caso julgado de sentenças condenatórias que devam considerar-se injustas por ocorrer qualquer dos motivos taxativamente previstos na lei. A linha de fronteira da segurança jurídica resultante da definitividade da sentença, por esgotamento das vias processuais de recurso ordinário, como componente das garantias de defesa no processo (artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), ou do prazo para esse efeito, estabelece-se, enquanto garantia relativa à aplicação da lei penal (artigo 29.º da Constituição), no limite resultante da inaceitabilidade da subsistência de condenações que se revelem «injustas».

O juízo de grave dúvida sobre a justiça da condenação, por virtude da demonstração de fundamento contido no numerus clausus definido na lei (artigo 449.º, n.º 1, do CPP), que justifica a realização de novo julgamento, sobrepõe-se, assim, à eficácia do caso julgado, em homenagem às finalidades do processo – a realização da justiça do caso concreto, no respeito pelos direitos fundamentais –, desta forma se operando o desejável equilíbrio entre a segurança jurídica da definitividade da sentença e a justiça material do caso. O fundamento do caso julgado «radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito», sublinha Eduardo Correia, que acrescenta: «a força de uma sentença transitada em julgado há-de estender-se até onde o juiz tenha o poder e o dever de apreciar os factos submetidos a julgamento», sendo que «posta uma questão ante um magistrado, deve este necessariamente resolvê-la esgotantemente até onde deva e possa» (Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Teoria do Concurso em Direito Criminal, Almedina, 1963, pp. 302 e 304).

10. Num processo penal de tipo acusatório completado por um princípio de investigação, a que corresponde o modelo do Código de Processo Penal, as garantias e procedimentos de formação de uma decisão judicial definitiva de aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança (artigo 340.º e segs. do CPP), incluindo as possibilidades de impugnação, de facto e de direito, por via de recurso ordinário (artigo 412.º do CPP) admissível, por regra, relativamente a todas as decisões in procedendo e in judicando (artigo 399.º do CPP), previnem e reduzem substancialmente as possibilidades de erro judiciário que deva ser corrigido por via de recurso extraordinário de revisão contra as «injustiças da condenação», o que eleva especialmente o nível de exigência na apreciação dos fundamentos para autorização da revisão.

A garantia do direito a um processo equitativo («processo justo»), nas suas múltiplas dimensões, tal como se consagra no artigo 32.º da Constituição, no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e no artigo 14.º do Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), que concorrem neste sentido, impõem que ao arguido, que tem o direito e o dever de estar presente em audiência, assistido por defensor (artigos 61.º e 332.º do CPP), seja dado o tempo e os meios necessários para preparação da sua defesa e apresentar os meios de prova a produzir e assegurada a faculdade de contradizer a prova contra si produzida em audiência (como se estabelece nos artigos 315.º, 327.º, 339.º, n.º 4, 340.º e 355.º do CPP).

11. A lei enumera os fundamentos e dispõe sobre admissibilidade da revisão no artigo 499.º do CPP. Estabelece o n.º 1 deste preceito, alíneas a), d) e e), em que o recorrente fundamenta o pedido:

«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: (…)

a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão; (...)

d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º; (...)»

Importa ainda considerar o artigo 453.º do CPP (Produção de prova), que dispõe:

«1 - Se o fundamento da revisão for o previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º, o juiz procede às diligências que considerar indispensáveis para a descoberta da verdade, mandando documentar, por redução a escrito ou por qualquer meio de reprodução integral, as declarações prestadas.

2 - O requerente não pode indicar testemunhas que não tiverem sido ouvidas no processo, a não ser justificando que ignorava a sua existência ao tempo da decisão ou que estiveram impossibilitadas de depor.»

12. No caso sub judice, tendo em conta o teor do pedido de revisão, há que centrar a análise na verificação do fundamento indicado na alínea d), ou seja, há que averiguar se, perante o alegado, se descobriram novos factos ou novos meios de prova que, por si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Devendo, desde já, clarificar-se que não se compreende no âmbito e objecto deste recurso o conhecimento de nulidades do processo da condenação ou  de questões relativas ao estabelecimento dos factos provados nesse processo, cuja apreciação, se bem se interpreta o ponto 15 das conclusões da motivação do recurso, o recorrente parece pretender (ponto onde é dito que “além das profundas nulidades já verificadas e que não foram reconhecidas pelos referidos Tribunais, vem o recorrente indicar (...) que as datas dos factos não foram indiciadas e deveriam ter sido, que poderiam ser relevantes para a descoberta da verdade, e que neste momento solicitamos a v/Exma. a sua apreciação”).

