Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | SECÇÃO DO CONTENCIOSO | ||
Relator: | SERRA BAPTISTA | ||
Descritores: | JUIZ RECURSO CONTENCIOSO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA ACESSO AOS TRIBUNAIS DA RELAÇÃO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO FUNDAMENTAÇÃO MOVIMENTO JUDICIAL COMISSÃO DE SERVIÇO CESSAÇÃO DA COMISSÃO DE SERVIÇO VIOLAÇÃO DA LEI PRINCÍPIO DA IGUALDADE PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE PRINCÍPIO DA JUSTIÇA PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO PRINCÍPIO DA BOA FÉ PRINCÍPIO DA CONFIANÇA | ||
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Data do Acordão: | 06/26/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO CONTENCIOSO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Área Temática: | DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO. DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUMDAMENTAIS / PRINCÍPIOS GERAIS - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS / MAGISTRADOS JUDICIAIS. | ||
Doutrina: | - Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, p. 345, Vol. II, p. 826. - João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, pp. 323 e 324. - Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, 4.ª Edição, pp. 430 e 431. - Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho, Código do Procedimento Administrativo Anotado, p. 457. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1.º, N.º2, 9.º, N.º3. CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 123.º, 124.º, 125.º. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, N.ºS 1 E 2, 268.º, N.º3. EMJ: - ARTIGOS 39.°, N.ºS 1 E 3, E 43.°, N.º 1, 58.º. ETAF APROVADO PELA LEI N.º 13/2002: - ARTIGOS 60.º, 71.º. ETAF APROVADO PELO DL N.º 129/84, DE 27-04: ARTIGO 96.°, N.° 4. LEI N.º 02/2008, DE 14-01: - ARTIGOS 40.º E SS., 118.º, AL. B). LOFTJ: - ARTIGO 60.º, N.º2. | ||
Jurisprudência Internacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 19-09-2007, PROC. N.º 4108/06 - SECÇÃO DO CONTENCIOSO. -DE 15-03-2012, PROC. N.º 71/11.4YFLSB - SECÇÃO DE CONTENCIOSO. -DE 05-07-2012, PROC. N.º 137/11.0YFLSB - SECÇÃO DE CONTENCIOSO -DE 18-10-2012, PROC. N.º 146/11.0YFLSN - SECÇÃO DE CONTENCIOSO. -*- ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: -DE 27-05-2003, PROC. N.º 1835/02 E DE 14-02-2013, PROC. N.º 642/12, EM WWW.DGSI.PT . | ||
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Sumário : | I - O dever de fundamentação a cargo da Administração, consagrado no art. 268.º, n.º 3, da CRP, não deve ser compreendido como uma finalidade em si mesma, mas antes como um instrumento ou como uma exigência inscrita constitucionalmente em nome dos direitos e das garantias que os administrados têm perante a Administração, que logo cede e deixa de ter sentido quando o acto administrativo não é susceptível de afectar direitos ou interesses legalmente protegidos. II - Neste sentido, o art. 125.º do CPA, sob a epígrafe “Requisitos da fundamentação”, fornece uma achega para a delimitação deste dever dos órgãos administrativos, na medida em que, o seu n.º 1, impõe que o acto administrativo adopte uma fundamentação expressa, com sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão e, se necessário for, com remissão para os fundamentos constantes de anteriores pareceres, informações ou propostas, enquanto que, o seu n.º 2, esclarece que a fundamentação obscura, contraditória ou insuficiente equivale à falta de fundamentação. III -No caso vertente, não se constata o apontado vício da falta de fundamentação, na medida em que a deliberação do CSM explicita e enuncia, de forma que se afigura suficiente, os motivos de facto, mas também de direito, que levaram o órgão administrativo a indeferir a reclamação apresentada pela magistrada em causa. IV -Com efeito, independentemente do seu mérito, da sua legalidade substantiva, a apreciar em momento próprio, da deliberação resulta explícito e compreensível, na perspectiva do destinatário médio, que a magistrada, ora recorrente, não reunia o requisito do exercício de funções na jurisdição comum, que não pediu a cessação da comissão permanente de serviço nos tribunais administrativos e que, por isso, o CSM não admitiu a sua candidatura ao movimento judicial ordinário de 2012. V - O vício de violação de lei ocorre quando há uma discrepância entre o conteúdo do acto administrativo e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis e com as quais o mesmo se devia conformar, enquanto que o erro nos pressuposto de facto se verifica quando a Administração se engana sobre os factos que estiveram na base da prática do acto administrativo. VI - In casu, o CSM não incorreu no vício de violação de lei, ao indeferir a reclamação apresentada pela ora recorrente, ao invés, da interpretação conjugada do disposto nos arts. 39.°, n.ºs 1 e 3, e 43.°, n.º 1, do EMJ, resulta o acerto de só terem sido aceites, ao movimento judicial ordinário candidaturas de juízes em efectivo exercício de funções na jurisdição comum. VII - De facto, como se depreende do n.º 1 do art. 39.º do EMJ, os magistrados judiciais que se encontrem em comissão de serviço só podem enviar os seus requerimentos ao CSM, com o intuito de serem movimentados para alguma das vagas resultantes do movimento, no “termo da comissão” ou com o “regresso à efectividade” ou, dito por outras palavras, tudo indica que este dispositivo do EMJ fixa como condição para a apresentação da candidatura que o juiz da jurisdição comum já se encontre disponível para o efectivo exercício de funções, maxime por já ter cessado, por já estar finda a comissão de serviço. VIII - Deste dispositivo ressalta também uma ideia de disponibilidade por parte do magistrado judicial que pretenda ser movimentado, ou seja, parece que foi intuito do legislador vedar a participação no movimento judicial aos candidatos que não se encontrem em condições de exercício das suas funções na jurisdição comum, seja por, a contrario, não terem ainda cessado a comissão de serviço ou por não terem ainda regressado à efectividade. IX -O conceito de comissão de serviço envolve a ideia do chamamento temporário de um funcionário ou, no caso, de um magistrado judicial, ao exercício de outras funções (conforme decorre dos arts. 53.