Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P2835
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SORETO DE BARROS
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO MÚTUO
RECUSA FACULTATIVA DE EXECUÇÃO
Nº do Documento: SJ200607190028353
Data do Acordão: 07/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Sumário :
I - O mandado de detenção europeu constitui a primeira concretização do princípio do reconhecimento mútuo, cujo núcleo essencial reside em que, «desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União».
II - À luz deste princípio, as autoridades competentes do Estado membro requerido, no território do qual a decisão pode ser executada, devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente deste Estado.
III - Os Estados membros confiam que os sistemas jurídicos e respectivos processos garantem a qualidade suficiente às decisões, tomadas por autoridades competentes, que dão lugar à execução nos seus territórios, mas esta ideia da confiança mútua não significa que a execução do MDE seja automática, porquanto a lei prevê diversas causas ou obstáculos à sua execução, como decorre dos arts. 11.º e ss. da Lei 65/03, de 23-08.
IV - Não tem fundamento a alegação do recorrente quando afirma que “não se entende, da tradução do mandado de detenção europeu, se o que existe é uma sentença com força executiva, um mandado de detenção ou outra decisão judicial com a mesma força” se o conjunto dos elementos do mandado permitem dissipar tais dúvidas, designadamente o facto de o mesmo ter sido emitido por ordem de um juiz de instrução no âmbito de um processo de instrução, donde se conclui que tem em vista o exercício do procedimento criminal contra o requerido pelos crimes referidos e não a execução de uma pena ou de uma medida de segurança.
V - A recusa facultativa de execução do MDE, prevista no art. 12.º, al. g), da Lei 65/2003, de 23-08 -quando a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal - só se aplica às situações em que o mandado de detenção foi emitido para
cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometer a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa.
VI - Estando em causa um MDE cujo objectivo é o exercício do procedimento criminal está arredada a possibilidade de recusa de execução prevista no referido preceito.
Decisão Texto Integral:
Acordão no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA, identificado nos autos, recorre do acórdão de 07.06.06, do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 0000, que, em síntese, 'julgou improcedente a oposição deduzida pelo requerido e, em consequência, deferiu o pedido de execução de mandado de detenção europeu' .

1.1 O recorrente termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões :
"Deve ser o acórdão recorrido reformado no sentido da execução do mandado de detenção europeu ser recusada, pelos seguintes motivos ou fundamentos: não preenchimento dos requisitos de execução do mandado de detenção europeu (insegurança quanto à idoneidade da tradução e confusão da indicação prevista no artigo 3.º, n.º 1, als. c) e f) da Lei 65/2003 de 23 de Agosto) e pelo facto da pessoa procurada e requerido residir em Portugal, desenvolver a sua actividade em Portugal e encontrar-se socialmente integrado nos termos da alínea g) f n.º 1, do artigo 12.º da Lei 65/2003 de 23 de Agosto.

Mais se requer, à cautela, que no caso de vir este Tribunal a decidir-se pela confirmação do acórdão recorrido, ou no sentido da execução do mandado de detenção europeu, que este mesmo Tribunal decida, nos termos do n.º 1 do artigo 31.º da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, suspender a entrega da pessoa procurada (Recorrente), para que seja sujeita a procedimento penal em Portugal no âmbito do Proc. 2175/05.3 TAMTS (Inquérito), a correr termos na 1.a Secção do MP do Tribunal Judicial de Matosinhos, tendo já sido deduzida aí acusação, contra o aqui Recorrente, pela prática, em concurso efectivo, real, de vinte e um crimes de abuso de confiança p. e p. no artigo 205.º n.º 1 do Código Penal.
JUSTIÇA! " (fls. 144 a 157)

1.2 O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo. (fls. 158)

1.3 Respondeu o Ministério Público, que entendeu que o recurso não merece provimento, devendo, por isso, ser integralmente confirmado o acórdão recorrido . (fls. 161 a 1666)

