Autos de Recurso Penal
Proc. n.º 315/16.6GAVFX.S1
5ª Secção
acórdão
Acordam em conferência os juízes na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:
I. relatório.
1. O Tribunal Colectivo do Juiz … do Juízo Central Criminal ….. procedeu ao julgamento em audiência prevista no art.º 472º do CPP[1] do arguido AA, condenando-o, por acórdão de 8.6.2020, na pena única de 14 anos de prisão em cumulação das penas de prisão de 3 anos e 6 meses, imposta por crime de violência doméstica no PCS n.º 662/16…..; de 7 anos e 6 meses, imposta por crime de roubo no PCC n.º 641/17…….; de 1 ano, imposta por crime de falsa declaração no PCS n.º 826/17……; e de 5 anos e 6 meses e de 6 meses, impostas por, respectivamente, crime de roubo e crime de burla informática neste PCC n.º 315/15……..
2. Discordante desse acórdão – doravante, Acórdão Recorrido –, dele recorre, per saltum, o arguido – doravante, Recorrente – para este Supremo Tribunal de Justiça, rematando a motivação com as seguintes conclusões e pedido:
─ «I- Nos termos do artigo 77.º, n.º 2, a pena do concurso teria um limite máximo de 17 anos e 8 meses de prisão e como limite mínimo 7 anos e 6 meses de prisão e não os limites estabelecidos no acórdão
II- Determina ainda o art. 77. n.º 1 que na determinação da medida da pena, serão tidos em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
III- Ora, salvo devido respeito, o Tribunal a quo não valorou devidamente a personalidade do agente aquando da determinação da medida da pena.
IV- Como decorre do acórdão, quanto à personalidade e situação pessoal do arguido, nada fundamenta, limitando-se a referir, ainda que vagamente, tipo e número de infrações praticadas e ao período temporal em que as mesmas foram cometidas, aos antecedentes criminais.
V- Transcreveu, no presente acórdão, sem proceder à sua análise concreta, pois o mesmo refere, aspetos da personalidade do arguido que deveriam ser levados em consideração na aplicação da pena e não foram.
VI- Aos 18 anos, por falta de adaptação e mudança radical do estilo de vida com menos recursos a todos os níveis, passou a aderir a grupos com um estilo de vida desviante tendo sofrido uma condenação de 5 anos de prisão, por roubo, que cumpriu.
VII- Foi neste período, ainda, bastante jovem e com uma pena de 5 anos para cumprir que arguido começou a ingerir bebidas alcoólicas.
VIII- O Relatório social elaborado pela DGRSP, é omisso quanto à evolução do assumido problema de alcoolismo do arguido
IX- A verdade é que, actualmente, o arguido deixou de beber e encontra-se a ser acompanhado nas consultas de psicologia
X- O arguido não se encontra a exercer qualquer actividade laboral, escolar ou formativa, porque não há viabilidade na integração do arguido em actividades profissionais regulares, por falta de vaga no E.P. onde se encontra actualmente, já o tendo requerido e vindo a manifestar o desejo de o fazer.
XI- No anterior E. P. …. o arguido trabalhava e estudava.
XII- Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, antes de proferir a sentença ora recorrida, deveria ter solicitado à DGRSP um relatório social, actualizado e que esclarecesse quais os motivos pelos quais o arguido não se encontra integrado em actividade laboral, escolar ou formativa
XIII- Deveria, ainda, questionar quanto ao problema de alcoolismo, se o mesmo se encontra em consultas e se mantem comportamentos aditivos, o que não fez
XIV- O actual relatório social não passa de uma cópia do relatório, anteriormente elaborado, 23 de outubro de 2018 (2 anos antes),
XV- Estando o arguido detido há tanto tempo, em cumprimento de pena a que foi condenado, e volvidos 2 anos, muito haveria de ter mudado acerca da sua personalidade.
XVI- Não logrou o M. Juiz a quo fundamentar devidamente (aliás não fundamentou) a razão pela qual optou pela determinação da medida da pena junto dos seus limites máximos, assumindo e dando por certo que que o arguido não tem trabalho nem qualificações, e mostra-se excessivamente consumidor de álcool, o que NÃO É VERDADE.
XVII- Razões pelas quais violou a sentença recorrida o disposto nos art.77. n.º 1 do CP e 374/2 e 379.º do CPP, sendo por isso NULA.
XVIII- A nível da personalidade do arguido, o Tribunal a quo faz algumas referências à mesma; mas olhando mais em concreto essa fundamentação, temos de concluir que é muito genérica ou nenhuma
XIX- No caso em apreciação, em que o arguido é condenado, essencialmente, por crimes de roubo e violência doméstica, é de grande relevo conhecer o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro (exigências de prevenção especial de socialização), o que passa por um esclarecimento factual da personalidade do arguido, que não consta da decisão recorrida
XX- O arguido, actualmente, com 39 anos de idade, pai de 7 (sete) filhos, todos menores, o último dos quais com cerca de dois anos de idade, após cumprimento de penas de prisão de 5 (cinco) e de 7 (sete) anos, arranjou motivação suficiente para querer seguir um caminho dentro da legalidade, podendo trabalhar e acompanhar o crescimento dos seus filhos
XXI- Adquiriu outra maturidade e abandonou comportamento aditivos (álcool) que estiveram na origem dos crimes cometidos
XXII- Ainda de referir, acerca da personalidade do arguido, que no âmbito dos presentes autos (Proc. 315/16…), à semelhança de outros o arguido confessou os crimes e assumiu todas as responsabilidades pelos mesmos, permitindo, neste caso, á co-arguida, mãe do seu filho menor, ficar em liberdade para educar o filho de ambos.
XXIII- Assim, a pena única a fixar deverá ser compreendida entre o limite mínimo de 7 anos e 6 meses (a pena concreta mais elevada, no proc.º 641/17…..) e o limite máximo de 18 anos (a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes dos quatro processos a cumular). .."
XXIV- O acórdão recorrido violou o disposto nos art. 77. n.º 1 do CP e 374/2 e 379.º do CPP, sendo por isso NULA.
Nestes termos,
recebido o presente recurso, deve ser revogada a decisão recorrida, devendo V. Exas. alterar a medida da pena e fixá-la no mínimo legal de 7 anos e seis meses de prisão.
[…].».
3. O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo.
4. O Ministério Público em … respondeu ao recurso, concluindo pela seguinte forma:
─ «1ª – O arguido AA inconformado com o acórdão cumulatório de fls. 592 e seguintes, que operando o cúmulo jurídico entre as penas impostas nos nossos autos (com o nº 315/16……) e nos processos com os números 662/16…., 641/17…. e 826/17….., decidiu, condená-lo na pena única de 14 (catorze) anos de prisão, veio dele interpor recurso.
2ª – A questão suscitada pelo arguido/Recorrente no recurso reconduz-se, apenas e tão só, à nulidade do acórdão, porquanto a discordância quanto à medida da pena assenta apenas numa mera afirmação.