º e ss. do EMJ), com direito de regresso ao lugar de origem e sem perda das prerrogativas inerentes ao correspectivo estatuto (v.g. o tempo em comissão de serviço é considerado, para todos os efeitos, como de efectivo serviço na função – art. 58.º do EMJ). X -Deste modo, enquanto se mantiver a comissão de serviço, o magistrado judicial deve desempenhar as suas funções de acordo com normativos específicos a elas inerentes, no caso vertente, o magistrado judicial em exercício de funções, em comissão de serviço, na jurisdição administrativa, deve reger-se pelo ETAF quando pretenda ser movimentado para um diferente tribunal. XI -De acordo com o art. 60.º do ETAF, tirando os casos em que sejam aplicadas penas disciplinares gravosas (de transferência, de suspensão de funções por mais de 60 dias ou outras penas ainda superiores) ou quando esteja em causa a promoção de magistrados judiciais, em que a comissão de serviço cessa automaticamente por força destas circunstâncias, nos restantes casos exige-se a apresentação de requerimento ao CSTAF por parte do interessado, enquanto condição indispensável e necessária para a cessação da comissão de serviço na jurisdição administrativa ou tributária e, por consequência, para que o magistrado judicial possa vir a ser candidato a alguma ou algumas das vagas decorrentes do movimento nos tribunais judiciais. XII - Nestes casos, o n.º 1 do art. 39.º do EMJ, em conjugação com o citado n.º 5 do art. 60.º do ETAF, exigem, pelo menos, que o magistrado judicial requeira o termo da comissão de serviço que vem desempenhando, de modo temporário, na jurisdição administrativa, para que possa aceder, através do respectivo movimento, a alguma das vagas existentes nos tribunais judiciais. XIII - A recorrente sustenta que a interpretação sufragada pelo CSM, ao determinar a rejeição da sua candidatura, é atentatória dos princípios da legalidade, da igualdade e proporcionalidade, da justiça e imparcialidade, da boa-fé, da confiança e da colaboração da Administração com os particulares. A recorrente invoca como precedentes para justificar a violação dos ditos princípios casos passados há já vários anos, ocorridos ainda antes da entrada em vigor da Lei 2/2008, de 14-01 (diploma que alterou o paradigma de recrutamento dos juízes da jurisdição administrativa, deixando de ser nomeados para tais funções, como até aí sucedia, por via de regra, juízes de direito) e que, aliás, vieram a ser contrariados pelo entendimento seguido pelo CSM nos movimentos judiciais mais recentes, já que, a fazer fé na deliberação impugnada, no movimento judicial ordinário de 2011, situação similar foi decidida com base nestes mesmos fundamentos. XIV - Mesmo admitindo que nesses casos não foi posto termo às respectivas comissões de serviço por promoção ou por aplicação de pena disciplinar grave, concorda-se com a deliberação tomada pelo CSM, na sessão plenária de 10-07-2012, que respeita plenamente os dispositivos legais aplicáveis (e que, por isso, não merece qualquer censura, mesmo que avaliada à luz dos princípios da igualdade e da imparcialidade) e que, aliás, está de acordo com o precedente mais recente do CSM. XV - Até por uma questão de igualdade com os candidatos que à data não exerciam funções em comissão de serviço (que nunca têm a possibilidade de antever a extensão do movimento, candidatando-se, desconhecendo, de igual modo, se vão ou não ser movimentados e, em caso afirmativo, para que vaga disponível), nenhuma crítica a apontar à deliberação em causa, que, de uma forma que não se considera minimamente excessiva, desproporcional ou injusta, procurou salvaguardar, acima de tudo, o interesse público, a boa administração da justiça e o regular funcionamento dos tribunais, por forma a que fossem colocados nas vagas disponíveis magistrados judiciais que se encontrem em condições de exercerem efectivamente essas funções, designadamente por terem cessado ou por já terem pedido a cessação da comissão de serviço na jurisdição administrativa. | ||
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Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
AA, juíza de direito, veio, ao abrigo do disposto nos arts. 168.º e ss. do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), interpor recurso das deliberações tomadas pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) na sessão plenária de 10-07-2012, na qual foi aprovado o projecto do movimento judicial ordinário de 2012 e indeferida a reclamação por si apresentada a 20-06-2012, em que pedia a reforma do projecto de movimento e a aceitação da sua candidatura para transferência para os tribunais da relação, como juíza auxiliar. Concluiu o recurso com a formulação das seguintes conclusões: “1.ª - Mediante o Aviso n.° 6667/2012, publicado no Diário da República, 2.ª Série, N.° 94, de 15 de Maio de 2012, o Conselho Superior da Magistratura fez publicitar o concurso ao Movimento Judicial Ordinário de 2012, o qual obedeceria às disposições legais e regulamentares mencionadas no referido Aviso, no seu ponto 1; 2.ª - No ponto 1.1 do Aviso identificado supra em 5, podiam concorrer ao movimento "os juízes que até ao último dia do prazo para apresentarem a candidatura reúnam as condições legalmente exigidas para serem movimentados, nos termos do artigo 43.° n.° 1 do EMJ (na versão da Lei n° 143/99, de 30 de Julho e na versão da Lei n° 52/2008, de 28 de Agosto", devendo apresentar requerimento os juízes "que pretendam vir a ser destacados como auxiliares" nos Tribunais da Relação (ponto 3.1 do Aviso); 3.ª - Constatando que do Projecto do Movimento anunciado no respectivo site do Conselho Superior da Magistratura o seu nome não constava da lista dos candidatos admitidos, dele reclamou a Recte. 4.ª - Mediante deliberação tomada pelo CSM em sessão de 10.07.2012, a reclamação da ora Recte. foi indeferida, com fundamento no facto de aquela, no último dia do prazo para apresentar a candidatura, não reunir o requisito do exercício de funções na jurisdição comum, nem demonstrar o seu pedido de cessação da comissão permanente de serviço junto do CSTAF, condição necessária para se submeter a concurso; 5.ª - Sucede que a Recte., à data da sua nomeação em comissão de serviço como juíza auxiliar no então TAC do Porto, já exercia, há alguns anos, a magistratura na jurisdição comum; 6.