Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | MOREIRA CAMILO | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA ASSINATURA ASSINATURA A ROGO USURA ANULABILIDADE | ||
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Nº do Documento: | SJ200805060011871 | ||
Data do Acordão: | 05/06/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - Tendo a Ré aposto a sua impressão digital no contrato-promessa para, juntamente com seu marido, ser titular dos direitos decorrentes desse contrato e assumir as obrigações dele resultantes, não está aqui em causa o reconhecimento de uma assinatura feita a rogo e a aplicação do artigo 154º do Código do Notariado, pois ninguém assinou a rogo da Ré. II - Assim sendo, não se coloca a questão da leitura ou da explicação do conteúdo do contrato (cfr. nº 2 do citado artigo 154º), sendo certo que não estamos perante qualquer contrato de adesão. III - Antes, estamos perante um contrato livremente celebrado pelos respectivos outorgantes, em obediência ao princípio da liberdade contratual previsto no artigo 405º do Código Civil, sendo que qualquer contrato deve ser pontualmente cumprido (cfr. artigo 406º, nº 1, do mesmo diploma), já que não estamos perante qualquer situação de usura que possa conduzir à anulabilidade do contrato-promessa e o arrependimento dos outorgantes não releva juridicamente. | ||
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Decisão Texto Integral: | I – No Tribunal Judicial de Ponta Delgada, Electricidade dos Açores, S.A., em acção com processo ordinário, intentada contra AA e mulher BB, pediu que, com a procedência da acção, se profira “sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos faltosos RR, declarando-se a transmissão da gleba de terreno identificada em 3 supra a favor da A.”. Para fundamentar a sua pretensão, invoca a celebração de um contrato-promessa entre as partes, com o preço acordado integralmente pago na data de tal celebração (30.04.2004) e com cláusula de execução específica, bem como a recusa dos Réus em outorgarem a escritura do contrato definitivo de compra e venda da parcela de terreno que é objecto do contrato-promessa. Na sua contestação, os Réus arguiram a excepção dilatória de ilegitimidade da Ré, com o fundamento de que não é parte do contrato celebrado, e defenderam a improcedência da acção, invocando factualidade que, na sua óptica, implicam a nulidade ou a anulabilidade do contrato-promessa em causa. Após a réplica da Autora, os Réus apresentaram uma tréplica, articulado que viria a não ser admitido. No despacho saneador, foi decidido julgar-se improcedente a excepção de ilegitimidade da Ré. A final, foi proferida sentença, segundo a qual se decidiu:”julgo a presente acção procedente e, como tal, supro a declaração de venda em falta, dos réus à autora, pelo preço de 17.458,00 €, de uma gleba de terreno com a área de 1158 metros quadrados do imóvel constituído por 7140 metros quadrados de área total, sito ao Calço da Má Cara, Rua da Arquinha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número 266/Matriz, e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 84, secção nº 3”. Após apelação dos Réus, foi, no Tribunal da Relação de Lisboa, proferido acórdão, nos termos do qual o recurso foi julgado improcedente, mantendo-se o decidido na 1ª instância. Ainda inconformados, vieram os Réus interpor o presente recurso de revista, o qual foi admitido. Os recorrentes apresentaram alegações, formulando as seguintes conclusões: 1ª – A impressão digital só é válida se for aposta presencialmente perante notário e este fizer menção de que o rogante não sabe ou não pode assinar no próprio acto do reconhecimento da assinatura e depois de lido o documento ao rogante. 2ª – Não tendo resultado provado que o contrato foi lido e explicado o seu conteúdo aos RR., o contrato é nulo e de nenhum efeito. 