Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B4252
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Nº do Documento: SJ200301300042527
Data do Acordão: 01/30/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 7316/00
Data: 06/06/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. O "A" - intentou em 13/1/95 contra o B, acção declarativa com processo comum na forma ordinária, que foi distribuída à 1ª Secção do 12º Juízo Cível da comarca de Lisboa.

Invocou garantia bancária incondicional prestada a seu favor pelo Banco demandado, destinada a caucionar o bom pagamento de 10 prestações mensais relativas a parte do preço da venda do navio denominado Vimieiro que fez à C.

Esta vendeu, por sua vez, esse navio, com nova denominação, à D, que assumiu as dívidas da vendedora para com o A. e a E - Comissão Reguladora do Comércio de Bacalhau, titular, esta, de hipoteca sobre o dito navio, constituída para garantir a fiança prestada por essa Comissão ao Banco demandado nestes autos, em contragarantia da garantia por ele prestada a favor do A.

Incumprido pela D o plano de reembolso acordado com o A., vem por este pedida, nesta acção, a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de 120.887.671$00, com juros, à taxa então legal, sobre 120.000.000$00 desde 16/1/95, até integral pagamento.

2. Contestando, o Banco demandado deduziu defesa por impugnação, opôs encontrar-se a sua responsabilidade limitada ao montante de 120.000.000$00, e chamou à demanda a D , e à autoria a E .

Citadas, só esta última contestou, nomeadamente excepcionando, com referência aos arts.220º e 628º C.Civ., e 3º, 485º e 490º C.Com., a nulidade formal da garantia ajuizada, prestada em escrito particular com reconhecimento das assinaturas por semelhança, dado constituir, segundo diz, em indicados termos, fiança bancária, e não garantia bancária autónoma; nulidade essa determinante, conforme art.632º C. Civ., da nulidade da fiança prestada por esta chamada.

Houve réplica.

Bem assim interposto pelo A. recurso de agravo do despacho que admitiu o chamamento à autoria, foi recebido com subida diferida ( fls.148), mas acabou por subir e ser conhecido de imediato.

A Relação de Lisboa negou-lhe provimento; e o mesmo fez este Tribunal em relação ao agravo que o A interpôs, ainda, dessa decisão.

3. Realizada audiência preparatória, foi em seguida lavrado saneador-sentença que condenou o R. B a pagar ao A. A a quantia de 120.000.000$00, acrescida de juros, à taxa de 15%, desde 29 /12/94, até integral pagamento.

O Banco réu, assim condenado, apelou dessa decisão.

O efeito suspensivo atribuído de imediato a esse recurso foi, a requerimento do A., alterado para devolutivo.

O R. agravou dessa decisão.

Conhecendo da apelação, a Relação de Lisboa declarou nulo o saneador-sentença impugnado por não ter-se pronunciado em relação à chamada à demanda; julgou prejudicado, por isso, o conhecimento do predito agravo; considerou extemporâneo o conhecimento do mérito no saneador; e ordenou, em consequência, a reforma da decisão anulada nos termos apontados ( essencialmente relativos ao controvertido incumprimento por parte da D do acordado com o A, aqui A., e à determinação da quantia em dívida ).

4. Foram, nessa conformidade, organizados especificação e questionário, vindo, em deferimento de reclamação do R., a ser proferido novo saneador, em que se julgou improcedente a excepção peremptória de nulidade da garantia accionada deduzida na contestação da chamada à autoria ( E ), sendo a seguir reeditada a condensação da causa.

O Banco demandado recorreu daquele despacho (1), tendo esse recurso sido admitido com subida diferida.

Após julgamento, foi proferida sentença que voltou a condenar o R. B a pagar ao A. A a quantia de 120.000.000$00, acrescida de juros, às taxas legais sucessivamente vigentes, desde 28/12/94, até integral pagamento, e, desta vez, também em 10 UC de multa por litigar de má fé.

Não notificado o assim condenado para a audiência de discussão e julgamento, reclamou oportunamente a nulidade processual que essa omissão constitui.

Deferida essa reclamação, com a consequente anulação do processado, em nova audiência de julgamento, os mandatários das partes acordaram na fixação da matéria de facto pela forma alcançada no julgamento anulado.

Foi então, pela 3ª vez, proferida, em 22/2/2000, sentença, idêntica à anterior, com continuada omissão de pronúncia em relação à chamada à demanda (D ).

5. O B apelou, uma vez mais, arguindo essa nulidade da decisão ( arts.332º, nº3º, e 668º, nº 1º, al. d), CPC, na versão anterior à reforma de 1995/96, aplicável neste ponto por força do disposto no art.16º do DL 329-A/95, de 12/12 ), e impugnando a sua condenação em juros de mora e por litigância de má fé.

A sobredita nulidade veio, por iniciativa do relator, a ser suprida, em 12/10/2000, ao abrigo do art.668º, nº4º, CPC, tendo a chamada à demanda sido condenada solidariamente com o R. e modificada, nessa conformidade, a condenação ( acessória ) em custas.

A Relação negou, por fim, provimento aos recursos que lhe vinham submetidos; com, no entanto, declaração de voto em que se considerou insuficientemente fundamentada a condenação por litigância de má fé.

6. É dessa decisão que vem pedida revista.