ª - Aliás, esse exercício de funções na jurisdição comum foi, mesmo, conditio sine qua non para essa mesma nomeação da Recte. como juiz auxiliar no TAF do Porto; 7.ª - De qualquer modo, nem dos normativos estatutários a que alude o Aviso acima citado nem de qualquer outra norma conhecida consta, ou foi estabelecido, ou explicitado, em lado algum do mesmo Aviso, ou do iter procedimental relativo ao movimento judicial ordinário de 2012, como critério a observar no movimento que, relativamente aos Juízes que se encontrassem em comissão permanente de serviço, os seus requerimentos só seriam admitidos desde que previamente cessassem a respectiva comissão de serviço; 8.ª - Da interpretação do disposto quer no n° 4 do art. 96° do anterior ETAF, aprovado pelo DL n° 129/84, quer do n° 5 do art. 60° do actual ETAF, aprovado pelo DL 13/2002 de 19 de Fevereiro, extrai-se que a cessação da comissão de serviço pode resultar da expressa manifestação de vontade do interessado, através de requerimento, independentemente dos motivos, ou, então, de forma automática, em virtude da ocorrência de actos, ou factos, dos quais se extraia tacitamente essa mesma vontade; 9.ª - A data da apresentação da sua candidatura, não podia a ora Recte. antever qual a extensão do movimento, pelo que seria manifestamente excessivo, desproporcional e injusto exigir-lhe que fizesse cessar a respectiva comissão de serviço em que se encontrava sem a mesma saber se o movimento iria ter extensão suficiente de modo a poder ser por ele abrangida e assim ser movimentada para um dos lugares que pretendia ocupar e a que concorreu, uma vez que apenas pretendia cessar tal comissão de serviço se efectivamente fosse colocada num desses lugares; 10.ª - À inexigibilidade de tal requisito, e, mesmo assim, à sua verificação, acresce o argumento que se retira da reiterada prática do Conselho Superior da Magistratura em anteriores movimentos judiciais, nos quais se verificou que foram movimentados para a jurisdição comum juízes que se encontravam em comissão permanente de serviço na jurisdição administrativa e que no momento em que apresentaram os respectivos requerimentos ao movimento judicial ordinário em que foram movimentados ainda não tinham requerido (e alguns NUNCA requereram) a cessação das respectivas comissões de serviço naquela jurisdição administrativa; 11.ª - De qualquer modo, sempre deveria o CSM ter convidado a Recte. a suprir a omissão do requisito em apreço, tanto mais que a mesma, no seu requerimento de candidatura, expressamente se tinha comprometido a fazer cessar a sua comissão de serviço na jurisdição administrativa; 12.ª - Mostra-se, assim, a deliberação impugnada afectada de falta de fundamentação de direito, com violação do disposto nos arts. 124°, n° 1 e 125° do Código de Procedimento Administrativo (CPA), do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, e por manifestamente infringir, além do mais, o disposto nos arts. 39°, n°s 1 e 3 e 43°, n° 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais - EMJ (na versão da Lei n° 143/99, de 31.08 e na versão da Lei 52/2008, de 28.08), no art. 60°, n° 2 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n° 52/2008, de 28.08, no art. 96°, n° 4 do ETAF/84, no art. 60°, n° 5 do ETAF/2004, nos n°s 1,1.1 e 3.1 do Aviso n° 6667/2012, publicado no Diário da Republica, 2.a Série, N.° 94, de 15 de Maio de 2012, e por atentar contra os princípios da legalidade, da igualdade e proporcionalidade, da justiça e imparcialidade, da boa-fé, da confiança e da colaboração da Administração com os particulares, consagrados nos arts 3°, n° 1, 5º, 6º, 6 °-A e 7.°, todos do Código de Procedimento Administrativo, ex vi art. 2º, n° 1 do mesmo Código.” * Notificado para responder, querendo, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 174.º do EMJ, o Conselho Superior da Magistratura (CSM) veio a fazê-lo dentro do prazo legal, oferecendo a resposta de fls. 65 a 73, que aqui se dá por integralmente reproduzida, na qual defendeu, em síntese, que a deliberação impugnada não padece dos vícios que lhe são apontadas pela recorrente e que, em consequência, o recurso interposto deve ser julgado improcedente. * Nenhum dos interessados citados veio apresentar resposta. * Cumprido o disposto no art. 176.º do EMJ, a recorrente e o CSM apresentaram, respectivamente, as alegações de fls. 155 a 161 e de fls. 164 a 166, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, em defesa, em suma, das posições jurídicas por si anteriormente sufragadas no processo. * A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu o proficiente parecer de fls. 169 a 171, que aqui também se dá por integralmente reproduzido, concluindo pela improcedência dos vícios invocados pela recorrente e, em consequência, pela negação do provimento ao recurso. * Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir. * Das conclusões do presente recurso contencioso, já acima transcritas, constata-se que a recorrente AA - mostrando a sua integral discordância quanto às deliberações tomadas pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) na sessão plenária de 10-07-2012 - suscita fundamentalmente as seguintes questões: - falta de fundamentação de direito da deliberação do CSM que indeferiu a reclamação ao projecto do movimento judicial ordinário de 2012, por si apresentada a 20-06-2012, por violação do disposto nos arts. 124.º, n.º 1, e 125.º, ambos do Código de Procedimento Administrativo (CPA); - vício de violação de lei, por erro nos pressuposto de facto e por infringir o disposto nos arts. 39.°, n.° 1 e 3, e 43.°, n.° 1, do EMJ, no art. 60.°, n.° 2, da LOFTJ, no art. 96.°, n.° 4, do ETAF/84, no art. 60.°, n.° 5, do actual ETAF, e nos n.