Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
281648/11.7YIPRT.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
CESSÃO DE CRÉDITOS
SUB-ROGAÇÃO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
VONTADE REAL DOS DECLARANTES
TERCEIRO
EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
Data do Acordão: 03/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / ACTOS PROCESSUAIS / ACTOS ESPECIAIS / CITAÇÃO E NOTIFICAÇÕES / CITAÇÃO DE PESSOAS SINGULARES / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / INTERVENÇÃO DE TERCEIROS / OPOSIÇÃO / OPOSIÇÃO MEDIANTE EMBARGOS DE TERCEIRO – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / PENHORA / PENHORA DE BENS IMÓVEIS.
Doutrina:
- Almeida Costa, Noções de Direito Civil, 2ª ed., 1985, p. 175;
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4ª ed, p. 324 e 349;
- J. Dias Marques, Noções Elementares de Direito Civil, 7ª ed., p. 188;
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II , 7ª ed., 2010, p. 17;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, Vol. I , 3ª ed., p. 579.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 236.º, 238.º, 349.º E 767.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 12-01-1995, IN CJ. STJ, ANO I, TOMO I, P. 19;
- DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 25-11-2014, PROCESSO N.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. As presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo, antes, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do Código Civil.

II. O Supremo Tribunal de Justiça só pode  censurar o  recurso a presunções judiciais  pelo Tribunal da Relação se esse  uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados.

III. A averiguação da vontade real dos declarantes, nos termos e para os efeitos dos artigos 236.° e 238.° do C.C., situa-se no domínio da matéria de facto, estando, por isso, fora, do âmbito do recurso de revista.


IV. A  assunção de dívida   é a aceitação por parte de  um terceiro (assuntor)  do pagamento de um passivo  de um devedor perante o credor deste.

V. Na assunção de dívida, o credor continua a ser o titular do mesmo crédito que detinha sobre o primitivo devedor, operando-se apenas, por força do contrato celebrado entre o antigo e o novo  devedor ou entre o novo devedor e o credor, uma mudança  na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração  do conteúdo  nem da identidade da obrigação. 

VI. A cessão de créditos consiste na  sucessão num crédito por efeito de um negócio jurídico inter vivos, através do qual o credor  transmite a um terceiro o seu direito.

VII. A  sub-rogação traduz  a substituição do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor  ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento.

VIII. Não é qualquer terceiro que cumpra obrigação alheia que beneficia da sub-rogação, mas apenas aquele a quem foi atribuído esse direito, por vontade expressa do credor  ou do devedor, ou aquele  a quem a lei reconhece esse direito, quer por ter garantido, previamente, o cumprimento da  obrigação, quer por ter um interesse patrimonial e próprio na satisfação do crédito.

IX. Não beneficia do direito de ficar sub-rogado nos direitos do credor o terceiro que, apesar de não ter  um interesse “direto e próprio” no cumprimento, assume a dívida e realiza a prestação alheia, valendo, antes,  a regra geral  do artigo 767º, nº1 do Código Civil, segundo a qual a prestação  pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, e  verificando-se, nestas circunstâncias, a extinção da obrigação.

Decisão Texto Integral:


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
2ª SECÇÃO CÍVEL


***


I. Relatório

1. A AA, Lda apresentou requerimento de injunção contra BB, Lda, para exigir desta o pagamento da quantia global de € 200.800,91 (sendo €200.647,91 a título de capital e €153 de taxa de justiça paga), a vencer juros de mora à taxa de 6,351 % desde a data da notificação até integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que a quantia peticionada de € 200.647,91  corresponde ao valor de fornecimentos de bens, prestação de serviços e despesas suportadas pela  CC, Lda, por  conta da BB, conforme notas de débito nºs 1, 3 e 4 e saldo de 31/95/2004, tendo a CC cedido estes créditos à requerente, por contrato de cessão de créditos, datado de 15/12/2010.

2. A requerida deduziu a oposição, excecionando haver erro na forma do processo e  abuso de direito e impugnando parcialmente os factos alegados.

Concluiu, pedindo a condenação da requerente como litigante de má fé, em multa e indemnização, devendo essa responsabilidade recair sobre os seus representantes DD e EE, nos termos do art. 458° do CPC.

3. Remetidos os autos à distribuição e autuados como ação ordinária, foi a autora notificada para  responder à matéria das exceções, o que fez.

4. Na sequência do convite feito, a autora procedeu ao aperfeiçoamento do requerimento inicial, sobre o qual se pronunciou a ré. 

5. Dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, que  julgou improcedente a invocada exceção do erro, após o que foi  fixado o objeto do litígio e elaborados os temas da prova.

6. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que decidiu julgar a ação improcedente e absolver a ré do pedido, absolvendo também  a autora do pedido de condenação como litigante de má fé.

7. Inconformada  com esta decisão, dela apelou a autora  para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 12 de julho de 2018,  julgou a apelação parcialmente procedente e,  revogando em parte a sentença recorrida, condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 31.593,61 (trinta e um mil, quinhentos e noventa e três euros e sessenta e um cêntimos), acrescida dos juros de mora peticionados (à taxa de 6,351 % ao ano) desde a data em que foi notificada da cessão por carta expedida no dia 30/05/2011, até efetivo pagamento, confirmando, no mais, a sentença recorrida.


8. Inconformada com esta decisão, veio a ré, BB, Ldª, dela interpor recurso de revista  para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
« V.A. Da inadmissibilidade da presunção do Tribunal da Relação relativamente ao acordo entre a BB e a CC

A. O Tribunal da Relação de Lisboa baseia a sua decisão de condenação da BB, aqui Recorrente, na modificação da matéria de facto relativamente aos pagamentos
alegadamente executados pela CC (cedente dos créditos peticionados nos autos
pela AA, cessionária e Recorrida) e que os mesmos foram efectuados com o
acordo
da BB, aqui Recorrente, constituiu-se esta devedora daquela pelo ressarcimento
daqueles montantes.

B.  Para o Tribunal da Relação de Lisboa o acordo da BB, aqui Recorrente, em relação aos pagamentos executados pela CC infere-se do facto de a composição das gerências de ambas as sociedades ser coincidente durante a altura dos pagamentos (cfr.,pp. 34 a 35 do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em crise).

C.  Ora, o Supremo Tribunal de Justiça tem poderes para, em sede de revista, censurar a decisão do Tribunal da Relação, quanto as conclusões, ilações ou presunções de factos não sejam a consequência lógica dos factos apurados ou estejam em conflito com a matéria de facto (cfr., e.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.09.2003, Relator: Santos Bernardino, Processo: 03B1954; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.12.2003, Relator: Ferreira de Almeida, Processo: 03B3794; Acórdão Supremo Tribunal de Justiça, de 05.05.2005, Revista n.° 817/05, 7.a Secção, Relator: Ferreira de Sousa; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 03.04.2013,Relator: Gonçalves Rocha, Processo: 241/08.2TTLSB.L1.S1, 4.a Secção; v., artigo 349º do CC).

D. O facto presumido - i.e., o acordo das mesmas sociedades relativamente à execução de pagamentos de uma em nome da outra - vai contra o acervo de factos não provados cristalizados pelo Tribunal de Primeira Instância e não alterados pelo Tribunal da Relação após a reapreciação da matéria de facto (e.g, fixou-se como não provado que a BB, Recorrente, mandatou a cedente dos créditos — CC — para efectuar
diversas encomendas e pagamentos em seu nome; e que a BB aceitou todos os
bens e serviços assim encomendados e pagos —
çfr., factos dados como não provados na sentença do Tribunal de Primeira Instância de 09.04.2015).

E.  O facto presumido vai ainda contra o acervo de factos dados como provados, os quais demonstram que a BB, Recorrente, não teve qualquer conhecimento das notas de débito relativas aos pagamentos aquando da sua execução, rejeitando, inclusive, a
existência de qualquer dívida perante esta
(c/r., factos provados n.°s 4, 8, 39, 40 a 43, 48,54 a 56);

F.  Logo, não existindo qualquer fundamento nos autos que sustente a presunção do
Tribunal da Relação e encontrando-se o facto que resultou da mesma manifestamente
contra o acervo de factos dados como provados e como não provados, cabe ao
Supremo Tribunal de Justiça sindicar e censurar a presunção judicial em crise,
eliminando dos autos como
facto presumido, o acordo da BB à execução de
pagamentos pela CC.

