| Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | FONSECA RAMOS | ||
| Descritores: | CULPA PRESUMIDA ACTIVIDADE PERIGOSA DANO CAUSADO POR COISAS OU ACTIVIDADES RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL CONDUÇÃO E ABASTECIMENTO DE ÁGUA FRANQUIA | ||
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| Nº do Documento: | SJ20080429008676 | ||
| Data do Acordão: | 04/29/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
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| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
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| Sumário : | I) - A perigosidade a que alude o art. 493º, nº2, do Código Civil é uma perigosidade intrínseca da actividade exercida, quer pela sua natureza, quer pelos meios utilizados, perigosidade que deve ser aferida a priori e não em função dos resultados danosos em caso de acidente, muito embora a magnitude destes possa evidenciar o grau de perigosidade da actividade, ou risco dessa actividade. II) – As coisas, sobretudo imóveis, são passíveis de causar dano, carecendo de vigilância com a inerente prevenção, através de manutenção e conservação, a cargo do seu proprietário ou possuidor. III) – O art. 492º do Código Civil estabelece uma inversão do ónus probatório, presumindo a culpa do responsável, demonstrado que esteja a vício de construção ou o defeito de manutenção. IV) – No caso em apreço, a prova da existência do vício de construção ou defeito de conservação é deveras difícil por parte do lesado, já que não tendo, em regra, conhecimentos técnicos, nem sabendo quais a regras de actuação que são utilizadas pela E..., para aferir do estado das canalizações subterrâneas, lhe é praticamente impossível provar a existência de defeitos de conservação. V) - Daí que ao lesado apenas seja exigível uma prova de primeira aparência do defeito e do nexo de causalidade, sendo de considerar que se ocorre uma ruptura numa conduta de água transportada sob pressão, subterraneamente, e essa ruptura for causadora de danos, e não se devendo tal facto a culpa do lesado, nem a caso fortuito ou de força maior, existiu defeito de conservação. VI) – Quando alguém tem contra si uma presunção de culpa, esta tem de ser ilidida pela prova do contrário, ou seja, de factos que a excluam. VII) – Ruindo a obra, no caso ocorrendo ruptura numa conduta de água, sem que se demonstre a existência de caso fortuito ou de força maior, ou culpa do lesado, não tendo o responsável feito a prova de que não houve culpa sua, ou que mesmo que tivesse adoptado a diligência devida o evento danoso teria ocorrido, há que concluir pela sua culpa presumida, reportada ou a vício de construção ou a defeito de conservação. VIII) – Naturalisticamente houve seis eventos danosos, mas, uma vez que a sua proximidade temporal e a razão de ser deles está intrinsecamente ligada a uma única causa – a ruptura dos tubos condutores da água – para efeitos de franquia, apenas se deve considerar um único sinistro e não seis. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, Ldª., intentou, em 26.11.1999, nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, acção declarativa de condenação, na forma ordinária, contra: E...-Empresa Portuguesa de Águas Livres. Companhia de Seguros F..., S.A. Alegou, em síntese, que exerce a sua actividade de atelier de confecção numa fracção autónoma, sita numa cave de um prédio em Lisboa, que identifica, e da qual é arrendatária. Em virtude do mau estado de conservação e da assistência deficiente, as condutas de água que a Ré E... tem instaladas na Rua Sousa Loureiro, em Lisboa, onde fica o estabelecimento da Autora, rompiam e rebentavam com inusitada frequência, libertando água que atingia aquele estabelecimento. Tal sucedeu nos dias 22.12.1997, 11.3.1998, 12.4.1998, 31.5.1998, 22.6.1998, 06.7.1998 e 07.7.1998. Em consequência do descrito a Autora sofreu estragos no estabelecimento, máquinas e mercadoria, assim como se frustraram negócios e suportou despesas, de cujo ressarcimento são responsáveis as Rés, tanto mais que a 1ª Ré exerce uma actividade perigosa, nos termos e para os efeitos do art. 492° [quereria dizer art. 493°] do Código Civil. Concluiu pedindo que as Rés sejam condenadas: I. A proceder a todas as obras e trabalhos necessários a repor o atelier da Autora no estado em que se encontrava antes das diversas inundações; II. Ao pagamento à Autora de uma indemnização no montante de 19.032.436$00, pelos danos efectivos que a Autora sofreu com o pagamento de ordenados, reparação de máquinas, tecidos estragados e outros e com os produtos acabados e não entregues porque danificados; III. No pagamento à Autora de uma indemnização a título de lucros cessantes, no valor de 3.566.750$00, relativos às encomendas que não pôde satisfazer. IV. Ao pagamento dos juros sobre as quantias peticionadas nos pontos II e III supra calculados desde o momento da propositura da presente acção até ao efectivo e integral pagamento das mesmas. A 1ª Ré contestou, alegando, em síntese, que as rupturas referidas haviam sido prontamente reparadas e ocorreram por facto puramente casual, sendo certo que foram seguidas as regras sobre construção, tubagem e assentamento da conduta em questão. Declarou desconhecer os prejuízos invocados pela Autora e que o caso se