ºs 1, 1.1 e 3.1 do Aviso 6667/2012, de 15-05. - a interpretação sufragada pelo CSM, que determinou a rejeição da candidatura da recorrente AA, com vista a que fosse transferida dos tribunais administrativos para os tribunais da relação como juíza auxiliar, é atentatória dos princípios da legalidade, da igualdade e proporcionalidade, da justiça e imparcialidade, da boa-fé, da confiança e da colaboração da Administração com os particulares. * Como se constata do recurso interposto, a recorrente impugna de forma directa a deliberação do CSM que lhe indeferiu, conforme já se viu, a reclamação por si apresentada a 20-06-2012, imputando-lhe essencialmente os vícios da falta de fundamentação de direito e de violação de lei, por forma a que, indirectamente, seja anulada a deliberação que, no dia 10-07-2012, aprovou o projecto do movimento judicial ordinário de 2012, que, em sua perspectiva, deve ser substituído por outro que passe a contemplar a sua candidatura para colocação, enquanto juíza auxiliar, nos Tribunais da Relação de Guimarães, de Évora, do Porto, de Coimbra e de Lisboa. É do seguinte teor o acto administrativo do CSM, que a recorrente impugna e a que aponta directamente os vícios já acima enunciados: "Indefere-se a reclamação uma vez que no último dia do prazo para apresentar a candidatura, nos termos do ponto 1.1 do aviso de abertura do movimento judicial ordinário de 2012, a concorrente não reunia o requisito do exercício de funções na jurisdição comum, nem demonstrava o seu pedido de cessação da comissão permanente de serviço junto do CSTAF, condição necessária para se submeter a concurso. Situação similar foi decidida no Movimento Judicial de 2011, no mesmo sentido ora proposto, relativamente à Dr." BB, por deliberação do Plenário respectivo." Entremos, então, na apreciação da primeira das questões suscitadas. O dever de fundamentação a cargo da Administração tem consagração constitucional na segunda parte do n.º 3 do art. 268.º da Lei Fundamental, onde se estabelece que os actos administrativos “(…) carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.”. Do texto deste preceito constitucional, bem como da sua epígrafe (“Direitos e garantias dos administrados”), ressalta, desde logo, a ideia de tutela dos cidadãos perante a Administração, vendo os administrados constitucionalmente reconhecidos os direitos a ser informados sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, a acederem dentro de certas condições aos documentos administrativos ou ainda, para aquilo que agora mais nos interessa, que as decisões de natureza administrativa estejam devidamente fundamentadas, com indicação expressa, clara e suficiente dos fundamentos subjacentes ao acto administrativo que seja susceptível de afectar direitos ou interesses legalmente protegidos. Deste modo, a fundamentação do acto administrativo não deve ser compreendida como uma finalidade em si mesma, mas antes como um instrumento ou como uma exigência inscrita constitucionalmente em nome dos direitos e das garantias que os administrados têm perante a Administração, que logo cede e deixa de ter sentido quando o acto administrativo não é susceptível de afectar direitos ou interesses legalmente protegidos. O dever de fundamentação não se impõe irrestritamente a toda a actividade decisória da Administração, na medida em que, como decorre claramente do disposto na parte final do n.º 3 do art. 268.º da CRP, esta exigência constitucional somente contempla os casos em que estejam em causa direitos subjectivos ou interesses legítimos dos administrados. A fundamentação do acto administrativo, compreendida no quadro de salvaguarda da posição dos cidadãos perante a Administração, justifica-se para que os administrados percepcionem com facilidade o sentido da decisão, para que a autoridade administrativa pondere convenientemente as vantagens e as desvantagens de seguir por um determinado caminho e para que os cidadãos afectados possam conscientemente optar pela aceitação ou pela impugnação contenciosa, se necessário for, do acto administrativo em causa. Dito por outras palavras: o dever de fundamentação impõe-se por motivos de transparência da Administração e para a prossecução ponderada do interesse público. Os administrados, enquanto titulares dos direitos e das garantias inscritas no art. 268.º da Lei Fundamental, devem exigir que as decisões administrativas não sejam tomadas de forma obscura, precipitada, arbitrária e imponderada, que a exigência de fundamentação determine a Administração à prática de actos correctos e adequados sob o ponto de vista formal e substancial, que sejam facilmente perceptíveis pelos destinatários da decisão, que não criem artificiais dificuldades de impugnação e em que seja convenientemente ponderado o interesse público. Conforme se deixou assinalado no Ac. do STJ de 15-03-2012[1], a exigência de fundamentação “(…) relaciona-se com a legalidade, transparência e sindicabilidade das decisões; importa que o(s) destinatário(s) delas não tenha(m) dúvidas acerca do seu alcance e interpretação de acordo com o padrão do declaratário normal. A fundamentação deve evidenciar o processo lógico-dedutivo assente num iter argumentativo perfeitamente compreensível, reportando-se a factos e extraindo autorizadas ilações neles baseadas, não enfermando de contradições ou omissões que prejudiquem o direito de defesa”. Enquadrada a fundamentação do acto administrativo no seio dos direitos e das garantias dos administrados, importa, agora, proceder à delimitação deste conceito, tendo por base o texto constitucional já acima citado e os dispositivos a este respeito consagrados pela legislação ordinária, particularmente pelos arts. 123.º, 124.º e 125.º, todos do CPA. Desde logo, a Lei Fundamental deixa antever que nem toda a fundamentação cumpre a exigência constitucional, mas só aquela que seja “expressa” e “acessível”, o que não pode deixar de significar que os actos administrativos devem ser sempre motivados de modo explícito, devem conter todas as razões de facto e de direito que levaram à tomada da decisão, explanadas de uma forma clara, suficientemente desenvolvida e apreensível pelo homem médio ou, dito de outra forma, pelo destinatário normal. Rejeita-se uma fundamentação tão minimalista que deixe de ser expressa ou tão exuberante que deixe de ser acessível, os motivos subjacentes à decisão tomada pelos órgãos da Administração não podem aparecer redigidos de uma forma tão implícita, obscura, ínvia, tortuosa ou complexa, que os torne absolutamente imperceptíveis ou que os torne apenas apreensíveis por pessoas dotadas de especiais capacidades ou competências. Conforme deixam assinalado Gomes Canotilho e Vital Moreira, a propósito do n.º 3 do art. 268.