3ª – Invoca a nulidade do acórdão recorrido nos termos das disposições conjugadas nos artigos 77º, nº 1 do Código Penal e 374º, nº 2 e 379º, ambos do Código de Processo Penal.
4ª – E assiste-lhe razão.
5ª – Não exactamente pelas razões invocadas, mas sim, pela circunstância do acórdão ser omisso quanto aos factos provados pelos quais foi condenado nos processos englobados na operação de concurso de crimes efectuada e que permitirá a avaliação, por parte do Tribunal a quo, da personalidade do arguido na comissão dos factos, conforme exige o nº 1 do artº 77º do Código Penal.
6ª – O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 9/2016, do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Junho de 2016, a fixar jurisprudência no sentido de que "O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso".
7ª – In casu, verifica-se o pressuposto para o conhecimento superveniente do concurso e, bem assim, para a realização de cúmulo jurídico das penas, pois que o arguido praticou diversos crimes antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles, nos termos do disposto nos artigos 77º e 78º do Código Penal.
8ª – Cumpre, porém, fazer três precisões quanto ao alegado pelo Recorrente.
9ª – No que respeita à sua situação pessoal, não lhe assiste razão, porquanto Tribunal a quo determinou a realização de relatório social, actualizado, conforme resulta do teor do despacho exarado a fls. 554, figurando a fls. 577 e ss, datado de 22/06/2020, o relatório elaborado pela DGRSP, pelo que, obviamente, a conclusão que se retira é que o mesmo é actual.
10ª – Do mesmo modo, diga-se, que o Tribunal a quo observou o preceituado no nº 2 do artº 77º do Código Penal. Com efeito, o somatório das penas parcelares em que foi condenado o arguido nos supra identificados processos, objecto de concurso, ascendem a 18 (dezoito) anos de prisão e não 17 (dezassete) anos e 8 (oito) meses, como defende o Recorrente.
11ª – Por último, sem prejuízo da posição que iremos assumir, discordamos em absoluto da pena única proposta pelo Recorrente, afigurando-se-nos adequada, proporcional e justa a pena única aplicada, de 14 (catorze) anos de prisão, ponderando os factos e ilícitos pelos quais foi condenado, conforme resulta da análise do douto acórdão proferido nestes autos, junto a fls. 397 e ss, e das certidões que figuram a fls. 464 e seguintes, 500 e seguintes e 536 e seguintes.
12ª – Da leitura do acórdão recorrido constata-se que apenas foram enunciados os tipos de crimes cometidos, as datas da sua prática, da decisão condenatória e do respectivo trânsito em julgado, e, bem assim, as penas aplicadas nos vários processos abrangidos, sendo omisso quanto aos factos que determinaram a condenação do arguido em cada um desses processos, em que circunstâncias foram os crimes praticados, os contornos de cada um, a ilicitude dos factos e a postura do arguido quanto a eles.
13ª – Esta omissão determina, como tem vindo a ser jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, a nulidade do acórdão recorrido, por falta de fundamentação, nos termos do disposto no nº 2 do artº 374º conjugado com o artº 379º, nº 1, al. c) e nº 2, ambos do Código de Processo Penal.
14ª – Assenta tal entendimento na circunstância de se entender que o julgamento do concurso de crimes constitui um novo julgamento, destinado a habilitar o Tribunal a produzir um juízo autónomo relativamente aos produzidos nos julgamentos dos crimes individualmente considerados, apreciando-se agora a globalidade da conduta do agente e a sua personalidade referenciada a essa globalidade, que exige uma fundamentação própria, quer de facto quer de direito.
15ª – Tem-se entendido que não é necessário que a decisão enumere exaustivamente os factos dados como provados nas decisões anteriores, mas é imprescindível que contenha uma descrição sumária dos factos, de modo a permitir conhecer os contornos dos crimes anteriormente praticados e a personalidade do arguido, neles manifestada.
16ª – Assim sendo, por razões diversas do Recorrente, constatando-se que não foram enunciados os factos que consubstanciaram as condenações sofridas pelo arguido nos processos abrangidos pelo cúmulo jurídico, nem sequer de forma sumária, o acórdão em crise padece de mencionada nulidade.
17ª – Neste sentido vejam-se, por todos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/05/2011 e 17/06/2020, este último proferido no P.nº 306/12….., relatado pelo Exmº Sr. Conselheiro Manuel Augusto de Matos, que corre termos no Juiz .. deste Juízo Central Criminal ……..
18ª – Destarte, sem necessidade de mais considerações, impõe-se concluir que deverá o acórdão sub judicio ser declarado nulo e ordenada a prolação de novo acórdão que supra a apontada nulidade.
Termos em que deverá o recurso ser julgado procedente e ordenar-se a substituição da decisão recorrida.
[…].».
5. Neste Supremo Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer de que se respigam, por mais significativos, os seguintes passos:
─ «O recorrente AA alega que o acórdão recorrido nada fundamenta quanto à sua personalidade, e quanto à sua situação pessoal, "(…) limitando-se a referir, ainda que vagamente, tipo e número de infrações praticadas e ao período temporal em que as mesmas foram cometidas, aos antecedentes criminais (…)".
O recorrente AA alega que o acórdão recorrido não se pronuncia relativamente ao efeito previsível da pena a aplicar sobre o seu comportamento futuro, ou seja, não se pronuncia sobre as exigências de prevenção especial da sua socialização, tendo em conta a natureza dos crimes em concurso.
O recorrente AA alega que o acórdão recorrido é nulo, por falta de fundamentação, relativamente à opção pela determinação da medida da pena junto dos seus limites máximos, tendo sido violado o disposto no art. 77º, nº 1, do Cod. Penal, e os arts. 374º, nº 2, e 379º, ambos do Cod. Proc. Penal.
O recorrente AA considera que a medida da pena única deveria ser alterada fixando-se no mínimo legal de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão, ou seja, na pena concreta mais elevada que lhe foi aplicada no Proc. nº 641/…...
A - Questão prévia – Da nulidade da decisão recorrida.
Entende-se que assiste razão ao recorrente AA quando alega que o acórdão recorrido é nulo, por falta de fundamentação, face ao disposto no art. 374º, nº 2, e no art. 379º, ambos do Cod. Proc. Penal, posição igualmente assumida pela Ilustre Magistrada do Ministério Público em 1ª Instância.
Com efeito, e tal como bem refere a Ilustre Magistrada do Ministério Público em 1ª Instância, o acórdão recorrido apenas enuncia os tipos de crimes cometidos pelo recorrente AA, as datas da sua prática, da decisão condenatória e do respectivo trânsito em julgado, e as penas aplicadas nos vários processos abrangidos, sendo omisso quanto aos factos que determinaram a sua condenação em cada um dos processos englobados no cumulo, às circunstâncias em que os crimes foram praticados, aos contornos de cada um, à ilicitude dos factos, e à postura do recorrente relativamente aos mesmos.
Passemos então a analisar a fundamentação do acórdão recorrido, que se passa a transcrever:
[…].
