Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
O AA, SA intentou, no dia 11 de Setembro de 2003, acção executiva para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra BB - Construções Imobiliárias, SA, CC, DD e EE, com base em três livranças, a fim de haver deles a quantia de € 36 162,85, e juros.
Os executados deduziram, no dia 27 de Outubro de 2003, embargos de executado, alegando, em síntese, que não apuseram as assinaturas no verso das livranças dadas à execução, nem nelas escreveram dou o meu aval à subscritora.
Em contestação, o embargado afirmou terem as livranças subjacente a solicitação de BB, SA de apoio à tesouraria, aceite o seu valor lançado a crédito na conta dela e que tal operação foi titulada pela subscrição das três livranças, avalizadas pelos embargantes, cujas assinaturas não foram questionadas por qualquer deles ao longo dos diversos contactos ulteriormente mantidos com os seus órgãos.
Os embargantes responderam, mantendo a posição já assumida anteriormente, e a DD foi concedido, por deferimento tácito, o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Seleccionada a matéria de facto controvertida e realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 15 de Junho de 2007, por via da qual foi declarada extinta a instância de embargos relativamente a BB, SA, por haver sido declarada falida, por impossibilidade superveniente da lide, e, na sequência disso, foi também a execução declarada extinta quanto a ela e, no mais, foram os embargos julgados procedentes, com a mesma consequência, não com o fundamento de não terem aposto a sua assinatura no verso das livranças, mas apenas por virtude de o recorrente não ter provado terem os embargantes escrito sobre as assinaturas Dou o meu aval à subscritora.
Apelou o embargado, impugnando também a decisão da matéria de facto, e a Relação, por acórdão proferido no dia 29 de Janeiro, de 2008, negou-lhe provimento ao recurso, do qual o apelante interpôs recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- a expressão idêntica que encimou cada uma das assinaturas dos embargantes tem o mesmo tipo de letra da própria assinatura seguinte, pelo que a autoria da assinatura é comum;
- os recorridos conheciam as condições em que o recorrente admitia financiar a BB, SA, por serem membros do seu conselho de administração e participado pessoalmente nas negociações que conduziram à concessão do financiamento;
- foi exigida a prévia a prestação por ambos de aval a favor da beneficiária e subscritora das livranças, tendo sido nessa qualidade que um e outro as subscreveram no verso, apondo-lhes, ao mesmo tempo, a mencionada expressão e as fazerem chegar, já preenchidas, ao recorrente;
- logo após o seu vencimento, os recorridos iniciaram diligências, formularam propostas e participaram em reuniões no sentido de se chegar a uma solução consensual e fraccionada para a sua regularização, negociações que se prolongaram até depois de os embargos estarem em curso;
- um e outro sempre agiram como avalistas dos títulos de crédito ajuizados, conscientes da responsabilidade que, nessa qualidade, sobre eles impendia;
- assim foi entendido em duas sentenças sobre o mesmo tema e os mesmos intervenientes, já transitadas em julgado, com base em matéria de facto idêntica à vertente;
- no acórdão ulteriormente proferido, foi decidido no sentido de que a aposição das assinaturas constitui manifestação por eles da vontade de avalizar as livranças e que, se assim não fosse, competir-lhes-ia alegar o seu preenchimento abusivo, e não o alegaram;
- não tem lógica nem correspondência com a factualidade apurada a consideração de que aposição das assinaturas em causa podia configurar uma situação de endosso;
- o acórdão violou os artigos 236º, nº 1, do Código Civil, 31º, 2 e 4 e 77º, último parágrafo, da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, pelo que deve ser substituído por outro que julgue os embargos improcedentes.
Respondeu o recorrido DD, em síntese de conclusão:
- as conclusões do recurso versam sobre mateira de facto, que não pode ser alterada – artigo 729º, nº 2, do Código de Processo Civil;
- ao confirmar a sentença proferida pelo tribunal da primeira instância, a Relação aplicou correctamente o direito aos factos provados.