V.B. Da impossibilidade de reconhecer a AA como credora da BB

G.  A AA, aqui Recorrida, alegou ser credora da BB, aqui Recorrente, por força de um contrato de cessão de créditos celebrado com a CC (cfr., e.g., facto provado n.° 2), cedente, pelo que essa qualidade depende da existência e titularidade dos créditos que esta última cedeu ao abrigo do referido acordo.

H. As vicissitudes que afectavam a existência e titularidade do crédito de que a CC, cedente, alegava ser titular, acompanharam a transmissão do mesmo para a AA, cessionária (cfr., artigo 585.° do CC).

I. A natureza jurídica da conduta da CC é, essencialmente, a de sub-rogação dos credores originários da BB, aqui Recorrente, através dos pagamentos realizados pela primeira.

J. Ao alterar a matéria de facto, o Tribunal da Relação de Lisboa debruçou-se unicamente sobre os pagamentos alegadamente realizados pela CC, cessionária, a credores da BB, devedora e Recorrente (cfr., pp. 33 e 34 do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em crise).

K. No entanto, para que a CC, fruto dos pagamentos que alegadamente realizou, assumisse uma posição jurídica activa em relação à BB, seria necessário que a BB, aqui Recorrente, reconhecesse a CC como credora ou que essa posição resultasse ope legis (cfr., artigos 590.° e 592.° do CC).

L. Ora, os autos não apresentam qualquer vestígio de factos que revelem que a BB, aqui Recorrente, manifestasse, expressamente, nos termos e para os efeitos do artigo 590.° do CC, a vontade de sub-rogar a CC, até ao momento do cumprimento,

M. Pelo contrário, foi cristalizado como não provado que (i) a BB mandatou a CC para efectuar diversas encomendas e pagamentos em seu nome e que (ti) a BB aceitou todos os bens e serviços assim encomendados e pagos (tfny factos dados como não provados na sentença do Tribunal de Primeira Instância de 09.04.2015), pelo que não é possível sustentar que a CC foi sub-rogada pela BB, aqui Recorrente.

N. E, por outro lado, como facto provado que a BB, aqui Recorrente, rejeitou, inclusive, a existência de qualquer dívida perante esta (cfr., factos provados n.°s 4, 8, 39, 40 a 43, 48, 54 a 56);

O. Na verdade, ainda que se admita a existência do acordo da BB, aqui Recorrente, inferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa (cfr., pp. 34 a 35 do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em crise), a sub-rogação tem de ser resultado de uma vontade expressamente manifestamente, não bastando o simples consentimento para o facto do pagamento (cfr., Pires de Lima, Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.a edição revista e actualizada, reimpressão, Coimbra Editora, 2011, p. 606), pelo que, por esta via, também falece a possibilidade de considerar a CC credora da BB, aqui Recorrente, através de uma transmissão do direito de crédito dos credores originários de natureza sub-rogatória.

P. A qualidade de credora da CC sobre a BB, aqui Recorrente, não pode ser considerada fruto de uma sub-rogação legal (cfr., artigo 592.° do CC), porquanto, dos autos, não se retira que aquela sociedade tivesse garantido o cumprimento das obrigações da BB,

Q. Por outro lado, a CC, nos termos e para os efeitos do artigo 592.° do CC, não sub-rogou os credores originários da BB, aqui Recorrente, com fundamento no interesse na satisfação do crédito, tendo em conta que não tinha um interesse próprio, juridicamente tutelado, no cumprimento das obrigações da BB (e.g., pagamento feito a um credor preferente, para evitar uma execução ruinosa ou inoportuna para os demais credores) (cfr., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09.12.2010, Processo: 3670/06.2TVLSB.L1.S1, 2.a Secção Relator: Bettencourt de Faria; e, ainda, Pires de Lima, Antunes Varela, loc. cit., pp. 608-609).

R. A conduta da BB em recusar reconhecer qualquer posição creditícia à CC e, consequentemente, à AA, ainda que provada a execução de pagamentos aos seus credores, não é, de forma alguma, abusiva, tendo em conta que a lei reflecte a necessidade de tutelar a posição relativa do devedor, face à possibilidade da alteração do lado activo da relação jurídica resultar na entrada de um credor que procure satisfazer o crédito através da utilização de mecanismos de natureza mais agressiva ou beligerante perante o devedor, do aqueles de que seriam considerados pelos anteriores credores.

S. Como tal, a CC não tinha legitimidade para ceder qualquer crédito sobre a BB, aqui Recorrente, porquanto nunca assumiu qualquer posição jurídica activa dessa natureza.

T. Consequentemente, também a AA, aqui Recorrida, não poderia, ulteriormente, por via da cessão de créditos, assumir a qualidade de credora da BB, aqui Recorrente, encontrando-se este negócio contaminado pelos vícios que afectam a sub-rogação dos alegados credores originários da BB, aqui Recorrente, pela CC (cfr., artigo 585.°do CC).

Subsidiariamente,

V.C. Da revogação da condenação da BB, Recorrente, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no pagamento de € 12.500,00, por violação de lei substantiva

U. O Tribunal da Relação de Lisboa condenou a BB, aqui Recorrente, no pagamento do valor de € 12.500,00, computado no valor final de € 31.593,61 (cfr., facto alterado c, p. 33 do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa), sem que o mesmo fizesse parte do rol de créditos cedidos à AA, aqui Recorrente, nos termos do "Contrato de Cedência de Créditos" e Notas de Débito referidas na cláusula La do mesmo (cfr., Requerimento com a ref.a 12971480), celebrado com a CC, cedente.

V. Na verdade, o pagamento de € 12.500,00, relativo a salários dos empregados da BB, aqui Recorrente, que o Tribunal da Relação concluiu como integrado na Nota de Débito n.° 3, foi alegadamente executado na data de 28.06.2004, após a emissão da referida nota de débito, Le.t 31.05.2004, pelo que nunca poderia fazer parte do objecto do "Contrato de Cedência de Créditos" celebrado entre a CC, na qualidade de cedente, e a AA, na qualidade de cessionária (cfr., cláusula l.a e cláusula 2.a do "Contrato de Cedência de Créditos").

W. Como tal, o Tribunal da Relação, salvo o devido respeito, errou ao considerar que no objecto do "Contrato de Cedência de Créditos" incluía o referido valor, por referência à Nota de Débito n.° 3.

X. O Supremo Tribunal de Justiça tem poderes para interpretar o negócio jurídico de cessão de créditos em causa, fixando o seu sentido juridicamente relevante, no termos e para os efeitos dos artigos 236.° e 238.° do CC, circunscrevendo no seu objecto os créditos que efectivamente integram o mesmo (cfr., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02.06.1998, Processo: 98A293, Relator: GG Sacadura Garcia Marques).

Y. Ao fixar o sentido juridicamente relevante do "Contrato de Cedência de Créditos, nos termos e para os efeitos do artigo 236.° do CC, deverá o Supremo Tribunal de Justiça concluir que do objecto do mesmo, em particular, por referência à Nota de Débito n.° 3, não fazem parte os créditos resultantes do pagamento de salários de trabalhadores da BB executados após a data da referida nota (de, 31.05.2004).

Z. Por força da interpretação do negócio em causa pelo Supremo Tribunal de Justiça, expurgando-se do objecto do mesmo os alegados pagamentos a trabalhadores da BB, aqui Recorrente, pela CC, no valor de € 12.500,00, deverá, nos termos e para os efeitos do artigo 577.° do CC, considerar-se que o crédito daí resultante não foi cedido à AA, aqui Recorrida,

AA. E, nos termos e para os efeitos da alínea a), do número 1, do artigo 674.° do CPC, por violação da lei substantiva, revogar o segmento da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que condena a BB, aqui Recorrente, no pagamento do valor de € 12.500,00, à AA, aqui Recorrida.

Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente deve ser

a) revogado o acórdão recorrido, com as demais consequências legais; ou

B) Subsidiariamente, revogada parcialmente a Condenação da BB, Recorrente, no pagamento de € 31.593,61».

