Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | ROSA TCHING | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO MEDIDA DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO PRAZO CONTAGEM DE PRAZO PRINCÍPIO DA ACTUALIDADE PRINCÍPIO DA ATUALIDADE | ||
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Data do Acordão: | 01/18/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | INDEFERIDO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL - MEDIDAS DE COAÇÃO ( MEDIDAS DE COAÇÃO ) - REGIME PENAL DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM RISCO ( REGIME PENAL DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM RISCO ). | ||
Doutrina: | - Henriques Gaspar, et alii, “Código de Processo Penal”, Comentado, 2016. Almedina -2.ª edição revista, 853- 855. - Tomé d’Almeida Ramião, “Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo”, Anotada e Comentada, 4.ª ed. Revista e Aumentada, Quid Juris, Lisboa, 2006, 64 e 65. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 220.º, 222.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 18.º, 27.º, N.ºS 1 E 3. LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO (LPCJP): - ARTIGOS 1.º, 3.º, N.º 1, 34.º, 35.º, 37.º. | ||
Referências Internacionais: | «REGRAS DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A PROTECÇÃO DOS JOVENS PRIVADOS DE LIBERDADE», ADOPTADA PELA ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, NA SUA RESOLUÇÃO 45/113, DE 14 DE DEZEMBRO DE 1990, ALÍNEA B) DO PONTO 11 DO ANEXO. CONVENÇÃO EUROPEIA SOBRE OS DIREITOS DO HOMEM: - ARTIGO 5.º. CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA: - ARTIGO 9.º, N.º1, 37.º, ALÍNEA D). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 03.10.2001, CJ/STJ, ANO IX, TOMO III, 174. -DE 30.10.2001, CJ/STJ, ANO IX, TOMO III, 202. -DE 08.03.2006 E DE 02.03.2011, PUBLICADOS IN WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | I - Não obstante a medida de promoção e proteção prevista no art. 35.º, n.º 1, al. f), da LPCJP, ter por finalidade o afastamento do perigo em que a criança se encontra e proporcionar-lhe as condições favoráveis ao seu bem estar e desenvolvimento integral, ela não deixa de traduzir uma restrição de liberdade e, nessa medida, mesmo que não caiba nos conceitos de “detenção” e de “prisão” a que aludem os arts. 220.º e 222.º do CPP, configura uma privação da liberdade merecedora da proteção legal concedida pela providência extraordinária de “habeas corpus”, sob pena das ilegais situações de excesso da sua duração, por decurso do seu prazo máximo de duração (6 meses) ou por omissão de revisão ( findos os 3 meses), ficarem desigualmente protegidas em relação aos casos de detenção ou prisão ilegais. II - Daí que, embora o CPP, nos seus arts. 220.º e 222.º, n.º 1, preveja apenas a medida de habeas corpus para a detenção e prisão ilegais, atenta a filosofia subjacente a estas normas, tem-se por adequado aplicar, ao abrigo do disposto no art. 4.º do CPP e por analogia, o regime do “habeas corpus” previsto no citado art. 222.º ao caso dos autos, ou seja, à medida de provisória de acolhimento residencial do menor, sob pena de situações análogas gozarem de tratamento injustificadamente dissemelhante, com a consequente violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP. III - Tendo a medida provisória de acolhimento residencial por três meses, sido imposta ao menor por decisão proferida em 29-09-2016, à data da entrada em juízo da presente providência (às 17h43m do dia 09-01-2017), já se mostrava excedido não só o referido prazo de três meses, como o prazo imposto por lei para a revisão da referida medida, sendo, por isso, ilegal a manutenção do menor naquela situação. IV - Acontece, porém, que, com data de 10-01-2017, foi proferido despacho judicial que, com o fundamento de que, apesar das diligências realizadas, ainda não tinha sido possível apurar nos autos factos que justificassem uma alteração da referida medida, estando os autos a aguardar pela junção de relatório social de acompanhamento de execução dessa medida, decidiu- rever e prorrogar, por mais dois meses, a medida provisória aplicada ao referido menor, nos termos do disposto nos arts. 37.º e 35°, n.º 1, al. f) da LPCJP, pelo que, deixou de estar em causa a referência ao prazo inicialmente fixado de três meses, passando-se para um novo prazo de mais dois meses, legalmente consentido, porquanto o n.º 2 do citado art. 37.º estabelece como duração máxima da medida em causa, o prazo de seis meses. V - Não obstante a ilegalidade cometida ser suscetível de integrar o fundamento previsto na al. c) do citado art. 222.º, o certo é que, à data da autuação da petição de “habeas corpus”(10-01-2017), a mesma já tinha perdido atualidade, ou seja, deixou de persistir, o que, implica que a mesma não possa servir de fundamento de concessão da providência de “habeas corpus”. VI - Tendo a medida de colocação do peticionante sido ordenada pela entidade competente, motivada por facto pela qual a lei permite e mantendo-se a mesma dentro do prazo máximo de duração dessa medida de colocação, é de concluir que o requerente não está, atualmente, em situação de colocação ilegal, não se verificando, por isso, a existência dos pressupostos de concessão da providência extraordinária de “habeas corpus”. | ||
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Decisão Texto Integral: |
3ª-Secção[1]
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça * I. Relatório.
