Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
144/07.8TMBRG-C.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
REVOGAÇÃO DO DESPACHO SOBRE MAPA DE PARTILHA
ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA
REQUISITOS DO ART. 671º.1.CPC
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO SE CONHECE DO OBJECTO DE RECURSO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / PENHOR / PENHOR DAS COISAS / DEVERES DO CREDOR PIGNORATÍCIO.
Doutrina:
- ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 46, 351-352, 353-354, 360;
- AUGUSTO LOPES CARDOSO, Partilhas litigiosas, Volume III, Almedina, Coimbra, 2018, p. 55;
- FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, Volume I, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, p. 70;
- FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, Volume I cit., p. 74-75;
- PINTO FURTADO, Recursos em processo civil, 2.ª ed., Nova Causa/Edições Jurídicas, Braga, 2017, p. 123 e ss.;
- RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2015, p. 109, 174-175.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 671.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 26-10-2014, PROCESSO N.º 2557/04-6, IN SASTJ, CIVEL 2004, WWW.STJ.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 287/90, DE 30/10/1990, IN DR 2ª SÉRIE, DE 20-02-1991.
Sumário :
Não é admissível recurso de revista, tendo em conta o art. 671º, 1, do CPC, de acórdão da Relação que, em processo de inventário para partilha de património de casal dissolvido por divórcio, revoga o despacho determinativo da forma da partilha e anula toda a tramitação subsequente, incluindo a sentença homologatória da partilha, uma vez que tal conteúdo não configura uma decisão final que conheça do mérito da causa ou ponha termo ao processo, antes determina a reconstituição dos autos em 1.ª instância, sem a completude decisória necessária que admita a revista pelo filtro delimitado pelo referido art. 671º, 1, do CPC.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 144/07.8TMBRG-C.G1.S1

Revista – Tribunal recorrido: Relação de Guimarães, 1.ª Secção


Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça

6ª Secção


I. RELATÓRIO

1. AA, enquanto cabeça de casal, requereu em 27.2.2009 processo especial de inventário para partilha de bens de casal dissolvido por divórcio, sendo requerido BB, que seguiu os termos do regime previsto nos arts. 1326º e ss do CPC de 1961, em especial o disciplinado nos arts. 1404º e ss para a «partilha consequente à extinção da comunhão de bens entre os cônjuges»[1], correndo por apenso ao processo de divórcio dos requerente e requerido. A requerente atribuiu como valor da acção o montante de € 15.000,01.

2. Depois de uma longa tramitação e vissicitudes processuais várias, foi proferido despacho, em 27/10/2015, através do qual se sugeria a data de 25/11/2015 para a realização de «conferência de interessados» (arts. 1352º/1353º CPC 1961), determinando-se que “os interessados devem estar habilitados a decidir todas as questões previstas no art. 1353º do Código de Processo Civil”, assim como a notificação das partes também “para se pronunciarem sobre a atualização do valor da ação que deverá ser feito nos termos do art. 308º, 3, do Código de Processo Civil, redação de 2013/302º, 3, da sua atual redação” (cfr. fls. 394-395). Tal «conferência de interessados» veio a concretizar-se em sessões realizadas em 30/3/2016 e 8/4/2016 (fls. 440 e ss).

3. Foi realizada conferência de interessados em sessões ocorridas nos dias 30/3/2016 e 8/4/2016 (fls. 440-444).

4. Em 4/7/2016, foi proferido despacho determinativo da forma da partilha (rectificado por despacho de 29/11/2016: fls. 469; v. infra, ponto 8.), com este conteúdo (fls. 447-448):

“Da análise das compensações e passivo reclamados, de acordo com a previsão do art. 1354º e ss., do Código de Processo Civil, redação de 2013, e a vontade expressa pelas partes…

Tendo em conta o reconhecimento por ambos inventariantes do passivo da verba nº 9 [rectificado], esse crédito, no valor atual de 8864,73€, considera-se judicialmente reconhecido (cf. art. 1354º, nº 1, do Código de Processo Civil).


*

Resta, portanto, apreciar os créditos que as partes decidiram manter em discussão, das verbas n.os 10 a 13 e 18.

No que concerne aos créditos da C.c., sobre o património comum do casal, referidos em 11 (642,49€) e 13 (59,54€), estamos perante montantes, actualizados, em conferência de interessados, que ambas as partes aceitaram, como resulta da vontade de requerente (C.c.) e interessado, vertidas na ata de 30.3.2016 (cf. Em particular fls. 441), pelo que, devem considerar-se, de forma similar à acima enunciada, judicialmente reconhecidos.

No que diz respeito aos restantes, para que estes alegados créditos fossem considerados à luz da previsão do art. 1689º, do Código Civil, era necessário que o C.c./alegado credor tivesse, além disso, feito prova de que tais valores foram pagos, extinguindo assim total ou parcialmente o débito em causa (cf. art. 342º, nº 1, do Código Civil).

No caso, também aqui, o interessado BB, declarou aceitar, inclusive, valores posteriores ao momento do divórcio.