enquadra na previsão do art. 492° do Código Civil, à luz do qual a acção é improcedente, devendo a Ré ser absolvida dos pedidos contra si formulados. A Ré F... alegou desconhecer os prejuízos invocados pela Autora e invocou ainda que, nos termos do contrato de seguro celebrado com a 1ª Ré, a garantia não abrange danos resultantes da inobservância das disposições legais ou regulamentares que regulam a actividade do segurado. Acresce que foi contratada uma franquia de 1.500.000$00 por sinistro. Mais alegou que o contrato de seguro em causa vigora em regime de co-seguro, pois o risco foi assumido conjuntamente pela contestante e pela Companhia de Seguros T..., S.A., na proporção de 80% e 20%, respectivamente. A 2ª Ré concluiu pela sua absolvição do pedido e requereu a intervenção principal da T..., como parte principal associada às Rés. A Autora replicou, reiterando o peticionado. Admitido o chamamento da T..., S.A., esta aceitou-o, fazendo seu o articulado da 2ª Ré. Os autos prosseguiram a sua tramitação normal, tendo sido realizada audiência de julgamento com gravação dos depoimentos. *** Em 13.10.2006 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, decidiu: “1. Condenar a 1ª Ré a proceder às obras necessárias para substituir os mosaicos em borracha antiderrapante que revestiam o chão da secção de produção, a alcatifa inutilizada que revestia o chão, e os rodapés do atelier da Autora, e para pintar as paredes do mesmo atelier, até ao limite da franquia convencionada; 2. Condenar a 2ª Ré e a Chamada, respectivamente na proporção de 80% e 20%, a proceder à realização das obras, caso se mostre excedido o montante correspondente à franquia; 3. Condenar a 1ª Ré a pagar à Autora a quantia de € 1.259,40, correspondente a 252.486$00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação; 4. Condenar a 1ª Ré e a 2ª Ré e Chamada, a 1ª Ré até ao limite da franquia, e as 2ª Ré e Chamada no excedente, na proporção respectivamente de 80% e de 20%, a pagarem à Autora o valor que se apurar em liquidação, até ao limite de € 62.849,00 (12.600.000$00) a abater a verba de € 1.995,21 (400.000$00), relativa ao valor dos tecidos danificados pela água; 5. Absolver as Rés do demais peticionado […]”. *** Da sentença apelaram a Autora e as duas Rés, para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por Acórdão de 4.10.2007 – fls.804 a 832 – decidiu: “1º Julga-se improcedente a apelação deduzida pela 1ª Ré e consequentemente mantém-se a decisão na parte impugnada; 2º Julga-se improcedente a apelação deduzida pela Autora e, consequentemente, mantém-se a decisão na parte impugnada; 3° Julga-se a apelação interposta pela 2ª Ré (seguradora F...) parcialmente procedente e consequentemente altera-se a sentença quanto aos ponto 1, 2 e 4, que passarão a ter a seguinte redacção: “1. Condenar a 1ª Ré a proceder às obras necessárias para substituir os mosaicos em borracha antiderrapante que revestiam o chão da secção de produção, a alcatifa inutilizada que revestia o chão, e os rodapés do atelier da Autora, e para pintar as paredes do mesmo atelier, até ao limite da quantia de € 44.891,81 (9.000.000$00); 2. Condenar a 2ª Ré e a Chamada, respectivamente na proporção de 80% e 20%, a proceder à realização das obras, caso se mostre excedido o montante de € 44.891,81 (9.000.000$00); 3. (...); 4. Condenar a 1ª Ré e a 2ª Ré e Chamada, a 1ª Ré até ao limite de 44.891,81 (9.000.000$00) e as 2ª Ré e Chamada no excedente, na proporção respectivamente de 80% e de 20%, a pagarem à Autora o valor que se apurar em liquidação, até ao limite de € 62.849,00 (12.600.000$00) a abater a verba de € 1.995,21 (400.000$00), relativa ao valor dos tecidos danificados pela água”; 4º No mais, mantém-se a decisão recorrida. […]” *** Inconformada, a Ré “E...” recorreu para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1ª. A actividade de captação, transporte e abastecimento público de água, designadamente por condução subterrânea, nos termos que resultaram provados, não constitui “actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados” (art. 493°/2 Código Civil). 2ª. Se dúvidas subsistissem, elas teriam que ser sanadas no sentido que vem sendo repetidamente propugnado pelo STJ, que exclui tal actividade do âmbito daquele conceito normativo indeterminado. 3ª. Sem conceder, a Ré E... mostrou ter empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos, tendo ilidido a presunção de culpa que sobre si impendia, nos termos do citado normativo, não podendo assim ser responsabilizada pelo evento danoso, nem pelas suas consequências. 4ª. À situação dos autos adequa-se a disciplina do art. 492° do Código Civil. 5ª. Assim caberia à Autora a alegação e prova de que os danos se deveram a “vício de construção ou defeito de conservação”, o que, atenta a matéria provada, não se verificou no caso em apreço. 6ª. A sentença de que ora se recorre enferma de erro na determinação da norma aplicável porquanto em lugar de aplicar, adequadamente, ao caso dos autos a disciplina constante do art. 492° do Código Civil, aplica, erradamente, a disciplina do art. 493, °nº2, do Código Civil, normas que, por conseguinte, violou. 7ª. Carece de fundamentação legal a decisão iníqua de alteração da sentença a que o acórdão procede quanto ao ponto 1, 2 e 4 da mesma. 