II
É a seguinte a factualidade declarada assente no acórdão recorrido, inserida por ordem lógica e cronológica:
1. Os títulos executivos que servem de fundamento à referida execução são três livranças de onde consta, no local destinado à aposição da assinatura dos subscritores, o carimbo da embargante BB-Construções Imobiliárias, SA e, no verso, a expressão “Dou o meu aval à subscritora” seguida dos nomes dos embargantes CC, DD e EE.
2. DD e CC e CC eram, para o triénio 2001/2004, respectivamente, presidente e vogal do conselho de administração de BB – Construções Imobiliárias, SA.
3. BB, SA submeteu ao embargado, em 28 de Novembro de 2001, um pedido de apoio à sua tesouraria no montante de € 37 409,85, solicitação que foi acolhida e aquele montante lançado a crédito na sua conta, em 3 de Dezembro de 2001, de que dispôs.
4. A dita operação foi titulada pela subscrição por BB, SA das três livranças mencionadas sob 1, a primeira amortizada em 10% e substituída por outra de € 11 222,95, também com vencimento em 5 de Março daquele ano, igualmente subscrita pelos firmantes da primitiva.
5. As assinaturas constantes do verso das livranças resultaram do punho dos embargantes CC e DD.
6. BB, SA enviou à gerência do Banco ......., SA, na Trofa, uma carta datada de 15 de Março de 2002, em que expressou: Em virtude das dificuldades financeiras que a empresa está a atravessar, vimos por este meio solicitar-lhes a liquidação do débito, no valor total de € 44 343,14, em 48 prestações mensais de igual valor, a iniciar em 5 de Junho de 2002, e com a possibilidade de liquidação antecipada sem qualquer penalização. O valor acima mencionado não inclui as letras no valor de € 7 980,76, com vencimento em 25 de Julho de 2002; no valor de € 7 980,76, com vencimento em 25 de Agosto de 2002, de FF; e a do valor de € 9477,16, com vencimento no dia 5 de Maio de 2002, de XTD - Óleos e Lubrificantes, Ldª.
7. As livranças jamais foram questionadas pelos embargantes DD e CC ao longo dos diversos contactos ulteriormente mantidos com os órgãos do embargado no sentido de assegurarem a sua regularização por via consensual, designadamente pelo primeiro que nessas reuniões esteve presente, mas que foram sistematicamente protelando,
III
A questão essencial decidenda é a de saber se CC e DD estão ou não vinculados perante a recorrente ao pagamento do valor inscrito nas livranças que à execução serviram de título executivo.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pelo recorrente e pelo recorrido DD, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- lei adjectiva aplicável à execução e ao recurso;
- a estrutura dos embargos de executado e a distribuição do ónus de prova;
- o quadro fáctico essencialmente relevante no recurso;
- a estrutura da livrança em geral, como título executivo, e nas relações imediatas;
- o regime do aval nas letras e livranças;
- DD e CC devem ou não ser excluídos da responsabilidade derivada do aval?
Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.
1.
Comecemos por uma breve referência sobre a lei adjectiva aplicável à acção executiva, à oposição e ao recurso.
Como a acção executiva foi instaurada no dia 11 de Setembro de 2003, ou seja, antes do dia 15 de Setembro de 2003, não lhe são aplicáveis as normas processuais decorrentes da reforma processual que nessa data entrou em vigor (artigo 4º do Decreto-Lei n.º 199/2003, de 10 de Setembro).
Assim, à acção executiva e à oposição que lhe foi deduzida são aplicáveis as normas adjectivas decorrentes da reforma do Código de Processo Civil que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997 (artigo 16º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro).
Por isso, ainda estamos perante a espécie designada por embargos de executado, a que se reportam os artigos 812º a 820º do Código de Processo Civil, redacção anterior.
Considerando a data em que foi instaurada a mencionada execução, não é aplicável o regime dos recursos decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (artigos 11º e 12º).
São-lhe, com efeito, aplicáveis as pertinentes normas anteriores às que decorrem do referido diploma.
2.
Continuemos, com uma breve análise da estrutura dos embargos de executado e da distribuição do ónus de prova.
A fase declarativa dos embargos de executado, estruturalmente extrínseca à acção executiva, configura-se como contra-acção susceptível de se basear, conforme os casos, em fundamentos de natureza substantiva ou de natureza processual.