Em remate da alegação respectiva, o Banco recorrente formula as conclusões que seguem:

1ª - A questão em discussão é a de saber se o documento assinado pelo recorrente é uma garantia autónoma ou, antes, uma fiança, e, consequentemente, se a garantia prestada é válida ou nula.

2ª - Como ensina o Prof. Ferrer Correia ( na RDE, ano VIII (1982 ), nº 2,
252), saber se existe uma garantia simples ( fiança ) ou uma garantia autónoma " é um problema a resolver em sede de interpretação da vontade das partes ", só deixando de haver dúvida " se o Banco se compromete a pagar à primeira interpelação ".

3ª - O recorrente não se comprometeu no documento a pagar à primeira solicitação, antes disse que se obrigava como " fiador e principal pagador ".

4ª - Esta expressão não é de uso comum nas garantias bancárias autónomas e não é credível que um Banco com vasta experiência neste tipo de contratos faça inserir no documento termos que não correspondam exactamente à obrigação que pretende assumir.

5ª - Acresce que a expressão usada no documento - " a qual se destina a caucionar o bom pagamento ( do devedor ) " traduz uma garantia acessória, afastando qualquer autonomia em relação à obrigação do devedor, característica que, no dizer do Prof. Ferrer Correia ( rev.cit., 250 ), constitui o traço específico da garantia autónoma.

6ª - Também a obrigação de o beneficiário ir informando o recorrente dos pagamentos feitos pelo devedor para redução da garantia só pode significar a acessoriedade da obrigação de pagamento por parte do recorrente.

7ª - Resulta, assim, quer da interpretação literal, quer da interpretação sistemática do documento, que o Banco se quis obrigar como " fiador e principal pagador ", constituindo uma obrigação de fiança e não qualquer garantia autónoma.

8ª - O beneficiário da garantia sempre assim interpretou, como resulta dos termos por ele expressos quer na notificação judicial avulsa para pagamento ( artigos 1º e 3º ), quer na acção que propôs ( artigo 5º da petição inicial ).

9ª - E a fiança é nula, como entende a E, por falta de forma legal.

10ª - Segundo a sentença recorrida, a dívida de juros é inquestionável, já que " não assistia ( ao ora recorrente ) o direito de discutir a bondade da solicitação para pagamento que lhe fora dirigida pelo A. ", o que significa que a tese do R., de que apenas se obrigara como fiador não podia sequer ser defendida, e, por isso, ao pretender não serem devidos juros sem que fosse definida a obrigação do devedor afiançado, estava a litigar de má fé.

11ª - Esta tese é um absurdo, na medida em que se traduz em considerar como litigante de má fé todo aquele que defender uma tese jurídica de que o Tribunal discorda. Ou seja, é uma condenação por " delito de opinião " completamente inaceitável.

Não houve, desta vez, contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir em vista da matéria de facto fixada pelas instâncias, para que se remete em obediência ao disposto no nº6º do art.713º, ora aplicável por força do disposto no art.726º, CPC.

7. Dos factos provados, importa salientar o que segue:

a) - Do " pedido de garantia bancária ", formulado em impresso próprio, com data de 22/4/87, junto com a contestação do ora recorrente ( como documento nº1 ), a fls.60, consta, nomeadamente, o seguinte:

" Fica bem entendido que esse Banco, no caso de vir a ser chamado a efectuar qualquer pagamento em virtude da garantia que ora solicitamos, não poderá apreciar da justiça ou direito de reclamação do beneficiário, limitando-se a efectuar tal pagamento por nossa conta e sob nossa inteira responsabilidade
( .... ).

Esse Banco não terá em caso algum que averiguar dos motivos da reclamação do beneficiário ou considerar os fundamentos dos mesmos

Estamos cientes que o compromisso que assumem, prestando esta garantia, conduz à obrigatoriedade de o executarem ao primeiro pedido do beneficiário, sem poder tomar em consideração quaisquer eventuais objecções da nossa parte. (.... ) ".

b) - Pelo documento particular datado do dia seguinte ( 23/4/87 ), intitulado " Garantia nº 167 064 ", a fls.15 dos autos, cujas assinaturas se encontram reconhecidas por semelhança, o B veio " em nome de C " constituir-se " pela presente garantia bancária, como fiador e principal pagador" de indicada quantia, reduzida, no verso desse documento, a 120.000.000$00, garantia essa destinada a " caucionar o bom pagamento " de outrossim referidas prestações.

Ainda segundo esse documento, a importância dessa " garantia " era reduzível " mediante comunicação escrita ao Banco por parte do seu beneficiário dos montantes das prestações de capital " que fossem sendo liquidadas.

8. Em sentido amplo é, claro está, garantia bancária toda a que for prestada por um banco (2) .

Consoante conclusão 1ª da alegação do recorrente, o que está ainda em discussão, é se a garantia pessoal contemplada no documento em referência, relativa ao cumprimento da obrigação do pagamento do preço estipulado em contrato de compra e venda de navio, é uma fiança bancária (3) - nesse caso viciada por nulidade formal, consoante arts.220º e 628º C.Civ., e 3º, 485º e 490º C.Com. ( conclusão 9ª ) - ou uma garantia bancária autónoma, validamente assumida em termos de forma (4) .

Característica da fiança a sua acessoriedade (5), a garantia autónoma define-se, exactamente, pelo contrário, isto é, pela sua autonomia ou independência - hoc sensu, abstracção -, em relação ao contrato principal.