Está, por outro lado, documentado nos autos, com a informação de fls. 153, que o valor das prestações relacionadas na verba nº 12, referentes ao mencionado crédito pessoal, atingem pelo menos o valor atualizado de 7484,62€, pelo que, conforme pretendido pelo interessado e previsto nos arts. 1355º/1360º, considera-se seguramente demonstrado este outro crédito da C.c. sobre o património comum do casal.

No que toca à verba nº 10, a fls. 153, já em 2011, a ... informava que o seu valor ascenderia a 17205,68 euros (entre 7.5.2003 e 7.3.2011 (sem que o interessado pusesse em causa a credibilidade tal dado).

De acordo com os elementos documentais entretanto juntos a fls. 409 e ss., desde a prestação 188 à 243 (paga em 9.11.2015), foram pagos mais 9990,64 euros pela C.c., o que perfaz um total de 27196,32 euros, valor que que se reconhece como o do crédito a contabilizar sob a verba nº 10, ao abrigo do acima enunciado.

Por fim, no que respeita ao Crédito da verba nº 18, aditada por acordo das partes a fls. 339, constituindo crédito do interessado BB sobre o património comum do casal, foi reconhecido em conferência de interessados o valor de 77,33 euros (cf. fls. 326), estando, por isso, igualmente reconhecido como tal.”

A requerente AA foi casada com o interessado BB, segundo o regime de comunhão de adquiridos mas, por sentença transitada, foi decretado o divórcio entre ambos e com efeitos que se retrotraem a 16.2.2007, data da propositura da ação (cf. art. 1789º, nº 1, do Código Civil).

Todos os bens (ativo) relacionados e considerados como tal na conferência de interessados fazem parte do património comum do dissolvido casal.

Existem passivos e créditos compensatórios a considerar.

Posto isto, nos termos e para os efeitos do estabelecido no artigo 1373º do Cód. de Proc. Civil, decide-se que à partilha se deverá proceder da seguinte forma:

- Somam-se os valores dos bens relacionados (ativo), atendendo ao valor por que foram licitados a final;

- De seguida, subtrai-se o valor do passivo aprovado (verba nº 8);

- O resultado obtido divide-se em duas partes iguais, cabendo cada uma (meação) a cada um dos interessados (cf. arts. 1689º, nº 2, e 1730º, nº 1, do Código Civil).

Da meação assim atribuída aos interessados/ex-cônjuges será então conferido/subtraído 50% do valor dos referidos créditos sobre o património comum do casal.

O preenchimento dos quinhões, será feito de acordo com as licitações.

Proceda-se nos termos do art. 1375º e ss., do Código de Processo Civil, após a C.c. juntar certidão predial atualizada do imóvel partilhado, o que se determina, com prazo de 5 dias”.

5. A secretaria judicial organizou e juntou aos autos “mapa informativo” de partilha, nos termos do art. 1376º do CPC 1961, que faz fls. 470.

6. Notificado desse “mapa informativo”, o requerido veio requerer a sua rectificação e reclamar a pagamento das tornas devidas (cfr. fls. 476-477; data de apresentação: 5/9/2017). Em 24/10/2017, proferiu-se despacho nos autos a ordenar a rectificação, por se tratar de “manifesto lapso de cálculo” (cfr. fls. 483 dos autos).

7. Em execução deste despacho de 24.10.2017, que ordenou tal rectificação, a secretaria judicial elaborou e juntou aos autos novo “mapa informativo”, que faz fls. 484, informando que “o valor dos bens da herança, com a redução de valor em conferência de interessados e aumento das licitações e abatendo o passivo, passou a ser de: 29.995,27 – (38.860,00 – 8.864,73)”.

8. O Requerido/Recorrido, notificado do despacho determinativo da forma da partilha, requereu a sua correcção em face de “lapso manifesto”, “de modo a que o mapa da partilha possa ser correctamente elaborado, evitando-se, assim, uma eventual impugnação do despacho determinativo”, uma vez que, em relação às verbas no 10 e 12, “o interessado BB não aceitou ‘inclusive’ os valores posteriores ao divórcio, como aí [parágrafo 6º do despacho] se refere, mas aceitou unicamente os valores posteriores ao momento do divórcio, desde que documentados” (cfr. fls. 459-461 dos autos; data do requerimento: 8/9/2016). A Requerida/Recorrente respondeu, pugnando pela manutenção do despacho, devendo apenas proceder-se à correcção do escrito sobre a verba 8 (cfr. fls. 467-468 dos autos; data da apresentação: 22/9/2016). Em 29/11/2016, proferiu-se despacho nos autos, que rectificou o despacho determinativo quanto à indicação da verba n.º 8 – passar a ler-se verba n.º 9 – e indeferiu o restante: “inexiste qualquer lapso de escrita, sim decisão sobre os créditos reclamados, nos termos expostos, sendo irrelevante a pendência da mencionada ação judicial” (cfr. fls. 469 dos autos). 

