Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A3576
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CARDOSO DE ALBUQUERQUE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
ATROPELAMENTO
EXCESSO DE VELOCIDADE
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ20090428035766
Data do Acordão: 04/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Sumário :
I - O facto de um peão, pessoa idosa, atravessar descuidadamente a faixa de rodagem, em local de resto não permitido, não dispensa o condutor que teve oportunidade de se aperceber da travessia desde o seu início e a passo lento pela faixa oposta de rodagem, larga de mais de 3 mtros, de controlar, de imediato, a marcha do veículo e, inclusive, de suster a mesma em face de uma hesitação e paragem deste no eixo da via, prevenindo a necessidade de efectuar travagens ou guinadas bruscas ao aproximar-se do local.
II - O condutor mantendo a velocidade de que vinha animado e não a adequando a esse obstáculo à livre progressão da marcha da respectiva viatura torna-se, também, culpado por tardiamente ter que proceder a uma brusca manobra de desvio, devido a uma deslocação inopinada e a curta distância do peão para a hemi faixa de rodagem por onde circulava, acabando por atingi-lo.
III - Em tais circunstâncias, cabe maior percentagem de culpa ao peão, por a sua paragem no meio da estrada induzir que aí se manteria, ante a aproximação do veículo e no desconhecimento da trajectória por este seguida e do seu maior ou menor afastamento do eixo da via.
IV - Ficando o A., septuagenário, agricultor de profissão e por efeito das lesões sofridas com o acidente, a coxear de uma perna e com um braço também afectado nos seus movimentos e força muscular e com perturbações circulatórias, obrigado a andar de canadianas, tendo suportado e continuando a suportar dores após um período de internamento e imobilização em casa de cerca de três meses, e sujeito a novos e constantes tratamentos, sofrendo com tal situação, por antes ser pessoa activa e autónoma, mostra-se ajustada, considerando o seu grau de culpa fixado em 60% a atribuição de uma verba de € 10.000,00 para tais danos não patrimoniais.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I -Por motivo da acidente ocorrido quando procedia à travessia a pé da EN nº 1, na freguesia dita de ..., Águeda e derivado do embate com um veículo automóvel que nela circulava no dia 15 de Fevereiro de 2002, AA propôs no respectivo tribunal uma acção comum ordinária contra o condutor do dito veículo BB, o indicado proprietário dele CC e ainda o Fundo de Garantia Automóvel, ( por inexistir seguro) pedindo a condenação solidária dos RR, - sendo o Fundo até ao limite do seguro de responsabilidade civil obrigatória - a pagarem-lhe a quantia líquida de € 67. 196, 67 a título da danos patrimoniais e não patrimoniais que descreve e derivados do acidente e, ainda, os que se vierem a apurar pelos danos futuros previsíveis emergentes das operações que se terá de sujeitar, acrescido de juros de mora a contar da citação.
Alegou, para tanto, a culpa exclusiva do condutor do veículo por circular com velocidade excessiva, não ter dado conta da sua presença parado no eixo da via e ainda sobre a faixa esquerda, por fazer uma condução desatenta e reveladora de falta de destreza pois acabou por o atingir com o espelho retrovisor já sobre a faixa esquerda e os factos atinentes à extensão e valor dos danos.
Contestaram os RR., repudiando o primeiro e o último a versão dos factos constantes da petição inicial e este, ainda, a franquia a que tem jus e o segundo, referindo já não ser proprietário do veículo à data do acidente deduzindo a sua ilegitimidade.
O A replicou, rejeitando a excepção e mantendo a posição inicial sobre a culpa do 1º R.
No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção dilatória, seguindo o processo a sua normal tramitação, elaborada que foi a base instrutória.
O A veio, entretanto, no início da audiência de julgamento, desistir do pedido contra o 2º R a qual foi logo homologada por sentença e após este e de fixada a factualidade apurada, julgou o Senhor Juiz improcedente, por não provada, a acção, por o acidente ter sido devido em exclusivo ao próprio lesado absolvendo ambos os RR do pedido
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O A apelou desta sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra com impugnação da decisão da matéria de facto e arguindo nulidades, pedindo sem prejuízo destas, a revogação da sentença “ por se mostrar inequivocamente provado que o condutor do veículo teve culpa na produção do acidente”, logo impondo –se fixar a indemnização à luz dos factos provados quanto aos danos.
No entanto e por acórdão que consta de fls 529 e ss, a Relação confirmou o veredicto da 1ª instância, desatendendo a impugnação da decisão da matéria de facto e rejeitando as nulidades, concluindo igualmente que só o A dera causa ao acidente por omissão grave dos seus deveres de peão.
