Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
190/17.3GAFAF-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SÃO MARCOS
Descritores: ARGUIDO AUSENTE
CONSENTIMENTO
NOTIFICAÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – ACTOS PROCESSUAIS / COMUNICAÇÃO DOS ACTOS E CONVOCAÇÃO PARA ELES –MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MODOS DE IMPUGNAÇÃO – JULGAMENTO / AUDIÊNCIA / PRODIÇÃO DA PROVA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS – EXECUÇÕES.
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
Doutrina:
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, p. 260.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 113.º, N.º 10, 220.º, N.º 1, 222.º, N.º 2, ALÍNEAS A), B) E C), 334.º, N.º 6, 411.º, N.º 1 E 467.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 27.º E 28.º, N.º 4.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO PARA A PROTECÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS: - ARTIGO 5.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 16-12-2003, PROCESSO N.º 4393/03.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 81/2012, DE 09-02-2012, PROCESSO N.º 253/11.
Sumário :

I - Tendo o arguido requerido ao Tribunal que a audiência tivesse lugar na sua ausência por impossibilidade prática de comparecer e bem assim que a sentença que viesse a ser proferida fosse enviada para a sua residência (onde, presumivelmente, até não se encontraria por estar no estrangeiro) ou então para a sua Defensora, forçoso é considerar que não só não desconhecia que a mesma sentença iria ser proferida como sabia que para inteirar-se do seu teor bastava-lhe contactar aquela sua Defensora que, tendo-o representado na audiência, estaria bem ciente de todo o ocorrido e em condições de o informar e aconselhar.
II - Tendo o arguido deixado passar o prazo de 30 dias (art. 411.º, n.º 1, do CPP) sem que houvesse recorrido da aludida sentença, tem-se por claro que esta transitou em julgado. E porque assim é, por legítima há-de ter-se a emissão dos respectivos mandados de detenção contra a pessoa do arguido e ora requerente a fim de cumprir a pena conjunta de um ano e seis meses de prisão em que foi condenado.
III - O meio próprio para o interessado reagir contra a eventual violação ou inobservância de normas de processo penal, ainda que susceptíveis de integrar nulidades ou meras irregularidades porventura ocorridas, era a sua suscitação perante o tribunal que nelas porventura tivesse incorrido e de cuja decisão sempre poderia recorrer para o tribunal competente, e não a providência de “habeas corpus”.
Decisão Texto Integral:
I.

1.

AA, preso no Estabelecimento Prisional de Guimarães à ordem do Processo n.º 190/17.3GAFAF do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Local Criminal de Fafe, em 02.07.2018 veio, por si, requerer, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a presente providência de habeas corpus, ao abrigo do disposto no artigo 31.º da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 222.º, 223.º, do Código de Processo Penal.

Alega, em suma, o requerente:

“1º Em 19 de Janeiro de 2018, o Arguido ora signatário, no âmbito dos presentes autos, requereu ao Douto Tribunal a quo o julgamento na sua ausência em virtude de ter iniciado actividade profissional no estrangeiro.

2.º Em 05 de Março de 2018 realizou-se a audiência de Discussão e Julgamento do processo supra mencionado, com Douto Despacho da admissão do supra referido e requerido pelo Arguido.

3.º No dia 12 de Março de 2018 foi efectuada a leitura de Sentença nos presentes autos, sendo o Arguido condenado por um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelos Artigos 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, por referência aos Artigos 121.º, n.º 1, 122.º, n.º 1 e 123.º, n.º 1 do Código da Estrada e por um crime de furto previsto e punido pelo Art.º 203.º, n.º1, do Código Penal.

4º A Meritíssima Juiz a quo decidiu “Em cúmulo jurídico, tendo em atenção o disposto no Art.º 77.º do Código Penal, condenar o arguido AA, na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão”.

5.º Ora acontece que o Arguido não foi notificado da Douta Sentença (apesar de ter sido notificado das conta de custas).