8ª. Tal decisão contida no acórdão re-transfere para a segurada, no caso a recorrente, a responsabilidade por danos causados por esta causados a terceiros, responsabilidade que a Ré F... assumiu livremente, assim subvertendo abusivamente, o espírito, a letra, o objecto, o âmbito e a finalidade do contrato de seguro celebrado, ao arrepio do disposto na cláusula 5ª das respectivas condições particulares e ao arrepio dos arts. 238°, 239°,405° e 406° do Código Civil, normas que, por conseguinte, o acórdão violou. Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se, em consequência, o acórdão recorrido na parte que julga improcedente a apelação interposta pela 1ª Ré, ora recorrente, absolvendo-a do pedido contra a mesma deduzido pela Autora e, bem assim, sem conceder, revogando-se, em consequência, o acórdão recorrido na parte que julga parcialmente procedente a apelação interposta pela 2ª Ré (seguradora F...), mantendo-se a decisão, nesta parte, tal como proferida na sentença. A Autora contra-alegou, pugnando pela confirmação do Acórdão. *** Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos: 1°) A Autora é arrendatária da fracção autónoma designada pela letra “A” correspondente à cave direita do prédio sito na rua Sousa Loureiro nº10, em Lisboa, por a ter tomado de arrendamento, por contrato escrito de 1 de Julho de 1992, aquela fracção autónoma destina-se contratualmente a atelier de confecção, onde a Autora exerce a sua actividade — assente por acordo — (al. A) dos Factos Assentes) 2°) A 1ª Ré “E...” tem a seu cargo o abastecimento de água na cidade de Lisboa — assente por acordo — (al. B) dos Factos Assentes). 3°) Entre 22 de Dezembro de 1997 e 7 de Julho de 1998, verificou-se a ruptura das condutas da 1ª Ré, “E...” nas seguintes datas: - a 22 de Dezembro de 1997; - a 11 de Março de 1998; - a 12 de Abril de 1998; - a 22 de Junho de 1998; - a 6 de Julho de 1998 e - a 7 de Julho de 1998 – assente por acordo — (al. C) dos Factos Assentes). 4°) A Ré “E...” teve conhecimento de uma ruptura ocorrida, em 22 de Dezembro de 1997, junto ao nº... da Rua Sousa Loureiro, em Lisboa, quando a mesma foi comunicada, ao Serviço de Prevenção, por um particular — assente por acordo — (al. D) dos Factos Assentes). 5º) A Ré E... teve conhecimento de uma ruptura ocorrida, em 11 de Março de 1998, na Rua Sousa Loureiro, em Lisboa, quando a mesma foi comunicada ao Serviço de Prevenção, por um particular — assente por acordo — (al. E) dos Factos Assentes). 6.°) A R. E... teve conhecimento de uma ruptura ocorrida, em 12 de Abril de 1998, do lado oposto ao nº... da Rua Sousa Loureiro, em Lisboa, quando a mesma foi comunicada, ao Serviço de Prevenção, por um particular – assente por acordo — (al. F) dos Factos Assentes). 7.°) A Ré E... teve conhecimento de uma ruptura ocorrida, em 22 de Junho de 1998, junto ao n.° ... da Rua Sousa Loureiro, em Lisboa, quando a mesma foi comunicada, ao Serviço de Prevenção, por um particular – assente por acordo — (al. G) dos Factos Assentes). 8.°) A Ré E... teve conhecimento de uma ruptura ocorrida, em 06 de Julho de 1998, junto ao n.°... da Rua Sousa Loureiro, em Lisboa, quando a mesma foi comunicada, ao Serviço de Prevenção, por um particular – assente por acordo — (al. H) dos Factos Assentes). 9.º) A Ré E... teve conhecimento de uma ruptura ocorrida, em 07 de Julho de 1998, junto ao n.°... da Rua Sousa Loureiro, em Lisboa, quando a mesma foi comunicada, pelas 02h40m, ao Serviço de Prevenção, por um particular – assente por acordo — (al. I) dos Factos Assentes). 10.°) Em 11 de Fevereiro de 1998 foi feito o orçamento a fls. 16 à Autora onde foi orçamentado a quantia de Esc. 380.000$00, para arranjo do pavimento, fornecimento e colocação de mosaicos, alcatifa, borracha e rodapé e para o arranjo e pintura de paredes — provado por acordo e documento de fls. 16 — (al. J) dos Factos Assentes). 11.°) Em 21 de Janeiro de 1999 a 2ª Ré recebeu da 1ª Ré uma participação de sinistros ocorridos na Rua Sousa Loureiro, em Lisboa, em 1997 e em 1998 — provado por acordo e documento de fls. 84 e 86 — (al. K) dos Factos Assentes). 12.°) A 2ª Ré pediu de imediato informação à 1ª Ré e à Autora sobre a ocorrência dos sinistros e sobre os danos causados pelos mesmos – provado por acordo — (al. L) dos Factos Assentes). 13.°) Apenas em 11 de Fevereiro de 1999 a 2ª Ré obteve resposta da Autora, prestada através da respectiva mandatária – provado por acordo e documento de fls. 86 a 88 — (al. M) dos Factos Assentes). 14.°) Quanto ao acidente a referida resposta apenas indicou as datas das respectivas ocorrências – provado por acordo e documento de fls. 86 a 88 — (al. N) dos Factos Assentes). 15.°) E quanto aos danos nessa resposta a Autora apenas refere que “num apanhado muito alto” os mesmos ascendiam a “cerca de 16.000 contos”, e apenas concretiza a existência de danos de 380.000$00 sofridos em 22 de Dezembro de 1997 e de 272.480$00 sofridos em 22 de Junho de 1998 – provado por acordo e documento de fls. 86 a 88 — (al. O) dos Factos Assentes). 16°) Logo no mesmo dia 11 de Fevereiro de 1999 a 2ª Ré solicitou à Tec-Técnicos de Peritagem, Ldª, a averiguação dos sinistros e dos danos deles resultantes – provado por acordo e documento de fls. 89 — (al. P) dos Factos Assentes). 17.