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De novo inconformado, o A recorreu de revista e disse o seguinte nas conclusões da sua douta alegação :
1 – Considerando que a culpa se traduz num juízo de censura ao agente por não ter adoptado um comportamento conforme a um dever que podia e devia ter tido e de modo a evitar o acidente, quer porque o não previu quer porque confiou em que ele não se verificaria, deve também ela ser aferida pelos cuidados exigíveis a um homem médio e pode resultar de uma simples mas censurável falta de cuidado e de prudência;
2 – Para que o nexo de imputação se possa estabelecer, importa determinar o condicionalismo do acidente a matéria de facto que tanto pode ser apreensível pelo tribunal como escapar-se-lhe (…);
3 – Da dinâmica do acidente vertida nos autos não se pode concluir que o A tenha sido culpado ou pelo menos exclusivo culpado na produção do acidente e que o BB nenhuma culpa tivesse tido ou não tivesse contribuído para a sua exclusão;
4 – Dúvidas não se levantam sobre a verificação do facto ( voluntário …) traduzido na conduta do condutor do FX e que no exercício da sua condução se viu envolvido num embate com o A e da ilicitude, consistente na violação de direitos subjectivos deste;
5 – O acidente dos autos como emerge da prova produzida ocorreu numa recta de pelos menos 250 mtrs, toda ela de boa visibilidade que não era prejudicada pela falta de luminosidade, pois estava bom tempo e era dia m numa zona onde a estrada é plana, tem 7,30mtrs de largura, duas faixas de rodagem dois sentidos de marcha e bermas, com 3, 190 mtrs de largura cada, num total de 13, 50 mtrs e dispunha de pavimento asfaltado, com piso seco;
6 – O acidente dá-se numa estrada ampla, sem obstáculos que impedissem a visibilidade quando o A atravessava a via da esquerda para a direita ( sentido Águeda – Albergaria -a-Velha ) e após ter atravessado a hemi - faixa esquerda, se imobilizou no eixo da via e que dadas as circunstâncias tornava o A perfeitamente visível ( o que aliás foi tido por provado) ao 1ºR condutor do EX que não podia deixar de ver e de se aperceber de todos os actos e movimentos, a não ser que fosse desatento;
7 – O 1ª R conduzia o EX por uma ponte (sobre o Rio Vouga ) num local onde há normalmente ( à hora indicada para o acidente ) intenso tráfego de veículos tudo a impor que nos termos dos artºs 3º, nº2, 24º, nº1 e 25º nº1 , alns g) e j) do C E. a velocidade do veículo tivesse de ser especialmente moderada , tanto mais que o A era visível ( numa recta de mais de 250 mtrs ) o 1ª R não tinha como não se aperceber da sua presença e este ( A) atravessa no ângulo de visão do R até ao eixo em que se imobilizou;
8 – Dado aquele condicionalismo o R BB deveria imprimir ao EX velocidade especialmente moderada e adequada às circunstâncias o que aliado as boas condições da via, sua largura e boa visibilidade face a qualquer movimento do A na travessia da estrada lhe permitiria imobilizar o EX em tempo útil e evitar, assim, o embate - a não ser que o R circulasse a velocidade excessiva para o local e demasiado próximo do eixo da via;
9 – Mostrando–se as duas faixas de rodagem de sentidos opostos delimitados por um traço descontínuo ao eixo da via que se prolonga por toda a ponte sobre o rio e continua alguns mtrs antes do local do acidente o 1ª R estava vedado transpor o traço continuo ao eixo da via, como o fez atenta a prova produzida, posto que estando o A, em local onde existia o dito traço contínuo, o mesmo guinou o EX para a esquerda, transpôs aquele e invadiu a faixa de rodagem esquerda quando é certo que se lhe impunha um especial dever de prudência e cuidado, face às circunstâncias – deveres esses que o dito R não cumpriu, violando o disposto nos artºs 3º nº2, 13º, nº1 e 131º, nº1 e 133º do CE e artº 60º nº1 do Reg da Sinalização;
10 – O R BB condutor do EX não moderou a sua velocidade, não accionou os órgãos de travagem, galgou o traço contínuo ao eixo da via, invadiu a hemi-faixa de rodagem esquerda e nela colheu com a parte lateral direita e espelho direito do EX, projectando-o para a berma do lado direito, sentido Sul-Norte, ou seja, a mais de 3,65mtrs e considerando que o A estava imobilizado no eixo da estrada;
11- Destc condicionalismo resulta evidente que o 1º R. não seguia atento, circulava a velocidade excessiva para o local, demasiado próximo do eixo da via, não accionou os órgãos de travagem, guinou precipitadamente o veículo para a faixa esquerda, tudo em violação manifesta daquele comandos legais, o que torna contraditório e improvável o que consta das respostas aos quesitos 71º a 75º da B.I.
12 – Existe, assim, culpa do condutor do EX uma vez que não ia atento, actuou com negligência e imperícia, não cuidou de prever a acautelar o que resultaria da sua condução e da manobra que realizou, quando na realidade face ao condicionalismo poderia e deveria ter feito (…) Assim aquele condutor que ou não se apercebeu da presença do A e tinha condições para tal ou se o viu quando se encontrava praticamente sobre o mesmo, não dispondo de espaço e tempo para manobrar o EX com condições de segurança, com vista a evitar o embate, havendo, pois, culpa da sua parte;
13 – A conduta do 1ª R foi claramente causal do embate, na medida em que foi ele desde logo que despoletou o processo que conduziu ao mesmo podendo-se claramente concluir que este ocorreu por violação da sua parte dos dispositivos legais supracitados, bem como pela violação dos especiais deveres de atenção, cuidado, diligência e perícia;
14 – Não se considerando que ele foi o único culpado sempre se deverá decidir pala repartição de culpas na proporção de 70% para ele e 30% para o A;
15– Em consequência deveriam os RR ser condenados pela indemnização total derivada do acidente ou na proporção da repartição de culpas.