3ª – Para haver lugar a execução específica, é necessário que as partes atribuam eficácia real e procedam à inscrição no registo, devendo constar de escritura pública a promessa a que as partes atribuam eficácia real, mas 4ª – Não tendo as partes atribuído eficácia real ao contrato, gozam do direito de arrependimento, com as consequências inerentes ao incumprimento contratual, devolução em dobro se este ficar a dever ao promitente vendedor, perda do sinal no caso do arrependimento se ficar a dever ao promitente comprador. Sem prescindir, 5ª – O R. tinha à data do contrato 90 anos e a Ré esposa 70. 6ª – Não sabem ler, nem escrever, e apenas o R. AA sabe assinar o seu nome. 7ª – A gleba de terreno do contrato celebrado situa-se na cidade de Ponta Delgada, em zona privilegiada e de grande expansão urbanística, quer junto do maior hospital dos Açores, quer do maior centro comercial da Região, quer da própria Ré (ter-se-á querido escrever Autora), concessionária da electricidade dos Açores. 8ª – O terreno dos RR., não obstante ser rústico, é apto para a construção urbana, tendo projectados 9 lotes. 9ª – A venda da parcela de terreno à Ré (ter-se-á querido dizer Autora) inviabiliza a construção de quatro dos noves lotes. 10ª – O custo do terreno para a construção na zona em que se insere o terreno é de cerca de 350,00 € m2, ou seja, cerca de 20 vezes mais do que o preço “acordado” para a venda. 11ª – O R. AA foi contactado inúmeras vezes por representantes da A. antes de assinar o contrato e só o fez porque estes lhe disseram que o teria que alienar forçosamente, por acordo ou por expropriação. 12ª – O R. AA não queria vender o prédio, só o tendo prometido vender pelo preço que acordou porque estava convencido que caso aquele viesse a ser expropriado, o que tinha por certo, não receberia preço superior ao ajustado. 13ª – Os RR. não têm qualquer experiência em negócios de compra e venda de terrenos. 14ª – O facto do terreno ser rústico no momento do contrato, insere-se todavia em plena zona urbana estando na esfera da disponibilidade dos proprietários o deixar de o ser a qualquer momento. 15ª – O que conta não é o que o terreno é, mas aquilo que vale de acordo com o potencial e a finalidade que lhe poderá vir a ser atribuído e dele se extrair. 16ª – E tanto assim que a A. não o quer para semear couves, batatas ou repolhos. Quere-o para fins comerciais e industriais. 17ª – O terreno dos RR. é potencialmente um terreno urbanizável dotado de óptimos acessos, com rede de abastecimento de água e luz, curiosamente precisamente de cada um dos lados, e de saneamento. 18ª – O valor do solo apto para construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efectuar se não tivesse sido sujeito à venda forçada, num aproveitamento económico normal. 19ª – Significa isso que, com a privação da área objecto do contrato promessa, os RR. deixaram de poder vender 4 lotes de terreno e de, pelo menos, receber 349,160,00 €, contra os 17.458,00 € que a A. lhe quer dar. 20ª – Não fora a idade, estado mental e inexperiência dos RR. e jamais teriam assinado tão ruinoso e desproporcional contrato. 21ª – Ninguém pode ser forçado a ter que vender o que não quer, e, mesmo que o seja através de expropriação, o expropriante está obrigado a pagar a justa indemnização. 22ª – No caso dos autos, além de forçados, o preço foi tudo menos justo. Foi um roubo, roubo, inclusivé, punível penalmente nos termos do art. 226º do Código Penal. 23ª – Assim não o tendo entendido, a douta sentença recorrida (?) violou, entre outros, o disposto nos arts. 410º, 2 e 3, 413º, 830º, 342º, todos do Código Civil, 51º e 154ºdo Código do Notariado e arts. 1º, 23º, alíneas a), b) e d), do art. 25º do Código das Expropriações, aplicável por analogia. Pede, assim, que o presente recurso seja julgado procedente, por provado, e, por via dele, se substitua a sentença proferida (?) por outra que absolva os RR. do pedido. Contra-alegou a recorrida, defendendo a confirmação do acórdão impugnado. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos: 1. No dia 30 de Abril de 2004, a Autora e os Réus celebraram um contrato-promessa de compra e venda, conforme documento de fls. 112 a 115 que se dá aqui por reproduzido para os devidos efeitos legais, com pedido de registo de aquisição efectuado na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada. 2. Através deste contrato, os Réus prometeram vender à Autora uma gleba de terreno com a área de 1.158 metros quadrados do imóvel constituído por 7.140 metros quadrados de área total, sito ao Calço da Má Cara, Rua da Arquinha, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o número 266/Matriz e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 84, secção nº 3, pelo preço de € 17.458,00. 3. Os Réus já receberam o preço, na sua totalidade, da Autora. 4. Foi, igualmente, convencionado entre a Autora e os Réus que a escritura pública de compra e venda da respectiva gleba de terreno seria realizada no dia 24 de Janeiro de 2006, no Cartório Notarial do concelho de Lagoa, pelas 10.00 horas. 5. No dia, hora e local referidos, os Réus não compareceram para a outorga da respectiva escritura pública de compra e venda, que não se realizou. 6. Os Réus, no dia 23 de Janeiro de 2006, informaram aquele Cartório Notarial de que esta escritura não se iria realizar. 7. Informaram ainda a Autora de que não outorgariam qualquer escritura de compra e venda da gleba de terreno que prometeram vender, razão pela qual exigem a resolução do contrato-promessa. 8. A Autora exerce a actividade de produção, aquisição, transporte, distribuição e venda de energia eléctrica, sendo a concessionária do transporte e distribuição de energia eléctrica para a Região Autónoma dos Açores, por contrato de concessão outorgado em respeito pela Resolução nº 181/00, de 12 de Outubro, publicada no Jornal Oficial, I Série, nº 41/2000. 9. A Autora liquidou o respectivo imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis. 10. Os Réus são casados sob o regime da comunhão geral de bens. 11. São pessoas idosas, tendo o Réu AA a idade de 90 anos, enquanto a esposa BB tem 70. 12. A Ré BB não sabe assinar, o que consta do seu bilhete de identidade. 13. A Ré BB fez constar com o seu dedo, apondo a sua impressão digital, no contrato-promessa referido (esclarece-se que se reporta ao facto de não saber assinar, como decorre do nº 13 da réplica, deficientemente transposto para a alínea M) dos Factos Assentes). 14. Nenhuma das assinaturas constantes do contrato referido foi objecto de reconhecimento presencial. 15. Em 12 de Dezembro de 2003, no Cartório Notarial de Lagoa, os Réus outorgaram escritura pública de distrate da doação que realizaram ao seu filho, relativamente ao terreno prometido vender pelo contrato-promessa. 16. O contrato-promessa referido foi sujeito a registo predial, passando a estar descrito na Conservatória do Registo Predial de Ponta Delgada sob o nº 1435/Matriz. 17. A Autora ficou investida na posse do imóvel, a fim de nele iniciar as obras destinadas à ampliação de uma subestação, propriedade da Autora. 18. A Autora construiu um muro a vedar o terreno em causa. 19. A ampliação da subestação é essencial para os interesses da Autora. 20. A Ré BB interveio no negócio apondo a sua impressão digital. 21. O custo do terreno para construção na zona em que se insere o terreno é de cerca de 350 €/m2. 22. O Réu AA foi contactado inúmeras vezes por representantes da Autora antes de aceitar vender o terreno pelo preço por estes oferecido. 23. Foi-lhe dito por aqueles que o teria de alienar forçosamente, por acordo ou mediante expropriação. 24. O AA não queria vender o prédio, só o tendo prometido vender pelo preço que acordou porque estava convencido que, caso aquele viesse a ser expropriado, o que tinha por certo, não receberia preço superior ao ajustado. 25. Caso seja aprovada construção no terreno, este valerá cerca de vinte vezes mais do que o preço acordado para a venda. 26. Os Réus não têm experiência em negócios de compra e venda de terrenos. 