No processo de promoção e proteção nº 2704/13.9TMPRT, que corre termos pela Comarca do ... – Instância Central – ... Secção de Família e Menores – ..., vem AA, nascido em ..., i representado pela sua progenitora BB, ao abrigo do disposto no art. 31.º, da CRP, requerer a providência de Habeas Corpus alegando que:
«1. O menor AA foi institucionalizado com medida provisória de acolhimento residencial, i.e. “mutatis mutandis” “detido” e privado da sua liberdade, no dia 03.10.2016, pelo período de três meses conforme, aliás doutamente decidido.
2. Tal decisão foi com base num relatório da Segurança Social, salvo melhor opinião, que interpretou de forma absolutamente errada o relatório do IML.
3. Considerando que não se verificava, nem se verifica qualquer perigo actual e iminente para a vida ou de grave comprometimento da integridade física ou psíquica da criança, a Requerente juntou relatório de Ilustre Psicóloga Especialista aferindo que na data de elaboração do mesmo não existia qualquer perigo à integridade física ou psicológica do menor.
4. Sendo certo que o Tribunal, face a este novo elemento poderia rever a medida antes do prazo fixado, entendeu, legitimamente, não o fazer.
5. Acontece que o prazo de três meses, doutamente, ordenado expirou no passado dia 03.01.2017.
6. Estando ainda hoje o cidadão AA privado da sua liberdade, “mutatis mutandis” “detido” na Casa de Acolhimento ..., além dos três meses fixados pela, aliás, douta, decisão judicial.
7. Pelo exposto, nos termos do artigo 31.º da CRP, requer-se a V. Ex.ª que se digne declarar ilegal a medida provisória de acolhimento residencial, com a devida vénia e salvo melhor opinião, i.e., “detenção”, ordenando a libertação imediata do cidadão supra referido e a entrega imediata deste à sua progenitora, conforme é da mais elementar justiça.
8. Existem já precedentes de Habeas Corpus que foram decididos favoravelmente pelo STJ em situações análogas às dos presentes autos, como nos acórdãos 25/11.0YFLSB.S1, de 2/3/2011, assim como nos autos do processo 06P885, de 8/3/2006.
9. Em todas estas decisões está também em causa o interesse do menor, sendo que, nos presentes autos, o interesse do menor está igualmente em causa, porquanto o Tribunal “a quo” entendeu que, no interesse do menor, o período de detenção em lar do Estado não deveria exceder os 3 meses, período esse que se mostra já ultrapassado, sem que o menor tenha sido restituído à liberdade.»
Termos em que se requer, nos termos do artigo 31.º da CRP, seja declarada ilegal a medida provisória de acolhimento residencial, i.e., “detenção”, ordenando a libertação imediata do cidadão supra referido e a entrega deste à sua progenitora.
* Foi prestada a informação a que alude o artigo 223º, nº1, do Código de Processo Penal, dela constando que, nos termos do disposto nos art. 35º, nº1, al. f) e 37º da LPP, foi decidido rever e prorrogar, por mais dois meses, a medida provisória aplicada ao referido menor, que os progenitores do menor já foram ouvidos em tribunal e que os autos, no que respeita ao menor, encontram-se a aguardar pela junção de relatório social por parte do ISS, com vista a ponderar da viabilidade de eventual alteração da referida medida provisória. * Instruída a providência, com cópia das peças pertinentes, foi a mesma remetida ao Supremo Tribunal de Justiça. * Convocada a Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça e realizada a audiência pública, nos termos legais, cumpre, agora, decidir.