9. A autora respondeu, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

«1a Os factos fixados no acórdão sub judice  já não podem ser alterados pelo STJ, por a isso se oporem os artºs 674º nº 3 do CPC e 46º da Lei n° 62/2013, de 26/8).

2a Deverão, assim, ser desatendidas as alegações da recorrente, mantendo-se integralmente o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido nos autos, em 12/7/2018».

10. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

    


***

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões  que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].

Assim, a esta luz, as questões a decidir, traduzem-se em saber se:

1ª- houve violação da disciplina processual por parte do Tribunal da Relação, quanto ao uso dos poderes conferidos  pelo art. 662º do CPC em sede da alteração da decisão de facto;

 

2ª- existe fundamento legal para  reconhecer a AA como credora da ré.


***

III. Fundamentação

3.1. Fundamentação de facto

Factos dados como provados pelo Tribunal da 1ª Instância, com as alterações introduzidas elo Tribunal da Relação:

1. A R, BB, …, Lda., é uma sociedade que se dedica à radiodifusão, na frequência ..., e que até 2003 difundia a sua programação a nível nacional, em cadeia com outras rádios locais, sendo conhecida pelo público, como "..." (art. 1º p.i.).

2. Por documento datado de 15/12/2010 CC - …, Lda. declarou ceder a A AA, Lda. o crédito sobre BB, Lda., no valor de € 200.647,91, correspondente às Notas de Débito n" 1 de 2004, no montante de € 159.860,00, n° 3 de 2004, no montante de € 14.824,50, n° 4 de 2004, no montante de € 1.000,00 e ainda a um saldo a favor da cedente verificado em 31/05/2004, no montante de € 24.963,41 (art. 2º, 11º p.i.).

3. Quando interpelada a R não procedeu ao pagamento do crédito objecto destes autos (art. 8º p.i.).

4. Por carta datada de 15/09/2006, enviada por CC, Lda. e dirigida à R, aquela concedeu a esta o prazo de 30 dias para proceder à liquidação das notas de débito nº 1,3 e 4 e saldo (art. 9º p.i., 37º cont).

5. Por carta datada de 30/05/2011, enviada por CC, Lda. e dirigida à R, aquela informa a segunda que, em 15/12/2010, cedeu o crédito que detém sobre a R, no valor de € 200.647,91, à A (art. 10º p.i.).

6. DD e EE eram, à data da emissão das notas de débito em questão, sócios e gerentes da sociedade R, BB, Lda. e foram-no até 20/09/2004 (art. 3º p. i., 33º, 34º, 42º cont).

7. São actualmente simultaneamente sócios e gerentes da sociedade CC, Lda. (34º cont).

8. As notas de débito têm data de Maio de 2004 e referem-se a supostos pagamentos em 1998, 2000, 2001 (art. 36º cont).

9. Em 15/06/2004, entre FF e GG, como promitentes compradores, e DD, EE e HH, como promitentes vendedores, foi celebrado o contrato promessa, designado pelas partes como "Contrato A" pelo qual foi contratada a promessa de venda de duas sociedades que, no seu conjunto, desenvolvem o negócio da chamada ..., concretamente da totalidade do capital da "..., Lda." e de 99,22% do capital da Requerida BB, bem como os créditos de que os promitentes vendedores "são e serão titulares, à data dos contratos prometidos, titulares sobre as sociedades, seja a que título for" (art. 43º cont).

10. O preço global contratado para as cessões de quotas foi de € 850.000, repartido na proporção de 30% para a Rádio ... e de 70% para a BB, a pagar nos seguintes termos: € 175.000 na data da celebração do contrato promessa; € 75.000 na data da celebração dos contratos prometidos; e € 600.000 em oito prestações anuais e iguais de € 75.000 cada, a pagar no dia 2 de Janeiro de cada ano, vencendo-se a primeira no dia 02/0112005.

11. Nos termos das cláusulas 3ª e 4ª do contrato promessa, as partes acordaram num conjunto de pressupostos e condições do negócio, entre os quais se conta um conjunto de declarações e garantias prestadas pelos promitentes vendedores, relativamente às sociedades e aos créditos objecto da promessa, tendo acordado expressamente que "no caso de existirem incorrecções ou inexactidões em qualquer das declarações supra constantes da presente cláusula, os PROMITENTES VENDEDORES ficarão solidariamente obrigados a indemnizar e ressarcir as sociedades ou os PRIMEIROS OUTORGANTES - por opção destes - de todos os custos, despesas, indemnizações ou outras quantias pagas, bem como as perdas e prejuízos sofridos, decorrentes de tais incorrecções ou inexactidões, podendo compensar, total ou parcialmente, a indemnização devida com o remanescente do preço a pagar" (cláusula 4ª, n.º 3) (art. 45º cont).

12. Por aditamento ao contrato-promessa celebrado em 24/08/2004, foi acordado alterar as cláusulas 2ª, n.º 4, II, a) e 58, n.º 2, tendo sido, assim, contratado, que seriam pagos em 24/0812004 €100.000 e que, no acto da escritura pública, seriam pagos €275.000 correspondentes à parte em falta do preço da cessão de créditos, descontado dos €25.000, que, nos termos do n.º 5 da cláusula 58, teriam que ser pagos a um terceiro (art. 46º cont).

13. Em 20/09/2004, foi celebrada escritura pública de cessão de quotas pela qual DD, EE e HH declararam ceder as respectivas quotas representativas da totalidade do capital social da Rádio ... a FF, pelo preço global de € 170.000 (art. 47º cont).

14. Na mesma data, em 20/09/2004, foi celebrada a escritura pública de cessão de quotas e créditos pela qual DD e EE declararam ceder as duas quotas de que eram titulares na sociedade BB ao GG, pelo preço global de € 595.000  ( art. 48º cont).

15. Através dessa mesma escritura de 20/09/2004, os mesmos DD e EE declararam ceder ao FF o seu crédito de suprimentos sobre a mesma sociedade no valor de € 300.000, por preço igual ao respectivo valor nominal, que dele receberam até essa data (art. 49º cont).

16. Conforme também declarado por todos os outorgantes dessa escritura a referida cessão de quotas dá cumprimento ao contrato-promessa celebrado em 15/06/2004, de que ficou arquivada cópia (art. 50º cont).

17. Nessa mesma data DD e EE declararam ceder ao FF, pelo preço recebido de € 1, a totalidade dos créditos que detinham sobre a sociedade Rádio BB, para além do referido crédito de € 300.000 (art. 51º cont).

18. Desde a data da celebração do contrato promessa até à data da contestação, FF e GG pagaram ao DD, EE e HH a quantia de € 550.000 relativa ao preço das quotas e a quantia de € 300.001 relativa ao preço dos créditos, num total de € 850.001 (art. 52º cont).

19. Nos termos da Cláusula 4a do Contrato Promessa, "os PROMITENTES VENDEDORES declaram e garantem ao PROMITENTES COMPRADORES que:", nomeadamente, para o que interessa à presente acção:

"g) Todos os impostos, contribuições devidos, designadamente IV A (Imposto Sobre o Valor Acrescentado), IRC (Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas) e retenções IRS (Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), devidos pelas SOCIEDADES, até da celebração dos contratos prometidos, foram e serão liquidados e entregues nos respectivos cofres, com excepção dos créditos mencionados no anexo das dívidas (anexo 4), situação verificável na data realização das escrituras, referentes a este Contrato-promessa, com a alteração contemplada na CLÁUSULA SEGUNDA n°. 3, II, a).

( ... )

m) O Balanço a Contas de Resultados a demais documentos contabilísticos das SOCIEDADES foram sempre elaborados de acordo com princípios contabilísticos geralmente aceites em Portugal e reflectem com verdade e de forma exaustiva a situação financeira e fiscal das SOCIEDADES e a actividade exercida nos respectivos períodos, particularmente no que respeita aos seus activos e passivos e às transacções feitas até às datas a que se reportam;" (art. 53º cont)

20. A remissão feita na alínea g) da cláusula 4ª do contrato para CLÁUSULA SEGUNDA n°. 3, II, a) é, na realidade, para a Cláusula Segunda, n.º 4, I, a), conforme se pode constatar pela estrutura desta cláusula, pois, o n° 3 não se subdivide e ainda pelo conteúdo do nº 4 (art. 54º cont).