27. A venda do terreno inviabiliza a construção de quatro dos lotes de possível loteamento com nove lotes que poderia ser implantado no prédio do qual aquele foi destacado, caso o mesmo viesse a ser aprovado. 28. O Réu enviou à Autora um cheque do valor que havia recebido pelo terreno. 29. A gleba de terreno está como sempre esteve, ou seja, sem quaisquer obras, a não ser os muros que a Autora fez. 30. Em 1996, os Réus doaram ao filho o prédio em que o terreno se insere, bem como outros três prédios, doação que veio a ser distratada na escritura referida. 31. O contrato foi redigido, previamente, pelos serviços da Autora e apresentado aos Réus para subscrição, sendo certo que estes sabiam que o mesmo se destinava à venda da parcela nele descrita e conheciam o preço estipulado. 32. Em 18 de Outubro de 2005, o Réu AA subscreveu requerimento que lhe foi apresentado por representantes da Autora, no qual era pedida a desanexação do terreno que prometera vender. III – 1. Segundo o nº 1 do artigo 410º do Código Civil, “À convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa”. Trata-se, assim, de um contrato que tem por objecto uma obrigação de prestação de facto, que consiste precisamente na celebração do contrato prometido, através da emissão das declarações negociais que lhe são próprias, formalizadas ou não consoante os requisitos de forma consignados na lei. Respeita sempre, funcionalmente, a outro negócio, o qual constitui o seu objecto. Logo, o objecto imediato do contrato-promessa consiste na realização do contrato prometido, sendo o deste último objecto mediato daquele. “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida” – artigo 830º, nº 1, do citado diploma. 2. Postos estes princípios legais, e sendo as conclusões delimitadoras do objecto do recurso (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº1, do Código de Processo Civil/CPC), diremos que os recorrentes praticamente reproduzem ipsis verbis o que consta das conclusões apresentadas no seu recurso de apelação interposto da sentença proferida na 1ª instância, esquecendo que o que estão a impugnar é o acórdão da Relação e não aquela sentença e chegando mesmo ao ponto de referir que a sentença recorrida violou determinados preceitos legais e que se deve substituir a sentença por outra que os absolva do pedido. Assim sendo, e apesar da deficiente alegação (com respectivas conclusões) dos recorrentes, temos de reconhecer que estes pretenderam suscitar no presente recurso de revista as mesmas questões que colocaram perante a Relação, que são as seguintes: - nulidade do contrato-promessa (ao contrário do entendimento da Relação, temos como certo que já não estava questionada a questão da falta de legitimidade da Ré, pois, tendo a mesma sido suscitada na contestação, foi tal excepção dilatória julgada improcedente no despacho saneador, decisão esta que, por não ter sido impugnada, transitou em julgado, constituindo caso julgado formal, nos termos do artigo 510º, nºs 1, a), e 3, 1ª parte, do CPC); - anulabilidade do contrato-promessa por usura. 3. No tocante à primeira das enunciadas questões, pode ler-se no acórdão recorrido: “Tendo ficado assente que a Ré subscreveu o contrato em análise, está ultrapassada, como assinalou a sentença recorrida, a invocada ilegitimidade da mesma Ré. Não se levantando dúvidas sobre a autenticidade da impressão digital aposta no contrato-promessa pela Ré, fica também prejudicada a arguida nulidade, por a mencionada impressão digital não ter sido aposta com presença notarial. Quanto à alegada falta de eficácia real, como se sabe é facultativa e só é exigível se os contratantes quiserem que o acordado produza efeitos em relação a terceiros – por todos veja-se Calvão da Silva, na sua obra “Sinal e Contrato-Promessa”, recentemente revista e actualizada (12ª edição), Almedina, fls. 20 a 22-. Por último, diga-se que a prova carreada para os autos demonstra que os RR. tiveram conhecimento dos elementos essenciais do negócio em discussão, estando cientes não só do preço como da razão por que aceitaram aliená-lo. Não se vislumbra, pois, a ilegitimidade e nulidade alegadas pelos RR.”