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se pronunciado no sentido que a decisão que procede à realização do cúmulo está dispensada apenas da excessividade de exposição da factualidade fixada em cada uma das decisões que vão integrar a pena única, mas terá sempre de proceder ao relato, ainda que em súmula, dos factos criminosos dados como provados nessas decisões, para que transpareça do acórdão qual a ponderação que foi feita sobre a personalidade global do arguido, face à quantidade e à gravidade dos crimes que cometeu, sobre a intensidade da culpa e do grau de ilicitude, bem como sobre as circunstâncias atenuantes que eventualmente militem a seu favor.
Assim, o sumário do Ac. STJ de 14/07/2016, in Proc. nº 4403/00.2TDLSB.S1,. acessível em www.dgsi.pt. refere que ."I - É nulo, por omissão de fundamentação, nos termos conjugados dos arts. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) [1.ª parte], ambos do CPP, o acórdão de cúmulo jurídico que, com referência às decisões condenatórias, se limita a remeter para as certidões das decisões juntas aos autos, sendo totalmente omisso na enumeração de forma sucinta e sintética dos factos integrantes dos crimes em concurso, impossibilitando deste modo, a valoração do ilícito global perpetrado, na ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido.
II - A decisão recorrida deve bastar-se a si própria, na sua integridade processual formal, não sendo ao STJ que incumbe indagar e seleccionar os factos, através das certidões das decisões relevantes para cúmulo, e proceder à sua selecção e descrição, uma vez que como tribunal de recurso, reexaminando apenas a matéria de direito, sindica o teor da decisão recorrida, e não supre deficiências factuais desta, não tendo a amplitude dos poderes do tribunal da Relação que conhece de matéria de facto, em recursos penais" (sublinhado nosso).
Também, o sumário do Ac. STJ de 09/07/2014, in Proc. nº 548/10.9PABCL.S1, acessível em www.dgsi.pt., refere que:
"I- O dever de fundamentação, expressamente consagrado no art. 97.º, n.º 5, do CPP, impõe que sejam especificados os motivos de facto e de direito da decisão, impondo, por um lado, que se descreva expressamente os factos provados e a motivação de facto e, por outro lado, que se exponha os motivos de direito que estiveram na base da decisão tomada.
II - Ora, também no caso de uma decisão sobre a aplicabilidade de uma pena única conjunta em sede de conhecimento superveniente de concurso de penas, esta fundamentação deve existir em cumprimento do art. 374.º do CPP, e ainda do art. 71.º, n.º 3, do CP, onde expressamente se diz que "na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena" – o que nos permite considerar que o legislador entendeu que havia uma necessidade de fundamentação da decisão judicial também na parte respeitante à escolha e determinação da medida da pena, quer se trate de pena singular, quer de uma pena única conjunta, quer em casos de conhecimento “originário” do concurso de crimes, quer em situações de conhecimento superveniente.
III -O dever de fundamentação do acórdão ou sentença que procede à realização do cúmulo jurídico deve ser compreendido em conformidade com as finalidades que lhe são inerentes: a fundamentação deve ser a necessária e a adequada para apreender a imagem global do facto, para escrutinar se os diversos crimes cometidos pelo condenado são fenómenos ocasionais ou motivados por fatores conjunturais, ou se, pelo contrário, radicam em uma personalidade com apetência para a criminalidade, fazendo do crime o seu modo estrutural de atuação (…)" (sublinhado nosso).
Também, no ponto IV, do sumário do Ac. STJ de 30/11/2016, in Proc. nº 804/08.6PCCSC.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt., se lê que: "IV Na fundamentação da decisão de cúmulo, que obedece a um critério especial, concretamente, na descrição da matéria de facto, dever-se-á ter em conta a matéria de facto pertinente às condenações, a descrever de forma muito sucinta, no que respeita aos crimes que integrarão o cúmulo, de forma a habilitar os destinatários da sentença, incluindo o tribunal superior, a perceber a realidade concreta dos crimes anteriormente cometidos, merecendo reparo a solução de transcrição integral, sem mínimo esforço de síntese. (…)".
No caso em apreço, entende-se que o acórdão recorrido não obedece à fundamentação necessária imposta por lei, uma vez que não enumera, ainda que sumariamente, os factos criminosos cometidos pelo AA nem o circunstancialismo agravativo e atenuativo em que os crimes foram cometidos, limitando-se a mencionar os ilícitos, e as penas aplicadas, nem esclarece quais os factores relevantes que determinaram a operação de formação da pena conjunta que aplicou.
[…].
Ora, não basta aludir-se à identificação dos ilícitos e das respectivas penas, aos antecedentes criminais e à factualidade eventualmente constante do relatório social para fundamentar a aplicação de uma pena única, sendo necessário, para além do mais, proceder-se a uma apreciação em conjunto dos factos e da personalidade do arguido, como determina o artº 77º, nº 1, do Cod. Penal.
Com efeito, o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos praticados em momentos distintos, que tanto podem ser temporalmente próximos como temporalmente distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes de natureza diversa. Por outro lado, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.
Assim, impende sobre o Juiz um ónus especial de determinar e de justificar quais os factores relevantes que determinaram a operação de formação da pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer no que concerne à personalidade e aos factos considerados no seu significado conjunto.
E, para apurar do grau da culpa (numa perspectiva global dos factos), há que determinar a intensidade da ofensa e a dimensão e a natureza do bem jurídico ofendido, há que determinar quais os motivos e os objectivos do agente que o levaram à prática dos actos ilícitos, e há que averiguar da existência ou não de uma tendência para a actividade criminosa, face ao número de infracções cometidas, à sua permanência no tempo, e à sua dependência de vida em relação àquela actividade.
E, para apurar da medida concreta da pena conjunta, há que averiguar se ocorreu ou não uma ligação e/ou uma conexão entre os factos em concurso, se existiu uma qualquer relação entre uns e outros, e a existir qual a natureza e/ou tipo de relação entre os factos, bem como o número, a natureza, e a gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, sendo que tudo isto deverá ser ponderado em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos e qual o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, face às exigências de prevenção especial de socialização.
Ora, após uma análise do acórdão recorrido, e perante o que consta da respectiva fundamentação, fica-se sem saber em que termos é que a personalidade do recorrente AA se projectou nos factos por si praticados, se os crimes se encontram relacionados ou interligados entre si, qual a dimensão e a gravidade dos mesmos, e se no caso se verifica uma situação de mera ocasionalidade, ou pelo contrário, se verifica de uma situação de pluriocasionalidade com tendência criminosa.
E, também não se consegue apreender qual a gravidade dos factos praticados pelo recorrente AA, nem se existe inter-relação entre eles, nem o grau de violência exercido sobre as vítimas, no que respeita aos crimes de roubo e ao crime de violência doméstica, nem o grau de sofisticação empreendido no que respeita ao crime de burla informática, como também não se consegue avaliar, de uma forma global, a sua personalidade face aos factos por si cometidos, para que possamos (ou não concluir) estar-se perante uma carreira criminosa.
