Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
433/2001.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
COMPROPRIEDADE
POSSE
CORPUS
ANIMUS POSSIDENDI
INVERSÃO DO TÍTULO
Data do Acordão: 09/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITOS REAIS / POSSE / DIREITO DE PROPRIEDADE (COMPROPRIEDADE).
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- A. Santos Justo, Direitos Reais, 4ª edição, p. 313.
- Alberto dos Reis, “C.P.C.”, Anotado, Volume V, pp. 308/309, 362/363.
- Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª edição, pp. 354-355.
- Durval Ferreira, Posse e Usucapião, 3ª edição, pp. 213, 214 e 216.
- Henrique Mesquita, Direitos Reais, p. 227.
- José Alberto Vieira, Direitos Reais, p. 369.
- Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais, p. 86.
- Menezes Cordeiro, Direitos Reais, pp. 442 a 444.
- Oliveira Ascensão, Direitos Reais, p.212.
- Orlando de Carvalho, Introdução à Posse, RLJ, ano 124, n.º 3810, p. 263.
- Castro Mendes, Direito Processual Civil, Volume 3º, 1972, pp. 286 e 299.
- Pires de Lima e Antunes varela, “Código Civil”, Anotado, Volume III, p. 387, 2ª edição, pp. 30, 359 e 360.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º2, 1251.º, 1265.º, 1290.º, 1297.º, 1403.º, N.ºS 1 E 2, 1406.º, N.ºS1 E 2, 1412.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 660.º, N.º2, 664.º, 1.ª PARTE, 684.º, N.ºS 2 E 3, 713.º, N.º2, 726.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 6/05/1987, TRIBUNA DA JUSTIÇA, N. OS 32/33, PÁGINA 30; DE 13/03/91, IN ACTUALIDADE JURÍDICA, N.º 17, PÁGINA 3; DE 12/12/1995, BMJ 452º, 385 E DE 14/04/1999, BMJ 486º,279.
-DE 7/04/2011, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A compropriedade ou propriedade comum configura-se como um conjunto de direitos coexistindo sobre toda a coisa a que a mesma respeita, e não sobre qualquer realidade ideal ou imaterial, como a quota, ou sequer sobre uma parte dessa mesma coisa.

II - Os comproprietários têm o direito de por termo à indivisão por acordo dos consortes (celebrando escritura pública de divisão ou dividindo materialmente o prédio comum, passando, neste caso, cada um deles a possuir exclusivamente cada parte determinada até adquirir a propriedade singular por usucapião) ou através de acção judicial de divisão de coisa comum.

III - Os comproprietários têm direito ao uso integral da coisa, pelo que o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título, passando a deter-se a título de animus possideni
.
IV - A inversão do título consiste na modificação da convicção com que se exerce aquele poder de facto, passando o agente a exercê-lo como titular do direito de propriedade ou de outro direito real: para que ocorra é necessário que, sem ambiguidades, se transmita ao detentor do direito em cujo nome se possuía a modificação da atitude, manifestando-lhe a intenção de passar a actuar sobre a coisa como titular do direito e já não como mero detentor.

V - Não integra tal inversão simples colocação de marcos divisórios num prédio se não se logrou provar (i) quem os colocou, (ii) em que data terão sido colocados e (iii) que tais estremas sempre hajam sido respeitadas.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:



1.
Por apenso ao processo de inventário nº 28/52, AA, BB, CC e DD instauraram a presente acção especial de divisão de coisa comum que, após articulados, segue a forma ordinária contra EE e FF, pedindo que os réus sejam condenados a reconhecer que o prédio constituído por casas de habitação, sito em …, ..., que confronta do sul com GG, do norte com HH, do nascente e poente com estrada, não descritas na Conservatória do Registo Predial de ... e inscritas na matriz predial urbana sob o artigo ..., é indivisível e que, consequentemente, se proceda à sua adjudicação ou venda com repartição do respectivo valor.

Fundamentando a sua pretensão, alegaram, em síntese, que são os únicos e universais herdeiros de II, falecido que foi em … de … de 20…, o qual era filho de JJ e de KK, por cujo óbito correu os seus termos o dito processo de inventário, no qual foi relacionado sob a verba nº 31 o mencionado prédio, que coube em metade a II e em metade a JJ, cabeça – de – casal.

Nesse inventário, o JJ requereu que fosse permutada a metade da verba aludida em D com a verba nº 1 que coubera a sua filha EE (ora ré), o que veio a ser autorizado pelo Tribunal, em 16 de Julho de 1954.

Assim, o mencionado prédio pertence em comum e na proporção de metade aos autores e à ré EE, sendo que se trata de um prédio indivisível e abrangido pelo Plano de Urbanização de ..., cujas restrições à edificabilidade implicariam a inutilização deste imóvel, caso viesse a ser dividido.

Os réus contestaram e deduziram reconvenção, alegando, em síntese:

Em 1954, o prédio foi dividido em duas partes distintas e autónomas, uma para cada comproprietário, na sequência do que foram colocados marcos.

Após a colocação dos marcos, cada proprietário amanhou, cultivou e melhorou e fez benfeitorias na sua parte até aos dias de hoje, sendo que, desde pelo menos há 48 anos, cada proprietário tem em seu poder a metade do terreno que lhe coube, amanhando-o, cultivando-o, fazendo melhorias nas construções, e que até ao presente as extremas existentes compostas por marcos, ou paredes, sempre foram respeitadas;

Assim, para os réus ficou a parte do prédio identificada na planta junta pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I e A, com a área de 401,46 m.2, que confronta do Norte com HH e LL; do Nascente com caminho, e do Poente com EE e marido, composto de casa de habitação, anexos, logradouro e quintal.