º da CRP, “ a fundamentação deve revestir certos requisitos para se poder considerar fundamentação constitucionalmente adequada: a este respeito, há três princípios essenciais: (a) princípio da suficiência, devendo a fundamentação estender-se a todos os elementos em relação aos quais a Administração dispõe do poder discricionário de escolher (e o exerce), de forma a poder reconstituir-se o iter lógico e jurídico do procedimento (…)” “(b) princípio da clareza, de modo que a fundamentação seja inteligível, sem ambiguidades nem obscuridades, tendo em conta a figura do destinatário normal ou razoável que, na situação concreta, tenha de compreender as razões decisivas e justificativas da decisão; (c) princípio da congruência, de tal modo que se verifique existir uma relação de adequação e consonância entre os pressupostos normativos do acto (de facto e de direito)e os motivos do mesmo (…)”[2]. De igual modo, também o art. 125.º do CPA, sob a epígrafe “Requisitos da fundamentação”, fornece uma achega para a delimitação deste dever dos órgãos administrativos, na medida em que, o seu n.º 1, impõe que o acto administrativo adopte uma fundamentação expressa, com sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão e, se necessário for, com remissão para os fundamentos constantes de anteriores pareceres, informações ou propostas, enquanto que, o seu n.º 2, esclarece que a fundamentação obscura, contraditória ou insuficiente equivale à falta de fundamentação. Muito embora essa exigência já resulte do citado normativo constitucional, o art. 125.º, n.º 1, do CPA, é bem claro ao afirmar que o acto administrativo deve conter a explicitação, através de uma exposição sucinta, dos “fundamentos de facto e de direito” que estiveram na base da decisão tomada. Se, por motivos de economia e de celeridade na condução da actividade administrativa, os órgãos administrativos estão dispensados de fundamentar o acto de uma forma extensa e excessivamente pormenorizada e detalhada, também o interesse dos administrados, avaliado na perspectiva do destinatário normal, dispensa uma fundamentação exaustiva, que surja como pouco clara ou acessível para o homem médio, devido v.g. a uma motivação desadequada e desproporcional para o caso, impondo-se que apareça direccionada para aquilo que é essencial, deixando de lado o acessório ou supérfluo. Os fundamentos de direito, subjacentes à decisão do órgão administrativo que afecte direitos ou interesses legalmente protegidos, prendem-se com a norma ou com o conjunto de normas relacionadas com o acto administrativo, com o denominado direito objectivo inerente à decisão, com os preceitos ou com os princípios que levam a Administração a decidir desse modo, com o enquadramento jurídico dado aos fundamentos de facto. Num sistema jurídico, como o nosso, marcado pelo primado da lei entre as fontes de direito, os fundamentos de direito do acto administrativo relacionam-se, na grande maioria ou mesmo na quase totalidade dos casos, com a indicação dos preceitos legais aplicáveis, entendida a lei em sentido amplo, nos termos do disposto no art. 1.º, n.º 2, do CC, como “todas as disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes”. Nesta perspectiva, integram a fundamentação de direito do acto administrativo, quer a invocação da lei em sentido estrito (lei constitucional, orgânica ou ordinária), enquanto emanação da Assembleia da República, quer naturalmente a referência a outros actos normativos, como v.g. decretos-leis, decretos legislativos regionais, portarias, decretos regulamentares. Todavia, de acordo com entendimento jurisprudencial que se afigura dominante, na fundamentação de direito dos actos administrativos não é imprescindível a expressa indicação dos preceitos legais aplicáveis, desde que seja feita referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro normativo determinado[3]. Este entendimento, que se sufraga, permite acentuar as finalidades subjacentes ao dever de fundamentação, em suma os direitos e as garantias atribuídos aos administrados perante a Administração, o que leva a que se considere esta exigência cumprida quando os destinatários do acto administrativo tenham a possibilidade de compreender, em toda a sua plenitude, o sentido, o alcance e os efeitos jurídicos por ele visados, podendo, de modo esclarecido e consciente, acatá-lo ou impugná-lo judicialmente. Conforme a este respeito se anotou no Ac. do STJ de 18-10-2012[4], “(…) exigindo-se apenas uma fundamentação expressa em sucinta exposição dos fundamentos, isso não dispensa, todavia – enquanto directo corolário dos princípios da transparência e da justiça – que a (devida) explicitação e justificação da vontade/motivação do órgão decisor seja razoavelmente apreensível por um destinatário normal/cidadão médio, colocado na posição do real destinatário, em termos claros, coerentes e congruentes, que viabilizem a perfeita compreensão do respectivo iter cognoscitivo.”. Por último, importa também referir que não se deve confundir a falta de fundamentação com a incorrecta interpretação ou com a errada aplicação do direito ao caso concreto por parte da Administração. Há falta de fundamentação de direito quando esta pura e simplesmente não existe ou, existindo, quando se revele insuficiente, obscura ou contraditória, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 125.º do CPA. Já nos casos em que o direito foi incorrectamente aplicado ou interpretado pressupõe-se que o mesmo exista enquanto fundamento do acto administrativo, pese embora seja merecedor de críticas ou de reparos substantivos face ao modo como a Administração efectuou o tratamento jurídico da questão controvertida. No caso vertente, ao contrário do pretendido pela recorrente, não se constata o apontado vício da falta de fundamentação, na medida em que a deliberação em causa do CSM explicita, enuncia de forma que se afigura suficiente, os motivos de facto, mas também de direito, que levaram o órgão administrativo a indeferir a reclamação apresentada pela magistrada em causa. Independentemente do seu mérito, da sua legalidade substantiva, a apreciar em momento próprio, da deliberação resulta explícito e compreensível, na perspectiva do destinatário médio, que a magistrada, ora recorrente, srª Drª AA, não reunia o requisito do exercício de funções na jurisdição comum, que não pediu a cessação da comissão permanente de serviço nos tribunais administrativos e que, por isso, o CSM não admitiu a sua candidatura ao movimento judicial ordinário de 2012. É certo que o CSM não afectou uma exposição muito aprofundada sobre a questão controvertida em causa, mas a tal também não estava obrigado, na medida em que, conforme já se referiu, o dever de fundamentação fica satisfeito com uma exposição sucinta dos motivos de facto e de direito que estiveram na base da decisão tomada, desde que permita apreender o sentido, o alcance e os efeitos jurídicos do acto administrativo, o que, no caso, indiscutivelmente aconteceu, por parte da recorrente. De igual modo, também não se pode dizer que a deliberação impugnada do CSM, que indeferiu a reclamação apresentada pela ora recorrente, seja absolutamente omissa no que respeita à indicação dos preceitos legais que fundamentaram a prática do acto administrativo em causa, porquanto faz expressa referência ao “ponto 1.1 do aviso de abertura do movimento judicial ordinário de 2012”, o qual, por seu turno, remete para o EMJ, particularmente para os termos do disposto no “artigo 43.