E, também não se consegue apreender qual o critério que foi adoptado para a fixação da medida da pena unica aplicada de 14 (cartorze) anos de prisão, sendo que a pena única deverá ter por objectivo sancionar o recorrente AA, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, sendo necessário apreciar e avaliar da dimensão e da gravidade global do seu comportamento delituoso, uma vez que a lei manda que se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente – cfr. arts. 77º nº 1 e, 78º, nº 1, ambos do Cod. Penal.
Entende-se que nada disto foi feito, uma vez que o acórdão recorrido nem sequer descreveu, ainda que por súmula, a conduta factual delituosa do recorrente AA, por consideração ao conjunto dos factos praticados e à sua personalidade, nem o circunstancialismo agravativo e atenuativo em que os crimes foram cometidos, de forma a que se pudesse sindicar a pena conjunta que lhe foi aplicada, o que o torna nulo, nos termos do artº 379º, nº 1, al. a), 1ª parte e art. 374º nº 2, ambos do Cod. Proc. Penal.
Entende-se também que o acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre questão que tinha de apreciar e decidir uma vez que não procedeu à necessária avaliação conjunta da conduta factual delituosa do recorrente AA, que é exigida para a decisão de determinação da medida da pena única, dentro dos limites legais, o que também o torna nulo, nos termos do artº 379º, nº 1, al. c) e art. 374º nº 2, ambos do Cod. Proc. Penal.
Ora, não incumbe ao Supremo Tribunal de Justiça, em recurso, como tribunal de revista, pesquisar e seleccionar quais os factos relevantes para a decisão da causa constantes dos autos, com vista a especificar esses factos e a estruturar a decisão em conformidade com o disposto no citado nº 2 do artº 374º, uma vez que tal exercício não cabe no âmbito dos seus poderes de cognição, face ao disposto no artº 434º do Cod. Proc. Penal – cfr. Ac. STJ de 06/02/2014, in Proc. nº 6650/04.9TDLSB.S1, acessível em www.dgsi.pt.
Concluindo, entende-se que o recurso merece provimento, devendo julgar-se nulo o acórdão recorrido, nos termos do artº 374º, nº 2, e art. 379º, nº 1, al a), (1ª parte), e al. c), ambos do Cod. Proc. Penal, por omissão de relato dos factos criminosos dados como provados nas decisões abrangidas pelo cúmulo jurídico, e por omissão de fundamentação e de pronúncia sobre a ponderação conjunta dos factos e da personalidade do recorrente AA, relevantes para a determinação da medida concreta da pena única, devendo ser reformulado, nos termos do art. 77º, nº 1, do Cod. Penal.
[…].»
6. No momento previsto no art.º 417º n.º 2, o Recorrente nada disse.
7. Colhidos os vistos, de acordo com o exame preliminar, foram os autos presentes a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
II. Fundamentação.
A. Âmbito-objecto do recurso.
8. O objecto e o âmbito dos recursos são os fixados pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 412º n.º 1, in fine, do CPP –, sem prejuízo do conhecimento das questões oficiosas.
O Recorrente suscita duas questões, uma, a da nulidade por falta de fundamentação prevista no art.os 374º n.º 2 e 379º n.º 1 al.ª a), que localiza nos momentos em que o Acórdão Recorrido cuidou da medida concreta da pena única e que identifica na circunstância de «nada fundadmenta[r]» quanto «à personalidade e situação pessoal do arguido»; a outra, a da medida concreta daquela pena que – diz –, a mais de assente em erro no cálculo do limite superior da moldura do concurso, considera excessiva.
A Senhoras Magistradas do Ministério Público alertam, igualmente, para a comissão de nulidade de falta de fundamentação prevista nos art.os 374º n.º 2 e 379º n.º 1 al.ª a), 1ª parte, decorrente de o Acórdão Recorrido ser omisso «quanto aos factos provados pelos quais» o Recorrente «foi condenado nos processos englobados na operação de concurso de crimes efectuada».
Invalidade a que a Senhora Procuradora-Geral Adjunta acrescenta a da nulidade de omissão de pronúncia, prevista no art.º 379º n.º 1 al.ª c), por omissão de fundamentação e de pronúncia sobre a «ponderação conjunta dos factos e da personalidade do recorrente […], relevantes para a determinação da medida concreta da pena única».
Sendo estas as questões a abordar, comece-se, por razões de precedência lógica, pela da nulidade da falta de fundamentação prevista no art.º 374º n.º 2 e 379º n.º 1 al.ª a), 1ª parte, acusada por ambas as Senhoras Magistradas, aliás, de conhecimento oficioso – art.º 374º n.º 2.
Se não prejudicadas, conhecer-se-á das restantes, a da nulidade da omissão de pronúncia referenciada pela Senhora Procuradora-Geral Adjunta e as da nulidade e da medida concreta da pena apontadas pelo Recorrente.
B. A nulidade da falta de fundamentação por omissão da matéria de facto em que se fundaram as condenações parcelares.
a. O Acórdão Recorrido.
9. O Acórdão Recorrido é do seguinte teor:
─ «Relatório
O arguido AA, filho de BB e de CC, nascido em …, no dia …..-1981, solteiro, residente na Av. ….., …., presentemente em situação de reclusão em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional …, foi julgado e condenado:
I. No processo abreviado n.° 819/00…, por sentença de 23-03-2001, transitada em julgado em 17-04-2001, pela prática, em 01-09-2000, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência, numa pena única de 81 dias de multa, à taxa diária de 400$00.
II. No processo comum (coletivo) n.° 644/00…., por acórdão de 07-11-2001, transitado em julgado em 08-04-2002, pela prática, em 22-10-2000, de um crime de roubo, numa pena de 5 anos de prisão. Neste processo, posteriormente, foi realizado cúmulo jurídico com o processo anterior, tendo o arguido sido condenado, por acórdão cumulatório de 30-10-2002, transitado em julgado em 07-03-2003; a pena veio a ser declarada extinta pelo cumprimento.
III. No processo comum (coletivo) n.° 229/08…., por acórdão de 17-06-2009, transitado em julgado em 21-09-2009, pela prática, em 02-03-2008, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada de um crime de detenção de arma proibida, numa pena única de 4 anos de prisão.
IV. No processo comum (coletivo) n.° 1851/08….., por acórdão de 09-12-2009, transitado em julgado em 26-04-2010, pela prática, em 03-09-2008, de um crime de roubo e de um crime de detenção de arma proibida, numa pena única de 3 anos de prisão. Neste processo, posteriormente, foi realizado cúmulo jurídico com o processo n.º 229/….., tendo o arguido sido condenado, por acórdão cumulatório de 16-07-2010, transitado em julgado em 20-09-2010, numa pena única de 5 anos e 6 meses.
V. No processo comum (singular) n.° 255/09…., por sentença de 19-01-2012, transitada em julgado em 24-02-2012, pela prática, em 28-03-2009, de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €5,00, que veio posteriormente a ser convertida em 100 dias de prisão, e declarada extinta pelo cumprimento.