6.º Salvo devido respeito por opinião contrária, o Arguido deverá ser sempre notificado da Sentença, quanto mais não seja para a morada constante do Termo de Identidade e Residência.

7.º Assim prescreve o Artigo 113.º, n.º 10: “As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar”.

8.º Também nos diz o Artigo 334.º, n.º 6 do Código de Processo Penal que “Fora dos casos previstos nos n.ºs 1 e 2, a sentença é notificada ao arguido que foi julgado como ausente logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição do recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença”.

9.º Ou seja, salvo melhor opinião, ainda que o Arguido tenha requerido o seu julgamento na ausência e que a sua Defensora Oficiosa tenha sido notificada da Douta Sentença, caberá sempre a sua notificação, ainda que seja por carta postal simples para a morada por si indicada no Termo de Identidade e Residência

10.º A este propósito vejam-se os Acórdãos:

1- Acórdão do Tribunal Constitucional n°. 111/2007, DR, II Série de 20 de Março de 2007: “ Não julga inconstitucional a norma derivada dos artigos 113.º, nº 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que pode ser efectuada por via postal simples, com prova de depósito, para a morada indicada no termo de identidade e residência prestado pelo arguido, a notificação de sentença condenatória proferida na sequência de audiência de julgamento a que o arguido, ciente da data da sua realização, requerera ser dispensado de comparecer, por residir no estrangeiro, sentença que foi notificada ao defensor do arguido, que esteve presente na audiência de julgamento e na audiência para leitura de sentença.”   

2 - Neste mesmo sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11- 07-2006: “1. Se o arguido consentiu que a audiência se realizasse na sua ausência, sujeitando-se à disciplina processual penal regulada no art.º 334.º CPP, tendo sido representado para todos os efeitos possíveis por defensor, não se justifica a obrigação de notificação pessoal da sentença, bastando a notificação postal, uma vez que o arguido prestou TIR e sabe que qualquer notificação a si dirigida relativa ao processo será feita por carta simples para a morada por ele indicada, não obstante estar a residir no estrangeiro (cuja morada aliás nunca indicou nos autos). Essa é aliás uma das consequências da prestação do TIR por si assinado, tal como preceitua o art.º 196.º.

2. Nem no art.º 334.º, nomeadamente no seu n.º 6 e no n.º 8 que não inclui a situação prevista no seu n.º 2, ao prever a notificação pessoal da sentença, nem do cotejo das demais normas processuais penais, nomeadamente do art.º 113.º CPP, resulta a obrigação de se proceder à notificação pessoal da sentença ao recorrente, quando consentiu que o julgamento se realizasse na sua ausência, não se mostrando diminuídas as garantias de defesa que a lei acautela.”

11º Tal não aconteceu, isto é, o Arguido não foi notificado da Sentença.

12.º Efectivamente, o Arguido só tomou conhecimento da Sentença no dia em que foi detido.

13.º Assim, no dia 14 de Junho de 2018, o ora Arguido foi detido à ordem dos presentes autos, quando se deslocou às instalações da G.N.R. de Fafe para se dar cumprimento ao Mandado de Detenção contra si emanado.

14.º Quer isto significar que só neste dia 14 de Junho de 2018 é que o Arguido teve efectivo conhecimento da Sentença proferida nos presentes autos.

15.º Quer isto significar que o prazo de recurso da Douta Sentença só se iniciou a partir do momento da detenção do ora Arguido, uma vez que só aí é que o mesmo tomou conhecimento da Sentença proferida.

16.º Pelo que não pode entender-se que o Arguido se considera notificado da Douta Sentença na pessoa da sua Defensora, e muito menos que o trânsito em julgado ocorreu em 26-04-2018.

17.º Como supra se referiu, compulsados os autos verifica-se que, contrariamente às Custas (que foram ao Arguido notificadas em 23-05-2018, conforme se poderá constatar através da notificação de fls...), a Douta Sentença não foi notificada por via postal simples, de acordo com o preceituado nos artigos 113.º, n.º 10 e 334.º n.º 6 do C.P.P..