Com efeito, como observa o Ministério Público, não vem invocada nem apresentada uma outra sentença transitada em julgado que tenha considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a condenação do recorrente, caso em que haveria que apreciar da verificação do fundamento previsto na al. a) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, nem vem alegado ter-se descoberto que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º, caso em que haveria que apreciar da verificação do fundamento previsto na al. e) do mesmo preceito.

13. A jurisprudência consolidada deste tribunal tem sublinhado que, para efeitos da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, são novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e em que esta se fundou e que, sendo desconhecidos do tribunal no ato de julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado. Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, que não foram apresentados no processo da condenação. A novidade, neste sentido, refere-se ao meio de prova – seja pessoal, documental ou outro –, e não ao resultado da produção da prova (como se salienta, entre outros, nos acórdãos de 06.07.2022, Proc. 68/18.3SULSB-B, e de 09.02.2022, Proc. 163/14.8PAALM-A.S1, citando o acórdão de 10.04.2013, Proc. 127/01JAFAR-C.S1, 3.ª Secção, em www.dgsi.pt).

«Novos» factos ou meios de prova são, em regra, como se sublinhou no acórdão de 06.07.2022, cit., reproduzindo o afirmado em anteriores acórdãos, apenas os que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal [acórdãos de 9.2.2022, cit., e de 2.5.2018, Proc. n.º 1342/16.9JAPRT-E.S1, citando-se os acórdãos de 26.10.2011 proc. 578/05.2PASCR.A.S1 (Sousa Fonte), de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 (Raul Borges), com indicação exaustiva de jurisprudência e doutrina, e de 19.03.2015, proc. 175/10.0GBVVD-A.S1 (Isabel São Marcos), em www.dgsi.pt]. Admitindo-se, no entanto, face ao disposto no n.º 2 do artigo 453.º do CPP, que, embora não sendo ignorados pelo recorrente, poderão estes ser excecionalmente considerados desde que o recorrente justifique a razão, atendível, por que os não apresentou no julgamento (assim, entre outros os acórdãos de 8.1.2014, no proc. 1864/13.33T2SNT-A.S1, e de 16.1.2014, no proc. 81/05.0PJAMD-A.S1, em Código de Processo Penal Comentado, Henriques Gaspar et alii, Almedina, 2016, 2.ª ed. e anotação ao artigo 449.º, de Pereira Madeira).

14. A dúvida sobre a justiça da condenação, relevante para a revisão, tem de ser qualificada. Como se tem salientado, não basta a mera existência da dúvida; é necessário que ela se eleve a um patamar de solidez que permita afirmar a sua «gravidade» [como se nota, entre outros, nos acórdãos de 06.07.2022, cit., de 30.1.2013, proc. 2/00.7TBSJM-A.S1 cit. e de 29.4.2009, proc. 15189/02.6.DLSB.S1 (Pires da Graça)], isto é, que, na ponderação conjunta de todos os factos e meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação (artigo 127.º do CPP) e sem prejuízo da sujeição ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação.

Apreciação

15. Recordando a motivação do recurso, o recorrente “indica” (ponto 15 das conclusões) o que considera serem dois meios de prova, que, como reconhece, foram apreciados no processo, mas que qualifica como sendo “novos”:

(a) “O primeiro novo meio de prova apresentado: consta dos factos dado como provados no acórdão da 1ª instância que o valor de € 7.250,00, que o arguido e ora recorrente, fez prova da proveniência de tal verba, e que não foi tida em consideração pelo douto Tribunal da 1ª instância, considerando completamente o oposto” (ponto 16);

(b) “O segundo novo meio de prova apresentado: Em sede de julgamento na 1.ª instância, o arguido e ora recorrente, solicitou através do seu mandatário a inclusão de uma testemunha que poderia aferir toda a veracidade do seu depoimento. Tal testemunha não foi permitida, omitindo assim a verdadeira descoberta da verdade” (ponto 17).

Junta uma “declaração” assinada por esta “testemunha”, que se identifica como sendo BB, cuja audição requereu, em que esta “sob compromisso de honra”, “por ter sido negada a audição na audiência de julgamento”, “informa os factos que conhece”, dizendo que “se deslocou a ..., na data do acontecimento dos factos, 22 de setembro de 2020, no seu veiculo, para acompanhar o Requerente AA na possível compra de um veiculo de marca ... modelo ..., que tomaram conhecimento através do site OLX”; que, “quando chegou a ..., contactou o Requerente telefonicamente e que lhe foi indicado dirigir-se ao ... pois estaria o proprietário do veículo a mostrar o mesmo”; que, “como conhecedor de veículos e seus componentes”, “indica que as características indicadas no OLX, não corresponderiam ao que vira presencialmente e por isso, a aquisição do veículo não foi concretizada”, “ficando os mesmos a tomar um café no ...” (pontos 18 a 21).