É uma fase eventual da acção executiva que assume a estrutura de acção declarativa do tipo de contra-acção tendente a obstar aos efeitos da execução por via da afectação do relevo normal do título executivo, em que o executado pode invocar factos de impugnação e ou de excepção.
O ónus de prova no âmbito dos embargos de executado segue, por isso, o regime decorrente do artigo 342º do Código Civil.
A idónea invocação na fase declarativa da acção executiva em análise de algum facto relativo à falta de algum dos seus pressupostos específicos implica a declaração judicial desse vício e da inadmissibilidade da acção executiva.
Estamos no caso vertente perante uma acção executiva para pagamento de quantia certa baseada em livranças, pelo que a respectiva oposição por embargos é susceptível de assentar na inexistência da própria obrigação exequenda (artigo 816º do Código de Processo Civil).
3.
Prossigamos, com a síntese do quadro de facto essencialmente relevante no recuso em causa.
BB SA, cujo presidente do conselho de administração era DD, e CC seu vogal, submeteu ao recorrente, em 28 de Novembro de 2001, uma proposta de financiamento de € 37 409,85, que foi aceite, e aquele montante lançado a crédito na conta de depósitos da primeira no dia 3 de Dezembro de 2001.
A referida operação foi titulada pela subscrição, a favor do recorrente, por aquela sociedade, das aludidas três livranças, com o valor global de € 36 162,85, tendo a primeira sido amortizada em dez por cento e substituída por outra de € 11 222,95, com vencimento em 5 de Março de 2002, subscrita pelos mesmos sujeitos cambiários.
No verso dos referidos documentos consta a expressão Dou o meu aval à subscritora e, por baixo dela, estão escritos os nomes de EE, DD e CC, sendo que estes dois últimos as apuseram pelo seu próprio punho.
DD e CC não questionaram as referidas livranças nos diversos contactos ulteriormente mantidos com os órgãos do embargado no sentido de assegurarem a sua regularização por via consensual.
Negaram, porém, nos embargos, terem escrito no verso das livranças a expressão Dou o meu aval à subscritora e aposto por baixo dela a sua assinatura.
O recorrente – embargado - demonstrou que aqueles apuseram os seus nomes no verso das livranças, mas não provou que os encimaram com a referida expressão, certo que foi respondido não provado ao quesito em que se perguntou se os embargantes eram os seus autores.
4.
Atentemos agora, em breve súmula, na estrutura das livranças como títulos de crédito e o relevo da relação jurídica subjacente perante a relação jurídica cambiária que dela decorre.
A livrança é um título de crédito à ordem cujo conteúdo envolve a expressão livrança, a promessa pura e simples de pagar determinada quantia, a data e o lugar do pagamento, o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga e a assinatura de quem a passa (artigo 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL).
O beneficiário daquela promessa de pagamento assume a posição de tomador, e de portador enquanto não transmitir a livrança, designadamente por endosso.
O portador de livranças pode exercer os seus direitos de acção contra o subscritor e contra os avalistas, na data do respectivo vencimento, o valor nelas inscrito, juros e despesas (artigos 43º, 1ª e 2ª partes, e 48º, 1ª a 4ª partes e 77º da LULL).
Os avalistas são solidariamente responsáveis para com o portador, que tem o direito de os accionar, individual ou colectivamente, independentemente da ordem por que se obrigaram (artigo 47º, 1ª e 2ª partes, e 77º da LULL).
Assim, as livranças consubstanciam, por via das respectivas declarações cambiárias, por força da lei cambiária, a constituição de obrigações pecuniárias, e, consequentemente, são títulos executivos idóneos à instauração da acção executiva para pagamento de quantia certa (artigo 46º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil).
No quadro da conveniência da fácil circulação dos títulos de crédito, as relações jurídicas cambiárias decorrentes da subscrição de livranças assumem características que as distinguem da generalidade dos negócios jurídicos.
Nesse plano de diferença, ressalta do regime das livranças, no confronto entre as relações jurídicas cambiárias e as relações jurídicas subjacentes, além do mais, os princípios da incorporação e da abstracção.