9.Em 10/9/2018, foi proferido despacho a ordenar a elaboração do “mapa de partilha” definitivo, que faz fls. 491.

10. Em cumprimento, foi organizado e junto aos autos esse “mapa de partilha” definitivo, no qual consta como “total do activo” o valor de € 38.860,00 e como “total a partilhar” (deduzido o “passivo”) o valor de € 29.995,27 € (cfr. fls. 492).

11. Por fim, em 3.10.2018, foi proferida sentença homologatória da partilha com o seguinte teor:

“Nos presentes autos de inventário para separação de meações nos bens comuns do casal constituído por AA e BB e em que aquela desempenha as funções de cabeça-de-casal, homologo, pela presente sentença, a partilha constante do mapa de fls. 492, adjudicando aos interessados os respectivos quinhões.

Nos termos do disposto no art. 1354º, n.º 1, do C. P. Civil, ordena-se o pagamento das dívidas passivas aprovadas, conforme o acordado entre os interessados.

Custas pelos interessados – art. 1383º do CPCivil.”

12. Inconformado, o requerido interpôs recurso de apelação – admitido por despacho proferido em 12/12/2018 – que, em 24/1/2019, foi julgado procedente no que concerne à questão do “não reconhecimento do passivo quanto às verbas n.os 10 e 12 mencionadas no despacho determinativo da forma da partilha por parte do requerido/recorrente”, “revogando-se o despacho determinativo da forma da partilha, anulando-se os actos subsequentes, incluindo a sentença da partilha” (fls. 515 e ss).