Reconvindo, pediram:

a)- Que se declare que são os titulares exclusivos do direito de propriedade sobre o imóvel identificado no artigo 27º nº 2 da contestação (identificado pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I e A, no levantamento topográfico a fls. 55, com a área de 401,46 m2 e que confronta do Norte com HH e LL, do Nascente com caminho, e do Poente com EE e marido, composto de casa de habitação, anexos, logradouro e quintal);

b)- Que se declare que, por força da usucapião, essa metade se autonomizou do restante prédio, sendo actualmente um prédio distinto;

c)- Que seja ordenada a atribuição de artigo próprio na matriz predial respectiva ao mesmo imóvel;

d)- Que seja ordenada a desanexação da parcela da descrição existente na Conservatória do Registo Predial e a abertura de nova descrição da mesma como prédio autónomo;

e)- Que os autores sejam condenados, como litigantes de má - fé, em indemnização a favor dos réus em quantia não inferior a € 2.500,00 e também com fundamento em abuso de direito, nos termos do artigo 334º do CC.

Os autores replicaram, invocando que, dada a natureza especial da presente acção, não é admissível a reconvenção. Acrescentam que não foi feita qualquer divisão do prédio, até porque II nem sequer colocou quaisquer marcos, nem consentiu em que outrem os colocasse.

Concluíram pela inadmissibilidade da reconvenção, ou caso assim se não entenda, pela improcedência dos pedidos reconvencionais.

Após os articulados, na parte que ora releva, correram diligências para realização do registo da acção e da reconvenção, na sequência de despacho a fls. 83 proferido para o efeito.

O despacho de 4.05.2004 (fls. 125) concedeu aos Réus o prazo suplementar de 30 dias para o registo do pedido reconvencional sob pena de os Autores serem absolvidos da instância.

Pelo requerimento de 24.06.2004 (fls. 127), os Réus vieram dizer que o registo foi recusado por o prédio estar registado em nome de pessoa diferente, juntando o documento comprovativo da recusa e pediram o prosseguimento do processo.

Por despacho de 21.09.2004 a fls. 133, os autores foram absolvidos da instância reconvencional, com fundamento no disposto no artigo 501º nº 3 do CPC, por falta do registo da reconvenção.

Desta decisão os réus recorreram, tendo o recurso sido admitido como agravo com subida diferida (Fls. 137 e 145 seguintes). A fls. 159 foi mantida a decisão recorrida.

Foi proferido despacho saneador a fls. 189 seguintes, com organização da matéria assente e da base instrutória, que não foram objecto de reclamações.

Instruída a causa, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, que culminou nas respostas à base instrutória, sem reclamação.

Foi proferida sentença que, julgando acção provada e procedente e a contestação não provada e improcedente, decidiu, em consequência:

«Declaro que o prédio urbano composto de casas de habitação, sito em …, ..., que confronta do sul com GG, do norte com HH, do nascente e poente com Estrada, não descritas na Conservatória do Registo Predial de ... e inscritas na matriz predial urbana sob o artigo ... que, sob a verba nº 31, pertence em comum e partes iguais, na proporção de metade para os autores AA; BB; CC e DD e também na proporção de metade para a ré EE.
«Declaro que o prédio urbano composto de casas de habitação, sito em ..., ..., que confronta do sul com GG, do norte com HH, do nascente e poente com Estrada, não descritas na Conservatória do Registo Predial de ... e inscritas na matriz predial urbana sob o artigo ... que, sob a verba nº 31, foi adjudicado em comum e partes iguais, metade, para cada um, a II e a EE, no inventário nº 28/52 é indivisível.
«Custas a cargo dos réus - artigo 446º do CPC.
«Notifique, registe e, após trânsito, abra conclusão, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 1054º do CPC».

Inconformados, os Réus apelaram para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 5/02/2013, decidiu (i) negar provimento ao recurso de agravo e (ii) julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão na parte impugnada.