*** II. Fundamentação.
2.1. Fundamentação de facto.
Da informação acima transcrita e dos demais elementos constantes dos autos, resultam provados os seguintes factos:
1º- No processo de Promoção e Protecção que corre termos na Comarca do ...- Instância Central- ...ª Secção de Família e Menores – ..., foi proferido, em 29.09.2016, despacho judicial que, tendo em conta que a progenitora do menor AA, nascido no dia ..., não pretendia assumir os cuidados a prestar ao mesmo nem dispunha de competências parentais nem psicológicas para o efeito, que o menor ainda não tinha a paternidade estabelecida, encontrando-se o indigitado progenitor a cumprir pena de prisão e que não existiam familiares paternos ou maternos dispostos a acolher o menor e a cuidar do mesmo, considerou ser de decretar uma medida provisória de promoção e protecção destinada a acautelar o menor da situação de perigo em que se encontraria em caso de alta clínica, pelo que, nos termos do disposto nos arts. 37º e 35º, nº1, al. f) da LPCJP, decidiu aplicar ao menor a medida provisória de acolhimento residencial, por três meses, com o adequado acompanhamento pelo ISS.
2º- A presente providência deu entrada no Tribunal às 17h e 43 minutos do dia 9 de janeiro de 2017, tendo sido autuada em 10 de Janeiro de 2017.
3º- Por despacho judicial proferido em 10.01.2017 e com o fundamento de que, não obstante as diligências realizadas, ainda não tinha sido possível apurar nos autos factos que justificassem uma alteração da referida medida, estando os autos a aguardar pela junção de relatório social de acompanhamento de execução dessa medida, nos termos do disposto nos arts. 37º e 35º, nº1, al. f) da LPCJP, decidiu-se rever e prorrogar, por mais dois meses, a medida provisória aplicada ao referido menor.
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2.2. Fundamentação de direito
Posto que o requerente assenta a sua pretensão na ilegalidade da medida provisória de acolhimento residencial, motivada pelo decurso do prazo inicialmente fixado de três meses, importa indagar se a situação em que o mesmo se encontra enquadra-se na previsão do artigo 222.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal e se se verificam os dois requisitos enunciados no artigo 31º, nº1 da CRP, para a concessão de habeas corpus, o que suscita, desde logo, a questão de saber se, um menor a quem é aplicada a medida cautelar provisória de acolhimento residencial, pode, ou não, lançar mão da providência de habeas corpus.
* Determina o artigo 31º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, que « Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente». A providência de habeas corpus, tal como resulta deste artigo, constitui uma garantia constitucional de proteção do direito à liberdade individual contra os abusos de poder derivados de prisão ou detenção ilegal. Trata-se, no dizer dos Senhores Conselheiros Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça[2], de uma providência extraordinária, que permite reagir de forma expedita contra a detenção ou prisão ilegais, pondo fim imediato às situações de privação da liberdade que se comprove serem manifestamente ilegais, por configurarem violação grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação, diretamente verificável a partir dos documentos e informações juntos aos autos (e eventualmente dos factos apurados ao abrigo da al. b) do nº 4 do art. 223º do CPP). São os três os fundamentos de habeas corpus contra a prisão ilegal, enunciados taxativamente no art. 222º, nº2, al. a) [ incompetência da entidade que decreta a prisão]; al. b) [ ser esta motivada por facto pelo qual a lei não a permite] e al. c) [terem sido excedidos os prazos legais ou judiciais], do CPP, que têm de ser atuais, ou seja, têm de persistir no momento em que se proceder à apreciação do pedido, o que, no dizer do Acórdão do STJ, de 04.02.2016 (Proc. 502/15.4JDLSB-A.S1- 5ª Secção), implica que uma qualquer ilegalidade, porventura havida em fase anterior do processo e que já não persista quando o pedido é apreciado, não pode servir de fundamento. . *