VI. No processo comum (coletivo) n.° 633/07…., por acórdão de 11-07-2012, transitado em julgado em 21-03-2013, pela prática, em 22-10-2007, de um crime de violência doméstica, e em 07-06-2008, de um crime de detenção de arma proibida e de um crime de ofensa à integridade física, numa pena única de 3 anos e 1 mês de prisão e de 150 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
VII. No processo comum (coletivo) n.° 474/09…, por sentença de 30-11-2012, transitada em julgado em 20-12-2012, pela prática, em 16-05-2009, de um crime de detenção de arma proibida, numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão. Neste processo, posteriormente, foi realizado cúmulo jurídico com as penas dos processos n.ºs 255/09…, 229/08…., 1851/08….. e 633/07….., tendo o arguido sido condenado, por decisão cumulatória de 16-07-2013, transitada em julgado em 30-09-2013, numa pena única de 7 anos de prisão e de 225 dias de multa, à taxa diária de €5,00.
VIII. No processo comum (singular) n.° 2938/11…., por sentença de 24-03-2014, transitada em julgado em 03-12-2014, pela prática, em 23-01-2011, de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, numa pena de 12 meses de prisão. Esta pena veio a ser declarada extinta pelo cumprimento.
IX. No processo comum (singular) n.° 662/16….., por sentença de 27-02-2018, transitada em julgado em 29-03-2018, pela prática, entre 30-11-2014 e 21-12-2016, de um crime de violência doméstica, numa pena de 3 anos e 6 meses de prisão.
X. No processo comum (coletivo) n.° 641/17…, por acórdão de 28-05-2018, transitado em julgado em 06-11-2018, pela prática, em 07-05-2017, de um crime de roubo qualificado, numa pena de 7 anos e 6 meses de prisão.
XI. No processo comum (singular) n.° 826/17…, por sentença de 23-10-2018, transitada em julgado em 26-06-2019, pela prática, em 04-06-2017, de um crime de falsas declarações, numa pena de 1 ano de prisão.
XII. Nos presentes autos, processo comum (coletivo) n.° 315/16…., por acórdão de 12-04-2019, transitado em julgado em 21-05-2019, pela prática, em 08-11-2016, de um crime de roubo numa pena de 5 anos e 6 meses e de um crime de burla informática numa pena de 6 meses, numa pena única de 5 anos e 8 meses de prisão.
Teve lugar a audiência prevista no artigo 472.º do C.P.P., na qual se apuraram os seguintes factos relativos à situação pessoal do arguido, constantes do relatório social elaborado pela DGRSP, a fls. 577 a 579:
"O arguido é natural de …., embora de ascendência ….. Os progenitores emigraram para …. ainda novos, onde se radicaram e onde nasceram quatro filhos. Era uma família organizada, com uma dinâmica relacional adequada e padrões educativos assentes no valor do trabalho e de responsabilidade. O pai, comerciante, possuía algumas lojas locais de comércio proporcionando boas condições de vida à família. A mãe, doméstica, encontrava-se mais disponível para os descendentes e era um importante alicerce do grupo familiar.
Apesar de se constituírem como núcleo familiar autónomo, mantinham uma grande proximidade física e afetiva com elementos da família alargada e estreitos laços de entreajuda e solidariedade com estes.
A sua infância decorreu assim, sem incidentes, no seio de um elevado número de referenciais adultos.
Parece ter sido este contexto que terá marcado no arguido o sentido de autonomia e desejo de independência precoce o que, na fase escolar, se refletiu em algumas retenções e no abandono escolar sem motivo aparentes.
Nesse período, a morte da irmã mais velha abalou a dinâmica familiar, e particularmente a progenitora, que passou por uma fase inicial de instabilidade psico-emocional. Foi nessa altura que os pais decidiram emigrar para Portugal deixando os filhos a cargo de familiares, sendo que a família só se voltou a reunir mais tarde, com a vinda do arguido e dos irmãos para este país, contava então 14 anos de idade.
Em Portugal, AA passou por algumas dificuldades de adaptação cultural e económica, uma vez que a família passou a ter um estilo de vida com menos recursos a todos os níveis. A progenitora iniciou atividade laboral no sector das limpezas e o progenitor no sector da construção civil, procurando garantir o sustento familiar em detrimento do tempo disponível para o acompanhamento e apoio dos descendentes.
AA retomou a escolaridade no 6º ano mas sem sucesso, sendo nesta fase que passou a aderir a grupos de pertença e a um estilo de vida desviante que determinou, aos 18 anos, uma condenação de 5 anos por roubo, a qual cumpriu até ao termo.
Após a libertação, aos 23 anos de idade, o arguido iniciou um agregado autónomo junto da companheira na altura, da qual teve três filhos, mas a relação parece ter sido sempre conturbada, com diversos episódios de violência doméstica, a que não parece ter sido alheio o abuso de bebidas alcoólicas por parte do arguido, o que determinava diversos períodos de rutura relacional. Durante estes períodos de separação, o arguido estabeleceu outros relacionamentos, dos quais nasceram mais dois filhos, os quais residem com as próprias mães.
Em termos laborais, o arguido parece ter tido um percurso regular na área da construção civil, segundo refere, exercendo funções de calceteiro.
Entre maio de 2009 e março de 2016, AA esteve ininterruptamente preso tendo sofrido várias condenações pelos crimes de homicídio qualificado na forma tentada, detenção de arma proibida, roubo, condução de veículo sem habilitação legal, ofensa à integridade física simples e violência doméstica.
Durante esse período de reclusão, ocorreu a rutura definitiva desse relacionamento passando o arguido a contar apenas com o apoio da progenitora, com a qual manteve uma relação afetiva de grande proximidade, a qual assumiu até há cerca de 1 ano a guarda dos netos mais velhos, atualmente com 9 e 10 anos de idade, que estavam institucionalizados, encontrando-se os mesmos atualmente com a respetiva progenitora. O filho mais novo do arguido, de cerca de 6 anos, encontra-se igualmente a cargo da respetiva progenitora.
No historial da sua reclusão, é visível alguma oscilação entre períodos de maior instabilidade, com registo de várias participações e sanções disciplinares, e períodos mais estáveis revelando uma postura adaptada e colaborante integrando ocupação laboral.
Após a sua restituição à liberdade, em março de 2016 aos 5/6 da pena, AA esteve detido nas instalações do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no …., aguardando decisão sobre eventual expulsão administrativa do território nacional. De acordo com o apurado, foi interposta providência cautelar pelo que, tendo a mesma efeitos suspensivos, o arguido foi colocado em liberdade desconhecendo estes serviços o desfecho deste processo.
Deste modo, em período prévio à reclusão, o arguido encontrava-se em acompanhamento por parte dos serviços da DGRSP no âmbito de liberdade condicional, cujo termo ocorreu em 19/07/2017.