De novo inconformados, recorrem de revista, finalizando as alegações com as seguintes conclusões:
1ª - O prédio em questão não se encontrava em indivisão desde 1954;
2ª - Desde 1954 que o prédio se encontrava dividido, por marcos colocados pelas partes, ou seja, pelos Recorridos e pelos Recorrentes;
3ª - Desde 1954 que os Recorrentes são donos e possuidores do imóvel, isto é, da casa e terreno envolvente da verba 31º, da metade que lhe cabia e que assim ficou acordado, com a colocação dos marcos;
4ª - Há mais de 40 anos que os Recorrentes vêm usufruindo, amanhando, cultivando, administrando, o imóvel, isto é casa e terreno envolvente da verba 31º a seu modo, na convicção de exercerem um direito próprio, sem prejudicarem ninguém;
5ª - Nunca os Recorridos, bem como o falecido II, levantaram qualquer questão sobre a propriedade do imóvel, isto é, da casa e terreno envolvente constante da verba 31º, nem antes, nem depois de regressarem a Portugal;
6ª - Os Recorridos nunca invocaram o seu direito de propriedade sobre a parte que coube em partilha aos Recorrentes (casa e terreno envolvente constante da verba 31º);
7ª - O Sr. II nunca exerceu perante os Recorrentes o seu direito de propriedade sobre a parte que coube aos Recorrentes;
8ª - O Sr. II viu a divisão do prédio, isto é, os marcos que aí se encontravam a dividir o prédio e nada disse.
9ª - Os Recorridos não têm razão quando alegam que nenhuma divisão foi feita no prédio;
10ª - E, muito menos quando alegam que também são donos e proprietários da parte que coube aos Recorrentes em partilha efetuada por inventário, isto é, da casa e terreno envolvente constante da verba 31º;
11ª - Em 1962 os Recorrentes fizeram melhorias na casa, rebocando-a, colocando telha, beirado, construíram casa de banho, colocaram água canalizada, energia elétrica, tudo de forma pública e pacífica, como se sua fosse;
12ª - Nunca os Recorridos possuíram a parte que coube, aos Recorrentes, pois, nunca praticaram qualquer acto na referida metade;
13ª - Foram os próprios Recorridos que afirmaram que nunca entraram na referida casa, bem como nunca praticaram nela qualquer acto de posse;
14ª - Desde 1962 que os Recorrentes residiram, dormiram, receberam amigos, correspondência, efectuaram obras de beneficiação, decoração e manutenção, mandaram instalar e pagaram a energia eléctrica, pagaram os impostos, amanharam o quintal, tudo de forma pública, pacífica, de boa - fé, de forma contínua e ininterrupta, tudo com ânimo de exclusivos donos e na convicção de que o faziam naquilo que só a si lhes pertencia, isto é, sem oposição de ninguém, respeitando as demarcações existentes no referido prédio;
15ª - Os Recorrentes, através da figura da usucapião, são os verdadeiros proprietários da metade do terreno que lhe coube na partilha;
16ª - Estão verificados os requisitos previstos e exigidos pela lei, para a usucapião;
17ª - Os Recorrentes sempre viveram e fizeram da referida habitação a sua casa, tendo para tal feito obras de beneficiação, mandando colocar energia eléctrica, água, pagando impostos, tendo aí os seus filhos;
18ª – O que fizeram de forma contínua e ininterrupta, isto é, desde 1962 até aos dias da propositura da ação, sem a oposição de ninguém;
19ª - Mais de 20 anos passaram sobre o gozo e fruição da metade que lhe coube na partilha, como sua exclusiva proprietária, à vista de toda a gente, incluindo dos Recorridos, sem oposição dos mesmos;
20ª - A divisão de coisa comum opera pelo acordo dos consortes, dividindo materialmente o prédio comum e passando cada um deles a possuir exclusivamente cada parte determinada até adquirir a propriedade singular por usucapião;
21ª - Foi o que aconteceu nos presentes autos;
22ª - O prédio foi dividido pelos seus consortes, tendo os Recorrentes praticado todos os atos destinados à sua aquisição por usucapião, nomeadamente amanhando-o, cultivando-o e vivendo na habitação, por mais de 40 anos;
23ª - Isto porque ficou provado nos autos, ao contrário do defendido no Acórdão recorrido, que a divisão foi feita por acordo das partes, tendo as mesmas acordado na colocação dos marcos;
24ª - Os Venerandos Juízes Desembargadores no Acórdão de que se ora se recorre não fizeram uma correcta interpretação, quer dos factos e prova constantes dos autos, bem como da lei aplicável ao mesmo;
25ª - Deve o Acórdão recorrido ser revogado, com todas as consequências legais daí resultantes, o que desde já e aqui se requer;
26ª - Os Recorrentes adquiriram a metade do referido prédio aquando a partilha e posteriormente por usucapião;
27ª - Na terra onde se situa o prédio toda a gente indica a casa em discussão nos presentes autos, como sendo dos Recorrentes, pois nunca viram ninguém naquela casa para além dos Recorrentes;
28ª - Desde o inventário e partilha dos bens que o prédio ficou dividido, nomeadamente com a colocação de marcos pelos inventariados;
29ª - A metade onde está edificada a casa e o terreno à volta ficaram a pertencer, desde essa data, aos Recorrentes;
30ª - O irmão da Recorrente, II, nunca se opôs a tal divisão, conforme podemos verificar nos autos;
31ª - Foi o Sr. II que procedeu à limpeza do terreno delimitado com os marcos e confinantes com a metade dos Recorrentes, bem como viu os marcos que procedia à sua delimitação e nada disse, aceitando essa divisão;