º n.º 1 do EMJ (na versão da Lei n.º 143/99, de 30 de Julho e na versão da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto). Pese embora a deliberação não explicite todos os preceitos legais potencialmente aplicáveis ao caso ou, dito por outras palavras, todos aqueles que levaram, na perspectiva do CSM, a que a candidatura da recorrente fosse de considerar legalmente inadmissível (como, por exemplo, o art. 39.º, n.º 1, do EMJ, invocado expressamente já na pendência do presente recurso contencioso), também não levanta quaisquer dúvidas o princípio jurídico subjacente à tomada de decisão por parte do CSM e que decorre do EMJ: só os juízes em exercício de funções na jurisdição comum reúnem a condição necessária para se candidatarem ao movimento judicial ordinário de 2012. Deste modo, entendemos que a fundamentação de direito da deliberação impugnada do CSM está compreendida tanto na invocação do dispositivo referido no texto da própria decisão, como na remissão feita no Aviso n.º 6667/2012 para o EMJ, como também no princípio jurídico acima referido, o que, na perspectiva do entendimento jurisprudencial que se perfilha a este propósito, se afigura manifestamente suficiente para se considerar cumprido o dever de fundamentação previsto nos arts. 124.º e 125.º do CPA. Não parece, pois, que fosse de levar mais longe a exigência de fundamentação de direito da deliberação em causa do CSM, tanto mais que, in casu, foram de pleno atingidas todas as finalidades a ela inerentes: por um lado, ao se escrever que “situação similar foi decidida no Movimento Judicial de 2011, no mesmo sentido ora proposto”, reforça-se a ideia de que o CSM não deliberou de ânimo leve, de uma forma irreflectida, mas que voltou a reponderar os fundamentos já maturados no passado para decidir uma situação idêntica; por outro lado, tudo aponta no sentido de que a recorrente compreendeu plenamente o sentido, o alcance e os efeitos jurídicos da deliberação, vindo a impugná-la, aparentemente, sem quaisquer limitações ou constrangimentos, conforme decorre do presente recurso contencioso; por último, e repetindo-nos, a deliberação do CSM apresenta-se como perceptível perante um destinatário normal e nada impossibilita o seu efectivo controlo por parte dos tribunais. Em suma: conforme se escreveu no Ac. do STJ de 19-09-2007[5], “a fundamentação do acto é insuficiente quando não permite o controlo substancial dos respectivos pressupostos, com vista a determinar que circunstâncias e factores foram, ou não considerados e em que medida na decisão”, o que, manifestamente, não ocorre no caso em apreciação. Com o normativo expressamente invocado, com a remissão para o regime jurídico constante do EMJ e com o apelo ao princípio acima enunciado, afiguram-se perfeitamente perceptíveis os motivos de direito que levaram o CSM a indeferir a reclamação apresentada pela ora recorrente, sendo certo que a falta de qualquer normativo legal ou regulamentar de onde resulte expresso que só os juízes em exercício de funções na jurisdição comum podem ser candidatos ao movimento judicial, coloca a questão controvertida, já não na falta de fundamentação do acto administrativo, mas antes no âmbito substantivo da apreciação do mérito da decisão do CSM. Improcede, nesta parte, o recurso interposto pela magistrada recorrente. * Para além da invocação do improcedente vício da falta de fundamentação, a recorrente veio também alegar que a deliberação do CSM padece do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e por infracção, para além do mais, do disposto nos arts. 39.°, n.° 1 e 3, e 43.°, n.° 1, do EMJ, no art. 60.°, n.° 2, da LOFTJ, no art. 96.°, n.° 4, do ETAF de 1984, no art. 60.°, n.° 5, do actual ETAF, e nos n.ºs 1, 1.1 e 3.1 do Aviso 6667/2012. Vejamos, então, se o CSM, ao indeferir a reclamação, cometeu tal vício. Grosso modo, o vício de violação de lei ocorre quando há uma discrepância entre o conteúdo do acto administrativo e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis e com as quais o mesmo se devia conformar, enquanto que o erro nos pressuposto de facto se verifica quando a Administração se engana sobre os factos que estiveram na base da prática do acto administrativo. Como defendem Santos Botelho, Pires Esteves e Cândido de Pinho[6]: “O vício de violação de lei é um vício de ilegalidade interna do acto”, “O vício de violação de lei mais usual é o que se prende com o erro de direito e com a errada qualificação jurídica dos factos” e “Existem três causas típicas susceptíveis de gerar o erro de direito: 1) erro quanto à base legal, sobre a qual a decisão foi tomada aplicando-se, por exemplo, norma não susceptível de ser invocada na situação em causa. 2) Aplicação de normas ilegais. 3) Aplicação de norma legal mas erroneamente interpretada”. In casu, salvo o devido respeito por opinião contrária, o CSM não incorreu no apontado vício de violação de lei, ao indeferir a reclamação apresentada pela ora recorrente, ao invés, da interpretação conjugada do disposto nos arts. 39.°, n.° 1 e 3, e 43.°, n.° 1, do EMJ, resulta o acerto de só terem sido aceites, ao movimento judicial ordinário de 2012, as candidaturas de juízes em efectivo exercício de funções na jurisdição comum. O n.º 1 do citado art. 39.