13. Confrontada e sem se resignar, a requerente interpôs recurso de revista para este STJ, fundando-se nos arts. 671º, 1, e 629º do CPC, apresentando 30 Conclusões, que se transcrevem a partir da 2.ª:
“2º Na relação de bens que a aqui recorrente apresentou relacionou, além do mais, como passivo da herança a verba nº 10 correspondente ao valor do pagamento das prestações que pagou relativas ao empréstimo para aquisição do imóvel identificado na verba 9º e que foi a casa de morada de família, e a verba nº 12 correspondente ao valor do pagamento das prestações pagas pela recorrente referente a um crédito pessoal contraído pelo casal.
3º No que toca à verba nº 10, já em 2011, a ... veio informar que o valor das prestações pagas até 7.03.2011 ascenderia a 17.205,68 €, e o valor das prestações pagas relacionadas na verba nº 12 correspondentes ao crédito pessoal o valor fixava-se em 7.484,62.€.
4º Na conferência de interessados realizada em 16.09.2014 com base nos elementos dos autos as partes concordaram em manter as verbas nºs 10 a 13 da relação de bens, sem prejuízo da atualização dos respetivos valores, ficando-se aguardar pela informação da Instituição Bancária ....
5º Na conferência de interessados realizada no dia 30.03.2016 o valor das prestações pagas pela recorrente relacionadas na verba nº 10 foi atualizado por acordo das partes sendo que para o efeito foram juntos os elementos documentais a fls 409 e ss , que não foram impugnados pelo recorrido, concluindo-se que a requerente/recorrente desde 8.03.2011 até à data de 9/11/2015 pagou mais 9.990,64 €.
6º Nesta ultima conferência de interessados no que concerne a estes créditos a favor da recorrente sobre o património comum foram reconhecidos pelos interessados, tendo o recorrido reiterado o reconhecimento dos valores contabilizados sob as verbas 10 e 12 de acordo com a documentação junta.
7º Foi proferido despacho determinativo da partilha nos termos do qual e de acordo com as declarações do recorrido e dos elementos documentais juntos a fls 153 e 409 e ss o Mm Juiz de 1.ª Instância que presidiu à conferência de interessados, considerou que foi pago pela cabeça de casal o valor total de 27.196,32 € , valor esse que reconheceu como de crédito a contabilizar sob a verba nº 10.
8º Mais reconheceu que o valor das prestações relacionadas na verba nº 12 referentes ao crédito pessoal perfez o valor atualizado de 7.484,62 €, pelo que o tribunal considerou demonstrado este crédito da recorrente sobre o património comum do casal.
9º Atento o despacho determinativo da partilha resultou um crédito compensatório a favor da recorrente no valor de 17.691,48 (50% x 35.382,97 €).
10º Por fim foi proferida sentença homologatória da partilha, nos termos da qual foi homologada a partilha constante do mapa de fls 492, adjudicando aos interessados os respetivos quinhões.
11º O requerido aqui recorrido veio interpor recurso de apelação, visando impugnar o despacho determinativo da partilha, alegando que foram considerados determinados valores, como se os mesmos tivessem sido aceites por ele, quando assim não aconteceu, e no que diz respeito às verbas nos 10 e 12 da relação de bens, na conferência de interessados realizada a 30.03.2016, apenas reconheceu “tudo o que documentado esteja, mas com a ressalva de que devem ser considerados os valores a partir da data do divórcio, ou seja, Julho de 2007”, querendo fazer crer com esta declaração que aceitou unicamente os valores posteriores ao momento do divórcio – e não inclusivamente.
12º O Tribunal da Relação de Guimarães através [d]o acórdão de que se recorre considerou procedente o recurso de apelação interposto pelo requerido, e decidiu revogar o despacho determinativo da forma da partilha e subsequente anulação dos atos posteriores, incluindo a sentença.
13º Os Exmos Senhores Desembargadores interpretaram mal as declarações prestadas pelo requerido /recorrido na conferência de interessados realizada no dia 30.03.216, bem como desprezaram todo o comportamento processual que aquele assumiu ao longo do processo e documentação junta aos autos.
14º Independentemente do disposto no artigo 1789º, nº [3: inserção nossa] do Código Civil nada impede que os interessados ao abrigo do princípio da liberdade contratual e do princípio da autonomia privada acordem e ou aprovam dividas ou créditos anteriores à instauração do divórcio quando um deles as tenha pago sozinho durante a separação de facto.
15º O requerido /recorrente além de reconhecer os referidos valores na conferência de interessados realizada no dia 30.03.2016, já em 2011 havia sido requerido à ... a atualização dos valores e nunca o requerido impugnou o teor das informações prestadas por esta instituição bancária, tendo, aliás, na conferência de interessados realizada em 16.09.2014 concordado com manutenção de tais verbas sem prejuízo da atualização dos seus valores.
16º O facto de constar na ata de conferência de interessados que requerido declarou que quanto às verbas nos 10 e 12º reconhece tudo o que documentado esteja, mas com a ressalva de que devem ser considerados os valores a partir da data do divórcio, ou seja, Julho de 2007, não resulta desta declaração que aceitou unicamente os valores posteriores ao momento do divórcio, desde que documentados.
17º Já antes de tal declaração ficou consignado em ata referente à ata da conferência de interessados de 30.03.2016 que “ambas as partes reconhecem os créditos das verbas nos 10 a 13”.
18º Mais consta da gravação da sessão de tal conferência de interessados (CD 201669330163340, ao minuto 54: 15 até ao minuto 54:35) que o requerido quando questionado pelo Meritíssimo Juiz em que ficamos quanto às verbas nºs 10 e 12º, o recorrido por intermédio do seu mandatário disse: “Aceita tudo aquilo que provado está documentalmente de que a senhora suportou essas despesas”.
Questionado novamente pelo Sr. Juiz sobre se inclui o que foi junto na conferência (referindo-se ao documentos de fls 409), o recorrido novamente por intermédio do seu mandatário respondeu:
“sim, porque é justo, incluindo o que foi junto agora porque é justo” ( Gravação CD ao minuto 54: 15 a 54: 35).
19º Estas declarações foram ouvidas e apreendidas pelo Mm Juiz de 1.ª instância, que em face do comportamento do declarante durante todo o tempo que durou tal conferência, e ao longo de todo o processo concluiu a final que o recorrido aceitou e reconheceu o valor dos créditos das verbas nos 10 e 12, inclusive os valores posteriores ao momento do divórcio, aceitando quer os anteriores quer os posteriores ao divórcio, fundamentando assim com tais declarações e postura processual do recorrido ao longo do processo o despacho determinativo da partilha para reconhecimento dos referidos valores.
20º Se o recorrido pretendesse não reconhecer tais valores [teria] dito expressamente que unicamente e/ou só devem ser considerados os valores a partir da data do divórcio, e não foi isto que declarou.
21º Contrariamente ao defendido no acórdão recorrido e aquela declaração transcrita na ata conjugada com a postura do recorrido ao longo do processo, qualquer pessoa medianamente diligente e instruído teria concluído que o recorrido reconheceu os créditos da recorrente a seu favor sobre o património comum aceitando os valores nos termos que constam no despacho determinativo da partilha.
22º Em sede de interpretação das declarações negociais, vigora entre nós a teoria da impressão do destinatário ínsita no artigo 236º, nº 1 do Código Civil[:] “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratório normal, colocado na posição do real declaratório, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
23º Segundo a doutrina [d]a impressão do destinatário na interpretação das declarações negociais o sentido decisivo de declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratório normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratório real, em face do comportamento do declarante – Cf. Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil.
24º Tendo ao Mm Juiz da 1ª Instância presidido à conferência de interessados, atentas as declarações prestadas pelo recorrido no que se refere às verbas nos 10 e 12, contextualizada e conjugada com a postura processual do recorrido ao longo do processo e nas referidas conferências, só pode ter a interpretação que foi dada pelo Mm Juiz do Tribunal de 1ª Instância quer no despacho determinativo da partilha, quer no mapa de partilha quer na sentença homologatória, que significa que o recorrido reconheceu e aprovou os créditos da recorrente sobre o património comum do casal no valor total de 17.691,48 (50% x 35.382,97).
25º A interpretação do acórdão recorrido coloca em causa o principal objetivo do processo de inventário que é o de obter uma partilha justa e equilibrada entre os interessados.
26º Não pode colher o argumento sustentado no acórdão recorrido, que pelo facto de a recorrente ter intentado uma ação judicial a reclamar do requerido, entre outros, enquanto credora, os valores pagos conexos com os aludidos créditos e anteriores ao momento da propositura da ação de divórcio (desde a separação de facto), tal denota e faz emergir a não aprovação dessa divida ente os ex[-]cônjuges, porquanto tal ação foi intentada antes da conferência de interessados realizada no dia 30.03.2016, estando os respetivos autos suspensos em virtude da pendência do processo de inventário.
27º Em ambos os processos a autora apenas pretende o reconhecimento de metade do valor das prestações que liquidou no âmbito dos referidos empréstimos, conforme se pode verificar pelo despacho determinativo da partilha e mapa da partilha.
28º O acórdão recorrido violou ou não fez a melhor interpretação do disposto no artigo 236º do Código Civil.
29º Mais violou o acórdão recorrido os artigo[s] 341º e 342º do Código Civil.
30º Foram violados ainda pelo acórdão recorrido todas as normas e princípios invocados na motivação do presente recurso.