32ª - A Recorrida nunca entrou na casa pertencente aos Recorrentes, bem como nunca em relação a ela praticou qualquer acto de gestão, lá pernoitou, viveu, pagou qualquer imposto, fez obras, teve a chave da casa, etc, nem nunca se opôs que os Recorrentes usufruíssem da casa, nem nunca questionou a propriedade da mesma;
33ª - É a própria Recorrida a dizer que os Recorrentes sempre lá viveram, tiveram os seus filhos e usufruíam da casa como se fossem os únicos donos e proprietários da referida casa;
34ª - O Sr. II foi representado pelo Dr. MM, pelo que teve conhecimento quer da partilha, quer do que lá ficou decidido — vide certidão de inventário já junta aos autos;
35ª - Se não tivesse concordado com o que foi decidido nesse inventário, o mesmo tê-lo-ia impugnado, o que nunca fez;
36ª - Em 1967, a Autora e o marido, irmão da Recorrente, tiveram conhecimento da metade que lhes cabia junto da casa desta, e nada fizeram, nem se opuseram - vide carta junto aos autos;
37ª - A usucapião é uma das formas originárias de aquisição do direito de propriedade, pois é o meio apto a conduzir à divisão;
38ª - São requisitos da usucapião a posse pública, pacífica, de boa - fé, com o decurso do tempo, a existência de título;
39ª - Conforme ficou provado e assente, os Recorrentes desde 1954 que possuem a sua metade que lhe coube por inventário, de forma pública, pacífica, de boa - fé, tendo passado mais de 20 anos sobre a posse do terreno pelos Recorrentes;
40ª - Estão preenchidos todos os requisitos da usucapião;
41ª - A posse de acordo com a concepção adoptada na definição que o conceito dá no artigo referido tem de se revestir de dois elementos: o "corpus", ou seja a relação material e permanente com a coisa e o "animus",- o- elemento psicológico, a intenção de actuar como se o agente fosse o dono da coisa;
42ª - A doutrina dominante entende que o conceito de posse acolhido nos artigos 1251º e seguintes do C.C. deve ser entendido de acordo com a posição subjectivista, analisando-se por isso numa situação jurídica que tem como Ingredientes necessários o "corpus" e o "animus possidendi";
43ª - O "corpus" da posse traduz-se no poder de facto manifestado pela actividade exercida de forma correspondente ao exercício do direito ou de outro direito real;
44ª - Actividade que aliás não carece de ser efectiva, pois, uma vez adquirida a posse, o "corpus", permanece como que espiritualizado enquanto o possuidor tiver a possibilidade de o exercer;
45ª - A presença e relevância do "animus possidendi" não poderão ser recusadas quando a actividade em que o corpus se traduz pela causa que a justifica, seja reveladora por parte de quem a exerce da vontade de criar em seu benefício uma aparência de titularidade correspondente ao direito de propriedade ou outro direito real;
46ª - Constituem actos materiais de posse, por exemplo, possuir-se parte de um terreno, como seu dono, nele fazendo parte de casa, gozando-a directamente e colhendo directamente os frutos civis;
47ª - Dúvidas não existem de que estamos perante um possuidor em nome próprio e não um possuidor em nome do tradens, ou seja, um mero detentor ou possuidor precário;
48ª - Os Recorrentes praticaram actos materiais em nome próprio e não em nome de outrem, logo também por este facto deve a decisão recorrida ser revogada nesta parte com as legais consequências;
49ª - Os Recorrentes utilizaram a casa e o terreno envolvente da verba 31º por serem os seus verdadeiros proprietários e não por mera tolerância;
50ª - Os Recorridos sempre estiveram convictos que os Recorrentes eram os donos e proprietários da referida casa, tal como todas as pessoas ali vizinhas;
51ª - Foi a própria Recorrida que disse que o marido tinha colocado uma rede no prédio;
52ª - Desde 1954 que os Recorrentes amanharam e cultivaram o terreno envolvente à casa de habitação, bem como fizeram obras de remodelação da casa, respeitando sempre os marcos que dividia a verba 31º;
53ª - Dúvidas não existem, que quer a casa quer o terreno envolvente da metade que lhe calhou na partilha, são propriedade exclusiva dos Recorrentes, pois que, desde a sua aquisição por partilha no referido inventário, praticou actos materiais, em seu nome e como se dele fosse o proprietário;
54ª - Os Recorrentes tiveram a posse exclusiva sobre a sua parte do prédio durante o prazo necessário para a usucapião, ou seja, por mais de 20 anos;
55ª - A posse exercida pelos Recorrentes na sua parte do prédio foi em nome próprio, foi exercida de forma pacífica, pública e de boa-fé, com o conhecimento e consentimento do Sr. II e dos Recorridos;
56ª - Concordaram em dividir o prédio, colocando no mesmo prédio marcos para delimitar a propriedade de cada um;
57ª - Verifica-se assim que no Acórdão recorrido não se procedeu a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos, bem como se efetuou uma incorreta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto;
58ª - Lendo, atentamente, a decisão recorrida, verifica-se que não se indica nela um único facto concreto susceptível de revelar, informar, e fundamentar a real e efectiva situação do verdadeiro motivo do não deferimento da pretensão dos Recorrentes;
59ª - A decisão recorrida, viola (i) as alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 668º do CPC; (ii) artigos 13º, 20º, 202º, 204º, 205º° da C. R. P e (iii) artigos 1.259º, 1.260º, 1261º, 1262º e 1287º, do CC e demais legislação aplicável ao caso em concreto.