Contra alegou a R Fundo que ao invés sustentou a inteira correcção do julgado.

II - Foram corridos os vistos legais.
Cumpre decidir.

III –Vejamos, antes de mais, os factos apurados:
- O A nasceu a 20/01/1932 ( certidão junta aos autos);
- A 15 de Fevereiro de 2002, cerca 8lh 40 m deu-se um embate em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula EX -65-52 e o A (resp. ao qº 1º);
- O mesmo ocorreu ao Km 241 da EN nº1 , na freguesia de Macinhata de Vouga , concelho de Águeda (qº 2º);
- A estrada no local é plana e desenvolve-se numa recta, com boa visibilidade em toda a sua extensão (qº 3º);
- A recta não tem menos de 250 mtrs (qº4º);
- A estrada no local dispõe de duas hemi-faixas de rodagem e dois sentidos de marcha (qº 5º);
- As hemi-faixas de rodagem são delimitadas por um traço descontínuo ao eixo da via que se prolonga por toda a ponte sobre o Rio Vouga e passa a contínuo alguns metros antes do local do acidente (qº6º);
- A estrada no local tem pavimento asfaltado em bom estado de conservação (qº 7º);
- O pavimento tem 7,30 metros de largura(qº 8º);
- A estrada no local tem bermas de ambos os lados (qº 9º);
- As bermas têm cerca de 3,190 mtrs de largura (qº 10º);
- A EN era ao tempo delimitada pelo “rail “ de protecção lateral metálica, atento o sentido Sul-Norte (qº 11º);
- No dia do acidente estava bom tempo e o piso encontrava-se seco (qº 12º);
- Nas circunstâncias de tempo e lugar referidos nos precedentes pontos e no sentido Sul-Norte (Águeda-Albergaria –a- Velha) circulava o veículo ligeiro de passageiros de matrícula EX- 96- 52 (qº 13º);
- Esse veiculo era conduzido pelo 1ª R (BB)(qº 14º);
- O local do acidente é, normalmente na hora do acidente, uma zona de intenso tráfego de veículos (qº 16º);
- Naquela hora e local, o A que se encontrava na berma do lado esquerdo da EN nº1, atento o sentido Águeda –Albergaria-a- Velha começou a atravessar a hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido supra( qº 21º);
- O A fez a travessia em marcha lenta e em sentido perpendicular até ao eixo da via, onde parou.(qº 22º);
- Nesse local onde o A parou, verificou ele que se aproximava o veículo EX , circulando no sentido Sul-Norte ( Águeda –Albergaria –a – Velha )(qº 23º)
- O A naquele local era perfeitamente visível para quem circulasse em qualquer dos sentidos (qº 25º);
- Para se desviar do A, o R BB levou o veículo que conduzia a invadir e a ocupar parcialmente a hemi –faixa de rodagem esquerda, atento o já referido sentido de marcha (qº 28º);
- Já sobre a hemi faixa de rodagem esquerda, considerando o seu sentido de marcha o R BB foi colher o A, embatendo-lhe com a parte lateral direita e espelho direito do EX (qº 29º);
- Com o embate, o A foi projectado para a berma do lado direito, onde ficou caído, atento o sentido de marcha Sul-Norte (qº 30º);
-Quando o R BB se aproximava já do final da Ponte sobre o Rio Vouga, avistou à sua frente um transeunte (o A) a atravessar a hemi-faixa de circulação contrária (Norte-Sul), o qual a determinada altura parou junto ao eixo da via (qº 67º);
- O R BB c seguiu sempre o seu caminho, circulando à mesma velocidade que imprimia ao veículo pensando que o A atravessasse a faixa de rodagem por onde circulava, pois ainda lhe dava tempo para que o fizesse em segurança,(qº 72º)
O A durante a aproximação do R BB, não completou o atravessamento da via, mantendo-se no eixo da mesma (qº 73º)
- Quando o R BB se encontrava a 8/10 mtrs do A, este iniciou a marcha de travessia da faixa de rodagem por onde circulava o R BB (qº 74º)
Perante tal situação, o R BB guinou para a sua esquerda atento o seu sentido de marcha, ou seja, para a faixa de rodagem contrária para evitar a colisão (qº 75º)
Contudo o R BB ainda embateu com o espelho retrovisor direito no corpo do A ainda dentro da faixa de rodagem por onde circulava ( qº 76º)
- Em consequência do embate o A sofreu fractura sub-cepital do fémur direito, fractura multiesquirolosa do olecrânio esquerdo, traumatismo do tórax s e coluna dorsal, feridas inciso-contusas, hematomas e escoriações dispersas pelo corpo ( qº 33º)
- Para tratamento dessa lesões foi conduzido ao Hospital Distrital de Águeda, onde lhe prestaram os cuidados primários, tratamentos, limpeza desinfecção, suturação e medicação das feridas e escoriações de que padecia, exames radiográficos ao crâneo, tórax, coluna, membros inferiores e superiores ( qº 34º)
- O A permaneceu internado no Serviço de Ortopedia daquele Hospital até 4/03/2002 ( qº 35º)
- No período de internamento o A foi sempre submetido a permanentes tratamentos e medicação intensa, a uma intervenção cirúrgica no dia 19/02/ 2002, tendo-lhe sido feita artroplastia parcial e bipolar da anca direita, redução e fixação do olecrâneo com “cecage “ apoiado em dois fios de Kirchner com efeito “hewben” ( qº 36º)