. 4. Referem os recorrentes que o facto de a Ré ter aposto a sua impressão digital no contrato não significa que soubesse o conteúdo e alcance do que estava escrito no papel que lhe deram para pôr a sua assinatura digital. Mais dizem que, para que isso fosse verdade, e o contrato válido, era necessário que a assinatura fosse reconhecida por reconhecimento presencial, confirmado ou dado perante o notário, com a menção de que o rogante não sabe ou não pode assinar, no próprio acto de reconhecimento da assinatura e depois de lido o documento ao rogante (artigo 154º do Código do Notariado), e que não resulta provado em parte alguma que o contrato foi lido aos Réus e que estes tivessem por bom o seu conteúdo. Não lhes assiste a mínima razão. Do elenco de factos provados já resulta que ambos os Réus foram outorgantes do contrato-promessa em causa, na qualidade de promitentes-vendedores. Não concordando com tal conclusão, logo consubstanciada nos Factos Assentes, apresentaram os Réus uma reclamação, ao abrigo do disposto no artigo 511º, nº 2, do CPC. Sobre tal reclamação, recaiu o despacho de fls. 183, a indeferir, nessa parte, tal reclamação, aí, a dado passo, se podendo ler: “Salvo o devido respeito, não se concorda com os RR, pois, por um lado, do documento junto aos autos retira-se que o mesmo foi assinado por ambos os RR e por outro lado do teor do documento resulta que a indicação de primeiros contraentes é sempre feita no plural”. Poderiam os Réus impugnar este despacho no recurso que interpuseram da decisão proferida na 1ª instância a julgar procedente a acção (cfr. nº 3 do citado artigo 511º), mas não o fizeram de forma expressa, se bem que persistissem na alegação de que o contrato é nulo por essa e outras razões. Admitindo-se que a Ré não outorgou o contrato-promessa, a verdade é que não lograram os Réus provar que ela não deu o seu consentimento à venda do terreno que é objecto de tal contrato, como resulta da resposta restritiva dada ao quesito 4º da base instrutória. Aliás, os factos provados demonstram que a Ré aceitou integralmente os termos do contrato, nomeadamente recebendo, juntamente com o Réu, seu marido, o preço estipulado no contrato. Logo, a questão da aposição ou não da impressão digital estaria prejudicada. De qualquer forma, tal aposição – aceite pelos Réus – confirma plenamente a sua qualidade de outorgante do contrato-promessa, como bem entenderam as instâncias. Não está aqui em causa o reconhecimento de uma assinatura feita a rogo e a aplicação do artigo 154º do Código do Notariado, pois ninguém assinou a rogo da Ré, tendo esta se limitado a apor a sua impressão digital no contrato para, juntamente com seu marido, ser titular dos direitos decorrentes desse contrato e assumir as obrigações dele resultantes. Assim sendo, não se coloca aqui a questão da leitura ou da explicação do conteúdo do contrato (cfr. nº 2 do citado artigo 154º), sendo certo que não estamos perante qualquer contrato de adesão. 5. Passemos à questão da usura. Segundo o nº 1 do artigo 282º do Código Civil, “É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados”. Depois de se descrever o que consta da sentença da 1ª instância e de se recordar o que se provou quanto às circunstâncias que rodearam o negócio (Factos supra enunciados sob os nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 24, 25, 26 e 27), escreveu-se no acórdão recorrido: “Valorando esta prova, podemos dizer com segurança que não foi a avançada idade dos RR., nem a sua inexperiência em matéria negocial que os levaram a subscrever o contrato. Tudo leva a crer que se decidiram por aceitar o preço proposto porque, “o R. estava convencido que, caso aquele viesse a ser expropriado, o que tinha por certo, não receberia preço superior ao ajustado.” Daí que a sentença objecto de recurso ponha o “dedo na ferida” ao