Não houve contra – alegações.
2.
Sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem[1] [2].
Com efeito, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que, na parte dispositiva da sentença, for desfavorável ao recorrente (artigo 684º, n.º 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 3 do mesmo artigo 684º)[3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas - e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi dos artigo 713º, n.º 2 e 726º, do mesmo diploma) - de todas as "questões" suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (artigo 660º, n.º 2, do C.P.C., ex vi dos citados artigos 713º, n.º 2 e 726º).

No caso concreto, atendendo às questões que foram objecto de recurso na Relação, os recorrentes conformaram-se com o segmento do acórdão que confirmou a a decisão de absolvição dos reconvindos da instância por falta do registo do pedido reconvencional, mantendo a sua divergência na parte em que o acórdão não considerou cessada a compropriedade sobre o prédio acima referido por divisão e usucapião, como pretendiam e continuam a pretender.
Assim sendo, as questões que importa dirimir são a de saber se ocorreu (ou não) a cessação da compropriedade por divisão e usucapião.

3.

As instâncias julgaram provados os seguintes factos:

1º - Os autores são os únicos e universais herdeiros de II, falecido que foi em 20 de Maio de 2001 (alínea A).

2º - II é filho de JJ e de KK (alínea B).

3º - Por óbito de KK, correu seus termos pela Comarca de ... o processo de inventário a estes autos apenso com o nº 28/52 (alínea C).

4º - Naqueles autos de inventário, encontra-se relacionado, sob a verba nº …, o prédio constituído por casas de habitação, sito em ..., ..., que confronta do sul com GG, do norte com HH, do nascente e poente com Estrada, não descrito na Conservatória do Registo Predial de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... com o valor matricial de 3.240$00 (alínea D).

5º - Este prédio veio a ser partilhado nos autos de inventário aludidos em C) cabendo metade a II e metade ao cabeça – de - casal JJ (alínea E).

6º - Por requerimento efectuado em 27 de Abril de 1954, o cabeça – de - casal JJ requereu no inventário que fosse permutada a metade da verba aludida em D), [metade essa que coubera a ele JJ], com a verba nº 1 que coubera a sua filha EE (alínea F).

7º - Naqueles autos de inventário, foi efectuada inspecção judicial, de cujo auto consta o seguinte: «que a verba número trinta e um se compõe de casa de habitação, palheiros e alpendre, terra de cultura e cisterna e pequeno logradouro, cujo valor se pode fixar em sessenta mil escudos. Que a casa de habitação não admite cómoda divisão, admitindo-a a restante parte do prédio» (auto de inspecção a fls. 26 e verso e alínea G).

8º - Realizada a reunião de Conselho de Família, foi deliberado por unanimidade autorizar a permuta referida em "F" por ela ser vantajosa para a menor (alínea H).

9º - Tal permuta foi autorizada pelo Tribunal (alínea I).
10º - A permuta entre a verba nº 1 e metade da verba nº 31, relacionadas no inventário com o nº 28/52 apenso a estes autos, foi autorizada por despacho judicial proferido em 16 de Julho de 1954, em resultado do que metade dessa verba nº 31 ficou para II e outra metade para EE (resposta ao quesito 1º).
11º - Depois da permuta, a que aludem as alíneas F) a I) e a resposta ao nº 1 da base instrutória, a ré EE ocupou a casa existente na verba nº 31 do inventário nº 28/52, passando a dormir nela, a tomar ali as suas refeições, a receber familiares, amigos e correspondência, fazendo dela a sua residência, sempre que estava e está em Portugal, até ao presente, tendo também feito obras de remodelação e conservação dessa casa, enquanto o II e os autores nunca ali praticaram quaisquer actos de utilização da casa, nem de limpeza ou de cultivo do terreno envolvente (resposta aos quesitos 7º e 12º).
12º - Foram colocados marcos, no imóvel, em data não concretamente apurada, um, a Sul, em cima de um poço existente no imóvel, à beira da estrada, e outro, alinhado em recta com o primeiro a Norte, ficando a parte onde se encontra implantada a casa de habitação com a área de 401,46 m.2 e a outra parte com a área de 345,50 m.2 (resposta aos quesitos 5º e 6º).
13º - Tal prédio está abrangido pelo Plano de Urbanização de ... inserindo-se na malha urbana 5.1. ... (resposta ao quesito 2º).
14º - Na Subunidade 5.1. ... a parcela mínima edificável é de 300 m2, pelo que a parte com a área de 345,50 m2 a que se referem as respostas aos quesitos 5º e 6º, se dividida da outra parcela com a área de 401,46 m.2, ali também referida, não teria capacidade edificável, em virtude da imposição dos afastamentos em relação aos prédios confinantes (resposta aos quesitos 3º e 4º).
4.
Sobre a cessação da compropriedade por divisão e usucapião:
Tal como haviam defendido no recurso de apelação, os recorrentes continuam a defender que quer a casa quer o terreno envolvente da metade que coube à ré na partilha em inventário são propriedade exclusiva dos réus, pois que, desde a sua aquisição por partilha no referido inventário, praticaram actos materiais, em seu nome, tradutores da aquisição por usucapião.

O tribunal de 1ª instância, apesar de, em relação ao pedido reconvencional, ter absolvido os autores/reconvindos da instância, considerou que os réus haviam invocado a usucapião como excepção, da qual havia que conhecer e dela bem conheceu, constituindo o conhecimento desta excepção o tema essencial do recurso de apelação, tal como ora volta a constituir o tema essencial do recurso de revista.
4.1.
O Código Civil considera que «existe propriedade em comum ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa» (vide artigo 1403º, n.º 1).

E dispõe que «os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo» (vide artigo 1403º, n.º 2).

A compropriedade ou propriedade comum configura-se como um conjunto de direitos coexistindo sobre toda a coisa a que a mesma respeita e não sobre qualquer realidade ideal ou imaterial, como a quota, ou sequer sobre uma parte dessa mesma coisa[5].

Daqui resulta que cada comproprietário tem uma quota sobre o direito de propriedade e não sobre uma parte ideal da coisa: a quota não representa a coisa mas o próprio direito ou, como referem alguns romanistas, é pars dominii ou pars dominica e não pars rei[6]. Ou, dito por outras palavras[7], “a propriedade de todos não significa a propriedade de cada um: trata-se antes de um único direito, mas com pluralidade de titulares, pertencendo a cada um uma quota ideal”.