°) Em 26 de Fevereiro de 1999 esta empresa solicitou à 1ª Ré informação sobre a existência de rupturas no local e nas datas indicadas, as respectivas causas e intervenções ali efectuadas – provado por acordo e documento de fls. 90 e 91 – (al. Q) dos Factos Assentes). 18.°) A Ré F... assumiu a responsabilidade por danos causados a terceiros pela E...., S.A, nos termos do contrato de seguro do Ramo Responsabilidade Civil Exploração Profissional titulado pela apólice 87/35509 e regulado pelas respectivas condições gerais, especiais, particulares e cláusula de co-seguro e junto a fls. 104 a 109 – provado por acordo e documento de fls. 104 a 109 — (al. R) dos Factos Assentes). 19º) Nos termos da cláusula 5. das condições particulares foi contratada uma franquia a cargo da seguradora de 1.500.000$00 por sinistro – provado por acordo e documento de fls. 104 a 109 — (al. S) dos Factos Assentes). 20.°) O contrato titulado pela apólice em causa vigora em regime de co-seguro, pois o risco foi assumido conjuntamente pela contestante e pela Companhia de Seguros T..., S.A., na proporção de 80% e 20%, respectivamente – provado por acordo — (al. T) dos Factos Assentes). 21.°) Em 10 de Dezembro de 1999 a Tec, Ldª, informou a autora que por não ter recebido desta os elementos que insistentemente lhe vinha solicitando desde 31 de Maio de 1999 iria elaborar o relatório final da peritagem — assente por acordo — (al. U) dos Factos Assentes). 22°.) De cada vez que ocorria uma ruptura das condutas da 1ª Ré, a água que delas saía infiltrava-se na cave da Autora – (art. 2º da B.I.). 23.°) A Autora comunicou à 1ª Ré, “E...”, quer por telefone, por fax, quer por carta todas as rupturas ocorridas desde 22.12.1997 a 07.07. 1998 – (art. 5º da B.I). 24.°) A água levantou os mosaicos em borracha antiderrapante que revestiam o chão da secção de produção, do atelier da Autora – (art. 6º da B.I.). 25.°) A alcatifa que revestia uma área do chão do atelier ficou inutilizada — (art. 7º da B.I). 26.°) Os rodapés da fracção terão de ser substituídos — (art. 8º da B.I.). 27.°) As paredes da fracção onde funciona o atelier terão de ser pintadas – (art. 9º da B.I.). 28.°) Devido à inundação ocorrida em 22/12/1997 a Autora teve de suspender a laboração por um período não apurado — (art. 10º da B.I.). 29.°) A Autora pagou às suas trabalhadoras a título de remunerações respeitantes aos meses de Dezembro de 1997 e Janeiro de 1998 o montante bruto de Esc. 764.921$00 e líquido de Esc. 682.652$00 — (art. 11º da B.I.). 30.°) Com a exposição à água verificada das inundações ocorridas na sequência da ruptura das canalizações da 1ª Ré ficou manchado, deteriorado e inutilizada uma quantidade não apurada de metros de tecido que a Autora tinha no seu atelier — (art. 12º da B.I.). 31.°) A Autora pagou por esses tecidos um valor não apurado – (art.13º da B.I.). 32.) A Autora não pode aproveitar o referido tecido, nos seus trabalhos — (art. 14º da B.I). 33.°) A Autora vendeu a Tecimil — Tecidos, Ldª cerca de 20.000 metros de tecido, a 20$00 o metro, no valor global de 400.000$00 — (art. 15º da B.I.). 34.°) Na noite de 21 para 22 de Junho a água entrou pelo estabelecimento da Autora onde subiu a uma altura de 36 cm – (art. 17º da B.I.). 35.°) Tendo ficado danificados os motores das duas prensas devido à humidade provocada pela inundação – (art. 18º da B.I.). 36.°) A reparação dos motores das duas prensas foi orçamentada em 252.486$00. — (art. 19º da B.I). 37.°) Os canos que rebentaram no dia 06.07.1998 e que foram reparados pela 1ª Ré, “E..., voltaram a rebentar no mesmo local, no dia 07.07.1998. – (art. 20º da B.I.). 38.°) Com referência às inundações ocorridas entre 22/12/1997 e 07/07/1998 a autora deixou de satisfazer as seguintes encomendas: 39°) No dia 22 de Dezembro de 1997, o piquete de prevenção da Réu E... chegou ao local às 02h30m e procedeu de imediato à interrupção do cimento de água. - (art. 28º da B.I.). 40.°) E verificou que a ruptura ocorrera num tubo de fibrocimento, de 125mm de diâmetro. - (art. 29º da B.I.). 41.°) A ruptura foi reparada pelo pessoal da R. E..., tendo a reparação ficado concluída e sido restabelecido o abastecimento pelas 08h00m desse dia 22 de Dezembro de 1997 – (art. 30º da B.I.). 42.°) No dia 11 de Março de 1998, o piquete de prevenção da R. E... chegou ao local prontamente e procedeu de imediato à interrupção do abastecimento de água. - (art. 31º da B.I.). 43.°) E verificou que a ruptura ocorrera num tubo de fibrocimento, de 125mm de diâmetro. - (art. 32º da B.I.) 44.°) A ruptura foi reparada pelo pessoal da R. E..., tendo a reparação ficado concluída e sido restabelecido o abastecimento poucas horas depois desse mesmo dia 11 de Março de 1998 – (art. 33º da B.I.). 45°) No dia 12/04/1998 o piquete de prevenção da Ré “E...” chegou ao local às 05 h 30 m, desse dia, procedeu de imediato à interrupção de água – (art. 34º da B.I). 46.°) E verificou que a ruptura ocorrera num tubo de fibrocimento, de 125 mm de diâmetro. (art. 35º da B.I.). 47.°) A ruptura foi reparada pelo pessoal da Ré E..., tendo a reparação ficado concluída e sido restabelecido o abastecimento pelas 12h.00m desse dia 12 de Abril de 1998. - (art. 36º da B.I.). 48°) No dia 22/06/1998 o piquete de prevenção da R. E... chegou ao local às 00h50m, desse dia, e procedeu de imediato à interrupção do abastecimento de água. - (art. 37º da B.I.). 