In casu, por decisão de 29.09.2016, foi aplicada ao requerente, nascido a 28.02.2016, ao abrigo do disposto nos arts. 37º e 35º, nº1, al. f) da LPCJP, a medida provisória de acolhimento residencial, por três meses, com o adequado acompanhamento pelo ISS. Como fundamento do seu pedido de habeas corpus, invoca o requerente que à data ( 03.01.2017), já tinha sido ultrapassado o prazo de três meses de duração da referida medida cautelar. * Como é consabido, as medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo, sinopticamente designadas por medidas de promoção e proteção, de acordo com o disposto no artigo 34º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo ( doravante denominada LPCJP), visam afastar o perigo em que estes se encontram, proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso. Estas medidas são as elencadas nas alíneas a) a g) do nº1 do art. 35º da LPCJP. E, de acordo com o estipulado no nº2 deste mesmo artigo e no art. 37º, nº1, as previstas nas alíneas a) a f), podem ser decididas a título cautelar nas situações de emergência ou quando seja necessário proceder ao diagnóstico da situação da criança para encaminhamento subsequente, estabelecendo, porém, o nº2 deste art. 37º que estas medidas provisórias têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses. A situação de emergência, para efeitos de aplicação de medida provisória, no dizer de Tomé d’Almeida Ramião[3], inclui « as situações de urgência em que esteja em causa um perigo actual e iminente para a vida ou integridade física da criança ou do jovem, mas também outros direitos da criança ou do jovem, ou seja, sempre que exista uma situação de perigo actual e eminente que afecte a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento». E, neste sentido, é inquestionável que a medida provisória de acolhimento residencial, por três meses, com o adequado acompanhamento pelo ISS, prevista nos nºs 1, al. f) e 3 do citado art. 35º, e aplicada no caso ao menor Rafael, está sob tutela constitucional. Com efeito, a Constituição da República Portuguesa, após proclamar, no nº1 do seu artigo 27, que todos têm direito à liberdade, no nº3 deste mesmo artigo, não só permite a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos nas várias alíneas, em que se inclui a « sujeição do menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente» [ al. e)], como estabelece, no seu art. 30º, nº1, que « Não pode haver (…) medidas (…) «restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida». (sublinhado nosso) E ainda de acordo com os princípios proclamados na Convenção Sobre os Direitos da Criança[5], ratificada por Portugal em 1990, cujo art. 9º, nº1, dispõe que « Os Estados partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança (…)», estabelecendo na alínea d) do seu artigo 37º que a « a criança privada de liberdade tem direito de aceder rapidamente à assistência jurídica ou a outra assistência adequada e o direito de impugnar a legalidade da sua privação de liberdade perante um tribunal ou outra autoridade competente, independente e imparcial, bem como o direito a uma rápida decisão sobre a matéria».(sublinhados nossos). De salientar que, de acordo com o estabelecido na alínea b) do ponto 11 do Anexo relativo às «Regras das Nações Unidas para a Protecção dos Jovens Privados de Liberdade», adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, na sua Resolução 45/113, de 14 de dezembro de 1990, « Privação de liberdade significa qualquer forma de detenção ou prisão ou a colocação de uma pessoa num estabelecimento público ou privado do qual essa pessoa não possa sair por sua própria vontade, por ordem de qualquer autoridade judicial, administrativa ou outra autoridade pública.» (sublinhado nosso). Temos, assim, por certo que, não obstante a medida de promoção e proteção prevista no art. 35º, nº1 al. f) da LPCJP ter por finalidade o afastamento do perigo em que a criança se encontra e proporcionar-lhe as condições favoráveis ao seu bem estar e desenvolvimento integral, ela não deixa de traduzir uma restrição de liberdade e, nessa medida, mesmo que não caiba nos conceitos de “detenção” e de “prisão” a que aludem os arts 220º e 222º do CPP, configura uma privação da liberdade merecedora da proteção legal concedida pela providência extraordinária de “habeas corpus”, sob pena das ilegais situações de excesso da sua duração, por decurso do seu prazo máximo de duração ( 6 meses) ou por omissão de revisão ( findos os 3 meses), ficarem desigualmente protegidas em relação aos casos de detenção ou prisão ilegais. Daí que, embora o CPP, nos seus arts. 220º e 222º, nº1, preveja apenas a medida de habeas corpus para a detenção e prisão ilegais, atenta a filosofia subjacente a estas normas, temos por adequado, na esteira da orientação seguida nos Acórdãos deste Supremo Tribunal de 03.10.2001[6], de 30.10.2001[7], de 08.03.2006 e de 02.03.2011[8], aplicar, ao abrigo do disposto no art. 4º do CPP e por analogia, o regime do “habeas corpus” previsto no citado art 222º ao caso dos autos, ou seja, à medida de provisória de acolhimento residencial do menor, sob pena de situações análogas gozarem de tratamento injustificadamente dissemelhante, com a consequente violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP.