No caso, tal como os factos comprovam, a ré EE e o seu irmão, II, (antecessor dos Autores), através da partilha e permuta no processo de inventário, tornaram-se comproprietários da totalidade do prédio U-..., na proporção de metade para cada um. Essas metades exprimem a quota ideal de cada comproprietário e não o direito a parte especificada da coisa comum.

Nos termos do artigo 1412º do Código Civil, é reconhecido aos comproprietários o direito de porem termo à indivisão ou, de forma mais ampla, incluindo os casos em que a compropriedade tem por objecto coisa indivisível, o de fazerem cessar a compropriedade.

O direito à conversão da comunhão em propriedade singular é inderrogável, não obstante os consortes terem a faculdade de renunciar ao seu exercício por períodos de cinco anos, sucessivamente renováveis, nas condições previstas nos n.os 2 e 3 do citado preceito. E é consagrado independentemente da dificuldade, inconveniência ou prejuízos que a divisão seja susceptível de acarretar para algum dos comproprietários.

O direito à divisão tem carácter potestativo, visto que o seu efeito prático é a dissolução da compropriedade, operando uma alteração na esfera jurídica dos consortes[8].

Pretendem os autores com esta acção proceder á extinção da compropriedade mediante acção de divisão de coisa comum.

Como salientou o acórdão recorrido, a divisão de coisa imóvel comum, para operar a cessação da compropriedade, tem de efectuar-se por um dos seguintes meios:
1º-- Por acordo dos consortes, celebrando escritura pública de divisão;
2º-- Por acordo dos consortes, dividindo materialmente o prédio comum e passando cada um deles a possuir exclusivamente cada parte determinada até adquirir a propriedade singular por usucapião;
3º-- Através de acção judicial de divisão de coisa comum, proposta por algum contra os restantes comproprietários.

No caso dos autos o 1º meio não se verifica.

Quanto ao 2º meio, considerou o acórdão recorrido, acolhendo a pretensão dos recorridos, que ele está afastado no caso dos autos, dado que não se provou acordo na colocação dos pilares e, portanto, na pretensa divisão, sendo certo que a sua alegação e prova competia à ré excipiente (artigo 342º, nº 2, do CC).

Discordam deste entendimento os recorrentes, considerando que houve acordo das partes quanto à divisão do prédio em questão, o qual se encontrava dividido por marcos, colocados pelas partes, ou seja, pelos recorridos e recorrentes, acrescentando que, há mais de 40 anos, os recorrentes vêm usufruindo, amanhando, cultivando, administrando o imóvel, isto é, casa e terreno envolvente da verba 31º, a seu modo, na convicção de exercerem um direito próprio, sem prejudicarem ninguém.

Assim, enquanto os autores pretendem operar a cessão da compropriedade, judicialmente, através da acção de divisão de todo o prédio como coisa comum, os réus opõem que se verificou outro meio de cessação de compropriedade: aquisição de parte especificada da coisa comum por um dos consortes (a ré) mediante o exercício da posse boa para a usucapião da propriedade singular sobre essa parte, resultante da divisão consensualmente aceite.

Vejamos se assiste razão aos réus/recorrentes:

Está provado que, em data não determinada, “foram” colocados pilares com arames a dividir o prédio em duas partes: uma parte que engloba a casa, que a ré tem habitado, e logradouro, com a área total de 401,46 m2, e a outra parte restante constituída por terreno com a área de 345,50 m2.
Mais se provou que ré, após a permuta (logo, por volta de 1954), ocupara essa casa, passando a dormir nela, a tomar ali as suas refeições, a receber familiares, amigos e correspondência, fazendo dela a sua residência, sempre que estava e está em Portugal, até ao presente, tendo também feito obras de remodelação e conservação dessa casa, enquanto o II e os autores nunca ali praticaram quaisquer actos de utilização da casa, nem de limpeza ou de cultivo do terreno envolvente.

Mas destes factos não se podem retirar as conclusões que os recorrentes pretendem.

Dispõe o artigo 1406, n.º 1, que, “na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito”.

Isto significa que qualquer comproprietário pode usar livremente a coisa, independentemente do valor da sua quota mas o uso da coisa comum por um deles não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título de posse, nos termos dos artigos 1406º, n.º 2; 1265º e 1290º do Código Civil.

“O uso a que os comproprietários têm direito é o uso integral da coisa, de toda a coisa, e todos eles podem usar a coisa simultaneamente, contanto que tal seja possível. A quota do comproprietário não tem projecção sobre o uso da coisa, que é igual para todos os comproprietários, seja qual for o valor das quotas respectivas[9]”.
No entanto, como flui do citado preceito, (artigo 1406º, n.º 1), o uso do comproprietário está sujeito a dois limites, os quais equivalem a outros tantos deveres que fazem parte do conteúdo negativo do direito do comproprietário, ou seja, (i) não privar os outros comproprietários do uso integral da coisa (ii) nem empregar a coisa para fim diferente do que ela se destina, o que significa que “cada comproprietário deve conformar-se com o status quo da coisa e não introduzir nela quaisquer inovações ou fazer reparações sem ter o consentimento dos restantes comproprietários No fundo, e de acordo com a própria extensão deste poder, ao comproprietário é dado somente utilizar a coisa como ela se encontra[10]”.

Acrescenta o n.º 2 do artigo 1406º que o uso da coisa comum por um dos comproprietários não traduz uma posse que exceda o âmbito da sua quota. “Trata-se de uma consequência lógica do princípio exarado no n.º 1, que permite ao comproprietário usar a coisa (subentende-se toda a coisa), seja qual for a quota correspondente ao seu direito na contitularidade[11]”.