Nesta fase AA estabeleceu uma união de facto com DD, fixando residência com esta, inicialmente na zona de … e mais tarde na ….., em habitação arrendada, sendo o agregado familiar composto pelo arguido, companheira e três filhas da mesma, de 8, 14 e 16 anos de idade. Deste relacionamento, nasceu posteriormente um filho do casal, atualmente com 2 anos de idade.
Trabalhava sobretudo como calceteiro, mas de modo totalmente desvinculado já que o facto de se encontrar indocumentado seria impeditivo da obtenção de uma situação mais estável. A companheira encontrava-se desempregada e beneficiava do Rendimento Social de Inserção. A situação socioeconómica foi descrita pelo arguido como deficitária contando com o apoio de familiares da companheira.
O relacionamento entre o casal seria conturbado, com registo de episódios de violência doméstica e situações de aproximação e afastamento entre o casal, conforme informação de anomalias efetuado pelos serviços da DGRSP no âmbito do acompanhamento da liberdade condicional, contando com o apoio, em termos habitacionais, da progenitora e irmã mais velha.
AA assume que consumia regularmente bebidas alcoólicas em excesso disponibilizando-se para acompanhamento terapêutico no âmbito da problemática do alcoolismo após a libertação referindo inclusive que, em período prévio à reclusão, estaria a aguardar consulta de alcoologia.
AA deu entrada no Estabelecimento Prisional …. em 16/06/2017, à ordem do processo 641/17…., acusado do crime de roubo e burla informática em 7 anos e 6 meses de prisão, que cumpre. Constam ainda, os processos: 826/17…., da Comarca ……., …, Juízo Local Criminal, Juiz …., onde foi acusado de falsas declarações. Foi recentemente condenado no processo 662/16….., na pena de 3 anos e 6 meses pelo crime de violência doméstica acumulando a pena acessória de proibição de contactos com a vítima, DD, por igual período de tempo.
Durante o período de tempo em que se encontrou no estabelecimento Prisional ……. beneficiou de visitas assíduas de uma das enteadas e do filho mais novo do casal. A companheira visitou o arguido no estabelecimento prisional até 09/09/2017, data em que aqueles serviços tiveram conhecimento da proibição de contactos entre o casal por qualquer meio.
Iniciou o cumprimento desta pena no E.P. ……. sendo transferido para o E.P. …….. em 21/12/208. Em 20/12/2019 foi novamente transferido para o E.P. de ….., onde permanece.
A progenitora do arguido, desgastada com o estilo de vida do mesmo em termos pessoais e prisionais, não o tem visitado no atual estabelecimento prisional.
Ao longo da condenação tem mantido o apoio da companheira DD que ainda o visitou com o filho do casal, ficando inibida de o fazer por decisão de afastamento determinada pelo Tribunal. No entanto, e segundo indicações da mesma, a relação e o apoio mantém-se.
No estabelecimento prisional, não se encontra integrado em qualquer atividade laboral, escolar ou formativa. Em termos disciplinares, averba diversos registos disciplinares, três dos quais já este ano.
A dificuldade que tem vindo a revelar em manter um comportamento adequado às normas e regras, tem condicionado, de forma negativa, a construção de um percurso prisional evolutivo.
Em conclusão
O percurso de vida de AA decorreu num meio sociocultural caracterizado por relações afetuosas e securizantes, situação que se alterou com a vinda para Portugal e com a proximidade a pares desviantes.
Iniciou precocemente contactos com o Sistema de Administração da Justiça Penal tendo sofrido várias condenações pelos crimes de homicídio qualificado na forma tentada, detenção de arma proibida, roubo, condução de veículo sem habilitação legal, ofensa à integridade física simples e violência doméstica.
Em termos de fatores de proteção, consideramos o facto de AA conseguir elaborar acerca de alguns fatores de risco presentes na sua trajetória de vida, sobretudo relacionados com o consumo excessivo de bebidas alcoólicas disponibilizando-se para acompanhamento, após a libertação, no âmbito desta problemática.
No nosso entender, AA beneficiaria com a integração em programas no sentido da sensibilização para as consequências dos comportamentos aditivos, aquisição de competências formativas e laborais, consolidação de competências sociais e pessoais bem como de censurabilidade e interiorização dos valores ético-jurídico, como forma de o arguido adotar um projeto de vida independente e um comportamento social e juridicamente adaptado.”
Mais se dão por reproduzidos os factos dados como provados nas decisões dos presentes autos, acórdão de fls. 397 a 432, bem como nos processos identificados em IX., X. e XI. (processos 662/16…, 641/17…. e 826/17….), cujas certidões constam dos presentes autos, respetivamente, a fls. 536 a 548, 500 a 518 verso e 464 a 476, bem como o certificado do registo criminal de fls. 565 a 575 verso.
Fundamentação
Atentas as regras consagradas nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, verifica-se que as penas nas quais o arguido foi condenado nos processos identificados de IX. a XII. (proc.ºs n.ºs 662/16.., 641/17…, 826/17…. e ainda os presentes autos - 315/16…) se encontram em relação de concurso, pelo que haverá que proceder ao cúmulo jurídico das mesmas, por forma a condenar o arguido numa pena única, circunstância determinada pela lei em benefício deste.
Constata-se também que este é o tribunal territorialmente competente para realização da audiência de cúmulo jurídico porquanto foi o tribunal da última condenação, como estabelece o artigo 471.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Com efeito, de acordo com a jurisprudência já uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça (acórdão de Fixação n.º 9/2016, de 09-06-2016, proferido no processo 330/13.1PJPRT-A.P1-A.S1 da 5.ª Secção: "O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso"), a fronteira relevante, e intransponível, de concurso é estabelecida, de acordo com o n.º 1 do artigo 78.º do Código Penal, pela data do trânsito em julgado da primeira condenação do arguido.
Assim, no presente caso, a fronteira relevante e intransponível de concurso de penas é estabelecida pela data do primeiro trânsito em julgado – 29-03-2018 (processo 662/16…, identificado em IX.) das penas que se encontram em concurso, pelo que integram tal concurso os processos cujos factos ocorreram anteriormente a essa data, ou seja, os factos dos processos identificados supra em X., XI. e XII. (processos 641/17…., 826/17…. e ainda os presentes autos - 315/16…..).
Refere-se ainda que se encontra excluída do presente concurso a pena do processo 2938/11…, cujo trânsito em julgado da respetiva decisão ocorreu em 03-12-2014, porquanto os factos dos processos 662/16…, 641/17…., 826/17… e dos presentes autos - 315/16…., ocorreram posteriormente à mencionada data do trânsito em julgado.
Por outro lado, a pena do processo 2938/11….., cujos factos ocorreram em 23-01-2011, também não poderá integrar o cúmulo jurídico em que o arguido veio a ser condenado, por decisão cumulatória de 16-07-2013, transitada em julgado em 30-09-2013, numa pena única de 7 anos de prisão e de 225 dias de multa, à taxa diária de €5,00, uma vez que a data daqueles factos é posterior ao trânsito em julgado (21-09-2009) do processo 229/08…, que corresponde à primeira condenação pelos crimes em concurso (na referida decisão cumulatória de 16-07-2013, em que o arguido veio a ser condenado no âmbito do processo 474/09……).