49º) E verificou que a ruptura ocorrera num tubo de fibrocimento, de 125 mm de diâmetro. - (art. 38º da B.I.). 50.°) A ruptura foi reparada pelo pessoal da Ré E..., tendo a reparação ficado concluída e sido restabelecido o abastecimento pelas 07 h.00 m desse dia 22 de Junho de 1998. - (art. 39. ° da B.I) 51º) No dia 06/07/98 o piquete de prevenção da R. E... chegou ao local às 00h50m, desse dia, e procedeu de imediato à interrupção do abastecimento de água. - (art. 40º da B.I.). 52.°) E verificou que a ruptura ocorrera num tubo de fibrocimento, de 125 mm de diâmetro. (art. 41º da B.I.). 53.°) A ruptura foi reparada pelo pessoal da R. E..., tendo a reparação ficado concluída e sido restabelecido o abastecimento pelas 12h.00m desse dia 06 de Julho de 1998. - (art. 42º da B.I.). 54.°) No dia 07/07/98 o piquete de prevenção da R. E... chegou ao local às 03h30m, desse dia, e procedeu de imediato à interrupção do abastecimento de água. - (art. 41º da B.I.). 55.°) E verificou que a ruptura ocorrera num tubo de fibrocimento, de 125 mm de diâmetro. - (art. 44º da B.I). 56.°) A ruptura foi reparada pelo pessoal da Ré E..., tendo a reparação ficado concluída e sido restabelecido o abastecimento pelas 08 h.50m desse dia 07 de Julho de 1998. - (art. 45º da B.I.). 57.°) Quando ocorreram as rupturas acima referidas houve infiltrações de água na cave do prédio da Rua Sousa Loureiro. - (art. 46º da B.I.). 58.°) A conduta em questão foi instalada em 1977. - (art. 47º da B.I.). 59.°) A conduta se encontrava instalada sob o passeio, à profundidade de cerca de 90 cm. - (art. 48º da B.I.). 60.°) É possível a uma conduta de F... atingir ou ultrapassar em serviço a idade de 50 anos. - (art. 50º da B.I.). 61.°) O material empregue é capaz de suportar uma pressão de 24 kg/cm2° – (art. 51º da B.I). 62.°) Naquele local a pressão de serviço não poderia, em condições normais de operação de rede, exceder o valor de 6,4 kg/cm2 – (art. 52. ° da B.I.). 63.°) A conduta era vigiada e vistoriada periodicamente pela E.... - (art. 54. ° da B.I.). 64.°) Foram entregues pela autora a “TEC — Companhia de Peritagem” a cópia do modelo 22 do IRC dos anos de 1996, 1997 e 1998, e ainda cópia dos Balancetes do Razão dos anos de 1996, 1997 e 1998. - (art. 60º e 61º da B.I.). 65.°) O Dr. João Rebocho, economista presente na reunião que teve lugar em 27/09/1999 com a autora, considerou que havia erros no preenchimento dos modelos 22 e dos Balancetes. – (art. 62º da B.I.) 66.) O que a TEC veio então a solicitar foi a desagregação da conta 711 do Balancete que tinha sido incorrectamente preenchida e os pedidos de anulação das encomendas por parte dos clientes. – (art. 63º da B.I.). Fundamentação: Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto o recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber: - se a actividade exercida pela Ré E... deve, no caso em apreço, ser considerada uma actividade perigosa; - se é responsável pela indemnização dos danos causados a Autora/recorrida; - se, a manter-se a condenação, deveria ser a seguradora F... a responsável pelo respectivo pagamento. Vejamos: A Autora demandou as Rés para ser ressarcida dos prejuízos causados no seu estabelecimento, pelo facto de terem ocorrido rupturas nas condutas de água exploradas pela E..., que tem a seu cargo a distribuição domiciliária de água na cidade de Lisboa. A decisão recorrida considerou a Ré E... responsável com fundamento no facto dos danos terem a sua causa no exercício de uma actividade perigosa. Assentou a condenação no preceituado no art. 493º do Código Civil. “1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. 2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”. Constituirá actividade perigosa [a captação, condução e transporte de água potável sob pressão e subterraneamente, nos concretos termos em que o faz a E...], subsumível ao art. 493º, nº2, do Código Civil? Analisando a Jurisprudência são frequentes os casos em que os Tribunais são chamados a decidir questões como a dos autos, tendo como demandada a E.... A recorrente sustenta que a actividade que exerce não pode ser considerada actividade perigosa – nº2 do art. 493º do Código Civil – quer, considerando a sua natureza, quer a dos meios utilizados, e, como tal, é inaplicável este normativo. A sua tese encontra amparo em várias decisões dos Tribunais, mormente deste Supremo Tribunal, não sendo irrelevante considerar que, com inusitada frequência os Tribunais – sobretudo, na comarca de Lisboa e nessa Relação – são chamados a decidir litígios em tudo semelhantes ao que constitui o thema decidendum. Além daquele normativo deve ponderar-se se tal actividade poderá ser enquadrada no art. 492º do Código Civil que estabelece: “1. O proprietário ou possuidor de edifício ou de outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos. 2. A pessoa obrigada, por lei ou negócio jurídico, a conservar o edifício ou obra responde, em lugar do proprietário ou possuidor, quando os danos forem devidos exclusivamente a defeito de conservação”. Este Supremo Tribunal, em dois recursos de que foi comum Relator o Ex.mo Conselheiro Dr. Cardona Ferreira: um de 6.2.1996 e outro de 18.2.1997, publicados, respectivamente, in BMJ 454-697 e 464-502, pronunciou-se sobre questão idêntica à que nos ocupa, tendo precisamente como objecto saber