- Em 14/03/2002 foi-lhe dada alta hospitalar, sendo remetido para o domicílio com a indicação de aí se manter em repouso absoluto(qº 37º)
- Desde então, passou a ser acompanhado em regime ambulatório de consultas e tratamentos externos no Hospital Distrital de Águeda ( qº 38º)
- Posteriormente o A continuou e continua em tratamentos até à presente data de ortopedia, fisioterapia e recuperação funcional ( qº 39º)
- Em consequência das lesões sofridas na perna direita, o A ficou com os músculos daquele membro atrofiados, com insegurança na perna direita, claudicando do mesmo, sendo obrigado a andar permanentemente apoiado em canadianas ( qº 40º )
- Desde a data do acidente até agora, a sua perna, joelho e pé direito mantêm-se permanentemente dormentes e edemaciados (rep ao qº 41º );
- O A ficou com os ossos da perna direita consolidados em posição viciada e que lhe dificulta os movimentos e quaisquer esforços e apresenta rigidez articular grave nos movimentos de flexão, rotação e extensão da perna direita ( qº 42º );
- Em consequência das lesões sofridas e tratamentos correspondentes e a efectuar movimentos mais acentuados com o membro inferior direito, o A teve a ainda tem dores ( qº 43º);
- Ficou o A com uma cicatriz extensa e profunda no membro inferior direito (qº 44º );
- Apesar da intervenção cirurgica efectuada na zona, o A ficou com instabilidade e falta de resistência no membro superior esquerdo, nomeadamente no antebraço e cotovelo esquerdo, apresentando atrofia muscular ( qº 45º);
- Desde o acidente e ainda hoje, o seu braço, punho, mão e dedos esquerdos ficam frequentemente dormentes e edemaciados ( qº 46º);
- Ficou com os ossos do braço e cotovelo esquerdos consolidados em, posição viciosa, o que lhe dificulta gravemente os movimentos do braço, cotovelo, punho, mão e dedos esquerdos ( qº 47º);
- O A sente dores na zona das lesões daquele membro ( qº 48º);
- Em consequência das lesões sofridas, o A ficou a padecer de sequelas anátomo - funcionais que se traduzem numa incapacidade permanente parcial de 45% , exigindo-lhe ainda esforços acrescidos na actividade domiciliária a que se dedica ( qº 52º);
- À data do acidente, o A era um homem robusto, bem constituído, trabalhador alegre e jovial( qº 53º);
- Agora é um homem fisicamente debilitado(resp ao qº 54º);
- É um homem abatido e triste, sofrendo desgosto por ter ficado afectado das lesões referidas ( qº 55º);
- À data do acidente, o A dedicava-se à actividade agro-pecuária, trabalhando para si e para terceiros, cultivando produtos hortícolas e ate criando animais para os comercializar, o que lhe proporcionava um rendimento mensal não inferior a €200,00.(qº 56º);
Com tratamentos médicos da especialidade a que recorreu, o A despendeu quantia não concretamente apurada(qº 57º);
Em medicamentos pagos à sua conta, despendeu quantia não apurada (re qº 58º);
- Com tratamentos de fisioterapia e recuperação funcional despendeu quantia não concretamente apurada ( qº 59º );
- Em taxas moderadora gastou a quantia de €32,75( qº 60º);
- Em deslocações para exames médicos, consultas, tratamentos o A despende quantia não concretamente apurada ( qº 61ª);
- Aquando do acidente e por virtude deste, a A inutilizou umas calças, uma camisa, um casaco e uns sapatos que trazia vestido e calçado, tudo no valor de €100,00 (qº 62º);
- Na aquisição de um par de canadianas, despendeu não menos do que €15,00 (qº 63º);
- O A necessita ainda de ser submetido a consultas, tratamentos e intervenções cirúrgicas, de adquirir medicamentos e de efectuar deslocações para o efeito ( qº 64º );
- À data do acidente CC não tinha a responsabilidade civil por danos causado a terceiros com a circulação do EX transferida para qualquer companhia de seguros ( qº 67º);
- Em Setembro de 2001 havia encetado contactos para troca do EX por outro veículo novo, tendo-se dirigido à concessionária da OPEL, a “Garagem Justino” onde encomendou uma carrinha OPEL ASTRA CARAVAN (acordo das partes );
-Em 1 /10/2001, o dito Luiz Miguel entregou o EX na garagem e em 25 do mesmo mês recebeu a viatura encomendada para a qual transferiu o respectivo seguro (acordo das partes).

IV – Tendo em conta esta factualidade, vejamos se é possível formular um juízo de censura também no tocante ao condutor da viatura, enquanto podendo e devendo agir de maneira diferente no tocante, particularmente, ao domínio e controle da velocidade que imprimia ao EX e por, não o fazendo. acabar, no desenvolvimento de uma manobra de desvio, por colher o lesado, parado no eixo da via ante um movimento deste em direcção à faixa de rodagem por onde transitava.