As garantias autónomas caracterizam-se, enfim, pela sua independência ou não-acessoriedade relativamente à obrigação garantida, assumindo o garante uma obrigação própria.

A forma mais usual de garantia autónoma é, precisamente, a garantia bancária - tomada a expressão. agora, em sentido técnico estrito. Na realidade:

9. Estudando, em fins do século XIX, os contratos de garantia, Stammler (6) estabeleceu a distinção entre contratos acessórios, isto é, em que se estabelece uma garantia acessória - uma garantia pessoal típica, fidejussória, de que é protótipo, arquétipo, ou paradigma, a fiança, e, - assim se definindo o contrato de garantia propriamente dito -, contratos autónomos, independentes de uma relação de base, atípicos (7), em que se constitui uma garantia autónoma, independente da obrigação garantida.

Este, ainda, o critério de resolução do problema de qualificação da garantia ajuizada em discussão nestes autos, caso essa garantia integre a segunda categoria referida, estar-se-á perante contrato de garantia.

Em formulação genérica, diz-se do contrato de garantia (Garantievertrag), tipo negocial de que a garantia bancária (Bankgarantie) é a forma mais comum (8), ser aquele em que uma parte assegura à outra a obtenção de certo resultado ou assume a responsabilidade por um risco ligado a um empreendimento, respondendo pelos danos causados pela não verificação do resultado ou pela actuação ou concretização do risco (9).

Sem regulamentação própria na lei nacional, e por isso negócio atípico ou inominado, que se traduz na eventual concessão ao cliente, mediante retribuição, de crédito correspondente ao valor garantido (10), o contrato de garantia bancária - sempre autónoma - firma-se no princípio da autonomia da vontade, na concreta vertente da liberdade contratual, estabelecido no art.405º, e é um contrato causal na perspectiva da sua função, isto é, da finalidade económico-social que desempenha, de garantia do risco da relação principal (11), a que se aplica a regra da liberdade da forma estabelecida no art.219º, ambos do C.Civ. (12)

O processo de formação do negócio de garantia que está na base da emissão do título respectivo tem estrutura complexa, triangular.

Decompõe-se, com efeito, em três relações distintas, a saber:

a) - um contrato base ( no caso, de compra e venda, mas que pode ser, v.g., de empreitada, ou de fornecimento, etc ), que constitui a relação principal, causal ou subjacente;

b) - um contrato de mandato, pelo qual o obrigado naquele primeiro contrato ( na hipótese, ao pagamento do preço estipulado ) incumbiu o garante ( no caso, como em geral, um banco ), de prestar a garantia
( neste caso, de pagamento ) exigida pela contraparte; e, finalmente,

c) - o contrato de garantia pelo qual o garante, emitindo o competente título, se obrigou a pagar o montante convencionado (13).

O escopo, função ou finalidade do contrato de garantia é assegurar a produção de certo resultado.

A seu cargo o risco da não verificação desse resultado, o garante assume uma obrigação própria, desligada do contrato-base.

A obrigação do garante é, nessa medida, autónoma, independente, não acessória, da obrigação do devedor principal (14) .

Diversamente do que sucede com a fiança, não depende da validade da obrigação principal, não é afectada pelas vicissitudes dessa obrigação, não sendo lícito ( permitido ou consentido ) ao garante autónomo ou independente que oponha ao beneficiário as excepções ou meios de defesa, fundados no contrato base, de que o garantido se pode prevalecer.

A sua modalidade mais generalizada é a garantia à primeira solicitação - o mesmo é dizer que sem quaisquer excepções ou objecções (15), de rigor draconiano, assente em cláusula fundada no nº2º do art. 398º C.Civ., e que Galvão Telles (16) define como " a garantia pelo qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má execução de determinado contrato ( o contrato base ) sem poder invocar em seu benefício qualquer meio de defesa relacionado com esse mesmo contrato " (17).

Configura-se assim, como, por sua vez, elucida Simões Patrício (18), garantia exequível mediante simples, imotivada, ou potestativa comunicação pelo beneficiário do incumprimento da obrigação principal do mandante.

10. De notar é, no entanto, ainda, que a autonomia comporta mais que um grau.

É assim que, quando se trate de contrato de garantia bancária, por antonomásia, autónoma, importa distinguir entre a garantia simples - aproximável da fiança ( mas ) na medida ( apenas ) em que é, nesse caso, exigível prova da produção do dano, isto é, do incumprimento reclamado (19) - e a garantia automática, pura, incondicional, à primeira solicitação ou interpelação ( (up)on first demand, at first request, à premiére demande, auf erstes Anfordern, a prima richiesta, a primera demanda ).

A modalidade mais comum é o contrato de garantia à primeira solicitação.

Como, no entanto, já tem sido observado, a característica essencial do contrato de garantia bancária não é a automaticidade, mas a autonomia - radical na garantia à primeira solicitação, mais reduzida na garantia simples (20) .

Como assim, todas as denominadas garantias bancárias são garantias autónomas; mas só as que incluam cláusula de pagamento à primeira interpelação são automáticas, devendo o pagamento ser efectuado de imediato, sem mais indagação, logo que solicitado.

Como, por fim, observa Galvão Telles (21), as garantias bancárias revestem-se de grande interesse prático, não apenas em vista da normal grande solvabilidade dos bancos, como "pelo especial cuidado que também em regra põem no exacto cumprimento dos seus compromissos".