16. Observa o Senhor Juiz do processo, na informação produzida, que “como o próprio recorrente afirma, o depoimento dessa testemunha foi requerido em audiência de julgamento, ao abrigo do disposto no art. 340.º do CPP, e sobre o qual recaiu o seguinte despacho: “Como resulta das declarações do próprio arguido AA, o negócio que o mesmo alega como justificação para ter vindo a ..., reporta-se à data dos factos da acusação, pelo que desde essa data que o arguido sabe quem foram as pessoas que tomaram conhecimento desse suposto negócio. Isto para dizer que testemunha ora arrolada já era do conhecimento do arguido, e não foi indicada em tempo. Por outro lado, e não tendo arguido referido que essa mesma testemunha o acompanhou a ..., o conhecimento que terá dos factos alegados pelo arguido será meramente conhecimento indireto por aquilo que ouviu dizer ao próprio arguido ou a terceiros e, como tal, por estas duas razões, vai indeferido o requerido.”

Assim, e tendo em conta o disposto no artigo 453.º, n.º 2, do CPP e que o indeferimento da audição de uma testemunha nos termos do artigo 340.º do CPP não pode ser considerada uma impossibilidade de depoimento para efeitos daquele preceito, foi indeferida a inquirição.

Conclui referindo que a pretensão do recorrente não consubstancia mais do que uma reapreciação da versão por si apresentada em julgamento, que não mereceu credibilidade.

17. Ora, como resulta dos pontos 15 a 17 das conclusões do recurso, o indicado primeiro “meio de prova” não é meio de prova e o segundo, sendo um meio de prova, não é um “novo” meio de prova.

18. O indicado “primeiro novo meio de prova” (ponto 16) traduz-se na expressão de uma discordância quanto ao decidido no acórdão recorrido. Consta dos factos provados que a quantia de € 7.250,00, “era produto da actividade ilícita”; porém, o recorrente considera que “fez prova da proveniência de tal verba” e que essa prova “não foi tida em consideração pelo douto Tribunal da 1ª instância, considerando completamente o oposto”.

Tal discordância não é meio de prova; manifesta um juízo de valoração da prova, sujeito ao critério geral do artigo 127.º do CPP. Poderia servir de fundamento e ser apreciada em recurso ordinário da decisão em matéria de facto, que o arguido tinha à sua disposição, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do CPP, para o tribunal da relação (artigo 428.º do CPP). Mas não é, obviamente, fundamento para um recurso de revisão.

19. Por sua vez, a testemunha agora indicada (ponto 17) não é um “novo” meio de prova, pois não foi descoberta após trânsito em julgado da condenação.

Tendo sido indicada para ser ouvida em audiência de julgamento e tendo o tribunal indeferido a audição, nos termos do artigo 340.º do CPP, a testemunha não era desconhecida nem do arguido, nem do tribunal. Não preenche, pois, o critério legal e jurisprudencial de novidade anteriormente explicitado (supra, 13).

Compete ao tribunal de julgamento fundar as bases da sua decisão em matéria de facto, levando em conta as provas apresentadas pelos sujeitos processuais, nos momentos próprios – artigo 283.º do CPP, quanto às provas em que o Ministério Público funda a acusação, e artigo 315.º do CPP (atual 311.º-B), quanto às provas da defesa, a indicar pelo arguido – e em audiência de julgamento (artigo 340.º do CPP) – quanto a provas que, a requerimento ou oficiosamente, entenda como necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, não aceitando as que considere não o serem.

Garantindo a lei todos os meios de defesa para contrariar as provas contra si apresentadas, pode ainda o arguido, em caso de discordância, impugnar a decisão e a formação da prova e das bases de facto pelas vias ordinárias de recurso para o tribunal da relação (artigos 412.º, n.º 3, e 428.º do CPP, citados). Mas não pode servir-se do recurso extraordinário de revisão para, como no caso, produzir prova por meio apreciado e não admitido em julgamento.

20. Nesta conformidade, impõe-se concluir que não ocorre a descoberta de novos meios de prova que, de acordo com a al. d) do n.º 1 do artigo 449.º do CPP, possam constituir fundamento da revisão da condenação. Carecendo, assim, o recurso manifestamente de fundamento.

Pelo que deve ser negada a revisão.

III. Decisão

21. Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, acordam os juízes em conferência na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em denegar a revisão da sentença condenatória requerida pelo condenado AA.

Vai o recorrente condenado em custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (artigos 456.º, 1.ª parte, do CPP e 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, em anexo).

Nos termos do disposto no artigo 456.º, 2.ª parte, do CPP, vai ainda o recorrente condenado na quantia de 6 UC.


Supremo Tribunal de Justiça, 26 de outubro de 2022


José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria da Conceição Simão Gomes

Paulo Ferreira da Cunha

Nuno António Gonçalves

(assinado digitalmente)