Não se põe em dúvida que o A, pessoa já idosa (nasceu 20/01/1932) agiu com grave inconsideração ao tentar uma travessia da estrada onde se deu o acidente, em local que lhe não era permitido fazê-lo, ( vedação de uma das bermas com barras de protecção metálica) e, sobretudo, por o ter feito sem tomar a devida atenção, por se tratar ela de uma via de tráfego intenso - constituindo à margem da A1, o principal eixo de comunicações rodoviárias entre o Sul e o Norte do país - de que se aproximava pela faixa de rodagem contrária àquela de cuja berma partiu para a travessia, um veículo automóvel, ou seja, o EX que não podia deixar de lhe ser visível, por ali a estrada fazer uma recta com visibilidade de pelo menos 250 mtrs e sendo já dia claro e luminoso.
E tanto o fez de forma descuidada e errática que acabou por parar no eixo da estrada, acabando depois, nem se percebe muito bem porquê e já a curta distância do veículo que transitava pela hemi faixa de rodagem que lhe faltava para completar a travessia reiniciar esta e, logo, obrigando o respectivo condutor a desviar-se para a sua esquerda e junto ao eixo da via onde acabou, mesmo assim, por o atingir com o espelho retrovisor direito, embora também se diga que o atingiu com a parte lateral direita da viatura.
O artº 101º do CE é perfeitamente claro:
“1. Os peões não podem atravessar a faixa de rodagem sem previamente se certificarem de que tendo em conta a distância que os separa dos veiculos que nelas transitem a respectiva velocidade, o podem fazer sem perigo de acidente
2..O atravessamento da faixa de rodagem deve fazer-se o mais rapidamente possível
3. Os peões só podem atravessar a faixa de rodagem nas passagens especialmente assinaladas para o efeito, ou quando nenhuma exista a uma distância inferior a 50 metros , perpendicularmente ao eixo da via
4 . Os peões não devem parar na faixa de rodagem ou utilizar os passeios de modo a prejudicar ou perturbar o trânsito(…)”.
No caso, a múltipla violação de tal preceito pelo A é mais do que evidente, pelas razões já atrás aduzidas e reveladoras de uma grave imprevidência sua, falta de cuidado e atenção às condições de trânsito e tardia percepção da aproximação do veículo conduzido pelo 1º R.

Resta saber, no entanto, se o condutor do EX por que efectivamente estava em condições de visionar, como de facto visionou “ab initio” a travessia do A a partir da berma oposta da estrada, atento o seu sentido e, depois, a sua paragem a meio da mesma, poderia ou deveria, de imediato, proceder de forma a não ter que fazer justamente manobras bruscas de desvio ante o perigo que a movimentação e hesitações daquele, obviamente representava.
Importa para já referir que não ficou provado circular o 1º R a velocidade de 100klms hora como alegado, ou a outra qualquer, ou que se tivesse atrapalhado ao avistar o A e invadindo a hemi- faixa de rodagem esquerda; ou tão pouco que o fizesse junto ao eixo da via, o que se sabe, apenas, é que fez uma manobra apertada de desvio para a sua esquerda, por o A a cerca de 8/10 mtrs se deslocar do meio da estrada onde parara, ao aperceber-se da rápida aproximação do veículo por ele tripulado.
E digamos que se não fosse essa manobra, o acidente que apenas se verificou por embate duma saliência do veículo ( espelho retrovisor direito) com o corpo do A poderia, eventualmente, ter mais gravosas consequências.
Só que o comportamento do R BB também não é isento de reparo quanto ao cumprimento das regras básicas de condução automóvel, pois que podia e devia ter reduzido a velocidade ao aproximar-se do A., incluindo a necessidade de suster a respectiva marcha e, tudo, de modo a permitir que ele completasse, em segurança, a travessia, justamente, pela hemi faixa de rodagem por onde transitava.
Como se refere no artº 24º nº1 do Código da Estrada, então vigente, qualquer condutor deve regular a velocidade, de modo que atendendo às características e estado do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do tráfego e a quaisquer outra circunstâncias relevantes, possa em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
No caso vertente, a simples intromissão e presença do A à sua frente na faixa de rodagem e a sua hesitação em completar a travessia ante a aproximação do veículo, ficando depois parado impunha por elementar cautela ao seu condutor, o imediato controle da marcha deste por forma a prevenir o risco de manobras bruscas de travagem ou de desvio da trajectória, como no caso aconteceu.
É que não se compreende a displicência do R BB em prosseguir a marcha do veículo sem alterar a velocidade e a trajectória, pois devia prever o perigo inerente a qualquer movimento súbito do peão, tanto mais encontrar-se este em posição incómoda e perigosa, postado no eixo de uma via com as características atrás indicadas.
Isto significa que entre o momento em que avistou o início do atravessamento do A pela faixa de rodagem até proceder à descrita manobra, o 1º R transitava a velocidade inadequada, de resto, o que decorre dos autos é que manteve a velocidade anterior ( v resp. ao qº 22º) ou seja, procedeu como se o aparecimento e presença do peão a meio da faixa de rodagem não impusesse, por si mesmo, especiais cautelas no domínio da marcha do veículo.
Como se diz no Ac. deste Supremo de 6/02/97 in http//www cidade virtual pt,/stj bol 8civ.html)“ não é pelo facto de um peão não observar o dever prévio da cautela no atravessamento de uma via que o condutor fica dispensado dos cuidados exigíveis na condução, nomeadamente controlando a velocidade de modo a que a que o pudesse imobilizar antes de embater no peão”
Ora foi, justamente, por não o ter feito que depois se viu o dito 1ºR forçado a uma imediata manobra de desvio para a hemi faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha mas acabando por, infelizmente, atingir o A no meio da estrada.