Pode, todavia, suceder que o comproprietário use a coisa comum com intenção de a possuir como proprietário único ou como comproprietário de uma quota superior à que inicialmente, ou segundo o título, lhe pertencia.

Dado, porém, o carácter essencialmente equívoco que a posse, em princípio, reveste em tais situações (dada a latitude de poderes de uso conferidos ao comproprietário), o Código Civil considera que, para destruir a equivocidade da posse, não basta a prova de actos incompatíveis com a posse dos restantes condóminos, ou seja, de actos de uso que privem os outros consortes do uso a que tinham direito. É necessário uma verdadeira inversão do título da posse, ou seja, a prova da oposição do utente contra o uso que os outros pretendessem fazer da coisa.
“Não basta, por conseguinte, a prova de quaisquer actos capazes de destruírem a presunção de que o uso ou a posse do consorte, além do que competiria à sua quota, se exerce por mera tolerância dos restantes consortes. É indispensável, para que haja posse susceptível de conduzir à usucapião, que se dê a inversão do título da posse, nos precisos termos do artigo 1265º[12]”.

Com efeito, “sendo o comproprietário possuidor em nome alheio, relativamente à parte da coisa que excede a sua quota, não pode adquirir, por usucapião, sem inverter o título de posse, que tem subjacente a substituição de uma posse precária, em nome de outrem, por uma posse, em nome próprio[13]”.

Daqui resulta que, para valer este meio de que os réus se recorrem, teriam de se preencher várias condições legais:
1º - A posse, para poder conduzir à usucapião do direito de propriedade singular sobre a dita parte especificada da coisa comum, teria de ser exercida em nome próprio, pacífica na sua aquisição e pública no seu exercício (artigos 1251º, 1290º e 1297º);
2º - Para a posse em nome alheio, que é a exercida por cada comproprietário, se transformar em posse em nome próprio, seria necessário que a ré tivesse invertido o título da posse (artigo 1406º, n.º 2);
3º - Seria necessário, ainda, ter decorrido até á data da propositura da acção o prazo de usucapião daquele direito e este prazo só poderia contar-se desde a data da inversão do título da posse (artigo 1290º).

Com efeito, como acima referimos, o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título (artigo 1406º, n.º 2).

Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, excepto achando-se invertido o título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título (artigo 1290º).

A inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse (artigo 1265º).

Trata-se, portanto, da conversão de uma situação de posse precária numa verdadeira posse, de forma que aquilo que se detinha a título de animus detenendi passa a deter-se a título de animus possidendi.

O detentor da coisa passa a exteriorizar um direito próprio sobre ela ou, como outros preferem, a afirmar uma posse em nome próprio.

No caso, não se verificando a inversão por acto de terceiro capaz de transferir a posse, a inversão só poderia operar por oposição do detentor contra aquele em cujo nome possuía.

Constitui entendimento pacífico que esta oposição se há-de traduzir em actos positivos (materiais ou jurídicos), inequívocos, isto é, reveladores de que o detentor quer, a partir da oposição, actuar como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a outrem e praticados na presença ou com o conhecimento daquele a quem se opõem. Além disso, é necessário que a oposição não seja repelida pelo possuidor, através de actos que traduzam o exercício do direito a que este pertence[14].

Deste modo, tais actos só alcançam relevância modificativa, quando, por via judicial ou extrajudicial, são levados ao conhecimento do possuidor.

Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, “o detentor há-de tornar directamente conhecida da pessoa em cujo nome possuía a sua intenção de actuar como titular do direito[15]”.

Refere Durval Ferreira que “não deve bastar, para ser relevante uma inversão pelo detentor, que apenas se constate um comportamento exteriorizador (declarativo) do novo animus do detentor e o seu conhecimento pelo possuidor mediato: haverá que se exigir algo mais”. “Tem que haver uma oposição formal, por meios notificativos directos e levados ao conhecimento do possuidor[16]”.

“Não bastará”, por isso, “que o detentor emita em público, perante outras pessoas, a pretensão de se considerar como dono[17]”.

Também Orlando de Carvalho ensina que “a declaração tem que ser levada ao conhecimento do possuidor (ainda que com funcionamento da teoria da recepção) e não apenas para que a posse do inversor seja pública mas para que a própria inversão se verifique e, por conseguinte, se adquira a posse[18]”.

Como se referiu, pretendiam os réus demonstrar que o prédio em questão se encontrava dividido, por marcos que, segundo eles, teriam sido colocados pelas partes (recorrentes e recorridos), pelo que, desde 1954, que os recorrentes são donos e possuidores da casa e do terreno envolvente da verba n.º 31º, da metade que lhe cabia e que assim ficou acordado com a colocação dos marcos.

Mas, como os réus muito bem sabem, esta tese naufragou mediante a falta de prova dos factos alegados cujo ónus sobre os réus recaía (artigo 342º, n.º 2).

Segundo os factos que lograram provar, é verdade que foram colocados pilares, mas não se provou quem os colocou como também se não provou em que data terão sido colocados nem que as extremas existentes compostas por esses marcos tenham sido sempre respeitadas.

É também verdade que a ré EE ocupou a casa existente na verba n.º 31º do inventário n.º 28/52, passando a dormir nela, a tomar ali as suas refeições, a receber familiares, amigos e correspondência, fazendo dela a sua residência, sempre que estava e está em Portugal, até ao presente, tendo também feito obras de remodelação e conservação dessa casa.