Assim sendo e como já referimos, integram o presente cúmulo jurídico, por se encontrarem em concurso entre si, as penas dos processos 662/16……, 641/17……, 826/17…. e ainda a pena dos presentes autos - 315/16…..
Nesta conformidade, verificamos que a pena única a fixar se compreende entre o limite mínimo de 7 anos e 6 meses (a pena concreta mais elevada, no proc.º 641/17….) e o limite máximo de 18 anos (a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes dos quatro processos a cumular), de harmonia com o citado artigo 77.º, atender-se-á ao tipo e número de infrações praticadas, à intensidade do dolo, ao período temporal em que as mesmas foram cometidas, aos antecedentes criminais e à personalidade e situação pessoal do arguido.
No caso em apreço, estamos perante crimes praticados num período de tempo superior a dois anos, com a violação de bens jurídicos eminentemente pessoais, como é o caso dos crimes de roubo e de violência doméstica. Leva-se também em conta o facto de o arguido ter praticado os factos das penas em concurso durante o período da liberdade condicional que, como resulta do boletim n.º 15 do certificado do registo criminal de fls. 565 a 575 verso (processo 4046/10….., do …... Juízo do TEP ..…..), lhe foi concedida em 09-03-2016 até 19-07-2017.
Tudo ponderado, julga-se adequada a pena única de catorze anos de prisão.
*
Decisão
Por todo o exposto, este Tribunal decide:
§ Operar o cúmulo jurídico das penas dos presentes autos (315/16….), com as dos processos 662/16…., 641/17….. e 826/17…. (identificados de IX. a XII.) e, em consequência, CONDENAR o arguido AA numa pena única de 14 (catorze) anos de prisão.
[…]».
b. O défice da fundamentação de facto.
10. O Acórdão Recorrido cuidou, então, da feitura do cúmulo jurídico de penas anteriormente impostas, com trânsito, ao Recorrente no presente PCC n.º 315/16…, no PCS n.º 662/16…., no PCC n.º 641/17….. e no PCS n.º 826/17….., cujos crimes se encontram, de facto, em relação de concurso superveniente nos termos do previsto no art.º 78º n.os 1 e 2 do CP, tudo conforme o nele melhor explanado.
E, nessa conformidade, englobou as penas parcelares, de prisão, de 3 anos e 6 meses – crime de violência doméstica; PCS n.º 662/16…. –, de 7 anos e 6 meses – crime de roubo; PCC n.º 641/17…… –, de 1 ano – crime de falsa declaração; PCS n.º 826/17….. – e de 5 anos e 6 meses e de 6 meses – crimes de roubo e de burla informática; PCC n.º 315/16…. – na pena única de 14 anos de prisão.
Sucede, porém, que, como linearmente resulta do que dele acima se transcreveu e como bem oportunamente observam as Senhoras Procuradoras, na fundamentação de facto respectiva ficou a constar tão-somente o enunciado dos «tipos de crimes cometidos e as datas da sua prática, da decisão condenatória e do respectivo trânsito em julgado e, bem assim, as penas aplicadas nos vários processos abrangidos, sendo omisso quanto aos factos que determinaram a condenação do arguido em cada um desses processos» e às circunstâncias em que os crimes foram praticados e aos «contornos da cada um».
Omissão essa que – diz-se já, em inteira concordância com as Senhoras Magistradas – integra, em boa verdade, a nulidade por falta de fundamentação de facto, nos termos dos art.os 374º n.º 2 e 379º n.os 1 al.ª a), 1ª parte.
Com efeito:
11. De acordo[2] com as normas dos art.os 77º n.º 1 e 78º n.º 1 do CP, quem tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
A pena única do concurso, formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, assim, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.
O que significa que tudo deve passar-se «como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão, e o tipo de conexão, que entre os factos concorrentes se verifique». E que «[n]a avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta»[3].
A determinação da pena do concurso reclama, pois, um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor. Exigindo-se uma nova reflexão sobre os factos, sobre todos os factos, em conjunto com a personalidade do agente, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que se revelou em toda a factualidade.
E factos esse que são os que, provados, fundaram a condenação do agente em cada uma da penas parcelares englobadas no cúmulo jurídico, aí cabendo «a concreta conduta» dele, «o seu modo de actuar, de agir, o dolo com que praticou os factos, a sua postura perante os mesmos, de arrependimento ou indiferença, de confissão ou negação, a motivação, resultados do crime, indemnização das vítimas, enfim, todo o circunstancialismo que, de algum modo, permita a dita avaliação que deve ser estabelecida entre todos os factos concorrentes»[4], que o art.º 77º citado «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto», para «a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente»[5].
12. Ora, dispõe o art.º 71º n.º 3 do CP que «[n]a sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», decorrendo, por seu turno, do art.º 97º n.º 5 que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e, do art.º 375º n.º 1, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.
O art.º 374º, esse, define os requisitos da sentença identificando no seu n.º 2 os elementos que têm de integrar a fundamentação, logo, «a enumeração dos factos provados e não provados», depois, «uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
E para o art.º 379º n.º 1 al.ª a) é nula a sentença que, designadamente, não contiver as menções referidas no n.º 2 do art.º 374º.
De outro lado, e como este Supremo Tribunal vem dizendo a uma só voz, a sentença referente a um concurso de crimes de conhecimento superveniente deverá ser elaborada, como qualquer outra sentença, com atenção ao disposto no artigo 374º, que não prevê a lei desvio a esse regime geral e sendo certo que a punição do concurso superveniente não constitui uma operação aritmética ou automática, antes exige um julgamento – art.º 472.º, n.º 1 –, destinado a avaliar, em conjunto, os factos, na sua globalidade, e a personalidade do agente, conforme prescreve o art.º 77.º, n.º 1 do Código Penal.
Sendo que, assim, o julgamento do concurso de crimes constitui um novo julgamento, destinado a habilitar o tribunal a produzir um juízo diferenciado, e autonomizado, do dos julgamentos dos crimes singulares, pois que o agora se aprecia é a globalidade da conduta do agente e a sua personalidade referenciada a essa globalidade.
E tal juízo globalizante exige e releva de uma fundamentação própria, seja em termos de direito, seja em termos de facto: é o ensinamento do, entre muitos outros, AcSTJ de 4.3.2015 - Proc. n.º 1179/09.1TAVFX.S1[6], ao dizer que «a sentença de um concurso de crimes terá de conter uma referência aos factos cometidos pelo agente, não só em termos de citação dos tipos penais cometidos, como também de descrição dos próprios factos efectivamente praticados, na sua singularidade circunstancial», e que, se se aceita que «essa referência seja sucinta, uma vez que os factos já constam desenvolvidamente das respectivas sentenças condenatórias, tal referência sintética não deixa de ser essencial, pois só ela, dando os contornos de cada crime integrante do concurso, pode informar sobre a ilicitude concreta dos crimes praticados (que a mera indicação dos dispositivos legais não revela), a homogeneidade da actuação do agente, a eventual interligação entre as diversas condutas, enfim, a forma como a personalidade deste se manifesta nas condutas praticadas e na conduta global».