Não será tal, se bem parece, que ocorre na hipótese sub judicio. Na verdade:

11. O carácter "incerto e impreciso" da terminologia utilizada nas garantias bancárias foi já objecto de reparo (22) .

Menos cabida dúvida quando o Banco se compromete a pagar à primeira interpelação (23), a qualificação da garantia em causa constitui, na falta dessa estipulação, problema a resolver em sede de interpretação da vontade das partes (24).

Tratando-se de garantia autónoma, pode ser simples, caso em que é exigível prova do incumprimento por parte do garantido, ou automática ou à primeira solicitação, caso em que basta a prova, apenas, da relação subjacente.

Consagrando a denominada teoria da impressão do destinatário, o nº1º do art.236º tutela o interesse do declaratário, e, defendendo as suas legítimas expectativas ou confiança, impõe ao declarante um ónus de clareza (25), promovendo, do mesmo passo, a segurança do comércio jurídico.

Na conformidade desse dispositivo, a declaração negocial deve ser entendida com o sentido que lhe atribuiria um declaratário razoável colocado na posição concreta do declaratário efectivo, e, assim, desde logo, no seu todo.

Na interpretação dos negócios jurídicos há, bem assim, que atender às circunstâncias da situação concreta, tanto contemporâneas, como anteriores à conclusão do negócio ( como é o caso das negociações prévias à mesma, relativamente às quais vale o disposto no art.227º ), ou mesmo posteriores (26).

De harmonia com o nº2º do mesmo art.236º, em que encontra traduzida a máxima falsa demonstratio non nocet, quando, ainda, o declaratário tenha efectivo conhecimento da vontade real do declarante, prevalece o sentido conforme à real intenção deste, mesmo que se afaste do sentido conforme com a impressão do destinatário (27) .

É, a esta luz, claro que, mesmo quando efectivamente menos adequada, e por isso menos usual, em garantia autónoma, a expressão " fiador e principal pagador ", de que o recorrente faz cavalo de batalha (conclusões 3ª, 4ª, e 7ª), não pode desligar-se ou desprender-se do conjunto do documento em que está inserida, bem lembrada se mostrando, a este respeito (28) , a lição da doutrina, segundo a qual no caso de o fiador se obrigar como principal pagador, " só pela interpretação da vontade e pelos termos empregados no contrato é possível saber se se quis ou não constituir uma fiança ( ... ) " (29).

Neste caso, na realidade, logo o título - " Garantia " - (30) , repetido por mais que uma vez no texto, aponta, de algum modo, como salientado no acórdão recorrido, em sentido contrário ao que o recorrente defende (31).

A expressão " fiador e principal pagador " favorece, é certo, a tese do Banco recorrente; mas, como logo notado na alegação oferecida na 1ª apelação ( fls.257 vº), é admissível que no contexto da garantia o termo fiador não se encontre empregado em sentido técnico-jurídico rigoroso, correspondente ao negócio típico ou nominado regulado nos arts.627º ss C.Civ., mas no sentido corrente de garante ou responsável por sua vez reflectindo a expressão que se lhe segue - principal pagador - a autonomia da obrigação assumida perante a obrigação acautelada (32) .

Como já igualmente notado nos autos, a garantia bancária nasce de um pedido, solicitação ou ordem do cliente ao banco, sendo em nome, por ordem, ou a solicitação do cliente que é emitida.

A figura do ordenador - em nome de quem, ou por ordem de quem, a garantia é emitida -, é, na verdade, característica da garantia autónoma (sendo certo que, consoante nº2º do art.628º C.Civ., a fiança " pode ser prestada sem conhecimento ou contra a vontade do devedor " ).

Não deve, de facto, por isso, deixar de notar-se a expressão " em nome da C ", bem como que a garantia bancária prestada se destinava, expressis verbis, a " caucionar o bom pagamento " do por ela devido (33).

Tratando-se, na realidade, de " caucionar " - id est, garantir (34) - o pagamento de prestações da parte do preço em dívida de determinado navio, exacto é ainda que, numa das suas modalidades mais divulgadas, a garantia autónoma tem por objectivo caucionar perante o beneficiário a correcta execução das obrigações assumidas por quem com ele contrata (35): o que sucede tanto nas denominadas performance bonds, comuns nas empreitadas, como quando, como é o caso, se trate de garantia de pagamento.

A exemplo do salientado em ARL de 15/12/94, CJ, XIX, 5º, 127 ( 1ª col.- 4., 5º e 6º par.), o Banco demandado, rotulando a sua proposta contratual como "garantia", falando em "garantia bancária" e em " cau cionar ", revela ter querido assumir, dentro do prazo estabelecido, o risco do incumprimento por parte da sua cliente, por conta da qual prestou a garantia.

Tendo sido isso que deu a entender tanto àquela como ao Instituto beneficiário, " a sua declaração não foi tida por si ( , ) nem entendida por estes ( , ) como a vontade de ser prestada uma garantia acessória e subsidiária ": só depois disso se tendo levado a efeito a venda do navio.

Não pode, enfim, atribuir-se à expressão aludida - " fiador e principal pagador " - o papel ou função de árvore cuja contemplação impeça a percepção da floresta (36).