se a ruptura de canalizações da E..., na cidade de Lisboa, [eventos ocorridos nos dias 9.1.1990 e 4.9.1990], constituía actividade perigosa por natureza ou pelos meios utilizados, sendo, então, aplicável o art. 493º, nº2, do Código Civil, ou ruína de obra por defeito de conservação – art. 492º do mesmo diploma. Em ambos os Acórdãos se concluiu pela aplicabilidade do art. 492º do Código Civil. Este Supremo Tribunal, por Acórdão de 12.5.2005 – Proc. 05B932 – in www.dgsi.pt sentenciou: “Uma conduta de água sem evidência de erros técnicos de construção ou montagem não é algo que possa ser havido como perigoso em termos de preencher a previsão do nº2º do art. 493º do Código Civil”. Quer o art. 492º, quer o art. 493º do Código Civil, estabelecem presunções de culpa [e não responsabilidade objectiva], quer de quem tendo a seu cargo algum edifício ou obra ela vier a originar danos, causados por defeito de construção ou de conservação, ou de quem exerce actividade perigosa. A frequência com que os Tribunais são chamados a dirimir litígios em que é parte a E... é, objectivamente, um elemento que evidencia que algo vai mal com a sua actuação, já que, em todos os casos analisados, as rupturas não se deveram a caso fortuito, nem de força maior e, muito menos, a actuação dos lesados. O caso destes autos é paradigmático. Entre 22.12.1197 e 7.7.1998 ocorreram seis rupturas de condutas da E..., na Rua Sousa Loureiro, em Lisboa, onde a Autora tem o seu estabelecimento. Em todos os casos foi dado conhecimento à E... que acorreu ao local e estancou a água. Não obstante tais intervenções os acidentes sucederam-se, com insólita cadência, em Dezembro de 1997 e Março, Abril, Junho e Julho (duas vezes) no ano de1998 – cfr. C) dos factos Assentes. Será que à luz dos factos provados se poderá considerar que os acidentes se devem à perigosidade da actividade exercida pela E..., ou à deficiente conservação da obra – as condutas subterrâneas de água. A perigosidade a que alude o art. 493º, nº2, do Código Civil é uma perigosidade intrínseca da actividade exercida, quer pela sua natureza, quer pelos meios utilizados, perigosidade que deve ser aferida a priori e não em função dos resultados danosos, em caso de acidente, muito embora a magnitude destes possa evidenciar o grau de perigosidade da actividade ou risco dessa actividade. Não repugnaria considerar que o transporte e abastecimento de água a uma cidade como Lisboa (1) , feita através de condutas de fibrocimento, sendo a água conduzida através de tubagens subterrâneas, submetidas a altas pressões com o inerente risco de ruptura, não sendo facilmente monitorizável o estado da rede através de inspecção directa – o que poderia alertar para a iminência de acidente – constitui uma actividade perigosa pela natureza do meios utilizados – a condução sob pressão. A apreciação da perigosidade deve ser feita casuisticamente. Pense-se na hipótese de ocorrer uma ruptura numa zona da cidade mais vulnerável pela antiguidade das suas infra-estruturas. Mas, seguindo a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal, consideramos que não constitui actividade perigosa em si mesma a actividade da E.... As condutas de água como as que a E... utiliza para abastecimento de água à cidade de Lisboa devem considerar-se no conceito de “obra”. Importa então saber se, in casu, a E... deve ser responsabilizada ao abrigo do art. 492º do Código Civil que, estabelecendo um caso de culpa presumida, dispensa o lesado da prova do requisito (culpa), competindo ao onerado com a presunção o ónus de prova de que “não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos”. Mesmo não se tratando de actividade perigosa, compete à E... a conservação e manutenção da rede de distribuição em perfeito estado de segurança, por se tratar de deveres gerais de cuidado, deveres de tráfego, inerentes ao exercício de uma prestação de serviço essencial aos utentes que consigo contratam o abastecimento de água. As coisas, sobretudo imóveis, são passíveis de causar dano, carecendo de vigilância com a inerente prevenção, através da sua atenta manutenção e conservação, a cargo do seu proprietário ou possuidor. O art. 492º do Código Civil estabelece uma inversão do ónus probatório, presumindo a culpa do responsável demonstrado que esteja a vício de construção ou o defeito de manutenção a cargo do lesado pela ruína da obra. Convenhamos que, no caso em apreço, a prova da existência do vício de construção ou defeito de conservação é deveras difícil por parte do lesado, já que não tendo, em regra, conhecimentos técnicos, nem sabendo quais a regras de actuação que são utilizadas pela E..., para aferir do estado das canalizações subterrâneas, lhe é praticamente impossível provar a existência de defeitos de conservação. Daí que ao lesado apenas seja exigível uma prova de primeira aparência do defeito e do nexo de causalidade, sendo de considerar que se ocorre uma ruptura numa conduta de água transportada sob pressão, subterraneamente, e essa ruptura for causadora de danos, e não se devendo tal facto a culpa do lesado, nem a caso fortuito ou de força maior, existiu defeito de conservação. No “Código Civil Anotado”, Pires de Lima e Antunes Varela, vol. I, pág. 495, em comentário ao art. 492º do Código Civil, escrevem: “ Estabelece-se neste artigo, como no anterior e no seguinte, uma mera presunção de culpa, e não a responsabilidade objectiva do proprietário ou possuidor. Estes podem fazer a prova de que não tiveram culpa ou de que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos… …O nºl refere-se a edifícios ou outras obras. Estão, portanto, incluídos os muros ou paredes divisórias dos prédios, as pontes, os aquedutos, os canais, as albufeiras, uma coluna, um poste, uma antena, um andaime, etc. O que é necessário é que a obra esteja unida ao prédio ou ao solo e não se trate de uma coisa móvel, como um vaso colocado à janela”. Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações”, vol. I, pág. 327, também sobre o art. 492º do Código Civil, ensina: “A posição de alguma doutrina (…), seguida unanimemente pela jurisprudência (…) é a de que a aplicação desta presunção de culpa depende da prova de que existia um vício de construção ou um defeito de conservação no edifício ou obra que ruiu, prova essa que, de acordo com as regras gerais, deveria ser realizada pelo lesado. Discordamos, no entanto, salvo o devido respeito, dessa orientação, uma vez que fazer recair esta prova sobre o lesado equivale a retirar grande parte do alcance à presunção de culpa. Salvo no caso de fenómenos extraordinários, como os terramotos, a ruína de um edifício ou obra é um facto que indicia só por si o incumprimento de deveres relativos à construção ou conservação dos edifícios, não se justificando por isso que recaia sobre o lesado o ónus suplementar de demonstrar a forma como ocorreu esse incumprimento. É antes o responsável pela construção ou conservação que deve genericamente demonstrar que não foi por sua culpa que ocorreu a ruína do edifício ou obra — nomeadamente pela prova da ausência de vícios de construção ou defeitos de conservação ou que os danos continuariam a verificar-se, ainda que não houvesse culpa sua. O fundamento desta responsabilização não se baseia no perigo causado pelos imóveis ou no proveito deles retirado pelo seu proprietário ou possuidor, não sendo por isso uma hipótese de responsabilidade objectiva. Trata-se antes de uma responsabilidade subjectiva fundada na violação dos deveres a observar na construção e na conservação de edifícios ou outras obras (deveres de segurança no tráfego), a qual é agravada através de uma presunção de culpa”. [destaque e sublinhados nossos]. Se é feita a prova de que, numa dada zona, no caso dos autos na mesma rua, localizada da cidade de Lisboa, se verificaram várias rupturas na canalização a cargo da E..., antes e depois daquela que originou os danos em causa, deve concluir-se que não houve uma conservação/manutenção eficaz das condutas de distribuição de água pela empresa concessionária. Assim, não está ilidida a presunção de culpa dos artigos 492º, nº1, do Código Civil. Não é abusivo afirmar que, tendo a E... reparado na mesma rua seis sinistros, em curto espaço temporal e, após essa reparação, voltaram a ocorrer rupturas da tubagem, a sua actuação não foi proficiente, porque não eliminou o risco de acidente. Os factos são eloquentes e insofismáveis – por seis vezes no caso dos autos – a E... procedeu a reparações nas condutas que, contudo, não eliminaram os defeitos de que padeciam, pois que, de outro modo – ante a inexistência de caso fortuito ou de força maior – as reparações deveriam ter solucionado o problema. Do Regulamento Geral do Abastecimento de Água, aprovado pela Portaria nº10.367, de 14.4.43, VIII-56, e dos arts.8º, nº1º, do DL 553-A/ 74, de 30.10, 8º, nº3º, do DL 190/81, de 4.7, e 2º, nº1º, do DL 230/91, de 21.6, resulta que a E... tem a obrigação de manter em bom estado o seu equipamento comprometido com a canalização de água, atento o serviço público que lhe está confiado. Os factos apontam para que, não obstante a vigilância a que a E... procedia periodicamente – item 63) dos factos provados – ela não foi suficiente, nem idónea à prevenção de acidentes. A ter sido os acidentes não ocorreriam com a frequência com que ocorreram., o que aponta para a não ilisão da presunção de culpa. Quando alguém tem contra si uma presunção de culpa, esta tem de ser ilidida pela prova do contrário, ou seja, de factos que a excluam. Ruindo a obra, no caso ocorrendo ruptura numa conduta de água, sem que se demonstre a existência de caso fortuito ou de força maior, ou culpa do lesado, não tendo o responsável feito a prova de que não houve culpa sua, ou que mesmo que tivesse adoptado a diligência devida o evento danoso teria ocorrido, há que concluir pela sua culpa presumida, reportada ou a vício de construção ou a defeito de conservação. A E... é, pois, responsável pela indemnização dos danos causados à Autora/recorrida. Sustenta a recorrente que deve ser mantido o sentenciado na 1ª Instância (que a Relação alterou), quanto à responsabilidade da Ré F..., tendo em conta o contrato de seguro, maxime, a Cláusula 5ª. Consta nos itens 19) e 20) dos factos provados – com referência à apólice de fls. 104 a 109: “Nos termos da cláusula 5. das condições particulares foi contratada uma franquia a cargo da seguradora de 1.500.000$00 por sinistro”. “O contrato titulado pela apólice em causa vigora em regime de co-seguro, pois o risco foi assumido conjuntamente pela contestante e pela Companhia de Seguros T..., S.A., na proporção de 80% e 20%, respectivamente”. A Relação considerou que, tendo havido seis sinistros, a franquia é de 9.000.000$00 [1.500.000$00 x 6]. Na decisão da 1ª instância implicita-se que se considerou apenas uma franquia, a prevista no contrato – cfr. itens 1. 