º do EMJ, sob a epígrafe “Preparação dos movimentos”, indica as modalidades e as circunstâncias ─ nomeação, transferência, promoção, termo de comissão ou regresso à efectividade ─ em que os magistrados, que integrem naturalmente a jurisdição comum, podem participar nos movimentos judiciais, mediante a apresentação dos respectivos requerimentos para os lugares em que pretendam vir a ser providos. Como se depreende do texto deste dispositivo, os magistrados judiciais que se encontrem em comissão de serviço só podem enviar os seus requerimentos ao CSM, com o intuito de serem movimentados para alguma das vagas resultantes do movimento, no “termo da comissão” ou com o “regresso à efectividade” ou, dito por outras palavras, tudo indica que este dispositivo do EMJ fixa como condição para a apresentação da candidatura que o juiz da jurisdição comum já se encontre disponível para o efectivo exercício de funções, maxime por já ter cessado, por já estar finda a comissão de serviço. Devendo-se presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cf. art. 9.º, n.º 3, do CC, que contém um princípio geral sobre a interpretação das normas, aplicável a todo o ordenamento jurídico), a utilização da palavra “termo”, no texto do n.º 1 do art. 39.º do EMJ, não pode deixar de significar o fim, o final ou a conclusão da comissão de serviço que o magistrado judicial desempenhou de modo temporário, pois, caso contrário, o legislador teria optado, seguramente, por uma diferente formulação legislativa. Bastaria simplesmente eliminar a referência ao “termo da comissão” para vingar a interpretação contrária à defendida pelo CSM e sufragada pela recorrente, no sentido de que todo e qualquer magistrado podia apresentar a sua candidatura às vagas resultantes do movimento judicial, estivesse ou não em exercício de funções enquadradas no âmbito de uma comissão de serviço. Ou então o legislador teria optado por uma diferente redacção desta norma, de onde resultasse, de modo mais explícito, que os magistrados judiciais, mesmo em comissão de serviço, deviam enviar os seus requerimentos ao CSM quando pretendessem ser nomeados, transferidos ou promovidos. Deste dispositivo ressalta também uma ideia de disponibilidade por parte do magistrado judicial que pretenda ser movimentado, ou seja, parece que foi intuito do legislador vedar a participação no movimento judicial aos candidatos que não se encontrem em condições de exercício das suas funções na jurisdição comum, seja por, a contrario, não terem ainda cessado a comissão de serviço ou por não terem ainda regressado à efectividade. Não se olvidando os legítimos interesses dos candidatos, a principal finalidade do movimento judicial, de acordo com a boa administração da justiça, prende-se com a colocação coincidente de cada um dos magistrados judiciais em cada uma das vagas disponíveis nos tribunais judiciais, competindo ao CSM, enquanto órgão de gestão da magistratura judicial, assegurar que tal desiderato é alcançado, que em cada um dos tribunais judiciais vêm a ser colocados juízes para o exercício das suas funções. E pensamos ser também esta a interpretação mais consentânea com o conceito e com a natureza da figura jurídica da comissão de serviço. A este propósito, doutrina João Alfaia[7]: “A admissão subsequente (…) reveste a modalidade de comissão de serviço (eventual) sempre que um funcionário titular de um lugar do quadro com investidura definitiva ou vitalícia vai ocupar um lugar de outro quadro ou de outra categoria do mesmo quadro, continuando, todavia, vinculado ao lugar de origem, através de cativação” Mais acrescentando este autor: “A «ratio legis» de tal figura jurídica é por demais evidente: se um indivíduo que possui estabilidade num emprego público vai, em virtude do interesse público, ocupar um outro lugar com investidura provisória, temporária ou transitória, há que salvaguardar-lhe o direito adquirido no lugar que ocupa até à investidura no novo lugar se converter em definitiva ou, (quando não haja hipótese disso), até ao regresso, ao lugar de origem”. Marcello Caetano[8]expendeu o seguinte sobre a figura da comissão de serviço: “Entende-se aí por comissão o encargo dado por uma autoridade a certa pessoa para que esta desempenhe determinada actividade pública. Em Direito administrativo há comissões ordinárias e comissões eventuais. As primeiras são as que estão previstas nas leis como modo normal de provimento por nomeação para certos cargos. As segundas são encargos cometidos aos agentes administrativos para realizarem certos trabalhos que não estavam incluídos nas suas funções. O que caracteriza as comissões de serviço é o serem nomeações com duração limitada e, em regra, amovíveis.”. Em suma: o conceito de comissão de serviço envolve a ideia do chamamento temporário de um funcionário ou, no caso, de um magistrado judicial, ao exercício de outras funções (um magistrado pode ser chamado para o exercício de cargos de natureza judicial ou de natureza não judicial, conforme decorre dos arts. 53.º e ss. do EMJ), com direito de regresso ao lugar de origem e sem perda das prerrogativas inerentes ao correspectivo estatuto (v.g. o tempo em comissão de serviço é considerado, para todos os efeitos, como de efectivo serviço na função ─ art. 58.º do EMJ). Deste modo, em termos gerais, enquanto se mantiver a comissão de serviço, o magistrado judicial deve desempenhar as suas funções de acordo com normativos específicos a elas inerentes, no caso vertente, o magistrado judicial em exercício de funções, em comissão de serviço, na jurisdição administrativa, deve reger-se pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) quando pretenda ser movimentado para um diferente tribunal. Nesta perspectiva, não pode é, estando a exercer funções na jurisdição administrativa, comportar-se como se estivesse no efectivo exercício de funções na jurisdição comum, candidatando-se, afim de ser movimentado, por exemplo, indistintamente a tribunais destas duas jurisdições, sem promover a cessação de funções, em comissão de serviço, na jurisdição administrativa. Afigura-se, pois, que não se pode invocar o estatuto (provisório) decorrente do exercício de funções em comissão de serviço e ao mesmo tempo o estatuto inerente às funções de origem que, nessa altura, não se exercem, particularmente no que respeita aos movimentos judiciais, tudo isso sem prejuízo das formas legalmente previstas para fazer cessar esse exercício temporário de funções, conforme adiante melhor se verá. As prerrogativas inerentes aos magistrados judiciais não são olvidadas, no que respeita ao acesso a vagas disponíveis nos tribunais judiciais, simplesmente afirma-se que o candidato, em exercício de funções judiciais nos tribunais administrativos, deveria, nestes casos, na concreta situação da recorrente, promover a cessação da comissão de serviço que vem exercendo. Se não se vislumbra a violação por parte do CSM do art. 39.