* Assente, deste modo, que um menor a quem é aplicada a medida cautelar provisória de acolhimento residencial, pode lançar mão da providência de habeas corpus e consabido que o habeas corpus não se destina a sindicar o mérito das decisões judicias, resta, agora, averiguar se a descrita situação submete-se à previsão da alínea c) do nº2 do citado artigo 222º (terem sido excedidos os prazos legais ou judiciais). Assim, revertendo ao caso dos autos, não temos dúvidas em afirmar que, tendo a medida provisória de acolhimento residencial por três meses, sido imposta ao menor AA por decisão proferida em 29.09.2016, à data da entrada em juízo da presente providência ( à 17h43m do dia 9.01.2017), já se mostrava excedido não só o referido prazo de três meses, como o prazo imposto por lei para a revisão da referida medida, sendo, por isso, ilegal a manutenção do menor naquela situação. Acontece, porém, que, com data de 10.01.2017, foi proferido despacho judicial que, com o fundamento de que, apesar das diligências realizadas, ainda não tinha sido possível apurar nos autos factos que justificassem uma alteração da referida medida, estando os autos a aguardar pela junção de relatório social de acompanhamento de execução dessa medida, decidiu- rever e prorrogar, por mais dois meses, a medida provisória aplicada ao referido menor, nos termos do disposto nos arts. 37º e 35º, nº1, al. f) da LPCJP. E a ser assim, como é bom de ver, deixou de estar em causa a referência ao prazo inicialmente fixado de três meses, passando-se para um novo prazo de mais dois meses, legalmente consentido, porquanto o nº2 do citado art. 37º estabelece como duração máxima da medida em causa, o prazo de seis meses. Significa isto que, não obstante a ilegalidade cometida ser suscetível de integrar o fundamento previsto na alínea c) do citado art. 222º, o certo é que, à data da autuação da petição de habeas corpus (10.01.2017), a mesma já tinha perdido atualidade, ou seja, deixou de persistir, o que, no dizer do supra citado Acórdão do STJ, de 04.02.2016, implica que a mesma não possa servir de fundamento de concessão da providência de habeas corpus. Daí que, tendo a medida de colocação do peticionante sido ordenada pela entidade competente, motivada por facto pela qual a lei permite e mantendo-se a mesma dentro do prazo máximo de duração dessa medida de colocação, seja de concluir que o requerente não está, atualmente, em situação de colocação ilegal, não se verificando, por isso, a existência dos pressupostos de concessão da providência extraordinária de habeas corpus. Tudo isto sem embargo de se considerar que é jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal que o decretamento da providência de habeas corpus pressupõe a ilegalidade da situação de privação de liberdade. No caso vertente, tal atualidade não existe, atento o despacho de fls. 24. Não obstante, causa a maior perplexidade verificar que o fundamento deste despacho tem na sua génese a omissão de diligências cuja realização deveria ter implicado uma necessária celeridade por parte do tribunal, a qual não se verificou, com as negativas consequências inerentes a nível da situação do menor, que exigiria a maior atenção.
III. Decisão
Termos em que acordam os Juízes da 3ª Secção deste Supremo Tribunal em indeferir a petição de habeas corpus apresentada pelo requerente, por falta de fundamento bastante, nos termos do artigo 223.º, n.º 4, al. a), do Código de Processo Penal.
Sem tributação.
Supremo Tribunal de Justiça, 18 de janeiro de 2017 (Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP).
Rosa Tching (Relatora) Santos Cabral ----------------- |