12. Tanto, porventura, bastaria para responder à conclusão 6ª da alegação em análise; mais, de todo o mo do, importa notar, com referência à anterior ( 5ª ), que a independência ou não acessoriedade da garantia autónoma pode não traduzir-se em o montante da obrigação que o garante assume não depender do da dívida que garante, mas sim - antes e apenas - em não poder ele opor ao beneficiário os meios de defesa que ao devedor porventura assistam.

Não é, bem assim, a referência, a que alude a conclusão 8ª, à expressão " fiador e principal pagador " que se encontra na notificação judicial avulsa a fls.30 a 32, instruída com cópia da garantia a que se reporta, e no artigo 5º da petição inicial, que expressamente remete também para a garantia junta, ou no artigo 45º da réplica, nem a falta de oposição ao chamamento à demanda, que efectivamente abonam a tese do recorrente.

Não obstante o mesmo não ter sido parte nesse contrato, de notar será ainda que no contrato de compra e venda outorgado pelo A. e pela C em 19/1/90 a garantia em questão é referida como garantia bancária incondicional.

Em todo o caso:

13. Revertendo ao processo de formação do negócio de garantia em questão, e, nele, ao contrato de mandato que precede a emissão do competente título, resulta flagrante a coincidência do pedido de garantia bancária referido em 7.-a), supra, com o transcrito em ARL de 11/12/90, CJ, XV, 5º, 135, 2ª col., II-A), relativo a caso em que era parte o mesmo Banco.

Refere-se nesse acórdão que este pedido consta de um texto fornecido pelo B, em que estão impressas as condições em que a garantia é concedida.

Trata-se, pois, como nesse aresto igualmente se nota, de um contrato de adesão ( ibidem, 136, 2ª col.): como outrossim observado em ARL de 7/7/94, CJ, XIX, 4º, 78, 2ª col. (37) .

Interveniente instituição bancária prestigiada, tem-se, em último termo, por decisivo dever ter-se por inconcebível a atribuição a garantia prestada no dia seguinte ao da sua solicitação sentido diverso do que incontornavelmente resulta desse pedido: não sendo de admitir que a solércia do comerciante, a que igualmente alude o acórdão recorrido, pudesse ter ido ao ponto de, em plebeia expressão, prestar gato por lebre. Como, sem margem para tergiversação, seria o caso se, pedida garantia bancária, pleonasticamente dita autónoma, - e, até, na hipótese, à primeira interpelação -, o Banco recorrente tivesse, afinal, efectivamente prestado fiança: para mais, nula, por falta da forma legalmente exigida.

O próprio recorrente reconhece, aliás, na sua alegação ( conclusão 4ª ), ser um Banco " com vasta experiência neste tipo de contratos ".

A inobservância pelos seus procuradores de forma mais solene, de que não é, por igual, concebível que desconhecesse(m) a exigência, aponta, de igual modo, no sentido de que, na realidade, satisfez o que lhe foi pedido, não sendo sua vontade prestar, afinal, em contrário do que lhe fora solicitado, uma fiança - ou, mesmo, uma garantia bancária (autónoma ) simples (38).

Finalmente:

14. A condenação do ora recorrente por litigância de má fé foi justificada com a consideração de que, ao sustentar não serem devidos juros de mora com fundamento em não poder a sua condenação exceder o montante de 120.000.000$00 a coberto da fiança, deduziu oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar, fazendo, assim, um uso manifestamente reprovável do processo com o fim de entorpecer a acção da justiça ( art.456º, nº2º, al.a), CPC ).

Como explicado na sentença proferida, os juros de mora - com especial importância em casos como este, em que a demora do processo vai já em cerca de 8 anos - relevam, como em geral sabido, do atraso no pagamento por que o demandado é responsável.

Mesmo quando não automática, autónoma a garantia bancária prestada ( v. 8. e 10., supra ), a obrigação do garante venceu-se com a interpelação, sendo, a partir de então, devidos juros de mora - arts.798º, 799º, nº1º, 804º, 805º, nº1º, e 806º C.Civ. e 3º C.Com.

Nada, por conseguinte, - como o Banco recorrente sem dúvida alguma sabia -, esses juros tinham que ver com o montante garantido.

Daí, desde logo, a justeza da condenação por litigância de má fé proferida. Mas mais:

15. Não se trata de, seja como for, vedar ao recorrente a defesa das teses jurídicas que muito bem entenda: trata-se, isso sim, de que não consentia a boa fé imposta pelo art.264º, nº2º ( ora art.266º-A ) CPC que, prevalecendo-se de eventual ambiguidade de texto da sua autoria ( o da garantia ) as viesse sustentar, como - à outrance - veio, ao arrepio da verdade por si bem conhecida. Com efeito:

Inadmissível, tratando-se de banco comercial conhecido, e em vista do pedido de garantia, formulado em impresso próprio, por si fornecido, junto com a sua contestação, que satisfez, que tenha pretendido assumir garantia diferente da que lhe foi pedida, bem, necessariamente, por igual sabia o Banco recorrente que tinha prestado garantia bancária autónoma, se não automática, ao menos simples, e assim, independente da validade formal do contrato determinante da obrigação garantida.

Por demais leve se manifesta, por isso, a condenação por litigância de má fé contra que, por fim, se insurge.