18.º Pelo que, repete-se, salvo o devido e tão grande respeito, não se pode conceber ou aceitar tal lacuna por parte do Douto Tribunal !!!

19.º Pois não se percebe, nem se concebe, é como é que o Douto Tribunal a quo não notifica o ora Arguido da Douta Sentença, mas notifica-o das Custas Processuais.

20.º Deste modo, não resta outra alternativa ao ora Arguido senão interpor, porque ainda em tempo, o respectivo e necessário Recurso.

21.º Contudo, enquanto isso, encontra-se o ora Arguido preso, ilegalmente, à ordem dos presentes autos, sem terem sido esgotados todos os seus meios processuais de defesa e todas as garantias de que podia lançar mão.

22.º Logo, e salvo devido respeito por opinião contrária, o ora Arguido encontrando-se preso ilegalmente, deve ser ordenada a sua imediata libertação para que este entretanto aguarde em liberdade a Decisão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

CONCLUSÕES:

I. Pelo exposto, o ora Signatário encontra-se ilegalmente preso nos termos Artigo 222.º, do CPP, em clara violação do disposto nos Artigos 27.º e 28.º, n.º 4, da CRP.

II. Assim, deve ser declarada ilegal a prisão e ordenada a sua imediata libertação, nos termos do Artigo 31º, n.º 3, da CRP e dos Artigos 222.º e 223.º, n.º 4, al. d), do CPP.

Nestes termos e nos melhores de Direito deve ser declarada a ilegalidade da prisão e ordenada a libertação imediata do Arguido, ora Signatário …”

2.

2.1

A petição, acompanhada da informação a que alude o artigo 223.º, número 1, do Código de Processo Penal e de cópia certificada de várias peças processuais para as quais remete a mesma informação, designadamente as mencionadas no seu ponto 8, foi enviada a este Tribunal.

Na mencionada informação o Senhor Juiz refere, em síntese, o seguinte:

“Veio o arguido AA apresentar petição de habeas corpus nos termos do disposto nos artigos 222.º e 223.º, do Código de Processo Penal, e 31.º, da Constituição da República Portuguesa.

Alega para tanto que foi detido no dia 14/06/2018 em cumprimento de mandado de detenção para cumprimento de pena emitido por este tribunal e à ordem deste processo.

A sua detenção foi ordenada como consequência da pena de prisão que lhe foi aplicada na sentença proferida nos autos, decisão essa que, segundo alega, não transitou em julgado, uma vez que não foi notificada ao arguido antes da sua detenção, mas somente à sua defensora.

Conclui pedindo que se declare a ilegalidade da prisão e que seja ordenada a sua imediata libertação. Importa dar cumprimento ao disposto no artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o que se passa a fazer de imediato.

O arguido AA foi condenado por sentença datada de 12/03/2018, pela prática autoria material de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo n.ºs 1 e 2, do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, por referência aos artigos 121.º, n.º 1, 122.º, n.º 1 e 123.º, n.º 1, todos do Código da Estrada, na pena de 9 (nove) meses de prisão, bem como pela prática, em autoria material, na forma consumada e, em concurso efectivo, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, tendo em atenção o disposto no art.º 77.º, do Código Penal, decidiu-se condenar o arguido AA, na pena única de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

Conforme requerimento formulado pelo arguido, constante de fls. 103, o mesmo consentiu e requereu ser julgado na sua ausência, o que foi deferido em sede de audiência de julgamento que teve lugar em 05/03/2018, conforme acta de fls. 114 e seguintes, considerando-se representado para todos os efeitos possíveis, na pessoa da sua Ilustre Mandatária/Defensora, ao abrigo do disposto no art.º 334.º, n.ºs 2 e 4 do Código de Processo Penal.