14. Acresce ainda:
— A Requerente/Recorrente e o Requerido/Recorrido celebraram matrimónio entre si, segundo o regime de comunhão de adquiridos, o qual foi dissolvido em 04/06/2008, por sentença transitada em julgado, tendo a respectiva acção de divórcio sido proposta em 15/02/2007;

— A Requerente/Recorrente intentou acção declarativa, em processo comum (n.º 1216/16.3T8BRG – Secção Cível J3, Instância Local, Tribunal Judicial da Comarca de Braga), para reclamação ao Requerido/Recorrido do pagamento de metade, entre outros, do crédito resultante dos valores conexos aos valores relacionadas como verbas 10 e 12 na Relação de Bens e indicadas no despacho determinativo da forma da partilha, enquanto dívidas comuns e anteriores ao momento de propositura da acção de divórcio, desde a sua separação de facto ou, se assim não se julgar, desde a data da instauração da acção de divórcio (cfr. fls. 461 verso e ss dos autos; data de instauração: 11/3/2016[2]).

15. O Requerido/Recorrido contra-alegou, pugnando em primeira linha pela inadmissibilidade do recurso (tendo como referente implícito o alegado, pela Recorrente, art. 629º, 1, do CPC) pelo facto de o valor da causa ser de                  € 15.000,01 (Nos termos do n.º 1 do artigo 678.º do (revogado) Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto (aplicável aos presentes autos, por força do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), sem prejuízo das excepções legalmente previstas, o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre. A alçada dos tribunais da Relação é de 30.000,00€ – cfr. artigo 44.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013,de 26 de Agosto. Assim, sendo o valor da causa inferior à alçada do tribunal recorrido e não se verificando qualquer uma das excepções que a lei prevê, o recurso interposto pela Recorrente AA é legalmente inadmissível, o que se requer seja declarado, com as legais consequências: fls. 544) e, ademais, batendo-se pela improcedência recursiva e pela reiteração dos fundamentos do acórdão recorrido.

16. No despacho proferido em 27/3/2019, no exercício dos poderes conferidos pelo art. 641º do CPC, o Senhor Juiz Relator do Tribunal da Relação de Guimarães admitiu o recurso de revista, tendo para o efeito apreciado a questão do valor da causa para confrontar o recurso com a alçada do tribunal recorrido. Neste âmbito, socorrendo-se do art. 299º, 4, do CPC, fixou esse valor em € 38.860,00, uma vez que, sustentou, este é o valor que corresponde ao “valor do activo” constante do “mapa de partilha” homologado pela sentença recorrida em apelação, mencionando ainda a acta de conferência de interessados de 8/4/2016 (cfr. fls. 549-550).

17. Conclusos os autos ao aqui Relator, e considerando o referido sob 15. e 16., foi notificada a parte recorrente, por despacho próprio, para se pronunciar no âmbito do preceituado pelo art. 655º, 1 e 2, e 654º, 2, aplicáveis por força do art. 679º, sempre do CPC, uma vez que a inadmissibilidade do recurso alegada pelo Recorrido, tendo em conta os requisitos previstos no art. 629º, 1, do CPC, poderia obstar ao conhecimento do objecto do recurso.

18. A Recorrente pronunciou-se pela admissibilidade do recurso, invocando, em síntese, que o valor definitivo dos bens a partilhar só pode ser determinado no decurso e na sequência do processo; resulta da acta de conferência de interessados e do mapa de partilha que o valor do activo dos bens a partilhar é de 38.860,00 €, “valor que deve ser considerado automaticamente atendendo que os elementos dos autos assim o permitem, nada obstando, aliás, que o tribunal de 1ª instância proferisse um despacho a corrigir o valor da causa”; o valor definitivo da causa é assim de 38.860,00 €. A pronúncia foi admitida e considerada nos autos, ainda que praticada intempestivamente no dia útil subsequente ao termo do prazo legal peremptório, uma vez cumprido despacho do Relator e em aplicação do art. 139º, 6, do CPC.