Improcedem, por conseguinte, ainda, as conclusões 10ª e 11ª da alegação em análise

16. Alcança-se, por quanto se leva dito, a seguinte decisão:

Nega-se a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2003
Oliveira Barros
Miranda Gusmão
Sousa Inês
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(1) Interposto e admitido como de agravo, esse recurso é, realmente, de apelação, ex vi dos arts.25º, nº1º, do DL 329-A/95, de 12/ 12, e 493º, nºs 1º e 3º, e 691º, nºs 1º e 2º, CPC, como notado na Relação, em despacho liminar do relator ( fls.308, 309, e 392 ).
(2) V., em prol do rigor terminológico possível, Francisco Cortez, " A garantia bancária autónoma. Alguns problemas ", ROA, ano 52 (1992)-II, 513, nota 1.
(3) V. art.623º, nº1º, C.Civ., relativo à caução.
(4) V. , sobre esta matéria, Vaz Serra, " Fiança e Figuras Análogas ", BMJ 71/296 ( nº18.) ss, Mota Pinto, " Cessão da Posição Contratual ", 469, nota 1, Galvão Telles, " Direito Privado II - Garantia Bancária Autónoma - Sumários ", policopiado, ed. AAFDL, 1982/83, e "Garantia Bancária Autónoma ", em " O Direito ", ano 120 (1988)-III-IV, 275 ss, Ferrer Correia, " Notas para o estudo do contrato de garantia bancária ", RDE, ano VIII, nº2, 1982, 247 ss, e em " Temas de Direito Comercial e de Direito Internacional Privado " (1989), Simões Patrício, " Preliminares sobre a Garantia On First Demand ", ROA, ano 43 (1983)-III, 677 ss, Almeida Costa e Pinto Monteiro, " Garantias Bancárias - O contrato de garantia à primeira solicitação ", CJ, XI (1986), 5º, 17 ss, Graça L. Monteiro Pritchard, " Garantias bancárias autónomas ", Revista da Banca, nº18 (Abril/Junho de 1991), 140 ss, Jorge Duarte Pinheiro, " Garantia Bancária Autónoma ", ROA, ano 52 (1992)-II, 417 ss, Francisco Cortez, " A garantia bancária autónoma. Alguns problemas ", ibidem, 513 ss, Manuel Castelo Branco, " A Garantia Bancária Autónoma ", ROA, ano 53 (1993), 61 ss, Fátima Gomes, " Garantia Bancária à Primeira Solicitação ", rev. " Direito e Justiça ", , vol.VIII, tomo 2 (1994), 119 ss, Evaristo Mendes, " Garantia Bancária. Natureza. ", RDES, XXXVII (1995), 411 ss, Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, " Garantias de Cumprimento " (1998), 53 ss, Menezes Cordeiro, " Manual de Direito Bancário " (1998), 605 ss, Manuel Januário da Costa Gomes, " Assunção Fidejussória de Dívida " (2000), 66 ss, e Calvão da Silva," Garantias Acessórias e Garantias Autónomas", em " Estudos de Direito Comercial ( Pareceres )" (1999), 332 ss, e " Direito Bancário " (2001), 385 ss ( nºs 135. e 136. ). A utilização das garantias bancárias, usual no comércio internacional, desenvolveu-se aceleradamente a partir de 1945, conhecendo especial acréscimo devido à crise petrolífera de 1973. Em causa a segurança do pagamento de determinada(s) soma(s), a função da fiança é garantir o cumprimento da obrigação principal ( de pagamento do preço na compra e venda em referência ); a da garantia autónoma ( sucedâneo do depósito em dinheiro ) é a de conseguir a satisfação do interesse do beneficiário face ao risco assim prevenido ( que, no caso, vem a ser a inobservância do contrato principal, por parte da compradora ) ( v. Menezes Cordeiro, ob.cit., 610 ). Função clássica da garantia autónoma, como nota Simões Patrício, loc.cit., 680, desligar o negócio de garantia da relação subjacente, ou, como diz Calvão da Silva (RLJ 132º/383 - 30.3.), sua razão de ser derrogar a acessoriedade, própria da fiança, desligando a garantia das vicissitudes do contrato-base garantido, a obrigação do garante é consequência do evento considerado na garantia ( Galvão Telles, texto primeiro cit., 20 ) Segundo o Instituto recorrido, trata-se de garantia incondicional - id est, autónoma ( v. Simões Patrício. loc.cit., 685, e Castelo Branco, loc.cit., 76 ), na modalidade da garantia de pagamento ( payment guarantee, Zahlungsgarantie; v. Calvão da Silva, ob.cit., 339 ). Na tese do Banco recorrido, está-se perante garantia acessória, equiparável à fiança. Sobre a distinção entre fiança e garantia autónoma, v. Galvão Telles, rev.cit., 284 -7.2. ss e Ac. STJ de 23/3/95, BMJ 445/502-2., ss, e CJSTJ, III, 1º, 138-2ª col., ss. A não acessoriedade, como traço fundamental da garantia autónoma, que a distingue da fiança, atinge a sua plenitude na garantia autónoma em que o banco se compromete a pagar à primeira interpelação ( Graça Pritchard, loc.cit., 141-3.-142 ).
(5) Cfr. art.627º, nº2º, C.Civ., Pires de Lima e Antunes Varela, " C.Civ. Anotado ", I, 4ª ed., 644, nota 3 àquele normativo, Cal- vão da Silva, "Estudos... ", cit., 334 e 335.