2. e 4. da condenação. No Acórdão recorrido foram alterados aqueles itens, decorrendo do Acórdão, que se considerou que a franquia total é de 9.000.000$00 (€ 44.891,81), por terem sido seis os sinistros, sendo a franquia de cada sinistro de 1.500.000$00 [€ 7.481,97], assim procedendo a pretensão da Ré F.... Esta, nas alegações para a Relação, afirmou a fls. 772: “ […] Assim, cada ruptura representa um sinistro. E porque não é possível imputar a cada uma dessas rupturas determinados danos, então terá de se considerar terem ocorrido seis sinistros e, consequentemente, a franquia terá de actuar outras tantas vezes, tal como contratado. Assim, a ora apelante e a interveniente T..., S.A., dado o contrato ter sido celebrado em regime de co-seguro, apenas responderão se os prejuízos demonstrados pela autora forem superiores a 9.000.000$00 (ou seja, a € 44.891.81). Ainda que assim não fosse sempre teria a sentença recorrida de referenciar cada dano a uma determinada inundação, o que não fez, antes pelo contrário”. Vejamos: Consta provado que, entre 22.12.1997 e 7.7.1998, houve seis rupturas nas condutas da E... que provocaram danos à Autora. Com o devido respeito, não consideramos que dos factos provados se tenha almejado prova convincente sobre o valor dos danos provocados por cada uma das rupturas. No item 10) dos factos provados, consta que - “Em 11 de Fevereiro de 1998 foi feito o orçamento a fls. 16 à Autora onde foi orçamentada a quantia de Esc. 380.000$00, para arranjo do pavimento, fornecimento e colocação de mosaicos, alcatifa, borracha e rodapé e para o arranjo e pintura de paredes”. Anteriormente a essa data, tinha ocorrido a primeira ruptura, no dia 22.12.1997, pelo que em relação a esse sinistro pode considerar-se que os danos são os referidos naquele item 10). Apesar do que consta provado nos itens 15), 29) e 38) não se consegue, com rigor, saber quais os danos que cada sinistro provocou, sendo até que, no item 38), consta que a Autora deixou de satisfazer encomendas no valor aí indicado, fazendo-se referência às “inundações ocorridas entre 22.12.1997 e 7.7.1998” – ou seja, o valor indicado tem em conta a soma total dos danos relativamente às seis inundações ou sinistros – pelo que não se provou qual o valor dos danos provocados por cada sinistro. A Relação, exceptuando o caso dos danos aludidos no item 10), considerou – “A matéria de facto apurada não permite esclarecer a que sinistro ou sinistros em concreto se reporta a danificação dos aludidos metros de tecido. Assim, admitindo, como sugere a resposta ao quesito [(refere-se ao quesito) 12º – item 30) dos factos provados)], que a cada sinistro correspondeu uma quota parte de danificação do tecido, temos que a responsabilidade das seguradoras apenas actuará na parte do dano que exceda 9.000.000$00 (€ 44.891,81)”. A franquia é o montante que em caso de sinistro fica a cargo do segurado. Com o devido respeito, para dirimir a questão importa saber se, atenta a especificidade do caso, se deve considerar que ocorreram seis sinistros, sendo por cada um devida a franquia de 1.500 contos na velha moeda, ou se se deve considerar que existiu um único sinistro. Naturalisticamente houve seis eventos danosos, mas, uma vez que a sua proximidade temporal e a razão de ser deles está intrinsecamente ligada a uma única causa – a ruptura dos tubos condutores da água – consideramos que, para efeitos de franquia, apenas se deve considerar um único sinistro e não seis. Sendo avultada a franquia por cada sinistro, considerar a existência de seis sinistros no caso concreto, seria afectar o equilíbrio das prestações assumidas entre seguradora e segurado, mais a mais, não se tendo provado qual o valor dos danos de cada inundação provocada pela ruptura dos canos, o que aponta para que a indemnização pedida pela Autora se reporta ao sinistro “inundação”, provocado pela ruptura da canalização da E.... Esta é a interpretação que melhor se compagina com a regra do art. 237º do Código Civil e com o subjacente princípio da boa-fé [na execução dos contratos] – art. 762º, nº2, do Código Civil. Assim, e com o devido respeito, nesta parte o Acórdão não pode manter-se. Pelo quanto dissemos, confirma-se a condenação da Ré E..., muito embora consideremos ser aplicável o preceituado no art. 492º do Código Civil, e não o estatuído no art. 493º, nº2, do mesmo diploma. Decisão: Nestes termos, concede-se parcialmente a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, no que respeita à alteração dos pontos 1), 2), e 4) da sentença proferida na 1ª Instância, ficando a valer o aí a propósito decretado, considerando-se que a franquia a ter em conta é [de 1.500.000$00] - € 7.481,97. Custas, nas Instâncias e neste Tribunal, na proporção do decaimento. Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Abril de 2008 Fonseca Ramos (Relator) Cardoso Albuquerque Azevedo Ramos _________________ (1) No site –“Portal do Governo” refere-se que a E... é “responsável pelo abastecimento de água à Grande Lisboa, assegurando o abastecimento de 2.394.000 pessoas”. |