O princípio da incorporação traduz-se na unidade entre a relação jurídica cambiária e a relação jurídica subjacente, e o princípio da abstracção significa que a primeira vale independentemente da causa que lhe deu origem (artigos 1º, nº 2, 14, 16º, 17º, 20º, 21º, 38º, 39º, 1ª e 3ª parte, 40º, 3ª parte, 50º, 51º e 77º da LULL).
No caso vertente, como foi o próprio recorrente quem accionou os recorridos com base em livranças em que o primeiro figura como beneficiário, BB-Construções Imobiliárias, SA na posição de subscritora, e os outros recorridos como avalistas, estamos no domínio das chamadas relações imediatas, porque estabelecidas entre os respectivos sujeitos cambiários, isto é, sem intermediação de outros intervenientes em razão de endosso.
Assim, as livranças não saíram da tríplice esfera da subscritora, do beneficiário e de quem as assinou no verso. Estamos, por isso, no plano das relações imediatas, em que não há que aplicar as regras próprias dos títulos de crédito, uma vez que não há devida protecção a circulação de boa fé.
É que só no domínio das relações mediatas funciona o princípio da literalidade, segundo o qual a existência e a validade da relação cambiária não podem ser afectadas por via de elementos estranhos aos títulos.
Tudo se passa como se a obrigação cambiária de aval deixasse de ser literal e abstracta, passando a relevar o conteúdo da convenção extra-cartular que se desenvolveu entre o recorrente e BB, SA, por lado, e esta, CC e DD, por outro.
5.
Vejamos, ora, o regime do aval nas livranças, em tanto quanto releva no caso sob apreciação.
O aval está previsto na lei cambiária a propósito das letras e das livranças, nela se prescrevendo que o pagamento de uma livrança pode ser no todo ou em parte garantido por aval de terceiro ou mesmo de um signatário daqueles títulos (artigos e 30º e 77º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças - LULL).
Trata-se de um acto cambiário pelo qual um terceiro ou um signatário da livrança garante o respectivo pagamento por parte de algum dos respectivos subscritores, ou seja, a sua função jurídica é a de garantia do cumprimento de alguma obrigação cambiária.
O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada ou que ele garante, o que significa que a extensão e o conteúdo da obrigação do avalista se afere pela do avalizado, mas não que o aval possa ser considerado uma fiança propriamente dita (artigos 32º, 1ª parte, e 77º LULL).
Se o dador de aval pagar a livrança fica sub-rogado nos direitos emergentes do título para a pessoa a quem foi dado o aval e contra os obrigados para com esta em razão deles, conforme os casos (artigos 32º, 3º parte, e 77º da LULL).
É escrito na própria livrança ou sobre a folha anexa, exprimindo-se pelas palavras bom para aval ou por qualquer fórmula equivalente e é assinado pelo dador do aval (artigos 31º, 1ª e 2ª partes, e 77º, última parte, da LULL).
Considera-se como resultado da simples assinatura do dador de aval aposta na face anterior da livrança, salvo se se tratar das assinaturas do subscritor ou do beneficiário (artigos 31º, 2ª parte, e 77º, última parte, da LULL).
Deve indicar a pessoa por quem se dá; na falta de indicação, entender-se-á ser pelo subscritor da livrança (artigos 31º, 3ª parte, e 77º, última parte, da LULL).
Tal presunção visa a situação em que a pessoa se limita a assinar no anverso da livrança, ou seja, o que é designado por aval incompleto ou em branco. Se a pessoa se limitar a assinar no verso da livrança, assim em quadro de aval incompleto ou em branco, não pode a sua assinatura valer como aval, porque ele afectado fica de nulidade.
Dir-se-á, pois, que se a simples assinatura no verso de uma livrança não puder ser entendida como endosso, também não pode valer como tal.
No caso vertente, porém, estamos perante o aval completo, porque as assinaturas de CC e de DD estão encabeçadas pela expressão Dou o meu aval à subscritora.