21. Do Anexo 4, referido na mencionada cláusula 48, consta a "Relação das Dívidas a Pagar em 31/12/2003", nos seguintes termos:

         1. "A Fornecedores e outros Devedores e Credores: Euros 300.000,00 (trezentos mil Euros);

         2. Estado e Entidades Públicas - Impostos e Caixa de Previdência: Euros 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil Euros);

3.Juros a pagar ao Estado: Euros 200.000,00 (duzentos mil Euros);

4.Impostos referentes a 2003: Euros 100.000,00 (cem mil Euros);

5. Indemnizações a pessoal despedido; Euros 200.000,00 (duzentos mil Euros); TOTAL: Euros 2.000.000,00 (dois milhões de Euros)

NOTA: Qualquer das verbas indicadas podem ser superiores ou inferiores aos valores apresentados, desde que o total não exceda os Euros 2.000.000,00 (dois milhões de Euros)." (art. 55º cont).

22. Por sua vez, a CLÁUSULA SEGUNDA nº. 4, I, a), que alterou os limites previstos neste anexo, dispunha que: "Com a celebração do presente Contrato-Promessa, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de Euros 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil euros), paga pelo Promitente Comprador - I, mediante a emissão de cheque visado a favor da Direcção Geral do Tesouro, destinado ao pagamento das Dívidas da BB à Fazenda Pública conforme Relação de Dívidas previstas no Anexo 4 - que, por força deste pagamento e do pagamento de um outro sinal no valor de € 25.000 (vinte e cinco mil euros) nesta data e € 100.000 (cem mil euros) até 20.07.2004, ao abrigo de outro contrato-promessa celebrado nesta data, fica o valor da dívida de € 2.000.000 referida nesse Anexo, reduzido para € 1.700.000,00 € (um milhão e setecentos mil euros), contabilizando-se € 300.000 (trezentos mil euros) como suprimentos do Segundo Outorgante sobre a Sociedade BB que serão cedidos, sem alteração do preço, no âmbito do presente contrato e do contrato prometido -, da qual os Promitentes Vendedores dão pelo presente contrato plena quitação aos Promitentes Compradores." (art. 56º cont).

23. DD, EE e HH garantiram aos FF e GG, em primeiro lugar, que as duas sociedades em causa não tinham naquela data e não teriam na data das escrituras definitivas então prometidas, dívidas para com terceiros, seja de que natureza fosse, de valor superior às dívidas existentes a 31/12/2003, no valor de € 2.000.000 (dois milhões de euros), "com as alterações contempladas na CLÁUSULA SEGUNDA, n." 4, I, a)", ou seja, que esse valor máximo seria no máximo de € 1.700.000 (um milhão e setecentos mil euros), por força do pagamento de dívidas da BB à Fazenda Nacional no valor de € 300.000, a realizar pelos FF e GG que contabilizariam esses € 300.000 como suprimentos prestados à sociedade e que cederam ao FF, na data da celebração dos contratos prometidos, pelo respectivo valor nominal (art. 57º, 58º cont).

24. Em segundo lugar DD, EE e HH garantiram aos FF e GG que as duas sociedades em causa, teriam, na data da celebração dos contratos prometidos, créditos cobráveis e publicidade contratada no valor de € 250.000, e que esse valor "cobriria" o valor máximo de € 250.000 de dívidas decorrentes da exploração normal das sociedades desde 01/01/2004 e das dívidas ao pessoal em serviço na BB, com os respectivos encargos e descontos legais (art. 59º cont).

25.  (facto eliminado pelo Tribunal da Relação).

26. FF, GG e a ora R BB, intentaram, em 09/01/2007, uma acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra DD, EE e HH, juntamente com o R II, que corre os seus termos na 4a Vara Cível de Lisboa, l.ª Secção, sob o nº 193/07.6TVLSB (art. 62º cont).

27. No referido processo, os aí AA. peticionaram que fosse:

1) Reconhecido o incumprimento pelos RR do contrato de compra e venda celebrado com os AA. em 20.09.2004, por violação das declarações e garantias prestadas por aqueles relativamente às sociedades, BB, Lda. e Rádio... - …, Lda., e seus créditos;

2) Os RR. condenados ao pagamento aos AA. ou às referidas sociedades, uma indemnização correspondente ao valor dos prejuízos causados pelo incumprimento contratual, no valor de € 656.577,21 ou € 916.270,78, se considerados os alegados créditos da CC, Lda. e a quantia correspondentes aos serviços jurídicos prestados aos RR. e às suas sociedades, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, desde a data da citação até integral pagamento, calculados à taxa legal em vigor;

3) Declarada como eficaz a compensação entre o montante remanescente do preço ainda em dívida pela aquisição das quotas das mencionadas sociedades e dos créditos dos RR. sobre estas, no valor de € 375.000, e o valor da indemnização supra referida, ficando os RR. ainda devedores da A. Rádio BB pelo montante de € 281.577,21 ou € 541.270,78 se considerados os alegados créditos da CC - …, Lda e a quantia correspondentes aos serviços jurídicos prestados aos RR. e às suas sociedades, valor pelo qual deverão ser condenados a pagar à A. Rádio BB, acrescidos dos juros de mora vencidos ou vincendos (art. 38º, 63º cont).

28. Por sua vez, DD, EE e HH, intentaram, em 03/08/2007, uma acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra FF e mulher, GG e mulher e outros, que corria os seus termos na 10.a Vara Cível de Lisboa, 2.a Secção, sob o n.º 3783/07.3TVLSB, entretanto apensada à acção n.º 193/07.6TVLSB, por despacho proferido nesses autos em 06/06/2008 (art. 64º cont).

29. Os aí AA, DD, EE e HH, vieram pedir a condenação dos aí RR no pagamento solidário aos aí AA da importância de € 27.500, relativos a prestações vencidas de € 1.250/mês desde 20/09/2005 e nas que se vencerem até integral pagamento, acrescidas de juros de mora futuros até integral pagamento de 4% ao ano sobre cada prestação em mora, o que perfaz € 11.550, tudo num total de € 39.050 fundamentando tal pedido na alegada violação pelos aí RR maridos da obrigação constante do acordo celebrado entre estes e os aí AA em 20/09/2004 relativo à cessação de uma hipoteca legal constituída a favor do JJ sobre dois andares onde funcionava a sociedade BB, Lda., consequência, segundo os aí AA, da concretização do negócio de aquisição de quotas e cessão de créditos relativos à rádio detida pela sociedade BB e a outras rádios, entre as quais a Rádio ... (art. 65º, 66º cont).

30. Os aí RR aí defenderam que foram os próprios AA., através do incumprimento do contrato de cessão de quotas relativo à BB e à Rádio ... a que se reporta o acordo de 20/09/2004, que impossibilitaram que os aí RR maridos substituíssem a hipoteca legal (art. 67º cont).

31. Os aí RR, FF e mulher, GG e mulher e outros, deduziram, em sede da sua contestação, um pedido reconvencional, tendo peticionado que fosse:

"1) Julgada procedente, por provada, as excepções apresentadas (i) de impossibilidade de cumprimento do acordo de 20.09.2004 pela violação pelos AA. das garantias prestadas no contrato A; (ii) subsidiariamente, da compensação do eventual crédito dos AA. com a indemnização pedida na acção 193/07.6 TVLSB da 4ª Vara Cível de Lisboa, 1ª secção; (iii), subsidiariamente, ainda, da compensação do eventual crédito dos AA. com o montante do sinal em dobro pago pelo R. FF no âmbito do contrato B cuja devolução se requer aos AA., em sede de reconvenção;

2) Julgada procedente, por provada, a reconvenção e:

a) Declarado resolvido o contrato de cessão de quotas e transmissão de participações de 15.06.2004 (contrato B), com fundamento no incumprimento contratual dos AA. Reconvindos e dos Intervenientes;

b) condenados estes no pagamento solidário ao R. FF da quantia de € 246.230,78 (duzentos e quarenta e seis mil duzentos e trinta euros e setenta e oito cêntimos), correspondente à devolução do sinal em dobro, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de notificação da presente reconvenção até integral pagamento, calculados à taxa legal em vigor;

c) subsidiariam ente e no caso referido em 1) (iii), condenados os AA. e os Intervenientes no pagamento ao R. FF da diferença entre o eventual crédito dos AA. e o valor do sinal em dobro relativo ao contrato B.