Sendo, por tudo o que se vem dizendo, uma decisão autónoma, a sentença do concurso tem de ser, do mesmo passo, auto-suficiente, devendo conter todos os elementos próprios de um acto dessa natureza, e habilitar quem a lê – as partes, os tribunais superiores ou qualquer outro interessado –, a apreender a situação de facto ali julgada e compreender a decisão de direito[7].
E sendo essa a função de convicção, e de legitimação, que a sentença deve cumprir. E que não cumpre se, designadamente, omite completamente a referência aos factos concretamente praticados.
13. Ora, revisto o Acórdão Recorrido, é muito evidente que não fundamentou a pena conjunta que decretou em função da análise global do conjunto dos factos – de todos os factos – e da sua relacionação com a personalidade Recorrente, como (tudo) lhe cumpria.
E assim, desde logo, por que não enumerou, como lho impunha o n.º 2 do art.º 374º, os factos em que se tinham apoiado as condenações pelos crimes em que viu relação de concurso superveniente e cujas penas cumulou, ficando-se, como já referido, pelo enunciado dos tipos de crimes cometidos e das datas da sua prática, da decisão condenatória e do respectivo trânsito, e estando completamente ausentes os factos que determinaram a condenação dos arguidos em tais processos, nada se dizendo sobre as circunstâncias em que esses crimes foram praticados, os concretos contornos de cada um, a concreta ilicitude dos factos e a concreta atitude do Recorrente neles e quanto a eles.
Não tendo cumprido – insiste-se –a exigência de fundamentação de facto nem que sob a forma mínima da referência sucinta de que fala o AcSTJ de 4.3.2015 citado: não descreve, ainda que em síntese, os factos criminosos dados como provados, nem indica as circunstâncias concretas que rodearam a prática dos crimes em concurso, ou o seu denominador comum ou a eventual conexão entre eles; e de tudo resulta que o percurso criminoso aparece nele como algo de abstracto e genérico, reconduzido a um mero rol de tipos de ilícito e de penas aplicadas, sem que permita ajuizar sobre a culpa global do Recorrente reflectida nos subjacentes actos.
14. E salvo, como sempre, o devido respeito, nem se diga em contrário do que se vem afirmando que, afinal, o Acórdão Recorrido pode ter cumprido aquela exigência de fundamentação no ponto em que, remetendo para o acórdão condenatório proferido nos presentes autos e para as certidões dos actos condenatórios englobados no cúmulo e disponíveis no processo, dá «por reproduzidos os factos» aí «dados como provados»[8].
E não se diga assim pois que, como doutamente se assinalou no AcSTJ de 14.7.2016 já citado e aqui tem inteiro cabimento, «é juridicamente irrelevante, e processualmente ilegal, a remessa para as condenações havidas, um vez que contraria ostensivamente, o disposto no artº 374º nº 2 do CPP. O acórdão recorrido resulta da audiência autónoma, específica para o efeito de realização do cúmulo, e a nível da matéria de facto, não se encontra estruturado como a lei obriga, não enumera quaisquer factos definidores de ilicitude e responsabilidade criminal, e, apenas se refere à identificação das decisões condenatórias havidas, e respectivo trânsito, indicando os crimes e, datas de ocorrência bem como as penas aplicadas. Sem factos enumerados, não pode efectuar-se a ponderação conjunta dos factos e personalidade do arguido para a valoração do ilícito global perpetrado. A factualidade relevante das ilicitudes, deve ser descrita, ainda que de forma concisa e sintética», havendo «a decisão recorrida [de] bastar-se a si própria, na sua integridade processual formal».
E, de outro lado, nem sequer é de esperar quer este Supremo Tribunal colmate aquela deficiência de facto, que não lhe «incumbe indagar e selecionar os factos, através das certidões das decisões relevantes para cúmulo, e proceder à sua selecção e descrição, uma vez que como tribunal de recurso, reexaminando apenas a matéria de direito, sindica o teor da decisão recorrida, e não supre deficiências factuais desta». O que, de resto, não cabe no seus poderes de cognição definidos no art.º 434º[9].
15. Em conclusão e rematando nesta parte – e afinal em tudo, que fica prejudicado o conhecimento das demais questões enumeradas em 8. supra –, o Acórdão Recorrido, ao ter omitido a factualidade em que assentaram as condenações pelos crimes e nas penas englobadas no concurso, incorreu na nulidade da falta de fundamentação prevista no art.º 374º n.º 2 e 379º n.º 1 al.ª a), 1ª parte.
Tem, por isso, de ser invalidado, devolvendo-se ao Juiz …. do Juízo Central Criminal .. …. a sua reformulação, tendo em conta o supra exposto e o que dispõem art.os 374º n.º 2, 375º n.º 1 e 78º, 77º e 71º n.º 3 do CP.
III. Decisão.
16. Termos que, decidindo, acordam os juízes desta 5ª Secção em declarar nulo o Acórdão Recorrido, por omissão de fundamentação, nos termos do art.º 374º n.º 2 e 379º n.º 1 al.ª a) do CPP, com as legais consequências.
Ficando, desse modo, prejudicado o conhecimento do objecto do recurso quanto às demais questões suscitadas.
Sem custas.
*
Digitado e revisto pelo relator (art.º 94º n.º 2 do CPP).
*
Supremo Tribunal de Justiça, em 28.1.2021.
Eduardo Almeida Loureiro (Relator)
António Gama
_______________________________________________________
[1] Diploma a que pertencerão os preceitos que se vieram a citar sem menção de origem
[2] Segue-se, doravante, em alargados passo a exposição do, recente, AcSTJ de 17.6.2020 - Proc. n.º 306/12.6PAVFX.S1 referenciado pela Senhora Procuradora da República de Loures na contramotivação e consultável em ECLI - European Case Law Identifier, que conheceu de acórdão proferido pelo mesmo Juízo Central Criminal e subscrito pelas mesmas Senhora Juízas, em cuja estruturação o Acórdão Recorrido claramente se inspirou.
[3] Figueiredo Dias, "As Consequências Jurídicas do Crime", 1993, p. 291.
[4] AcSTJ de 5.4.2017 - Proc. n.º 31/10.2JACBR, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Cristina Líbano Monteiro, "A pena «unitária» do concurso de crimes", RPPC, 16, n.º 1, p. 162.
[6] Acessível em www.dgsi.pt.
[7] Neste sentido, AcSTJ de14.7.2016 - Proc. n.º 4403/00.2TDLSB.S1, acessível em www.dgsi.pt, aliás citado no parecer da Senhora Procuradora-Geral Adjunta.
[8] Veja-se, na transcrição constante de 9. supra, o terceiro parágrafo a fls. 15.
[9] Acórdão de 14.7.2016 acabado de referir.