E nem se invoque que o A reiniciara a travessia, a cerca de 8/10 mtrs do EX, ele próprio provocando aquela manobra, pois, antecedentemente, impunha-se, sim, ao 1ª R que regulasse a velocidade com que dele se aproximou e por forma a dar-lhe espaço, tempo e confiança para completar, sem mais sobressaltos, o atravessamento da hemi faixa de rodagem por onde transitava.
Ou não representava a movimentação e posterior posicionamento do peão, pessoa idosa, no meio da estrada circunstância relevante para, de imediato, reduzir o 1ª R a velocidade de que vinha animado e inclusive, suster, a marcha da viatura, prevenindo, com um qualquer passo em falso do mesmo, o perigo de com ele vir a embater?
A resposta não pode deixar de ser afirmativa.
O peão não lhe surgira inesperadamente e, muito menos, a correr, teve tempo e distância suficiente para observar a sua “lenta” caminhada pela hemi faixa de rodagem esquerda ( de mais de três metros) até parar no eixo da via, pelo que se lhe impunha uma drástica e imediata redução da velocidade, parando, inclusive, o veículo para que ele pudesse completar a interrompida travessia.
Segue-se, portanto, que ambos concorreram para que o acidente se verificasse, o A desde logo para proceder a um atravessamento da estrada em local em que lhe não era permitido fazê-lo, proceder a essa travessia a passo lento e, por fim,. parar no meio da via, de algum modo iludindo o condutor, riniciando a travessia a curta distância deste e forçando–o a uma manobra brusca de desvio não inteiramente conseguida, e o 1ªR por transitar a velocidade inadequada, rectius excessiva, por não regular antecipadamente a mesma de forma a poder tranquilizar o A. aliás pessoa idosa que parara no meio da estrada, prevenindo o recurso a manobras bruscas de travagem e de desvio de trajectória.
Nestas condições, julgamos que um e outro violaram normas preventivas estradais, com directa interferência no processo causal do atropelamento, logo existindo uma iniludível concorrência de culpas para a produção do evento danoso.
Tendo em vista todo o circunstancialismo descrito, cremos, bem vistas as coisas, implicar maior censura o procedimento do peão, designadamente em função da sua imprevisível reacção de sair do meio da estrada e avançar para a faixa de rodagem por onde circulava o veículo a muito curta distância deste, obrigando o seu condutor a uma perigosa manobra de inflexão da marcha do que o não redução por este da velocidade a que seguia, face ao seu aparecimento e posterior paragem no meio da estada, prevenindo todos os riscos que daí poderiam advir, mas sem esquecer que tentou e fez, mesmo, todos os esforços para não o colher e por isso colhendo-o apenas com o espelho do seu lado esquerdo, daí, fixarmos em sede de concorrência de culpas para a produção da acidente, uma percentagem de 40% para o condutor BB e 60% para o sinistrado.
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V -Uma vez que as instâncias não chegaram a apreciar a matéria dos danos, mas constando dos autos os elementos factuais a eles respeitantes, foram as partes convidadas pelo Relator e nos termos do artº 715º nº1 do Cod de Proc. Civil, aplicável subsidiariamente ao recurso de revista, a dizerem o que tivessem por conveniente, apenas o A vindo em requerimento de fls 602 a 608, sustentar a atribuição das seguintes verbas indemnizatórias:
a) Pelos danos não patrimoniais, o valor pedido de € 30.000,00;
b) Pelos danos patrimoniais decorrentes do impedimento para o trabalho enquanto esteve internado, a importância de € 640,00 e isto por ter ficado provado que auferia então o montante mensal de € 200,00 na lavoura ( €200,00:30x 96 dias);
c) Pelos danos futuros (perda de capacidade aquisitiva) o valor de € 10.800,00, para o que se devia tomar em conta uma esperança de vida até aos 80 anos e a repercussão das suas limitações nas tarefas quotidianas;
d) Por outras despesas já liquidadas, o valor de € 147.75, envolvendo estas taxas moderadoras, a inutilização do vestuário e a compra de canadianas;
e)Despesas provadas em consultas e exames médicos carecendo de liquidação, entendendo o A poderem elas ser fixadas em termos de equidade em € 900,00;
f) Danos futuros dada a provada necessidade do A ser submetido a tratamentos e intervenções cirúrgicas, estas a liquidar posteriormente.
Vejamos, então, se tais verbas têm cabimento para se definir o montante indemnizatório a que o lesado tem jus, nos termos das disposições combinadas dos artºs 483º, 562º, 563º, 564º e 566º do CCivil e tendo em atenção a fixada proporção de culpas.
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A questão dos danos não patrimoniais.
Não se duvida que foram sérias e extensas as lesões ósseas e musculares contraídas pelo sinistrado com a sua projecção e queda desamparada na berma direita da estrada, no sentido do veículo que contra ele foi embater e de que resultaram como sequelas permanentes,.mau grado os tratamentos intensos hospitalares e ambulatórios e intervenção cirúrgica, uma dificuldade de locomoção e utilização da perna direita, obrigando-o ao uso de canadianas e ainda lhe causando em permanência, transtornos de sensibilidade e circulatórios.