(6) Em " Der Garantievertrag " ( 1886 ), no " Archiv fur die civilistiche Praxis" ( publicação iniciada em 1818 e que sai seis vezes por ano ) , 1 ss.
(7) Constituem tipo social ou tipo contratual de origem social, como respectivamente dizem Calvão da Silva," Estudos...". 338-5., e Simões Patrício, cit., 689.
(8) Simões Patrício,.cit., 678.
(9) Almeida Costa e Pinto Monteiro, parecer cit., 18-2.
(10) ARL de 30/10/97, CJ, XXII, 4º, 129-I.
(11) A especulação doutrinária a este respeito releva da proibição de negócios abstractos ínsita no art.458º C.Civ. Independente do contrato-base e do contrato de mandato ( adiante referidos ) - nessa óptica, abstracto, a justificação - hoc sensu, causa - do contrato de garantia reside no fim, função ou escopo que lhe dá o nome.
(12) No sentido da exigência de forma escrita, v. Evaristo Mendes, cit., 456-3.-457 e 493, e, citando-o, Manuel Januário da Costa Gomes, ob.cit., 71.
(13) Negócio jurídico bilateral, cuja aceitação pelo beneficiário será, as mais das vezes, tácita, mas contrato unilateral, visto que dele só resultam obrigações para o garante ( Ferrer Correia, rev.cit., 249, Galvão Telles , Lições... ", cit., 38, nota 2, e rev.cit., 287, ).
(14) V. Francisco Cortez, cit., 532-4.2. ( sobre o significado da autonomia ), 548-2.2. ( sobre as características da fiança ), e 587, onde refere o carácter indemnizatório da obrigação do garante, em termos de responsabilidade pelo risco.
(15) Ferrer Correia, cit., 256-5., 2º par.
(16) Em " Garantia Bancária Autónoma ", rev. " O Direito ", ano 120º (1988 ), III - IV, 283. V. também Ac.STJ de 7/11/90. BMJ 401/478-III e 484-485 e 506-7.
(17) V. Almeida Costa e Pinto Monteiro, parecer publicado na CJ, XI, 5º, 17 ss, maxime 19 e 20, e, v.g., Acs.STJ de27/1/93, BMJ 423/489-490, e de 9/1/96, BMJ 453/432 ss.
(18) Estudo cit., 713.
(19) Já Vaz Serra, cit., 282, notava que a diferença entre garantia e fiança bancária pode esbater-se bastante no caso em que o risco por que se responde é a falta de cobrança de um crédito. V., no entanto, Francisco Cortez, cit., 538-539.
(20) V. Francisco Cortez, cit., 539, Evaristo Mendes, cit., 460, Manuel Januário da Costa Gomes, ob.cit., 69 e nota 262, e 718, e ARP de 2/11/2000, CJ, XXV, 5º, 177-I. Como aí se observa ( ibidem, 178, 2ª col., e 179, último par.), não é do facto de inexistir cláusula de pagamento à primeira solicitação que logo decorre estar-se perante fiança. Oferece, pois, pelo menos, dúvida a doutrina de ARL de 22/4/99, CJ, XXIV, 2º, 125 ss, e de ARP de 12/6/2000, CJ, XXV, 3º, 212 ss.
(21) " Sumários " cit., 9.
(22) Evaristo Mendes, cit., 461, nota 12. ( Cita, nomeadamente, Rebelo Martins e Oliveira Ferreira, " Garantia Bancária ", ed.B, 1983, a que não se conseguiu acesso em tempo útil. )
(23) V. Ac. STJ de 9/1/96, BMJ 453/435, 6º, 7º e 8º par.
(24) Como lição de Ferrer Correia, cit., 252, mencionada pelo recorrente na conclusão 2ª da sua alegação. V. também Calvão da Silva,"Estudos ... ", cit., 353, nota 39, com referência igualmente a Canaris, " Bankvertragrecht " (1975), 825, e Ac. STJ de 23/ 3/95, BMJ 445/504 - 4. e 5.
(25) Como referem Almeida Costa e Pinto Monteiro, parecer cit., 20, 2ª col., 1º par, , 2º período, " o banco deve, em todo o caso, esforçar-se por por redigir cláusulas não ambíguas, precisando as condições em que a garantia será exigível e os seus limites ".
(26) Mário de Brito, " C.Civ. Anotado ", I, 278. Sobre a relevância interpretativa do comportamento das partes na execução do negócio como elemento interpretativo revelador do sentido que lhe atribuem, v. Rui de Alarcão, BMJ 84/334, citando Betti, Mota Pinto, " Teoria Geral do Direito Civil ", 3ª ed., 450-451, e Carvalho Fernandes, " Teoria Geral do Direito Civil ", II, 2ª ed.(1996), 350. Nem descabido porventura será notar também que a relação subjacente à emissão da garantia é, neste caso, co-mo no versado em acórdão deste Tribunal de 26/2/2000, BMJ 499/343 ss, a compra e venda dum navio. Como, na esteira de Galvão Telles, rev.cit., 281, refere Jorge Duarte Pinheiro, cit., 427, a garantia bancária autónoma surge para cobrir contratos-base vultuosos e de execução demorada.
(27) Rui de Alarcão, BMJ 84/332-333.
(28) Logo no artigo 86º da réplica, e em subsequente alegação no agravo do saneador, a fls.312.
(29) Pires de Lima e Antunes Varela, " C.Civ. Anotado ", I, 4ª ed., 644, parte final da nota 3. ao art.627º, cit. Que mesmo quando as partes as apelidam de fiança se pode estar perante contrato inominado de que emergem garantias independentes da relação principal, di-lo Calvão da Silva, " Estudos... ", cit., 337-4., 2º par.