1.4 No exame preliminar, afigurou-se ao relator que o recurso seria de rejeitar, por manifestamente improcedente .

2. Realizada a conferência, cumpre decidir, adiantando-se as seguintes notas :
- o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência (…) (n.º 1., do art.º 420.º, do C.P.P.) ;
- o recurso é manifestamente improcedente quando, através de uma avaliação sumária dos seus fundamentos, se pode concluir, sem margem para dúvidas, que ele está votado ao insucesso (Ac. STJ de 01.03.00, proc. n.º 12/2000) ;
- em caso de rejeição do recurso, o acórdão limita-se a identificar o tribunal recorrido, o processo e os seus sujeitos e a especificar sumariamente os fundamentos da decisão (n.º 3., do art.º 420.º, do C.P.P.) .
2.1 Como resulta das conclusões do recurso, o recorrente pretende que a execução do mandado de detenção deveria ter sido recusada por :
- não preenchimento dos requisitos de execução do mandado de detenção europeu (insegurança quanto à idoneidade da tradução e confusão da indicação prevista no artigo 3.º, n.º 1, als. c) e f) da Lei 65/2003 de 23 de Agosto) ;
- e pelo facto da pessoa procurada e requerido residir em Portugal, desenvolver a sua actividade em Portugal e encontrar-se socialmente integrado nos termos da alínea g) f n.º 1, do artigo 12.º da Lei 65/2003 de 23 de Agosto.
2.1.1 É necessário, por isso, ter presente o teor da decisão sob recurso, nos segmentos que, directamente, importam, já que aí se encontra resposta às questões suscitadas no recurso :
(…)
"Pelo senhor juiz de instrução do Tribunal de Grande Instância de...., França, com data de 16 de Janeiro de 2006, foi emitido um mandado de detenção europeu relativo ao requerido AA, (…) a quem é imputada a prática de crimes de burla, abuso de confiança e ofensa à integridade física.
O referido mandado foi inserido no sistema de informação Schengen (SIS), o que motivou a detenção do requerido pela Polícia Judiciária - Directoria Nacional ­8PIC/BIPCI, pelas 10h45 do dia 20 de Abril de 2006.
Requereu então o M.º P.º junto deste tribunal a entrega do arguido às Justiças de França, como Estado-membro da emissão, após a realização das necessárias formalidades. (…)
Procedeu-se à audição do requerido com observância das formalidades previstas no art. 18.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, tendo o mesmo, após devidamente esclarecido, declarado opor-se à sua entrega ao Estado membro da emissão do mandado e não renunciar à regra da especialidade. (…)
Na oposição, deduzida por escrito, e como fundamentos para o não cumprimento do mandado, alegou o requerido, em síntese, que:
a) não é claro se a tradutora que procedeu à tradução da cópia do mandado é reconhecida junto da autoridade judiciária emissora, podendo efectuar traduções autênticas de documentos, ou seja, se é idónea e se a tradução em si também é idónea;
b) o mandado não esclarece se o que existe é uma sentença com força executiva, um mandado de detenção ou outra decisão judicial com a mesma força executiva;
c) encontra-se a residir em Portugal, onde adquiriu habitação própria, aqui desenvolvendo a sua actividade profissional e estando perfeitamente integrado quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista emocional. (…)
Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelo requerido, (…)
Nas alegações orais a que alude o n.º5 do art. 21.º da Lei n.º 65/2003, pronunciou-se o M.º P.º no sentido de que se verificam os pressupostos para a execução do mandado, tendo-se o mandatário do requerido pronunciado em sentido contrário. (…)