3) Deferida a apensação da presente acção à que corre termos na 4a Vara Cível de Lisboa, 1ª secção, sob o n.º 193/07.6TVLSB, e que, nos termos do art. 275º, n.º 3 do Código de Processo Civil, será igualmente requerida na referida Vara;

4) admitida a intervenção provocada principal passiva (quanto à reconvenção), na qualidade de reconvindos, de:

- KK, LDA, NIPC ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número, com sede na Rua …, n.º …, … e …, em Lisboa,

- CC, LDA, NIPC …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o mesmo número e com sede no …, n.º …, … dto, em Lisboa

- LL, titular do bilhete de identidade n.º …, emitido em 29.02.2000 pelos serviços de identificação civil de Vila Real, residente no …, n.º ..., em Chaves.

5) E, consequentemente, deve a presente acção ser julgada improcedente, por não provada, e os  RR. absolvidos dos pedidos." (art. 68º cont).

32. Os cedentes DD e EE intentaram uma acção executiva contra FF e mulher, MM, que deu entrada em 16/04/2009, com o valor de capital de € 300.000, acrescido de juros de mora, acção que corre os seus termos nos Juízos de Execução de Lisboa, 2.º Juízo, 2a Secção, sob o n.º 8513/09.2YYLSB (art. 69º, 70º cont).

33. Invocaram, para o efeito, o incumprimento do contrato promessa referente à BB e à Rádio... por parte de FF, nomeadamente no que toca ao disposto nas cláusulas 2a, n.º 3 e 4a, II), b), relativamente aos pagamentos a efectuar por este como contrapartida da cessão de quotas da BB e da Rádio ... (art. 71º cont).

34. Por requerimento de 11/05/2010, FF e MM, na qualidade de Executados em sede da acção executiva supra referida, juntaram aos autos uma garantia bancária até ao limite da quantia exequenda acrescida das respectivas custas, deduzindo, assim, o incidente de prestação espontânea de caução (art. 72º cont).

35. Posteriormente à prestação de caução, FF e mulher deduziram oposição à execução, que corre os seus termos sob o apenso B, tendo invocado, entre outros argumentos, a litispendência entre o processo 193/07.6TVLSB e a execução intentada por DD e EE (art. 73º cont).

36. Por despacho de 30/11/2011, embora julgando improcedente a excepção dilatória de litispendência, o Tribunal entendeu "suspender a presente oposição à execução, até decisão transitada em julgado a proferir na acção instaurada pelos opoentes que se 16 encontra pendente na 13 Secção da 43 Vara Cível de Lisboa, sob o n." 193/07.6TVLSB." (art. 74º cont).

37. Em data que não foi possível apurar a sociedade CC, Lda. emitiu duas notas de débito datadas de 03/05/2004 e de 31/0512004 (notas de débito nº 1 e 3), no valor total de € 174.684,50 (art. 76º cont).

38. Tais notas de débito referem-se a supostas despesas suportadas pela CC por conta da BB,  3 e 4 anos antes.

39. As notas de débito n° 1 e 3 foram apenas conhecidas pelo actual gerente da BB e pelo sócio desta, GG, depois de celebradas as escrituras públicas de 20/09/2004 (art. 78º cont).

40. Posteriormente, por carta datada de 15/09/2006 CC, Lda. veio exigir que a BB procedesse à liquidação de uma suposta dívida no montante de 200.647,91€ (art. 79º cont).

41.Parte da dívida mencionada nessa carta e respectivos documentos anexos correspondia às já supra referidas "Notas de Débito" nº 1 e 3, no valor de € 174.684,50, sendo que o restante montante correspondia a uma suposta "Nota de Débito" nº 4, datada de 20/09/2004, no valor de € 1.000, que não foi junta com a carta, e a um suposto saldo na BB a favor da CC em 31/05/2004, no valor de € 24.963,41, que nunca antes haviam sido reclamados (art. 80º cont).

42. Sendo que tanto a BB, como FF e GG, apenas tomaram conhecimento de existência de tal "nota de débito" [n. ° 4] e de tal saldo através da carta remetida pela CC em 15/09/2006 (art. 81º cont).

43. Em resposta à carta daquela de 15/09/2006, a R BB, através do seu gerente, FF, reiterou a sua posição quanto às supostas "notas de débito" n.ºs 1 e 3, por carta de 15/11/2006, referindo que "esta sociedade nada deve à sociedade CC - …, Lda." e que tais "notas de débito" "foram emitidas por essa sociedade [CC] com data de Maio de 2004, com o objectivo de aumentar ilicitamente o preço de venda das quotas das sociedades Rádio … ..., Lda e BB, Lda., formalizada em contrato promessa de Junho de 2004" (art. 82º cont).

44. Informou, ainda, desconhecer a referência a uma "Nota de Débito n.º 4", no valor de € 1.000, ou a um saldo a favor da CC em 31/05/2004, no valor de € 24.963,41, que nunca antes haviam sido reclamados (art. 83º cont).

45. Por carta de 30/05/2011 CC veio informar a BB que "em 15 de Dezembro de 2010 foi cedido pela nossa empresa [CC] o crédito que detemos sobre a BB, Lda., no montante de 200 647,91 euros, á firma AA - … Lda., aquém deve ser pago." (art. 84º cont).

46. No mesmo dia, por carta datada de 30/05/2011, veio a AA exigir que a BB procedesse ao pagamento do crédito cedido àquela pela CC, no montante de € 200.647,91, concedendo, para tal, um prazo de 8 dias (art. 85º cont).

47. A nota de débito nº 4 foi junta, pela primeira, com a carta remetida pela AA, datada de 30/05/2011 e, contrariamente ao que vem referido nessa nota, não foi junto qualquer cópia de cheque comprovativo do pagamento do valor aí indicado, i.e., com a carta foram apenas juntas as "notas de débito" n.º 1, 3 e 4 (art. 86º e 87º cont).

48. Em resposta às cartas remetidas pela CC e pela A AA, ambas datadas de 30/05/2011, a BB veio reiterar o entendimento já anteriormente expresso em sede da sua carta de 15/11/2006, não reconhecendo qualquer crédito que a CC, e, consequentemente, a A AA, alegadamente detivessem sobre si referindo ainda que, "atentas as ligações entre estas duas sociedades [CC e AA], cedente e cessionário (as sociedades têm os mesmos sócios, os quais são simultaneamente os cessionários das quotas da BB), não existem dúvidas de que a cessão ora comunicada visou somente evitar o efeito do processo judicial que ainda se encontra pendente e assim forçar um pagamento sem qualquer entrave ou limitação. Pelo que tal cessão não passa de uma simulação, sendo, desta forma, nula, nos termos do disposto no art. 240° do Código Civil, e sem nenhum efeito." e que "conforme consta da acção declarativa com o processo n." 193/07.6TVLSB que corre os seus termos na 43 Vara Cível de Lisboa, la Secção, em que o Senhor DD é parte, caso venham a ser considerados devidos os créditos indevidamente cedidos, o montante da indemnização devida pelos Senhor DD e pelos outros cedentes das quotas da BB, Lda. e da Rádio... -, Lda. para ressarcir os prejuízos causados pela violação das garantias prestadas e pelas incorrecções das declarações feitas, será de € 857.225,12." (art. 88º a 90º cont).

49. A nota de débito n° 1 que fundamenta a pretensão da Requerente data de 03/05/2004 e reporta-se a pagamentos alegadamente efectuados em 1998, 2000, 2001 e 2004 (art. 109º cont).

50. A nota de débito n" 3 data de 31/05/2004 e reporta-se ao pagamento de salários, honorários, despesas do tribunal e facturas da … cuja data se desconhece. (art. 110º cont).

51. A nota de débito n" 4 data de 20/09/2004 e reporta-se a pagamentos por conta do ... cuja data igualmente se desconhece (art. 111º cont).