(30) A que, dada a qualidade do declarante, não pode retirar-se importância, mesmo se contractus non ex nomine sed ex re legem accipiunt.
(31) E que nem mesmo o nº1º do art.238º C.Civ. proscreveria se se tratasse de negócio solene ou formal. Segundo esse preceito, para poder atender-se ao sentido pretendido, seria mister que se encontrasse expresso, mesmo se de modo imperfeito, nos próprios termos da declaração formalizada no documento ajuizado: mas, como adiante notado no texto, nem tal pode negar-se ocorrer. Como, aliás, esclarece Calvão da Silva, " Estudos ... ", cit., 353, nota 39, parte final, em matéria de garantias autónomas, mais que um sentido literal, deve valer a interpretação textual e o conteúdo objectivo do acto em questão.
(32) Essa expressão pode significar não apenas que a responsabilidade do banco pode ser accionada sem excussão prévia ( do património ) do garantido, mas também que é exigível mediante simples comunicação do evento concretizador do risco assumido - v. Castelo Branco, loc.cit., 75. Menos dúvida, é certo, ofereceria a expressão garante e principal pagador utilizada em minuta que pode ver-se em Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, ob.cit., 92-b)-II. Nota-se, inclusivamente, que, como assinalado em ARP de 13/11/90, CJ, XV, 5º, 191, 1ª col., a autonomia - a não acessoriedade - das garantias bancárias foi assinalada quer em Parecer da PGR nº3/69, de 29/5/69, BMJ 191/148 ( v. 161, nota 13 ), quer, segundo aquele aresto, em Ac.STJ de 19/1/70 ( Colecção, 1970, 69 ), que ainda as qualificam como " fiança " ou " fiança sui generis ". Não pode, pois, excluir-se que no caso dos autos se tenha usado ainda terminologia do mesmo género. Também Evaristo Mendes, cit., 463, faz notar a ambiguidade da palavra fiança ao nivel não apenas da prática bancária mas da própria ciência jurídica e da juris prudência. Como, enfim, conclui, Jorge Duarte Pinheiro, exposição cit., 425, " as expressões usadas nas cartas de garantia não são determinantes. A palavra fiança designa, às vezes uma garantia não acessória ".
(33) Seguiu-se, nesta parte, o discurso dos artigos 88º a 93º da réplica. O próprio emprego da expressão garantia bancária, aliás, repudia que se esteja perante fiança. Como assinalado em ARP de 12/10/2000, CJ, XXV, 4º, 216, 4º par., a ser intenção do Banco garante prestar apenas uma garantia acessória, seria mais natural chamar-lhe fiança bancária, designação que consta do art. 623º, nº1º, C.Civ. ( relativo à caução ). Como refere Manuel Januário da Costa Gomes, ob.cit., 66, a utilização da expressão garantia bancária revela que as partes quiseram dar corpo a uma garantia bancária autónoma.
(34) Como elucida Simões Patrício, loc.cit., 679, em vez de garantia usa-se, às vezes, como sinónimo, caução.
(35) V. artigo 87º da réplica.
(36) Em Ac.STJ de 1/6/2000, CJSTJ, VIII, 2º, 85 ss, a expressão fiador e principal pagador, - acompanhada, é certo, de outra que inequivocamente apontava no sentido de tratar-se de garantia à primeira interpelação -, não constituiu obstáculo a que se considerasse estar perante garantia autónoma. V. de novo, a este propósito, 10., supra.
(37) Que, reportando-se ao contrato de mandato supramencionado, esclarece, citando Francisco Cortez, rev.cit., 525 e 526, que a utilização destes formulários constitui prática usual.
(38) Os bancos, informa Simões Patrício, loc.cit.. 679-680, preferem garantias não-acessórias ( a que, é certo, correspondem vantagens e inconvenientes tanto para o garante, como para o mandante ). Essa preferência compreende-se porque, dado que correm um risco maior, auferem, nesse caso, comissão mais elevada, e, garantidos por direito de regresso caso efectuem o paga mento, o risco assumido pode ser restringido por uma especial cautela na concessão da garantia. Se bem que, havendo dúvida, deva, segundo Calvão da Silva, " Estudos ... ", cit., 353, nota 39, optar-se pela fiança, em virtude de ser esse o tipo que a lei pre vê ( v., no mesmo sentido, mas em nome do favor debitoris, Jorge Duarte Pinheiro, cit., 426, e Manuel Januário da Costa Gomes, ob.cit., 745 ), o ponto vivo desta questão está, no entanto, em que se tem, de facto, por indefensável a existência, na hipótese ocorrente, de dúvida séria sobre a natureza da garantia prestada. Vale, pois, no caso, por obiter dictum, a menção de que segundo Evaristo Mendes, loc.cit., 463, que se reporta a doutrina estrangeira, os tribunais se inclinam a resolver os casos duvidosos a favor da garantia mais intensa.