Como o próprio requerido refere na oposição por si deduzida, a não execução do mandado pode ter como fundamentos o erro na identidade do detido ou a existência de causa de recusa do mesmo, estando implícito em tal oposição o reconhecimento de que não se verifica qualquer das causas de recusa a que aludem os artigos 11.° e 12.° da Lei n.065/2003.
O requerido não invocou qualquer causa de recusa de cumprimento do mandado, nem as mesmas se verificam, tendo-se limitado a invocar questões meramente formais no que diz respeito ao mandado e a invocar factos que não constituem motivo de recusa.
Vejamos.
O mandado de detenção foi emitido por um senhor juiz de instrução de um tribunal francês e tem por fundamento a existência da prática, pelo requerido, entre 2002 e 2005, de crimes de burla, abuso de confiança e ofensas corporais, puníveis nos termos do Código Penal Francês com a pena máxima de 5 anos de prisão.
Tais factos são também puníveis segundo o Código Penal Português.
Acresce que, de harmonia com o estabelecido no n.º 2 do art. 2.° da Lei n.º 65/2003, a extradição com origem num mandado de detenção europeu será concedida sem controlo da dupla incriminação do facto sempre que os factos, de acordo com a legislação do Estado membro de emissão, constituam a prática, entre outros, de crimes de burla.
Ao arguido é imputada, no Estado emissor, a prática, entre outros, de crimes de burla, pelo que, ainda que os factos não fossem punidos segundo a legislação portuguesa, sempre o mandado haveria de ser cumprido, desde que não houvesse outras razões que obstassem ao seu cumprimento.
Mostram-se assim preenchidos os pressupostos a que alude aquela disposição legal.
Nos termos do art. 4.° daquele diploma legal, a autoridade judiciária de emissão pode decidir inserir a indicação da pessoa procurada no sistema de informação Schengen (SIS), a qual, nos termos daquela disposição legal e do art. 39.° do mesmo diploma legal, produz os mesmos efeitos de um mandado de detenção europeu, desde que acompanhada das informações referidas no n.º 1 do artigo 3.°, até que o SIS esteja em condições de transmitir todas as informações referidas neste artigo.
A inserção do requerido no sistema de informação Schengen foi acompanhada das informações a que a alude o art. 3.° da Lei n.065/2003, tendo o original sido, entretanto, junto aos autos.
Nos termos do n.º 2 do art. 3.° do mesmo diploma legal, o mandado de detenção deve ser traduzido numa das línguas oficiais do Estado membro de execução.
O mandado de detenção encontra-se traduzido em língua portuguesa, sendo nosso entendimento que a tradução deve ser efectuada no Estado emissor, como, no caso, aconteceu.
Como o próprio requerido também reconhece na oposição por si deduzida, não exige aquela disposição legal quaisquer formalidades no que tange à tradução do mandado, nomeadamente a verificação da idoneidade do tradutor, no que diz respeito ao facto de não constar de forma clara do mandado se o tradutor é reconhecido junto da autoridade emissora daquele, se é tradutor idóneo e se a tradução também é idónea.
Acresce que, como bem refere o Ex.mo magistrado do M.º P.º na sua resposta, sendo o requerido de nacionalidade francesa e expressando-se em língua francesa, o que pressupõe que compreenda o teor do mandado sem a necessidade de tradução, a boa ou má tradução do mesmo em nada o afecta.
Suscita assim a questão da não verificação de determinadas formalidades no que diz respeito à tradução do mandado, não exigíveis pela legislação aplicável nem tão pouco necessárias para a compreensão do teor do mesmo.
Do mandado de detenção devem constar, entre outros elementos, a indicação da existência de uma sentença com força executiva, de um mandado de detenção ou de qualquer outra decisão judicial com a mesma força executiva nos termos dos arts. 1.° e 2.° - art. 3.°, al. c), da Lei n.065/2003.
Do mandado de detenção europeu deve constar a existência de um mandado de detenção num processo de instrução, com vista ao exercício de procedimento criminal, de execução de uma pena ou de uma medida de coacção privativa de liberdade.
A referência a estas três situações pode suscitar dúvidas quanto às razões da emissão do mandado.
Tais dúvidas, porém, desaparecem se forem tidos em conta os demais elementos constantes do mandado, designadamente o facto de o mesmo ter sido emitido por ordem de um juiz de instrução no âmbito de um processo de instrução, donde se conclui que tem em vista o exercício do procedimento criminal contra o requerido pelos referidos crimes e não a execução de uma pena ou de uma medida de segurança.
Nos termos do art. 12.°, al. g), da Lei n.065/2003, a execução do mandado de detenção pode ser recusada quando a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa.
O requerido encontra-se em Portugal, aqui residindo.
Acontece que o mandado não foi emitido para cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança, mas para o exercício de procedimento criminal.
Mas ainda que tivesse em vista o cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança, sempre deveria constar dos autos o compromisso do Estado Português em executar a pena ou medida de segurança de acordo com a lei portuguesa, o que não se verifica.