O arguido não esteve presente na leitura da sentença, conforme acta de fls. 125, tendo estado presente a sua Ilustre Defensora.

Nos termos do disposto no art.º 373.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, “O arguido que não estiver presente considera‐se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído.”

Decidiu-se em caso semelhante, por Acórdão do STJ de 01-08-2017, no Proc. n.º 1330/15.2PBCSC-A. S1 - 3.ª Secção, que:

"I - A providência de habeas corpus visa reagir contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, constituindo, uma garantia constitucional de protecção do direito à liberdade individual. São três os fundamentos de habeas corpus contra a prisão ilegal, enunciados taxativamente no art.º 222.º, n.º 2, do CPP, al. a) incompetência da entidade que decreta a prisão; al. b) ser esta motivada por facto pela qual a lei não permite e al. c) terem sido excedidos os prazos legais ou judiciais; que têm de ser actuais, ou seja, têm de persistir no momento em que se proceder à apreciação do pedido, o que implica que uma qualquer ilegalidade, porventura havida em fase anterior do processo e já não persista quando o pedido é apreciado, não pode servir de fundamento. II - O art.º 373.º, n.º 3, do CPP, abrange todas as situações em que o arguido, regularmente notificado, esteve em alguma ou em todas as sessões do julgamento, mas faltou à leitura da sentença ou acórdão, bem como as situações em que a audiência de julgamento decorre na ausência do arguido, mas com o seu consentimento, nos termos do art.º 334.º, n.ºs 2 e 4, do CPP, na medida em que, em todos estes casos, pode considerar-se que o arguido está processualmente presente (embora fisicamente Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Secções Criminais 6 Número 236 – Agosto de 2017 ausente), desde que representado pelo seu defensor nomeado ou constituído, sendo, por isso, suficiente a leitura da sentença perante estes. III - Diferentemente, o art.º 333.º, nº. 5, do CPP, reporta-se aos casos em que toda a audiência de julgamento decorre na ausência do arguido nos termos do n.º 2 deste mesmo artigo, por a ter faltado não obstante ter sido regularmente notificado das datas designadas para o efeito, ou nos termos do art.º 334.º, n.º 6, do CPP, situações em que o arguido está física e processualmente ausente, e por isso, o legislador não prescindiu da notificação da sentença ou acórdão ao arguido seja através de contacto pessoal. Este é também o sentido sufragado pela jurisprudência constitucional. IV - Não obstante ter estado presente em algumas das sessões de julgamento e de ter sido pessoalmente notificado para comparecer à leitura do acórdão, designado para o dia 08-06, não compareceu a esta audiência, que realizou-se na presença da sua defensora oficiosa, de harmonia com o disposto nas disposições conjugadas dos artºs 373.º, n.º 3 e 372.º, n.º 4, ambos, do CPP. Assim, impõe-se considerar que o arguido foi notificado do acórdão na pessoa da sua defensora naquela data de 08-06 e porque deixou passar o prazo de 30 dias a que alude o art.º 411.º, n.º 1, do CPP, sem que tivesse interposto recurso do acórdão que o condenou, o mesmo transitou em julgado.”

Em consequência, transitada em julgado a decisão, foi, por despacho datado de 08/05/2018, de fls. 135, determinada a emissão de mandados de detenção do arguido para cumprimento da pena em que foi condenado.

Os mesmos foram emitidos e cumpridos, tendo o arguido sido detido às 12:40 horas, de dia 14/06/2018, conforme fls. 144.

Em face do exposto, somos a concluir que, por ter transitado em julgado a sentença proferida nos autos e que condenou o arguido em pena de prisão, foram validamente emitidos e cumpridos os competentes mandados e por isso podia o arguido ter sido detido para cumprimento da pena de prisão efectiva em que foi condenado.

Entendemos, assim, estarem reunidas as condições legais para a efectivação da prisão do arguido, e, por conseguinte, não ser ilegal a prisão nos termos do disposto no artigo 222.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Penal, motivo pelo qual a manteríamos.