Para além disso e por má consolidação dos ossos no braço esquerdo, também ficou a padecer de uma atrofia muscular e sem força para executar tarefas implicando esforço físico, igualmente tendo aí perturbações circulatórias.
Sentiu e ainda sente dores nas partes afectadas e toda esta situação de manifesta invalidez, causa-lhe forte desgosto e abatimento psicológico. deixando –lhe uma expectativa de um fim de vida assaz atribulado,
Não obstante ser ele pessoa idosa, septuagenário, era antes do acidente, escorreita e activa.
Como sabido, a determinação destes danos é conseguido através de juizos de equidade referidos no artº 496º nº3 do CPCivil o que, evidentemente, importará uma certa dificuldade de cálculo.
São as circunstâncias particulares do caso, a “pedra de toque” de uma aferição equitativa de tais danos.
No caso vertente, o que pode de algum modo influir no “quantum” de semelhante indemnização, será a circunstância da lesado ser pessoa de idade avançada, obviamente que seu desgosto a angústia não pode atingir dimensão e gravidade idêntica a pessoa ainda na força da vida, sem o desgaste próprio e irreversível da senectude.
De todo o modo, não pode ser escamoteado que o A ficou com dois membros fortemente afectados nas suas funções, logo implicando uma redução significativa da sua qualidade de vida, implicando limitações à sua liberdade de movimentos a autonomia, dentro e fora de portas.
Assim e tudo ponderado, entendemos como adequado e justo, calcular o valor de tais danos em € 25.000,00, tomando em conta o momento da propositura, mas tendo em atenção a proporção de culpas, fixar nos termos do artº 570ºnº1 do CCivil, a respectiva indemnização em € 10.000,00 ( 25.000,00 – 15.000,00 = 60%)

A questão dos danos patrimoniais decorrentes da sua ITA temporária.
Ficou provado que o A auferia uma importância mensal de € 200,00 por trabalhos na exploração agro-pecuária por conta própria e, também, por conta de outrem e que por via do acidente esteve totalmente impossibilitado para o trabalho durante 96 dias.
Nada, pois, temos a apontar que tal se traduziu numa perda efectiva desse rendimento durante esse espaço de tempo, no valor global apontado de € 640,00 e que ponderando a atrás apontada proporção de culpas se traduz numa verba indemnizatória de € 256,00 (640,00 –384,00 = 60%)

A questão dos danos patrimoniais futuros.
Como atrás vimos, o A ficou a sofrer depois da alta de uma incapacidade parcial permanente de 45% .
Mas como calcular a perda de tais rendimentos?
Importa não esquecer trata-se de pessoa já na idade de reforma, embora não se ignore que no sector agrícola, face à desertificação do campo, existem milhares de pequenos agricultores com idade provecta, granjeando por essa forma, ajuda suplementar para o respectivo sustento.
No caso vertente, o A começou por estabelecer uma distinção sem grande razão de ser, entre o período de incapacidade total para o trabalho decorrente do seu internamento e tratamento ambulatório até ter alta e a situação decorrente da sua incapacidade permanente parcial para o trabalho.
Ora, no fim de contas, o A ficou, na prática, impossibilitado de realizar os trabalhos agrícolas a que se dedicava, por estes exigirem um esforço físico incompatível ou dificilmente conciliável com o seu coxear e perda de força muscular num dos braços.
Para determinar essa perda, o recorrente muito singelamente e ponderando uma esperança média de vida na ordem dos 80 anos para o sexo masculino o que nem é exacto, por ela se situar, actualmente nos 77 anos, conforme os dados do INE, acabou por achar um valor correspondente à soma dos rendimentos perdidos ao longo dos 10 anos, esquecendo que o recebimento por inteiro e de imediato de tal capital envolveria, teoricamente, um enriquecimento injustificado da sua parte, como ajuizado no estudo feito pelo Consº Sousa Dinis sobre o dano corporal em acidentes de viação na CJ /S Ano IX, Tº 1ª, 3 e ss.
Achou o mesmo, ponderando o alegado grau de incapacidade de 45%, um valor na ordem dos € 10.800,00, havendo, desde logo, que corrigir o período de sobre vida provável de dez para sete anos.
Nesta base, teríamos, assim, achado uma verba de €7.560,00 ( 200,00 x 12 x 7 x 45%)
Sobre tal montante, é que há-de de achar-se o capital que se esgotaria ao fim de tal período de trabalho provável e que em sede de equidade, entendemos ponderados a escassez do período de trabalho provável, a sobredita proporção de culpas e a sua idade, fixar em € 3.000,00

A questão dos restantes danos patrimoniais
Ficou provado que o A suportou ainda as seguintes despesas como directa consequência das lesões corporais contraídas no sinistro:
-Na aquisição da canadianas para poder caminhar, a quantia de € 15,00;
-.Em taxas moderadoras, a quantia global de € 32, 75;
-Pela perda de roupa e calçado que trazia aquando do acidente, € 100,00.
O que, tudo junto, perfaz € 147, 75 e que fazendo a dedução respectiva de 60% ( 88,65) dá o valor de € 59.10.

A questão dos demais danos patrimoniais futuros
Ficou provado que o A necessita ainda de ser submetido a consultas tratamentos e intervenções cirúrgicas, não havendo nos autos elementos para determinar essa indemnização.