19. Por fim, uma vez ponderado o âmbito de aplicação do recurso de revista previsto no art. 671º, 1, do CPC, independentemente da averiguação do preenchimento dos requisitos comuns do art. 629º, 1, do CPC, foram as partes chamadas a pronunciar-se, ainda por aplicação do art. 655º do CPC, sobre a admissibilidade da revista, tendo em conta a necessidade de a sindicação nesta sede estar reservada para acórdãos da Relação que profiram decisões finais que conheçam do mérito ou fundo da causa ou coloquem termo ao processo e tal poder não estar preenchido no acórdão recorrido, assim obstando ao conhecimento do objecto do recurso.

A Recorrente pronunciou-se pela admissibilidade uma vez que “o acórdão do tribunal da relação pronuncia-se sobre questões de mérito e /ou de fundo que se discutem nos autos, nomeadamente sobre o valor correspondente aos direitos que créditos que a requerente detém sobre o recorrido e que foram reconhecidos pelas partes de acordo com a prova produzida e de acordo com a vontade expressa das partes, e que constituem um dos principais objetos da lide, questões estas que por sua vez vão determinar o valor de tornas e determinar e/ou influenciar a sentença de partilha”, tanto mais que o acórdão recorrido, “quanto à questão do valor dos créditos a favor da recorrente”, “contém um fundamento totalmente diferente do da 1.ª instância, e que é desfavorável à recorrente”.

Por sua vez, o Recorrido respondeu em sentido contrário, pugnando pela inadmissibilidade da revista, tendo em conta que “o acórdão recorrido não se trata de uma decisão final que conheça do mérito ou fundo da causa ou ponha termo ao processo”.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em Conferência.

II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTAÇÃO

Questão prévia da admissibilidade do recurso

1. Ao presente recurso de revista, aplica-se o regime do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, uma vez que foi interposto em data ulterior à entrada em vigor dessa lei, ou seja, 1 de Setembro de 2013 (por força do seu art. 8º). Não se vislumbra excepção à aplicação (imediata) da lei actualmente vigente na sua componente recursiva a uma acção pendente[3], desde logo porque a acção foi proposta (neste caso, requerido o processo especial de inventário) após 1 de Janeiro de 2008, não se operando portanto a ressalva transitória prevista no artigo 8.º da Lei 41/2013 para as acções instauradas antes daquela data de 2008 (isto é, aplicação do regime de recursos decorrentes do DL 303/2007, de 24 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei 41/2013, com excepção do art. 671º, 3).

A esta asserção não obstaculiza a circunstância de o processo especial de inventário, tendo em conta a data do seu requerimento e pendência subsequente, ter seguido a disciplina do CPC de 1961 (aprovado pelo DL 44 129, de 28 de Dezembro), pois, antes da sua revogação (ainda que não integral), desde logo, pela Lei 29/2009 (posteriormente revogada pela Lei 23/2013), vigorava o regime dos arts. 1326º a 1406º desse CPC, que foi justamente salvaguardado pelos arts. 84º da Lei 29/2009    e 7º da Lei 23/2013. Nem a ela se opõe a prescrição especial em sede de recursos que estava admitida pelo art. 1396º do CPC de 1961, que, modificado pelo art. 3º do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, e pelo art. 1º do DL 303/2007, sobreviveu até à revogação do CPC operada pelo art. 4º, a), da Lei 41/2013. Mas tal sobrevivência não preclude a aplicação imediata da Lei 41/2013 no que respeita aos arts. 627º e ss e 671º e ss do CPC aprovado, desde logo pela aplicação a contrario sensu do seu art. 7º, 1, para as acções instauradas depois de 1 de Janeiro de 2008 – como é o caso dos autos.

2. O art. 44º, 3, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), veio estatuir, como disposição transitória especial, que «[a] admissibilidade dos recursos por efeito das alçadas é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a ação». Esta corresponde à solução – lei em vigor à data da propositura da acção – que a doutrina processualista encontra como adequada à tutela das expectativas das partes formada no início do processo e cumpridora do princípio da legalidade, associado ao art. 2º da CRP[4]. Assim, rege no caso o que estava disposto pelo art. 24º, 1, da Lei 3/99, de 13 de Janeiro, com a redacção conferida pelo art. 5º do DL 303/2007, que iniciou a sua vigência em 1 de Janeiro de 2008: «Em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30000 e a dos tribunais de 1.ª instância é de € 5000».

Assim, da aplicação da actual versão do CPC e, especificamente do artigo 629º, 1, do CPC 2013, resulta que o recurso de revista, nos termos gerais de um recurso ordinário, só é admissível, em termos cumulativos, «quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alça desse tribunal». Sendo de aplicar o regime actual recursivo, nos termos vistos tal como previsto no CPC 2013, exigir-se-ia que o valor da causa seja superior à alçada do tribunal de que se recorre e desconsiderar-se-ia o valor da sucumbência mínima, pois haveria “fundada dúvida” sobre o seu apuramento que não se encontra sanada “mediante o simples confronto entre o valor de referência (“metade da alçada”) e o resultado declarado” no acórdão recorrido[5] (art. 629º, 1, CPC). 