52.A A invoca a existência de um saldo que data de 31/05/2004, mas cujo fundamento não alegou (art. 112º cont).

53. As notas de débito reportam-se a alegados pagamentos efectuados quando a cedente, CC e a A, AA, e a R, BB, partilhavam a mesma gerência (art. 114º cont).

54. As notas de débito n° 1 e 3 apenas foram dadas a conhecer à nova gerência aquando o envio da carta datada de 15/09/2006 (art. 115º cont).

55. A R não obteve qualquer resposta à sua carta datada de 15/09/2006, nem quando a A a informou da cedência dos créditos à AA, a 30/05/2011 (art. 118º cont).

56. A AA, Lda. admite que as notas de débito foram emitidas muito depois dos pagamentos a que se reportam (art. 122º cont).

57. Os documentos contabilísticos da BB, Lda. previamente à mencionada cessão de quotas, não reflectiam a situação financeira e fiscal da sociedade (art. 125º cont).


*

Factos dados como provados pelo Tribunal da Relação:

a. CC, Lda pagou no dia 9/11/1996 a quantia de 390.000$00, ou seja, €1.945,31, relativa a prospectos fornecidos à ré BB, Lda pela NN, Lda.

b. CC, …, Lda suportou em 17/11/2000 e 25/05/2001, respectivamente, o pagamento das quantias de 1.551.420$00 e 1.598.874$00 (3.150.294$00), ou seja, €15.713,60, para liquidação à PT de serviços prestados por esta à BB.

c. Em 28/06/2004 a CC, …, Lda suportou o pagamento da quantia de €12.500,00 referente a salários dos empregados da ré BB.

d. Em 15/04/2004, CC, .., Lda, pagou a quantia de €1.800,00 a OO, para liquidação parcial de um trabalho relativo à elaboração e prestação de contas até Dezembro de 2003 da Rádio....

e. CC, …, Lda, efectuou no dia 19/02/2004 o pagamento à … da quantia de €434,70, referente a serviços facturados por esta à BB, Lda. em 19/11/2003, 19/12/2003 e 21/01/2004.

f. Através de cheque datado de 17/09/2004, e enviado pela BB, Lda ao JJ, a CC, …, Lda pagou a este Instituto a quantia de €1.000,00, para liquidação de encargos com a avaliação de imóveis indicados pela BB, Lda.

g. Desde o ano de 2003 existe na contabilidade da ré BB, Lda um saldo a favor de CC, …, Lda, do montante de €24.963,41.


*

Factos considerados não provados em 1ª instância:

i) - No exercício da sua actividade, a R mandatou a cedente dos créditos para efectuar diversas encomendas e pagamentos em seu nome, beneficiando do crédito de que a cedente gozava junto de certos fornecedores, preços especiais e disponibilidade financeira que não possuía (art. 5º p.i.).

ii)  - A R beneficiou, nomeadamente de:

a) Combustível fornecido pela KK e pago pela cedente, que integrou em actividade de marketing e promoção da R;

b) Serviços de comunicação por satélite, fornecidos pelo Grupo … (PP) e pagos pela cedente;

c) Construção civil, nos escritórios da requerida em … (demolição de muro para alargamento do escritório e recomposição da parede) e no Monte da Virgem (construção de uma casa em alvenaria);

d) Pagamento de salários a colaboradores da R (art. 6º p.i.).

iii)  -  A R aceitou todos os bens e serviços assim encomendados e pagos pela A, utilizando-os, integrando-os na sua actividade (art. 7º p.i.).

iv) - Que a R tenha beneficiado de prazos dilatados, quando interpelada para pagar mediante a entrega das notas de débito (art. 8º p.i.)

v) - Que o contrato de cessão de créditos celebrado em 20/09/2004 tenha sido celebrado imediatamente celebrado antes das escrituras (art. 51º cont).

vi) - Que, ao contrário do garantido pelos cessionários - Cláusula 4a, n.11 1, alínea s), II, lª Parte - o valor das "dívidas decorrentes da exploração normal da BB e RÁDIO ..., a partir de 01.01.2004 e das dívidas ao pessoal em serviço na empresa BB, com os respectivos encargos" até 20.09.2004 era superior a € 250.000, concretamente era no valor de € 436.282,44 - sem contabilizar o alegado crédito da CC de € 174.684,50, nem o valor correspondente aos serviços jurídicos prestados efectivamente ao DD e às sociedades deste e dos outros cessionários de € 85.009,07 (art. 61º cont);

vii )- Que as contas da BB apresentavam mais de 1 Milhão de euros na caixa, em bancos e a receber de clientes, mas na realidade esta nada tinha em caixa e nos bancos, e a receber de clientes tinha apenas perto de € 60.000 (art. 61º cont).

viii) - Que a acção executiva referida nos pontos 34 e 35 tenha sido instaurada em clara má fé e com o intuito de pressionar FF (art. 69º cont).

vix) - Aquando da cessão de quotas da sociedade, a ora R tinha a correr contra si um processo de contra-ordenação instaurado pela Inspecção Geral do Trabalho em 26/03/2004 pelo não pagamento de salários aos 25 trabalhadores desde Novembro de 2003 a Março de 2004 (art. 139º cont).

vx) - À data da cessão de quotas da BB, encontravam-se pendentes contra a sociedade 24 processos judiciais, entre os quais diversos eram de natureza laboral, tendo sido a BB a suportar todos os custos daí inerentes, incluindo despesas com honorários de advogados, coimas e custas judiciais (art. 144º cont).

vxi) - À data da cessão de quotas, a BB tinha perante a QQ uma dívida no montante de € 15.200, tendo sido a própria A a regularizar o saldo em dívida (art. 146º cont).

vxii) - Ora, ao instaurar o presente procedimento, DD e EE, na qualidade de representantes da Requerente A AA, tenham agido com dolo, pois não ignoraram que tais créditos não existem e/ou não são exigidos à R.


***

3.2. Fundamentação de direito

Conforme já se deixou dito, as questões a decidir no presente recurso  prendem-se, por um lado, com  a violação da disciplina processual por parte do Tribunal da Relação, quanto ao uso dos poderes conferidos  pelo art. 662º do CPC em sede da alteração da decisão de facto.

E, por outro lado,  com  o reconhecimento  da  AA como credora da ré.


***

3.2.1. Quanto à primeira das questões supra enunciadas, e no que concerne  à admissibilidade  da presunção extraída pelo Tribunal da Relação, pronunciou-se este tribunal  nos seguintes termos:

«  (…) apurou-se que CC, Lda pagou:

- no dia 9/11/1996 a quantia de 390.000$00, ou seja, €1.945,31, relativa a prospectos fornecidos à ré BB, Lda pela NN, Lda;

- em 17/11/2000 e 25/05/2001 as quantias de 1.551.420$00 e de 1.598.874$00 (3.150.294$00), ou seja, €15.713,60, para liquidação à PT de serviços prestados por esta à BB;

_ em 28/06/2004 a CC, …, Lda a quantia de €12.500,00 referente a salários dos empregados da ré BB.

_ no dia 19/02/2004 a quantia de €434,70, à QQ, referente a serviços facturados por esta à BB, Lda, em 19/11/2003, 19/12/2003 e 21/01/2004.

_ por cheque datado de 17/09/2004, e enviado pela BB, Lda ao JJ, a quantia de €1.000,00, para liquidação de encargos com a avaliação de imóveis indicados pela BB, Lda.

As referidas quantias totalizam o montante de €31.593,61.

Os pagamentos assim realizados pela CC, …, Lda foram efectuados numa altura em que a gerência dessa sociedade e da ré BB, Lda era a mesma.

Infere-se desse facto que os pagamentos ocorreram com o acordo da BB, Lda, a qual se constituiu devedora da CC, Lda pelo ressarcimento daqueles montantes » .

Sustenta, porém, a recorrente a impossibilidade do Tribunal da Relação, com base em presunção judicial, ter dado como provada  a existência  de um acordo entre a CC - … Ldª  e a BB – …, Ldª, relativamente aos pagamentos efetuados por aquela sociedade  em substituição desta última.

Isto porque esse acordo vai contra os factos  dados como não provados e supra descritos nos pontos i) e iii).