No entanto, está em causa a problemática de saber se a circunstância de não ter ficado provado terem sido aqueles assinantes das livranças a escrever a expressão Dou o meu aval à subscritora implica ou não a exclusão de aval à última por eles pretendida.
Esta problemática vai implicar, por um lado, a análise da questão da distribuição do ónus da prova, designadamente no plano das relações imediatas dos sujeitos cambiários envolvidos na complexa relação jurídica cambiária em causa.
6.
Atentemos agora sobre se DD e CC devem ou não ser excluídos da responsabilidade derivada do aval.
A lei não exige que a expressão dou o meu aval à subscritora seja inserida por quem assina na posição de avalista, certo que permite o completamento da livrança, o que é designado por livrança em branco (artigos 10º e 77º, penúltima parte, da LULL).
Recorde-se que estamos perante uma situação de aval completo, e não propriamente perante uma situação de mera assinatura no verso das livranças em termos de se gerar a dúvida sobre se assume a função de endosso ou de aval.
Em relação às assinaturas de DD e de CC no verso das livranças, ficou assente serem da sua autoria; mas não ficou provado que nelas tenham escrito Dou o meu aval à subscritora, nem se as duas assinaturas foram apostas antes ou depois da inserção daquela expressão.
Importa, assim, perante esta situação de facto, determinar sobre se eles assumiram ou não a qualidade de avalistas em relação às livranças em causa.
Na sentença considerou-se que por ter sido impugnada também a autoria da expressão por aval à subscritora, competia ao recorrente a prova de que DD e CC, ao aporem a sua assinatura nas livranças, tiveram conhecimento da referida expressão e do seu alcance e significado em termos de responsabilidade do prestador de aval.
E concluiu-se, invocando o disposto nos artigos 342º, nº 1, e 374º, nº 2, do Código Civil, que por virtude de terem impugnado a aposição por eles daquela expressão no verso das livranças, devia o recorrente provar esse facto, constitutivo do seu direito e, como assim não procedeu, deviam proceder os embargos.
A Relação, com base na circunstância de se ignorar se as assinaturas ocorreram depois da inserção da expressão que as precede e a sua autoria, considerou não poder concluir serem indicadoras de que, com a sua aposição, os seus autores manifestaram a vontade de darem o seu aval, acrescentando que a sua garantia de pagamento por virtude de a sua simples aposição de assinatura no verso dos títulos também podia configurar a realidade jurídica do endosso.
E desvalorizando a referida expressão, invocando o disposto nos artigos 219º e 220º do Código Civil e 32º da Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças, considerou o aval nulo por falta de forma, por causa de as assinaturas constarem do verso das livranças sem indicação da pessoa a quem era dado.
O Assento deste Tribunal de 1 de Fevereiro de 1966, publicado no Diário do Governo, nº 44, de 22 de Fevereiro de 1966, concluiu no sentido de que, mesmo no domínio das relações imediatas, o aval que não indique o avalizado é sempre prestado a favor do sacador.
A situação de facto objecto da causa em que foi proferido o mencionado Assento é diversa daquela que é objecto do recurso de revista em análise, certo que se reportou a um caso de aval em letra de câmbio que se traduziu em assinatura de terceiro que não o sacador ou aceitante no respectivo anverso.
Em consequência, a solução jurídica que resulte deste acórdão, face à diversidade de núcleo de facto relevante, é insusceptível de contrariar o que foi decidido no referido Assento.
Abstraindo da expressão Dou o meu aval à subscritora, as assinaturas apostas no verso da livrança em causa, em abstracto, podiam integrar o conceito de endosso ou de aval (artigos 11º, 13º, 30º e 31º da LULL).
Com efeito, o endosso pode não designar o beneficiário ou consistir simplesmente na assinatura do endossante – endosso em branco -, caso em que a sua validade depende da sua inserção no verso da letra ou da livrança ou na folha anexa (artigo 13º, 2ª parte, e 77º, 2ª parte, da LULL).
Todavia, as assinaturas apostas no verso das livranças são de quem não pode ser indicado como tomador e, consequentemente, os recorridos DD e CC não podem ser juridicamente qualificado de endossantes.