O valor processual da causa foi fixado em € 38.860,00 mas essa fixação tramitou-se de uma forma anómala e patológica. Isto é: interpôs-se recurso de revista do acórdão da Relação sem que a pronúncia oficiosa sobre o valor da causa tenha sido emitida pelo juiz da 1.ª instância, nos termos do art. 306º, 1, 2 (na sentença homologatória da partilha) e 3 (no despacho de admissão do recurso de apelação, nos termos do art. 641º: cfr. fls. 509) do CPC. Recorde-se que a requerente, e aqui Recorrente, atribuiu à causa o valor de € 15.000,01. Sendo o processo de inventário um dos que justifica uma correcção superveniente do valor inicialmente conferido[6], o certo é que essa correcção não se verificou na sentença homologatória da partilha, como determina o art. 306º, 2, do CPC.

O Juiz Relator no Tribunal da Relação, confrontando-se com a omissão de pronúncia sobre o valor do processo e sem que tal tivesse sido anteriormente suprido pelo mecanismo processual da devolução à 1.ª instância , veio, ulteriormente na tramitação recursiva, no despacho que se pronunciou sobre a admissibilidade do presente recurso de revista, e instrumentalmente para a respectiva apreciação, a fixar o valor da causa em € 38.860,00, fazendo coincidir o critério legal do art. 302º, 3, do CPC[7] («soma do valor dos bens a partilhar») com o valor do “activo” constante do “mapa de partilha”, definitivo e homologado. Nessa conformidade, admitiu o recurso de acordo com o art. 629º, 1, CPC, tendo em conta que o valor da alçada do tribunal recorrido, “em matéria cível, à data da instauração do mesmo inventário, era, pois, de € 30.000,00”.

Independentemente de analisarmos a legitimidade processual de tal despacho e a sua constituição, à falta de impugnação adequada, como caso julgado formal (arts. 620º, 1, 628º CPC), cuja força se impusesse dentro do processo e vinculasse as partes e o Tribunal, o que, atento o “valor da causa” fixado, poderia fazer admitir o recurso de revista à luz do art. 629º, 1, enquanto requisito comum dos recursos ordinários, o certo é que, considerando a disposição decisória do acórdão recorrido da Relação, não podemos deixar de analisar os requisitos próprios e específicos do recurso de revista (art. 671º do CPC), pois foi no âmbito do respectivo n.º 1 que a Recorrente fundou a respectiva admissibilidade.

 

3. O art. 671º, 1, do CPC prescreve: «Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.» Deste normativo resulta que apenas é admissível revista “normal” do acórdão proferido pela Relação cujo conteúdo traduza uma decisão final por (i) conhecer do mérito da causa (nomeadamente por ter decretado a resolução material do litígio, no todo ou em parte, especialmente nos casos em que julga procedente ou improcedente o pedido ou algum dos pedidos ou aprecia a improcedência ou improcedência de alguma excepção peremptória) ou por (ii) colocar termo ao processo por razões formais (nomeadamente por se ter absolvido da instância sem conhecer do fundo material da causa ou, extensivamente, por se ter posto termo total ou parcial ao processo por razões de natureza adjectiva, nomeadamente por extemporaneidade ou pela falta de pressupostos ou requisitos legais)[8]

Vejamos.

O aqui Recorrido apelou em 2.ª instância para impugnar o “despacho determinativo da partilha”[9], que fundou o “mapa de partilha definitivo” objecto da sentença homologatória proferida em 3/10/2018, com a adjudicação aos interessados dos respectivos quinhões (arts. 1373º, 1 e 2, 1375º, 1382º, 1, CPC 1961). O acórdão recorrido identificou como questão decidenda “o não reconhecimento do passivo quanto às verbas n.os 10 e 12 mencionadas no despacho determinativo da forma da partilha por parte do requerido/recorrente”. E decidiu julgar procedente a apelação, “revogando-se o despacho determinativo da forma da partilha, anulando-se os actos subsequentes, incluindo a sentença da partilha”.

Uma vez interposta revista, verifica-se que o conteúdo dispositivo do acórdão recorrido da Relação, ao revogar o despacho determinativo da partilha, enquanto despacho, intercorrencial na tramitação do inventário, para definir o mapa da partilha que será homologado judicialmente a final (logo, com incidência na relação material controvertida em juízo[10]), não conheceu do mérito nem pôs termo ao processo. Mais: revogou esse despacho e determinou a anulação de toda a tramitação subsequente, incluindo a sentença homologatória (decisão que, por natureza, reapreciada pela Relação em 2.ª instância, poderia dar origem a uma decisão, material ou formalmente, final da Relação).

Assim, o conteúdo da decisão da Relação é puramente instrumental para a reconstituição dos autos em 1.ª instância (analogamente a uma decisão que determinasse o prosseguimento dos autos[11])[12], pelo que, em si mesma, não encerra uma completude decisória que permita a revista, tal como exigido pelo filtro delimitado pelo art. 671º, 1, do CPC.