Prevê o artº 564º nº2 do CCivil que na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsiveis e se não forem determináveis, a fixação da respectiva indemnização será remetida para decisão ulterior.
Ora no caso e face ao que ficou provado, tem o A jus a uma indemnização pelas despesas que terá de fazer face ao estado de debilitação dos membros afectados, indemnização a ser liquidada no incidente próprio.

A questão dos danos patrimoniais de quantitativo não apurado
O A faliu na prova do “quantum” dos danos em despesas médicas, designadamente em tratamentos de recuperação funcional e no âmbito dos quesitos 55º a 57º.
Pede a este respeito e com recurso à equidade que se fixem tais danos em montante não inferior a € 900,00.
Trata-se este de um valor que julgamos arbitrário, desde logo por se desconhecer quantos tratamentos foram feitos e qual o custo médio provável de cada um deles.
Assim, melhor será deixar a sua fixação para liquidação posterior, nos termos previstos no artº 661ºnº2 do CPCivil.

Somando as parcelas acima referidas, temos, pois como valor final dos danos patrimoniais e não patrimoniais que para o sinistrado resultaram do embate com o veículo EX e das lesões corporais contraídas, já devidamente ajustados à definida proporção de culpas, o de € 13.315,10 ( =10.000,00 + 256,00+3.000,00 +59,10)
A este acrescc o que se vier a liquidar quanto às despesas de tratamentos médicos e intervenção cirúrgica que se terá de submeter para recuperação dos membros afectados e os que já efectuou, mas de quantitativo não apurado.

Por tais danos, são responsáveis solidários o condutor da viatura e o Fundo de Garantia Automóvel, por inexistir seguro válido, nos termos das disposições combinadas dos artºs 21º nº 2 alns a) e b) e 29º nº 6 do DecLei nº522//85 de 31/12, já revogado mas ainda aplicável, sendo que a responsabilidade do Fundo fica limitada a € 13.296,10 por dela se dever subtrair o montante correspondente aos danos materiais provados ( inutilização da roupa e calçado) sendo de € 19,00 o total apurado, de harmonia com a proporção de culpas dos danos por despesas médicas, por via da aplicação da franquia de Esc 60.000,00, prevista no nº3 do citado artº21º.
Sobre os montantes apurados incidem, ainda, os juros de mora à taxa legal como pedido, com fulcro no artº 805º nº3, parte final do CCivil e a contar da respectiva citação.
Assim e concluindo:
- O facto de um peão, pessoa idosa, atravessar descuidadamente a faixa de rodagem, em local de resto não permitido, não dispensa o condutor que teve oportunidade de se aperceber da travessia desde o seu início e a passo lento pela faixa oposta de rodagem, larga de mais de 3 mtros, de controlar, de imediato, a marcha do veículo e, inclusive, de suster a mesma em face de uma hesitação e paragem deste no eixo da via, prevenindo a necessidade de efectuar travagens ou guinadas bruscas ao aproximar-se do local.
- O condutor mantendo a velocidade de que vinha animado e não a adequando a esse obstáculo à livre progressão da marcha da respectiva viatura torna-se, também, culpado por tardiamente ter que proceder a uma brusca manobra de desvio, devido a uma deslocação inopinada e a curta distância do peão para a hemi faixa de rodagem por onde circulava, acabando por atingi-lo.
- Em tais circunstâncias, cabe maior percentagem de culpa ao peão, por a sua paragem no meio da estrada induzir que aí se manteria, ante a aproximação do veículo e no desconhecimento da trajectória por este seguida e do seu maior ou menor afastamento do eixo da via.
- Ficando o A., septuagenário, agricultor de profissão e por efeito das lesões sofridas com o acidente, a coxear de uma perna e com um braço também afectado nos seus movimentos e força muscular e com perturbações circulatórias, obrigado a andar de canadianas, tendo suportado e continuando a suportar dores após um período de internamento e imobilização em casa de cerca de três meses, e sujeito a novos e constantes tratamentos, sofrendo com tal situação, por antes ser pessoa activa e autónoma, mostra-se ajustada, considerando o seu grau de culpa fixado em 60% a atribuição de uma verba de € 10.000,00 para tais danos não patrimoniais.

VI -Nos termos expostos, decide-se, pois, conceder a revista e, como tal, revogar o acórdão, julgando-se a acção parcialmente procedente e provada, indo os RR. 1 ºe 3º BB e Fundo de Garantia Automóvel condenados a pagar, solidariamente, ao A. AA a quantia líquida de €13,296,10 (treze mil mil, duzentos e noventa e seis euros e dez cêntimos ) e o R BB e apenas este, a pagar mais € 40,00 por conta dos danos materiais causados (= €100,00 x 40%) e ainda, um e outro, condenados a pagar 40% da quantia que se vier a liquidar pelos danos patrimoniais futuros em tratamentos e eventual nova intervenção e danos patrimoniais pretéritos, constantes dos quesitos 57º a 59º, até ao limite peticionado, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal, a contar da data da citação.
As custas serão pagas na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício da apoio judiciário concedido ao A.

Lisboa, 28 de Abril de 2009

Cardoso de Albuquerque (relator)
Salazar Casanova
Azevedo Ramos