E está também em contradição  com os factos dados como provados e supra descritos nos  nºs  4, 8, 39, 40 a 43, 48 e 54 a 56.

A este respeito, importa, desde logo, esclarecer que, tal  como vem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência, as presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo, antes, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do CC.

Tais presunções judiciais são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, conforme o disposto no artigo 351.º do mesmo Código.

E se é certo admitir-se, ainda que com alguma controvérsia, conforme nos dá conta o Acórdão do STJ, de 25/11/2014[2],  que o STJ  pode sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados, a verdade é que, no caso dos autos, o uso de  presunção judicial  por parte do Tribunal a quo, para dar como provada  que  «os pagamentos efetuados pela CC Ldª  ocorreram com o acordo da BB, Ldª », ocorreu sobre matéria em relação à qual  é admissível o recurso a  presunções judiciais, nos termos permitidos pelo artigo 351.º com referência aos artigos 392.º e seguintes do C C. e artigo 607.º, n.º 5, aplicável por via do artigo 663.º, n.º 2, do CPC.

Para além disso, tal utilização foi empreendida no âmbito da competência alargada da Relação em sede da impugnação da decisão de  facto, nos termos traçados  no artigo 662.º, n.º 1, do CPC e assentou, fundamentalmente,  nos factos dados como provados e supra descritos no pontos 6, 38 e 53, dos quais resulta que  DD e EE eram, à data da emissão das notas de débito em questão e foram até 20.09.2004, sócios e gerentes da sociedade ré, BB, Ldª  e  que as notas de  débito nºs. 1 e 3  referem-se a pagamentos efetuados  pela CC, por conta da BB, quando estas sociedades partilhavam a mesma gerência.

Por outro lado, não se divisa que o acordo dado como provado pela Relação exorbite a matéria alegada pelas partes.

Acresce que, contrariamente ao afirmado pela ré, não se vê que contrarie os factos não provados e supra descritos nos pontos i)  e iii),  nem os factos dados como provados e supra descritos nos pontos 4, 8, 39, 40 a 43, 48 e 54 a 56.

É que a circunstância de não se ter provado que «a ré BB mandatou a CC para efetuar diversas encomendas e pagamentos em seu nome, beneficiando do crédito de que a cedente gozava junto de certos fornecedores, preços especiais e disponibilidade financeira que não possuía  e de a ré ter aceitado todos os bens e serviços assim encomendados e pagos pela A, utilizando-os, integrando-os na sua actividade »,  não exclui, a possibilidade da CC Ldª ter efetuado os  pagamentos dos  bens, serviços e despesas em causa com o acordo da BB, Ldª , tanto mais que provado ficou, no ponto 38 que as  «  notas de  débito nºs. 1 e 3  referem-se a despesas suportadas pela CC por conta da BB».

E também em nada colide com   a factualidade vertida nos pontos 4, 8, 39, 40 a 43, 48 e 54 a 56 dos factos provados, uma vez que a mesma reporta-se ao período da nova gerência da ré  Rede –A.
Finalmente, indagando da questão de saber se a ilação retirada pelo Tribunal da Relação dos factos essenciais dados como provados revela falta de base factual instrumental ou indiciária ou padece de evidente ilogicidade no raciocínio presuntivo desenvolvido, dir-se-á que, não só os factos provados vertidos nos constantes dos pontos 6, 38 e 53 são de molde a  retratar um circunstancialismo indiciário do referido acordo, como não se descortina  que este facto inferido contrarie as regras da experiência  e padeça de qualquer ilogicidade evidente.
Com efeito, no  contexto de duas sociedades com os mesmos sócios gerentes, facilmente se compreende que uma delas possa suportar despesas e efetuar pagamentos por conta da outra.
Vale tudo isto por dizer que, no caso presente, mostram-se respeitados os parâmetros legais da utilização das presunções judiciais, seja em sede da sua admissibilidade, seja em sede dos seus pressupostos e da sua aparente logicidade.

Termos em que  improcedem, neste particular, as razões da recorrente.

*

Mas sustenta ainda a recorrente que o Tribunal da Relação errou ao considerar, por referência à nota de débito nº 3, que o objeto do “Contrato de Cedência de Créditos”  incluía  o  pagamento do valor de € 12.500,00, relativo a salários dos empregados da ré BB,  pois, tendo  tal  pagamento sido, alegadamente, executado na data  de  28.06.2004, o mesmo é posterior à emissão da referida nota de débito, datada de  31.05.2004.

Mais argumenta que, tendo o  Supremo Tribunal de Justiça poderes para interpretar o negócio jurídico de cessão de créditos em causa, fixando o seu sentido juridicamente relevante, nos termos e para os efeitos dos artigos 236.° e 238.° do CC, deve este Supremo Tribunal  concluir que do objeto do mesmo, não fazem parte os créditos resultantes do pagamento de salários de trabalhadores da BB.

Ou seja, no fundo, a recorrente impugna a decisão do Tribunal da Relação  que, em sede de reapreciação da decisão de facto e no que respeita à nota de débito nº 3, considerou provado  que:

« Em 28/06/2004 a CC, …, Lda suportou o pagamento da quantia de €12.500,00 referente a salários dos empregados da ré BB».   

Vejamos.

Conforme consta de fls. 1125 do acórdão recorrido, o Tribunal da Relação  fundamentou  esta sua  decisão  nos seguintes termos:

« O doc. nº 112 reporta-se  a uma despesa da CC correspondente a uma entrega em numerário no valor de € 12.500,00 em 28/06/2004.

Conjugando  o teor deste documento  com os depoimentos prestados pelas testemunhas RR( referiu que quase todos os meses iam à CC buscar dinheiro  que faltava), considera-se provado que, em 28/06/2004 a CC, ... , Ldª suportou o pagamento da quantia de € 12.500,00 referente a salários dos empregados da ré BB».

Ora, porque  esta atividade  inscreve-se no âmbito da valoração livre da prova pelo Tribunal da Relação, que escapa à esfera de competência  deste Tribunal de revista,  e ainda porque, no caso vertente, não se descortina  que  esta factualidade dada como provada colida com os  demais factos provados, mais não resta a este Tribunal de revista  senão acatar os factos fixados pela Relação, nos termos do artigo 682.º, n.º 1 e 2, do CPC.

E nem se diga, como o faz a recorrente, impender sobre o Supremo Tribunal de Justiça o dever de interpretar o negócio jurídico de cessão de créditos em causa e de  fixar o seu sentido juridicamente relevante, nos termos e para os efeitos dos artigos 236.° e 238.° do C.C., pois, como é consabido, a averiguação da vontade real dos declarantes  situa-se no domínio da matéria de facto, estando, por isso, fora, do âmbito do recurso de revista[3].

Com feito, nesta matéria a possibilidade de intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no controlo  da interpretação de declarações negociais limita-se à apreciação da observância dos critérios legalmente definidos para o efeito, questão que nem tão pouco se coloca nos presentes autos, posto que o Tribunal da Relação  não recorreu à interpretação das cláusulas do referido contrato de cessão de créditos para dar como provada a factualidade supra descrita.

Termos em que improcede também, neste particular, a pretensão da recorrente.


***

3.2.2. Mas defende ainda a recorrente carecer a CC de legitimidade para ceder qualquer crédito  sobre a BB. dada a impossibilidade  de se considerar a CC  credora da recorrente BB, através  de uma transmissão do direito de crédito dos credores originários de natureza sub-rogatória.