Vossas Excelências contudo, Colendos Conselheiros, decidirão quanto à petição de Habeas Corpus conforme entenderem ser de Justiça.

Remeta, pelo meio mais expedito, ao Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça a petição de habeas corpus, a presente informação nos termos do 223.º, nº 1, do Código de Processo Penal, acompanhada da certidão das seguintes peças processuais:

- sentença proferida nos autos;

- despacho de 08/05/2018 e respectivos ofícios de notificação;

- comunicação enviada ao registo criminal;

- mandados de detenção;

- informação do cumprimento dos mandados de detenção;

- todas as promoções e despachos seguintes à detenção do arguido”.

2.2

Da cópia das peças processuais com que foi instruída a presente petição e bem assim das que já neste Supremo Tribunal foram, por determinação da relatora, solicitadas e juntas aos autos, resultam provados os factos constantes da informação prestada pelo Senhor Juiz, nos termos do artigo 223.º, número 1, do Código de Processo Penal, e com relevância directa para apreciação da providência que vem requerida pelo arguido AA nomeadamente:

- Por sentença de 12.03.2018, foi o mesmo arguido condenado pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelos números 1, e 2 do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, por referência aos artigos 121.º, número 1, 122.º, número 1, e 123.º, número 1, todos do Código da Estrada, e de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, número 1, do Código Penal, nas penas parcelares de na pena de 9 (nove) meses de prisão e de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Em requerimento datado de 19.01.2018 e dirigido ao Processo n.º 190/17.3GAGAF, o arguido AA requereu que naqueles autos e em outros oito fosse julgado na sua ausência, por impossibilidade de comparência às audiências de julgamento em virtude de se encontrar a trabalhar no estrangeiro, e bem assim que as respectivas sentenças fossem enviadas para a sua residência ou, então, para o seu defensor nomeado;

- Na sessão de audiência de julgamento, que nos referenciados autos n.º 190/17.3GAGAF teve lugar em 05.03.2018, o Tribunal deferiu, ao abrigo do disposto no artigo 334.º, números 2, e 4, do Código de Processo Penal, a pretensão do requerente, fazendo consignar que o mesmo seria representado, para todos os efeitos legais, pela sua Ilustre Defensora;

- O arguido, que foi notificado do despacho que designou data para a realização da audiência de julgamento, não compareceu nesta, tendo estado porém presente a sua Defensora;

- Considerando-se transitada em julgado em 20.04.2018 a referida sentença de 12.03.2018, por despacho judicial de 08.05.2018 foram emitidos mandados para detenção do arguido com vista ao cumprimento pelo mesmo da mencionada pena conjunta de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Por ofícios datados de 14.05.2018 foram o arguido e a sua Defensora notificados para efeitos de pagamento da conta de custas do processo em causa;

- Em execução dos referidos mandados de detenção foi o arguido detido e conduzido ao Estabelecimento Prisional de Guimarães em 14.06.2018, onde permanece; 

- Nos termos da liquidação da aludida pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão em que foi condenado o arguido atingirá, respectivamente, o meio, os dois terços, os cinco sextos e o fim em 13.03.2019, 13.06.2019, 13.09.2019, e 13.12.2019;

- Tendo, na sequência da sua detenção, o arguido requerido que o cumprimento da pena ocorresse em regime de permanência na habitação, por despacho judicial de 25.06.2018 foi essa pretensão indeferida com o fundamento de que tal não se mostrava adequado e suficiente às finalidades da execução da pena.  

3.

Convocada a Secção Criminal, notificados o Ministério Público e o Defensor nomeado ao requerente, realizou-se a audiência pública (artigos 223º, números 2 e 3, e 435º do Código de Processo Penal), cumprindo ora decidir.

***

II.

II.1

A Constituição da República Portuguesa estabelece no artigo 27º, que tem por epígrafe “Direito à liberdade e à segurança”, que todos têm direito à liberdade e à segurança (número 1), não podendo ninguém ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança (número 2).