Deste modo, julga-se improcedente a oposição deduzida pelo requerido e, em consequência, defere-se o pedido de execução do mandado. " (fim de transcrição)
2.1.2 É sabido que 'o mandado de detenção europeu constitui a primeira concretização do princípio do reconhecimento mútuo, cujo núcleo essencial reside em que, «desde que uma decisão é tomada por uma autoridade judiciária competente, em virtude do direito do Estado-Membro de onde procede, em conformidade com o direito desse Estado, essa decisão deve ter um efeito pleno e directo sobre o conjunto do território da União», o que significa que as autoridades competentes do Estado membro no território do qual a decisão pode ser executada devem prestar a sua colaboração à execução dessa decisão como se se tratasse de uma decisão tomada por uma autoridade competente deste Estado.
Os Estados membros confiam que os sistemas jurídicos e respectivos processos garantem a qualidade suficiente às decisões, tomadas por autoridades competentes, que dão lugar à execução nos seus territórios, mas esta ideia da confiança mútua não significa que a execução do MDE seja automática, porquanto a lei prevê diversas causas ou obstáculos à sua execução, como decorre dos arts. 11.° e ss. da Lei 65/03, de 23-08.
A tarefa das autoridades judiciárias do Estado da execução incide sobre os requisitos do próprio mandado, sem espaço para sindicar a bondade das decisões proferidas pela autoridade competente do Estado membro emissor, dada a garantia de que estas poderão aí ser válida e eficazmente contestadas. Mas a autoridade judicial nacional competente para supervisão do MDE é, além do mais, responsável por garantir o respeito dos direitos fundamentais da pessoa procurada .' (Ac. STJ de 05.04.06, proc. 1197/06)
2.1.3 Neste quadro, a decisão sob recurso errou no julgamento dos requisitos do próprio mandado e postergou os direitos fundamentais da pessoa procurada, nos termos em que o recorrente pretende?
A resposta é, claramente, negativa .
O recorrente começa por referir que, na oposição, suscitou a questão da irregularidade da tradução, 'mas que no entanto a Lei citada (art.º 3.º, n.º 2.) não apresenta nenhuma regra específica quanto à tradução, ou seja, quem deve traduzir, onde deve ser traduzido e como deve ser traduzido' (fls. 146), sendo 'igualmente essencial ao pleno exercício da Defesa a confiança e segurança que emana de uma tradução idónea por tradutor idóneo' (fls. 149), não sendo claro, no caso, se a identificada tradutora é tradutora reconhecida junto da autoridade judiciária emissora do mandado de detenção europeu (fls. 150), e que, não se encontrando assegurada tradução idónea, por técnico com competências formais, expressamente reconhecidas, opõe-se à execução do mandado . (fls. 151)
Ora, como resulta da 'procuração' de fls. 15 e da 'Acta de Audição de Detido', o ora recorrente sempre esteve acompanhado, nos presentes autos, por Advogado constituído . Nesse acto processual de audição, 'o juiz Desembargador nomeou ao arguido para seu intérprete, o Sr. (…), o qual prestou juramento legal' (fls. 31) e, seguidamente, 'começou por lhe ser explicado a existência e conteúdo do mandado de Detenção Europeu e sobre o direito de se opor à execução (…) . Esclarecido o arguido sobre o teor do mandado de detenção (…)' .
E, dada a palavra ao ilustre mandatário do arguido por ele foi dito : requer ao Tribunal a entrega de cópia do mandado de detenção europeu acompanhado da respectiva tradução, bem assim como requer que lhe seja fixado o prazo para apresentação de oposição e junção de competentes meios de prova nos termos do art.º (…) ' (fls. 32), o que foi deferido . (fls.33)
Na verdade, a cópia do mandado de detenção europeu vinha acompanhada de tradução do respectivo teor, para português, embora tal tradução se não mostrasse 'certificada', sendo ainda certo que o requerimento do Ministério Público (que acompanhou o detido) continha o essencial dos fundamentos do pedido de entrega .
Por outras palavras : os autos não revelam que, nessa fase do procedimento, a defesa da pessoa procurada e a respectiva posição processual tenha sofrido qualquer constrangimento, por desconhecimento dos termos do pedido (ou que tal questão tivesse sido, no momento, suscitada) (1).
. E acresce que, logo no final do acto de inquirição das testemunhas indicadas pelo opoente, e na presença do senhor Defensor, o juiz relator - oficiosamente - solicitou 'ao Gabinete SIRENE o envio do original do mandado de detenção europeu devidamente traduzido .'
Tais documentos encontram-se juntos a fls. 121 a 134, aí constando que "o abaixo assinado XXXXX, licenciado em direito internacional, tradutor oficial junto do Tribunal de Segunda Instância de Douai em França atesta por sua honra que a presente tradução está conforme o original em língua francesa que lhe foi apresentado e vai autenticada pelo meu carimbo e assinatura ."
E não vem alegado que o teor desta tradução infirme a substância do que havia resultado da anterior tradução .