Posto que a resposta a dar a esta questão insere-se no âmbito da transmissão das obrigações, importa estabelecer as diferenças entre a assunção de dívida, cessão de créditos e  a sub-rogação, por forma a decidir em qual destas figuras se enquadra o acordo celebrado entre a CC Ldª  e a ré  BB.   
E a este respeito diremos, desde logo, que, contrariamente, ao que parecer ser o entendimento do acórdão recorrido, a assunção de dívida  não é a aceitação de um crédito, mas, antes, a aceitação por parte de  um terceiro (assuntor)  do pagamento de um passivo  de um devedor perante o credor deste.
Nesta figura jurídica, o credor continua a ser titular do mesmo crédito que detinha sobre o primitivo devedor, operando-se apenas, por força do contrato celebrado entre o antigo  o novo  devedor, ratificado pelo credor ( al. a) do nº1 do art. 595º do C. Civil) ou entre o novo devedor e o credor ( al. b) do nº1 do citado art. 595º ), uma mudança  na pessoa do devedor, mas sem que haja alteração  do conteúdo  nem da identidade da obrigação[4]
De salientar que, de harmonia com o disposto no nº 2 do citado art. 595º, o primitivo ou antigo devedor só fica exonerado do seu dever de prestar mediante declaração expressa do credor, situação em que estamos perante uma assunção liberatória de dívida. Na ausência de uma tal declaração por parte do credor,  o primitivo devedor mantém-se, juntamente com o novo devedor, solidariamente, obrigado perante o credor, existindo, neste caso, uma co-assunção  ou   assunção cumulativa de dívida do primitivo devedor. 
De referir ainda que o credor só deixará de ser o titular do direito de crédito objeto da assunção, quando a dívida for paga (extinção pelo pagamento), ou se o transmitir  por cessão  ou por outra via a outrem.
Por outro lado  e segundo, J. Dias Marques[5], a cessão de créditos pode definir-se  como « a sucessão num crédito por efeito de um negócio jurídico inter vivos ( v. g. , venda, doação, troca), através do qual o credor  transmite a um terceiro o seu direito».
No dizer de Menezes Leitão[6], um dos requisitos  desta forma de transmissão de obrigações  é a existência  de um negócio jurídico a estabelecer a transmissão  da totalidade  ou de parte de um crédito.
Por sua vez, ensina Almeida Costa[7] que à cessão de créditos não corresponde uma finalidade ou causa  única estabelecida na lei, podendo ocorrer  porque o cedente recebe uma contrapartida (cessão a título oneroso), porque deseja fazer uma liberalidade ao cessionário ( cessão a título gratuito), pretende extinguir uma obrigação (cessão solutória).
A cessão de créditos é, assim, um negócio de causa variável ou policausal, podendo  ter por base uma compra e venda (art. 874º do C. Civil), uma doação ( art. 940º), uma sociedade ( art. 984º, al. c) ), um contrato de factoring, uma dação em cumprimento ( art. 837º) ou pro solvendo (art. 840º, nº2) ou um ato de constituição de garantia[8].
Finalmente e no que concerne à  sub-rogação, ensina Antunes Varela[9], que o   direito de sub-rogação traduz « a substituição do credor na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor  ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento». 
A sub-rogação pode ser voluntária, quando proveniente de um acordo realizado entre o credor e terceiro ( art. 589º do C. Civil), ou entre o  devedor e o terceiro ( art. 590º do C. Civil), designadamente  quando, apesar de ser o devedor a cumprir, o faz com dinheiro  ou outra coisa  fungível emprestada por terceiro ( art. 591º do C. Civil), devendo, num e noutro caso, a vontade de sub-rogar ser expressamente manifestada[10].
E pode ainda ser  legal, quando opera por determinação da lei, independentemente  de declaração do credor ou devedor,  o que acontece relativamente ao terceiro que, em vez do devedor, cumpre a obrigação, quer  por ter garantido, previamente, o seu cumprimento ( por ex., constituindo hipoteca ou penhor sobre coisa sua), quer  quando  por outra causa estiver diretamente interessado na satisfação do crédito (art. 592º, nº1 do C. Civil).
Exige-se, assim, neste último caso, um interesse direto do terceiro que a doutrina  vem entendendo  como sendo um interesse patrimonial e próprio e que, segundo  Antunes Varela[11], verificar-se-á sempre que, com o cumprimento, o terceiro pretenda «evitar  a perda ou limitação dum direito eu lhe pertence” ou mesmo  quando  « o solvens apenas pretende acautelar a consistência económica  do seu direito», podendo  de um modo geral dizer-se  que tem interesse direto « quem é ou pode ser atingido na sua posição jurídica pelo não cumprimento e pretenda, precisamente evitar essas consequências»[12].

Ora, à luz destas considerações jurídicas, ficamos, desde logo, habilitados a afirmar que a circunstância da CC Ldª  ter efetuado, em substituição da devedora BB, Ldª e com o acordo desta,  o  pagamento de  bens, serviços e despesas da responsabilidade desta última,  não se reconduz à figura jurídica da sub-rogação voluntária, na medida em que, no caso dos autos, não existe  nenhuma declaração expressa da vontade de sub-rogar, seja do credor, seja do devedor.
E também não preenche os requisitos da sub-rogação legal, visto não resultar da matéria de facto provada que a CC, Ldª tivesse garantido o pagamento dos créditos em causa e/ou  tivesse qualquer interesse patrimonial e próprio na satisfação desses mesmos  créditos.    
Vale tudo isto por dizer que, não obstante a CC, Ldª ter procedido ao pagamento de dívidas da BB,  esse pagamento, mesmo com o acordo desta, não constitui, por si só, fundamento bastante  para  aquela poder  beneficiar do direito de ficar sub-rogada  nos direitos dos credores, valendo,  nestas  circunstâncias a regra geral  do art. 767º, nº1 do C. Civil, segundo a qual a prestação  pode ser feita tanto pelo devedor como por terceiro, interessado ou não no cumprimento da obrigação.
Por conseguinte, se o terceiro, apesar de não ter  um interesse “direto e próprio” no cumprimento, assume a dívida e realiza a prestação alheia e o credor aceita, não há transmissão do crédito  para o solvens, verificando-se, antes,  a extinção da obrigação.
Daí termos por certo que, nas circunstâncias dos autos, o pagamento  pela  CC Ldª   de dívidas  da  BB, Ldª para com terceiros,  determinou a extinção dos créditos em causa, não havendo, por isso, lugar  à sua transmissão para a CC Ldª.
E sendo assim, forçoso é concluir, diferentemente do afirmado no acórdão recorrido, pela impossibilidade desses mesmos créditos serem objeto de cessão por parte da CC à A AA, porquanto não se pode ceder direitos que não se tem.

 Termos em que procede, nesta parte, o recurso interposto pela ré.


***

IV – Decisão


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal  em:

A-  conceder parcialmente a  revista, e consequentemente, em revogar o  acórdão recorrido, no segmento  em que condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 31.593,61 (trinta e um mil, quinhentos e noventa e três euros e sessenta e um cêntimos), acrescida dos juros de mora peticionados (à taxa de 6,351 % ao ano) desde a data em que foi notificada da cessão por carta expedida  no dia 30/05/2011, até efetivo pagamento, absolvendo-se a ré deste pedido.

B- manter  em tudo o mais o acórdão recorrido.

As custas da ação ficam a cargo da autora e as custas  dos recursos ficam a cargo da autora e da ré, na proporção de 5/6 e 1/6, respetivamente.


***

Supremo Tribunal de Justiça, 28 de março  de 2019

Rosa Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

Catarina Serra


_______________________
[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2] Proferido no processo n.º 6629/04.0TBBRG.G1.S1 e acessível na Internet – http://www.dgsi. pt/stj.
[3] Acessível in wwwdgsi.pt.
[4] Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in, “ Código Civil, Anotado”, Vol. I , 3ª ed.  revista e atualizada, pág. 579.
[5] In, “Noções Elementares de Direito Civil”, 7ª ed., pág. 188.
[6] In, “ Direito das Obrigações”, Vol. II , 7ª ed., 2010, pág. 17.
[7] In, “Noções de Direito Civil”, 2ª ed., 1985, pág. 175.
[8] Neste sentido, Antunes Varela, in, “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 4ª ed, pág.349 e Menezes Leitão Direito das Obrigações”, Vol. II , 7ª ed., 2010, pág. 17.
[9] Neste sentido, Antunes Varela, in, “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 4ª ed, pág.324.
[10] Por escrito  ou verbal, nos termos gerais do art. 1219º do C. Civil, não bastando o simples consentimento.
[11] Neste sentido, Antunes Varela, in, “Das Obrigações em Geral”, Vol. II, 4ª ed, pág.324.
[12] Excluindo-se, no dizer do mesmo autor,  os casos em que o cumprimento se realize  no exclusivo interesse do devedor ou por mero interesse “moral” ou “afectivo” do “solvens”.