 Disto decorre, então, que o direito à liberdade (igualmente previsto no artigo 5º da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais), não sendo um direito absoluto, admite restrições que, traduzindo-se em medidas da sua privação total ou parcial, só podem ser as previstas nos números 2, e 3 da citada norma do artigo 27º da Constituição.

Por sua vez, dispõe o artigo 31º, número 1, da Lei Fundamental que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

Quer isto dizer que o habeas corpus, que visa reagir contra o abuso de poder, por prisão ou detenção ilegal, constitui, como diz o Professor Germano Marques da Silva[1], “não um recurso, mas uma providência extraordinária com natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”.

Trata-se, enfim, como o Supremo Tribunal de Justiça afirmou, no seu aresto de 16 de Dezembro de 2003, prolatado no Habeas Corpus nº 4393/03, 5ª Secção, “…de um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, de prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, objecto de recurso ordinário ou extraordinário…”.

Daí que, a providência de habeas corpus tenha os seus fundamentos previstos, de forma taxativa, respectivamente nos artigos 220º, nº 1, e 222º, nº 2 do Código de Processo Penal, consoante o abuso de poder derive de uma situação de detenção ilegal ou de uma situação de prisão ilegal.

Assim, tratando-se de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, esta há-de provir, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 222º do Código de Processo Penal, de:

- Ter sido efectuada por entidade incompetente [alínea a)];

- Ser motivada por facto que a lei não permite [alínea b)]; ou

- Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial [alínea c)].

De que decorre que em causa têm de estar, necessariamente, situações de patente violação da liberdade das pessoas [quer por incompetência da entidade que ordenou a prisão, quer por a lei não a permitir com o fundamento invocado ou por não ter sido invocado um qualquer fundamento, quer ainda por se encontrarem excedidos os prazos legais da sua duração] que exigem a reposição urgente da legalidade.

II.2

2.1

No caso sub judice, e conquanto não o refira, o requerente sustenta a sua petição no fundamento da alínea b) do número 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal, consistente no alegado não trânsito em julgado da sentença de 12.03.2018 que o condenou na pena de um ano e seis meses de prisão posto que, como alega, não tendo sido notificado da dita sentença, o prazo para dela recorrer só começou a contar-se na data em que foi detido, o que vale por dizer em 14.06.2018, ocasião em se inteirou da sua prolação.

Ou dito de outro modo, se a sentença condenatória de 12.03.2018 podia/devia considerar-se transitada em julgado e, por essa razão, exequível nos termos do artigo 467.º, número 1, do Código de Processo Penal, ou, ao invés, por não dever assim considerar-se, constitui causa de ilegalidade da prisão.

Como se viu, entende o requerente que a referida sentença condenatória, que diz ter apenas conhecido quando foi detido em 14.06.2018, ainda não transitou em julgado já porque, tendo requerido que a audiência fosse efectuada na sua ausência por se encontrar no estrangeiro e não havendo estado presente na mesma, a dita sentença deveria ter-lhe sido notificada, ainda que por via postal simples, de harmonia com o disposto nos artigos 113.º, número 10, e 334.º, número 6, ambos do Código de Processo Penal.

Ora, no que releva para o caso, prescreve o artigo 334.º, do Código de Processo Penal, que tem por epígrafe Audiência na ausência do arguido em casos especiais e de notificação edital, que:

“Se ao caso couber processo sumaríssimo mas o procedimento tiver sido reenviado para a forma comum e se o arguido não puder ser notificado do despacho que designa dia para a audiência ou faltar a esta injustificadamente, o tribunal pode determinar que a audiência tenha lugar na ausência do arguido (número 1).

Sempre que o arguido se encontrar praticamente impossibilitado de comparecer à audiência, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro, pode requerer ou consentir que a audiência tenha lugar na sua ausência (número 2).