Também se provou que nem o outro comproprietário, II, nem os seus herdeiros, os autores, alguma vez ali praticaram quaisquer actos de utilização da casa, nem de limpeza ou de cultivo do terreno envolvente.

Ficou, aliás, exarado, na decisão da matéria de facto, a propósito das respostas negativas dadas aos quesitos 9º, 11º e 13º que, “pelos depoimentos prestados, o II só regressou de Moçambique em finais dos anos 1970 e nunca foi visto na ... a praticar quaisquer actos de uso ou fruição do imóvel, nem terá tido qualquer intervenção na colocação dos marcos”.

Por isso, ao contrário do pretendido pelos recorrentes, não se provou que os pilares, que alegadamente serviriam de marcos divisórios, tenham sido colocados mediante o concurso ou o acordo entre ambos os comproprietários, como o acórdão recorrido teve o cuidado de explicitar, pelo que essa “divisão mediante a colocação de pilares” não é eficaz e oponível a II ou aos seus sucessores autores.

Assim, não tem qualquer correspondência com a factualidade provada a versão articulada pelos réus, segundo a qual, em 1954, o prédio foi dividido em duas partes distintas e autónomas, uma para cada comproprietário, na sequência do que foram colocados marcos, e segundo a qual, após a colocação dos marcos, cada proprietário amanhou, cultivou e melhorou e fez benfeitorias na sua parte até aos dias de hoje. (vide respostas restritivas aos quesitos 5º/6º e 7º/12º e as negativas aos quesitos 8º a 11º e 13º).


Por outro lado, o facto de a ré usar a casa e o logradouro não significa, só por si, o direito exclusivamente seu à propriedade dessa parte determinada, por mais anos que se prolongasse esse uso. É que a compropriedade que o processo de inventário comprova nunca foi feito cessar pelos meios legais, como acima se expôs, em face tão só do alegado e provado.

Consequentemente, a excepção de usucapião do direito de propriedade exclusiva que a ré invocou improcede, tal como a sentença e o acórdão recorrido (ambos muito bem fundamentados) consideraram, continuando a verificar-se a compropriedade sobre todo o prédio, que é pressuposto da acção de divisão de coisa comum, meio de que os autores se socorrem, ajustadamente, para fazer cessar a indivisão do prédio em questão.
5.
Sumariando:
I - A compropriedade ou propriedade comum configura-se como um conjunto de direitos coexistindo sobre toda a coisa a que a mesma respeita, e não sobre qualquer realidade ideal ou imaterial, como a quota, ou sequer sobre uma parte dessa mesma coisa.
II - Os comproprietários têm o direito de por termo à indivisão por acordo dos consortes (celebrando escritura pública de divisão ou dividindo materialmente o prédio comum, passando, neste caso, cada um deles a possuir exclusivamente cada parte determinada até adquirir a propriedade singular por usucapião) ou através de acção judicial de divisão de coisa comum.
III - Os comproprietários têm direito ao uso integral da coisa, pelo que o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título, passando a deter-se a título de animus possidendi.
IV - A inversão do título consiste na modificação da convicção com que se exerce aquele poder de facto, passando o agente a exercê-lo como titular do direito de propriedade ou de outro direito real: para que ocorra é necessário que, sem ambiguidades, se transmita ao detentor do direito em cujo nome se possuía a modificação da atitude, manifestando-lhe a intenção de passar a actuar sobre a coisa como titular do direito e já não como mero detentor.
V - Não integra tal inversão simples colocação de marcos divisórios num prédio se não se logrou provar (i) quem os colocou, (ii) em que data terão sido colocados e (iii) que tais estremas sempre hajam sido respeitadas.
DECISÃO:
Pelo exposto, negando a revista, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 19 de Setembro de 2013

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Pires da Rosa

_____________________________

[1] Neste sentido, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Volume V, páginas 362/363.

[2] Acórdãos STJ de 6/05/1987, Tribuna da Justiça, n. os 32/33, página 30; de 13/03/91, in Actualidade Jurídica, n.º 17, página 3; de 12/12/1995, BMJ 452º, 385 e de 14/04/1999, BMJ 486º,279.

[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição do recurso).

[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: neste sentido, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, páginas 308/309 e 363; Castro Mendes, Direito Processual Civil, Volume 3º, 1972, páginas 286 e 299.

[5] Vide Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6ª edição, páginas 354-355; Menezes Cordeiro, Direitos Reais, páginas 442 a 444; Oliveira Ascensão, Direitos Reais, página 212.

[6] A. Santos Justo, Direitos Reais, 4ª edição, página 313.

[7] Henrique Mesquita, Direitos Reais, página 227.

[8] Pires de Lima e Antunes varela, Código Civil Anotado, Volume III, página 387.

[9] José Alberto Vieira, Direitos Reais, página 369.

[10] José Alberto Vieira, Direitos Reais, página 369.

[11] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª edição, página 359.

[12] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª edição, página 360.

[13] Vide Ac. STJ de 7/04/2011, in www.dgsi.pt.

[14] Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais, página 86.

[15] Código Civil Anotado, Volume III, 2ª edição, página 30.

[16] Posse e Usucapião, 3ª edição, páginas 213 e 214.

[17] Obra citada, página 216.

[18] Introdução à Posse, RLJ, ano 124, n.º 3810, página 263.