Improcede, pois, este ponto do recurso .
2.2 O recorrente alega que 'não se entende, da tradução do mandado de detenção europeu, se o que existe é uma sentença com força executiva, um mandado de detenção ou outra decisão judicial com a mesma força .'
Ao contrário do que diz o recorrente - 'a questão suscitada não se encontra satisfatoriamente respondida no acórdão' (fls. 153) - tem-se por suficientemente fundada a afirmação aí feita de que 'tais dúvidas, porém, desaparecem se forem tidos em conta os demais elementos constantes do mandado, designadamente o facto de o mesmo ter sido emitido por ordem de um juiz de instrução no âmbito de um processo de instrução, donde se conclui que tem em vista o exercício do procedimento criminal contra o requerido pelos referidos crimes e não a execução de uma pena ou de uma medida de segurança .' (2).

Improcede, também neste ponto, o recurso .
2.3 O recorrente entende que a execução do mandado devia ser recusada 'pelo facto da pessoa procurada e requerido residir em Portugal, desenvolver a sua actividade em Portugal e encontrar-se socialmente integrado, nos termos da alínea g), n.º 1, do artigo 12.º da Lei 65/2003' .
A decisão sob recurso também dá resposta cabal a esta questão ao afirmar que (…) "nos termos do art. 12.°, al. g), da Lei n.065/2003, a execução do mandado de detenção pode ser recusada quando a pessoa procurada se encontrar em território nacional, tiver nacionalidade portuguesa ou residir em Portugal, desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa a executar aquela pena ou medida de segurança, de acordo com a lei portuguesa.
O requerido encontra-se em Portugal, aqui residindo.
Acontece que o mandado não foi emitido para cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança, mas para o exercício de procedimento criminal.
Mas ainda que tivesse em vista o cumprimento de uma pena ou de uma medida de segurança, sempre deveria constar dos autos o compromisso do Estado Português em executar a pena ou medida de segurança de acordo com a lei portuguesa, o que não se verifica. "
Ora, não vem contestado o elemento literal da disposição - '(…) 'desde que o mandado de detenção tenha sido emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança e o Estado Português se comprometa (…)' - sendo que, como acima se concluiu, o mandado se destina, no caso, a viabilizar 'procedimento criminal' .

Improcede, também neste ponto, o recurso .
3. Finalmente, o recorrente, 'à cautela', veio requerer que, 'nos termos do n.º 1 do artigo 31.º da Lei 65/2003, se suspenda a entrega da pessoa procurada, para que seja sujeita a procedimento penal em Portugal no âmbito do Proc. 2175/05.3, a correr termos na 1.ª Secção do MP do Tribunal Judicial de Matosinhos, tendo já sido deduzida acusação pela prática, em concurso efectivo, real, de vinte e um crimes de abuso de confiança p. e p. no artigo 205.º n.º 1 do Código Penal' .
Sem comentários sobre o que tal notícia possa representar em relação à alegada 'perfeita integração na sociedade portuguesa e no seu específico meio social', apenas há que afirmar que é matéria que não pode constituir objecto do presente recurso, uma vez que - desde logo, por desconhecimento do Tribunal da Relação (3) - não foi objecto de pronúncia, na decisão que proferiu .
Na verdade, 'os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas, como tem sistematicamente entendido este Tribunal' . (Ac. STJ de 11.05.05, proc. 1122/05)

Rejeita-se, assim, também neste ponto, o recurso .(4)
4. Acorda-se, nos termos antes expostos, em rejeitar o recurso de AA .

Custas pelo recorrente, com cinco UCs de taxa de justiça .
O recorrente vai ainda condenado ao pagamento de sete Ucs., face ao que dispõe o n.º 4., do art.º 420.º, do C.P.P.

Lisboa, 19.07.06 .

Soreto de Barros (relator)
Armindo Monteiro
Santos Cabral
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(1)Aliás, como expressamente se refere no acórdão, "nos termos do art. 4.° daquele diploma legal, a autoridade judiciária de emissão pode decidir inserir a indicação da pessoa procurada no sistema de informação Schengen (SIS), a qual, nos termos daquela disposição legal e do art. 39.° do mesmo diploma legal, produz os mesmos efeitos de um mandado de detenção europeu, desde que acompanhada das informações referidas no n.º 1 do artigo 3.°, até que o SIS esteja em condições de transmitir todas as informações referidas neste artigo. A inserção do requerido no sistema de informação Schengen foi acompanhada das informações a que a alude o art. 3.° da Lei n.065/2003, tendo o original sido, entretanto, junto aos autos. "

(2) O 'mandado de detenção internacional' explica que o 'juiz de instrução (…) visto o inquérito relativo ao Sr. Melin Christophe (…) foi acusado dos crimes (…)', não se mencionando nunca qualquer concreta pena a cumprir . As alternativas a que se refere o recorrente ficam compreendidas se se tiver presente que se trata de 'formulário'
(3) O recorrente informa que foi notificado da acusação em 25.05.06, mas só nas alegações de recurso veio dar conta do surgimento destes 'factos novos' . (fls. 155)
(4) O recurso é igualmente de rejeitar quando levanta questão nova, isto é, uma questão que não tenha sido submetida a apreciação do tribunal recorrido . (Ac. STJ de 14.1103, proc. 3774/03)