Nos casos previstos nos n.ºs 1 e 2, se o tribunal vier a considerar absolutamente indispensável a presença do arguido, ordena-a, interrompendo ou adiando a audiência, se isso for necessário (número 3).
Sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor (número 4).

Fora dos casos previstos nos n.ºs 1 e 2, a sentença é notificada ao arguido que foi julgado como ausente logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição do recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença (número 6).

Na notificação prevista no número anterior o arguido é expressamente informado do direito a recorrer da sentença e do respectivo prazo (número 7).

É correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 116.º e no artigo 254.º (número 8) ”.

Por seu turno, o artigo 373.º do Código de Processo Penal, que tem por epígrafe Leitura da sentença, estabelece que “O arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído”

Da leitura concatenada das mencionadas disposições legais decorre, a nosso ver:

1.º Que, como flui de forma linear da letra do artigo 334.º, designadamente dos indicados números 2, e 6, se a audiência de julgamento tiver lugar na ausência do arguido que assim haja requerido, com o fundamento de que se encontra praticamente impossibilitado de nela comparecer por idade, doença grave ou residência no estrangeiro (este último com interesse directo para o caso), tal condicionalismo determinativo da não comparência do arguido constitui, justamente, uma daquelas situações que a lei expressamente excepciona para efeitos de aplicação do regime (regra) que prevê. Regime consistente, em suma, na necessidade de a sentença ser notificada ao arguido que, fora dos casos a que alude aquele primeiro normativo, foi julgado como ausente, logo que seja detido ou se apresente voluntariamente, sendo que o prazo para a interposição do recurso pelo arguido se conta a partir da notificação da sentença;

2.º Que existindo uma norma, a do artigo 334.º, que especificamente rege a audiência realizada na ausência do arguido em casos especiais − no que ora interessa, de ausência do arguido com fundamento num dos motivos referidos no citado número 2, e mais exactamente por estar no estrangeiro – a norma do número 10 do artigo 113.º do Código de Processo Penal invocada pelo requerente cede perante aqueloutra tal como cede perante a do número 3 do artigo 373.º do mesmo diploma, também invocada pelo requerente.

Especificidade de regime que bem se compreende considerando que, ao invés do que sucede com o regime concebido no artigo 333.º Código de Processo Penal, que tem por epígrafe “Falta e julgamento na ausência do arguido notificado para a audiência”, é de molde a fazer pressupor que o argui, que cuidou de requerer ou consentiu que a audiência tivesse lugar na sua ausência por estar impossibilitado de aí estar fisicamente, mas já não processualmente (uma vez que nela sempre estará representado pelo defensor, como prescreve o número 4 do artigo 334.º do mesmo diploma), não deixará de providenciar junto do seu Defensor no sentido de se inteirar do desfecho do julgamento e, em consequência, da sentença que, se assim entender e puder, impugnará pela via recursiva.

Possibilidade de cognoscibilidade da decisão que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional[2], constituindo pressuposto do efectivo exercício do direito ao recurso, afere-se em função da possibilidade de o arguido, actuando com a diligência devida, ter acesso efectivo ao conhecimento integral da decisão que, contra si proferida, pretende impugnar.

Possibilidade de conhecimento real e efectivo da decisão que, no caso vertente, pelo menos garantia ao arguido a cognoscibilidade da decisão em que foi condenado.

2.2

Efectivamente, o arguido que a seu tempo requereu ao Tribunal que a audiência tivesse lugar na sua ausência por impossibilidade prática de comparecer e bem assim que a sentença que viesse a ser proferida fosse enviada para a sua residência (onde, presumivelmente, até não se encontraria por estar no estrangeiro) ou então para a sua Defensora, não só não desconhecia que a mesma sentença iria ser proferida como sabia que para inteirar-se do seu teor bastava-‑lhe contactar aquela sua Defensora que, tendo-o representado na audiência, estaria bem ciente de todo o ocorrido e em condições de o informar e aconselhar.   