III. DECISÃO

Nesta conformidade, acorda-se em não tomar conhecimento do objecto do recurso, com a subsequente tramitação.


*

Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido.

STJ/Lisboa, 10 de Dezembro de 2019  

Ricardo Costa (Relator)

Assunção Raimundo

Ana Paula Boularot

SUMÁRIO (arts. 663º, 7, 679º, CPC)

________________
[1] Os arts. 1326º a 1405º do CPC 1961 foram revogados pelo art. 86º, b), da Lei 29/2009, de 29 de Junho, que aprovou então o Regime Jurídico do Processo de Inventário (ficando em vigor o art. 1406º do CPC, com a redacção conferida pelo art. 78º dessa Lei 29/2009). No entanto, em revogação apenas parcial, uma vez que o art. 3º do DL 227/94, de 8 de Setembro (que se destinou à reformulação da tramitação do processo de inventário), já tinha revogado os artigos 1390º a 1394º e 1397º a 1403º do CPC, com excepção do n.º 1 do artigo 1392º e do n.º 1 do artigo 1399º. Por força do art. 84º da Lei 29/2009, esta lei não era aplicável «aos processos de inventário que, à data da sua entrada em vigor [v. o art. 87º, 1, com a redacção conferida pelo art. 1º da Lei 44/2010, de 3 de Setembro], se encontrem pendentes». Ulteriormente, a Lei 23/2013, de 5 de Março, veio aprovar novo Regime Jurídico do Processo de Inventário, revogando a Lei 29/2009, com excepção do disposto nos arts. 79º, 82º, 85º (mas este veio a ser revogado pelo art. 49º, c), da Lei 29/2013, de 19 de Abril) e 87º, 2 e 3. O art. 7º dessa mesma Lei 23/2013 também salvaguardou que não se aplicava «aos processos de inventário que, à data da sua entrada em vigor [v. o art. 8º], se encontrem pendentes».
[2] De acordo com o teor das Alegações da Recorrente, a fls. 532.
[3] Por todos v. FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, Volume I, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, pág. 70.
[4] V. RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, Artigos 546.º a 1085.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2015, sub art. 629º, pág. 109, na esteira do Ac. do TC n.º 287/90, de 30/10/1990, Rel. Sousa Brito, publicado no DR 2ª Série, de 20/2/1991; FRANCISCO FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, Volume I cit., págs. 74-75.
[5] ABRANTES GERALDES, Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 629º, pág. 46.
[6] AUGUSTO LOPES CARDOSO, Partilhas litigiosas, Volume III, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 55. V., na jurisprudência do STJ, o Ac. de 26/10/2014, processo n.º 2557/04-6, Rel. Nuno Cameira, in Sumários de Acórdãos – Supremo Tribunal de Justiça – Secção Cível 2004, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2004.pdf.
[7] Equivalente ao art. 311º, 2, do CPC 1961, na versão conferida pelo art. 2º do DL 34/2008, de 26 de Fevereiro.
[8] V. ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 671º, págs. 351-352, 353-354, RUI PINTO, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II cit., sub art. 671º, pág. 174-175, PINTO FURTADO, Recursos em processo civil, 2.ª ed., Nova Causa/Edições Jurídicas, Braga, 2017, págs. 123 e ss.
[9] Cfr. o art. 1373º, 3, do CPC 1961 («O despacho determinativo da forma da partilha só pode ser impugnado na apelação interposta da sentença da partilha.») e o art. 644º, 1, i), do CPC 2013.
[10] Em esp., v. o preceituado pelo art. 1373º, 2, do CPC 1961.
[11] V. ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 671º, pág. 360.

[12] As posições das partes nesta instância recursiva demonstram cabalmente esta conclusão: em síntese, (i) a Recorrente pretende que seja respeitado o despacho determinativo da forma de partilha quanto aos passivos e créditos compensatórios, tendo em conta a determinação dos seus créditos sobre o património comum casal, e uma vez comportadas prestações pagas antes e depois da data de produção de efeitos do divórcio nas relações patrimoniais entre os cônjuges, em referência à interpretação do declarado pelo Requerido em «conferência de interessados» com o teor “quanto às verbas 10 e 12 reconhece tudo o que documentado esteja, mas com a ressalva de que devem ser considerados os valores, a partir da data do divórcio, ou seja, Julho de 2007”; (ii) o Recorrido pugna que a interpretação dessa declaração em «conferência de interessados» – onde, relembre-se, os interessados deliberam sobre a composição dos quinhões, bem como sobre a aprovação do passivo e forma de pagamento (art. 1353.º, 1 e 3, do CPC 1961) – apenas pode ser lida como reconhecimento único e exclusivo dos valores dessas verbas posteriores à data do divórcio, pelo que pretende que o despacho determinado da partilha seja modificado a fim de apenas ficarem reconhecidos os créditos relativos a essas verbas que tenham sido pagos após Julho de 2007.