apontar como causa para a recusa dos RR. em efectuar a escritura, a perspectiva de, futuramente, no terreno em disputa ser autorizada construção, o que tornaria o seu valor cerca de vinte vezes maior. Não se apurou, pois, que a A. tenha actuado de má fé, aproveitando-se da citada inexperiência negocial dos RR.. Antes, como se frisou, provou-se que os RR., posteriormente e perante a perspectiva de valorização do terreno prometido vender à A., deixaram de ter interesse em concretizar a sua prometida venda. Acontece que tal desinteresse não é tutelável em termos de direito – estamos no domínio do risco de qualquer negócio livremente celebrado entre as partes”. Em anotação ao aludido artigo 282º do Código Civil, diz o Conselheiro RODRIGUES BASTOS (Notas ao Código Civil, Vol. II, págs. 39 e 40: “Primeiramente tem de se verificar a obtenção de promessa ou concessão de benefício excessivo ou injustificado. Para apreciar esse carácter excessivo ou injustificado há que considerar o valor objectivo das prestações, calculado em obediência aos critérios gerais dominantes no momento de contratar, tendo em vista as conjunturas desse momento e a maior ou menor segurança que reina no mercado, como ensina a doutrina suíça. Esse será o elemento objectivo a ter em conta. Mas além deste, requer-se, também, a constatação doutro elemento, de natureza subjectiva, que consiste na exploração consciente, por uma das partes, da necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, deficiência mental ou fraqueza de carácter da outra no momento de contratar. Não é preciso que o beneficiado induza o outro contraente a praticar o acto; baste que se aproveite conscientemente da sua situação de inferioridade, para auferir um benefício excessivo”. Pode ler-se na sentença da 1ª instância: “In casu, a desproporção entre o preço de venda e o valor real do terreno vendido reporta-se a uma eventualidade, qual seja a virtualidade construtiva no mesmo. Só verificada essa hipótese, valerá este cerca de vinte vezes mais do que o preço acordado para a venda. Não se tendo provado que o terreno tem tal potencialidade, não é legítimo concluir da manifesta discrepância entre o valor real e o valor por que foi prometido vender o terreno. A prova de tal facto incumbiria aos réus – cfr artigo 342º, nºs 1 e 2, do Código Civil. Falhando este requisito objectivo, por maioria de razão se terá de afastar o relativo ao aproveitamento consciente e intencional, por parte da autora, de especial debilidade dos réus em termos negociais. Na verdade, só se pode censuravelmente aproveitar quem retira vantagens excessivas. Pressuposto que, como vimos, não é possível retirar da factualidade apurada”. 6. Concorda-se inteiramente com o exposto. Na verdade, não estamos perante qualquer situação de usura que possa conduzir à anulabilidade do contrato-promessa. Antes, estamos perante um contrato livremente celebrado pelos respectivos outorgantes, em obediência ao princípio da liberdade contratual previsto no artigo 405º do Código Civil, sendo que qualquer contrato deve ser pontualmente cumprido (cfr. artigo 406º, nº 1, do mesmo diploma). Ao contrário do que defendem os recorrentes, a execução específica prevista no artigo 830º do Código Civil não exige que ao contrato haja sido atribuída eficácia real e que haja inscrição da mesma no registo. Acresce, por fim, que, efectivamente, e como alegam, os recorrentes têm direito ao arrependimento. Só que tal arrependimento não releva juridicamente. 7. Resulta do exposto que não colhem as conclusões dos recorrentes, tendentes ao provimento do recurso, pelo que o acórdão recorrido terá de se manter. Não se mostram, assim, violados os normativos legais apontados pelos recorrentes (não compreendemos a chamada à colação que fazem de preceitos do Código das Expropriações, referentes a processos de carácter litigioso). IV – Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 6 de Maio de 2008 Moreira Camilo (Relator) Urbano Dias Paulo Sá |