E se é assim, como vem afirmando a jurisprudência do Tribunal Constitucional um possível e hipotético desconhecimento do exacto teor da sentença em causa só poderá radicar numa negligência grosseira da parte do próprio arguido e, como tal, não merecedor de tutela ao abrigo das garantias de defesa constitucionalmente consagradas, ou até do próprio Defensor que, por representar o arguido, sempre teria de cuidar de o informar a propósito.

Na verdade, perante a possibilidade de ao arguido vir a ser imposta, como aliás aconteceu, uma pena privativa de liberdade, impunha-se que tivesse havido da parte da sua Defensora o cuidado efectivo de obter informação decisiva para efeitos de ser exercitado o direito ao recurso e informar/aconselhar o arguido.

De que resulta que o arguido e ora requerente − que, como visto, até requereu ao Tribunal que a sentença que viesse a ser proferida fosse comunicada à sua Defensora, o que sucedeu de facto na medida em que, tendo a mesma estado presente na audiência em que se tornou aquela pública, dela foi notificada no próprio acto – também foi notificado da dita sentença, na pessoa da sua Defensora, na data da sua prolação, isto é no dia 12.03.2018.

E tendo deixado passar o prazo de 30 dias (artigo 411.º, número 1, do Código de Processo Penal) sem que houvesse recorrido da aludida sentença, por claro tem-se que esta transitou em julgado. E porque assim é, por legítima há-de ter-se a emissão dos respectivos mandados de detenção contra a pessoa do arguido e ora requerente a fim de cumprir a pena conjunta de um ano e seis meses de prisão em que foi condenado.

Entendimento que, aqui perfilhado quanto à não exigibilidade de notificação do arguido da sentença proferida em audiência que requereu que fosse realizada sem a sua comparência, não dispensa a consideração de que o meio próprio para o interessado reagir contra a eventual violação ou inobservância de normas de processo penal, ainda que susceptíveis de integrar nulidades ou meras irregularidades porventura ocorridas, era a sua suscitação perante o tribunal que nelas porventura tivesse incorrido e de cuja decisão sempre poderia recorrer para o tribunal competente, e não a providência de habeas corpus.

E isto porque, como atrás se referiu, destinando-se tal providência extraordinária a pôr fim de forma célere e expedita a patentes e notórias situações de ilegalidade grosseira, ela não cobre os casos de ilegalidade que, representando-se meramente discutível, têm nos recursos o meio próprio e adequado para a apreciar.

2.3

Por via de todo o exposto entende-se então que a razão invocada pelo requerente não constitui obstáculo ao trânsito em julgado da sentença condenatória e, como tal, não poderá ter-se por verificado o referido fundamento de habeas corpus previsto na alínea b) do número 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal, nem tão pouco qualquer um dos previstos nas alíneas a) e c) do mesmo normativo.

 E sendo assim conclui-se que inexistem motivos para se considerar que a prisão do arguido AA é ilegal e, como tal, que ela afronta quaisquer normas de direito ordinário e constitucional, maxime as normas dos artigos 27.º, e 28.º, número 4, da Constituição da República.

De que decorre que, por falta de fundamento legal para o efeito, tenha de ser indeferido o pedido de habeas corpus formulado pelo requerente.   

***

III.

Termos em que, em audiência, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir, por falta de fundamento legal, o pedido de habeas corpus formulado pelo requerente AA.

Custas pelo requerente, com 3 UC de taxa de justiça (artigo 8º, nºs 1, 2 e 9, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção conferida pela Lei nº 7/2012, de 13 de Fevereiro, e tabela III anexa).

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Lisboa, 12 de Julho de 2018

Os Juízes Conselheiros

Isabel São Marcos (Relatora)

Helena Moniz

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[1] Curso de Processo Penal, II, Editorial Verbo, p. 260.
[2] De conferir, entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 81/2012, de 09.02.2012, proferido no Processo n.º 253/11, 1.ª Secção.