Ao invés, dada a posição de credor do recorrente face BB, SA com base em contrato de mútuo, a função de titulação daquele contrato pelas livranças e a posição de quem assinou em relação à sua subscritora, tais assinaturas revelam o aval à última de quem as subscreveu.
A assinatura das livranças está intrinsecamente conexionada com a expressão por aval à subscritora que lhes está a montante. Os embargantes negaram a autoria de uma e de outra, e nada foi afirmado e provado sobre se as duas realidades são ou não contemporâneas.
Todavia, como ficou provado que as referidas assinaturas são da autoria de DD e CC, fica sem se saber se as mesmas foram apostas antes, simultaneamente ou depois delas.
A normalidade das coisas implica que se considere que as mencionadas assinaturas foram apostas por DD e CC nas livranças com a intenção de avalizar a subscritora, de quem um era presidente e o outro vogal do conselho de administração.
Todavia, com vista a afastarem esse facto de normalidade das coisas, e serem excluídos da sua responsabilidade de avalistas, DD e CC negaram a autoria da expressão dou o meu aval à subscritora.
Estamos no domínio das relações imediatas, quadro em que DD e CC invocaram um facto impeditivo do direito de crédito do recorrente no seu confronto.
Perante a completude formal do referido aval à subscritora, a estrutura da defesa de DD e de CC configura-se como alegação de facto negativo impeditivo do direito de crédito invocado pelo recorrente no seu confronto.
E incumbia-lhes, por isso, o ónus de alegação e de prova de que não inseriram a mencionada expressão e que outrem a tinha inserido sem a sua autorização ou contra a sua vontade (artigo 342º, nº 2, do Código Civil).
Foi formulado um quesito em que se perguntou se a referida expressão tinha sido aposta pelos embargantes; mas tal quesito deveria ter sido formulado na forma negativa, tal como o facto negativo foi afirmado pelos embargantes, cuja resposta positiva lhes seria favorável.
A resposta negativa ao referido quesito na forma positiva não beneficia a sua posição porque não permite a conclusão no sentido de que eles não foram os autores da referida expressão.
Como eles não lograram produzir a referida prova, importa concluir como se a mencionada expressão seja da sua autoria, ou de outrem de harmonia com a sua autorização e vontade.
A conclusão é, por isso, no sentido de que DD e CC apuseram as suas assinaturas no verso das livranças em causa na posição jurídica de avalistas.
7.
Finalmente a síntese da solução para o caso-espécie, decorrente dos factos provados e da lei.
À acção executiva e à oposição que lhe foi deduzida são aplicáveis as normas adjectivas decorrentes da reforma do Código de Processo Civil que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997, sem as decorrentes do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março.
O regime processual do recurso é o anterior ao decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
Na fase declarativa da oposição à execução, estruturalmente extrínseca à acção executiva, que se configura como contra-acção, susceptível de se basear em fundamento de natureza substantiva ou de natureza processual, o ónus de prova segue o regime decorrente do artigo 342º do Código Civil.
Como as livranças não saíram da tríplice esfera da subscritora, do beneficiário e de quem as assinou no verso, elas estão no plano das relações imediatas, em que não há que aplicar as regras próprias dos títulos de crédito, uma vez que não é devida protecção a circulação de boa fé.
Como no caso vertente se está perante o aval completo, porque as assinaturas de CC e de DD estão encabeçadas pela expressão Dou o meu aval à subscritora, não se configura a situação de nulidade do aval em causa.
O ónus de prova de que aquela expressão não é da autoria de DD e de CC nem que foi aposta sem a sua autorização ou contra a sua vontade, àqueles incumbia.
Como não cumpriram o referido ónus, a conclusão é no sentido de se dever concluir no sentido positivo.
Procede, por isso, o recurso.
Vencidos, são DD e CC responsáveis pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Todavia, como o recorrido DD beneficia do apoio judiciário na modalidade de disp e DD, com a consequência de com eles prosseguir a acção executiva, e condena-se o primeiro no pagamento das custas respectivas.
Lisboa,10 de Julho de 2008
Salvador da Costa (Relator)
Ferreira de Sousa
Armindo Luis