º, n.ºs 1 e 3, do EMJ (aliás, a interpretação sufragada pelo órgão administrativo recorrido mostra-se compatível, como acima se disse, com o conceito e com a natureza da figura jurídica da comissão de serviço), também não se constata qualquer infracção ao disposto no art. 43.º, n.º 1, do EMJ, porquanto tal dispositivo, referente às condições de transferência para outro tribunal judicial, pressupõe que o juiz se encontre em exercício de funções na magistratura judicial. Indiscutivelmente, o art. 43.º, que se encontra inserido no EMJ, respeita a magistrados da jurisdição comum, que estão colocados num tribunal judicial e que pretendam vir a ser transferidos para outro tribunal desta natureza. Mas esta norma não tem aplicação ao caso vertente, na medida em que a ora recorrente, apesar de magistrada judicial, pretendia ser transferida de um tribunal pertencente à jurisdição administrativa, onde exercia funções em regime de comissão de serviço, para a jurisdição dita comum. Os magistrados judiciais que sempre exerceram funções na jurisdição comum não se encontram em comissão de serviço e, como tal, desde que preenchidos os requisitos previstos no art. 43. º do EMJ, podem ser livremente transferidos para outro tribunal judicial. Mas, como já se viu, a situação da recorrente é diferente: à data da deliberação impugnada exercia funções na jurisdição administrativa e não pediu a cessação dessa comissão de serviço. De igual modo, também não se perspectiva qualquer erro por parte do CSM quanto aos pressupostos de facto em que assentou a decisão impugnada, ou seja, o CSM não agiu em situação de engano relativamente a esses factos, designadamente por pensar, de uma forma desconforme com a realidade, que a recorrente não era magistrada da jurisdição comum à data da decisão. O órgão administrativo recorrido não discute esse pressuposto de facto, aceita (ainda que implicitamente) que a recorrente, srª Drª AA, é magistrada judicial, simplesmente defende que esse requisito não se mostra suficiente para se poder candidatar ao movimento judicial ordinário de 2012, já que entende, com base num diferente enquadramento jurídico deste caso concreto, que só se podem candidatar ao movimento os magistrados judiciais em exercício de funções na jurisdição comum e aqueles que tenham pedido a cessação da comissão de serviço em exercício na jurisdição administrativa. Não houve, portanto, qualquer erro quanto aos pressupostos de facto em que assentou a decisão do CSM: esta foi tomada em conformidade com o correcto enquadramento factual, ainda que represente o seguimento de uma posição jurídica que consubstancie uma diferente leitura dos dispositivos aplicáveis in casu, que, de todo, não mereceu a concordância da recorrente. Para fundamentar a sua tese, a recorrente veio também invocar o disposto nos arts. 96.°, n.° 4, do ETAF de 1984 e 60.°, n.° 5, do actual ETAF, defendendo que a cessação da comissão de serviço pode resultar da expressa manifestação de vontade do interessado, através de requerimento, independentemente dos motivos ou, então, de forma automática, em virtude da ocorrência de actos dos quais se extraia tacitamente essa vontade. Como bem deixa assinalado no seu parecer a Exma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, o ETAF aprovado pelo DL n.º 129/84, de 27-04, foi integralmente revogado pela al. c) do art. 8.º da Lei n.º 13/2002, de 19-02 (incluindo naturalmente o seu art. 96.º), enquanto que o art. 60.º do actual ETAF, aprovado precisamente pela já mencionada Lei n.º 13/2002, foi expressamente revogado pelo art. 118.º, al. b), da Lei n.º 02/2008, de 14-01. A Lei n.º 02/2008, pode dizer-se, constituiu um marco de viragem no que respeita ao recrutamento de juízes para a jurisdição administrativa e fiscal, deixando de ser nomeados para tais funções, como até aí sucedia, juízes de direito, procuradores ou juristas, em comissão de serviço, para passaram a ser, por via regra, magistrados que frequentaram, com aproveitamento, o curso de formação organizado pelo CEJ para ingresso nos tribunais administrativos e fiscais (cf. maxime arts. 40.º e ss. da citada Lei n.º 02/2008, de 14-01). Enquanto que, na versão original do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, se estabelecia que, ao concurso para juiz dos tribunais administrativos de círculo e dos tribunais tributários, se podiam candidatar juízes de direito, procuradores e juristas, dentro de certos requisitos relativos à experiência profissional e à classificação de serviço, com a alteração introduzida pela Lei n.º 02/2008, o concurso para juiz desses tribunais passou a ser regulado pelo regime de ingresso nas magistraturas e de formação de magistrados (cf. anterior versão e versão actualmente em vigor do art. 71.º). Feito este breve enquadramento ─ que permite compreender as alterações significativas que ocorreram no regime jurídico da selecção dos juízes que exercem funções nos tribunais administrativos e fiscais ─ importa relembrar o disposto no art. 60.º do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02, em particular, o seu n.º 5, que tinha, então, a seguinte redacção: “a comissão de serviço é dada por finda a requerimento ou por aplicação de pena disciplinar de transferência, suspensão por mais de 60 dias ou pena superior e, ainda, tratando-se de magistrados judiciais, quando forem promovidos a categoria superior à que tenham no tribunal onde exerçam funções.”. Sem se entrar na delicada questão da aplicação da lei no tempo e admitindo à partida a aplicação ao presente caso concreto deste preceito legal (ou do art. 96.°, n.° 4, do ETAF de 1984), conforme pretendido pela recorrente, não se descortinam quaisquer argumentos decisivos que possam contrariar o entendimento perfilhado pelo CSM na decisão impugnada. De acordo com o mencionado art. 60.º, n.º 5, do ETAF, são os seguintes os modos de cessação da comissão de serviço de quem exerce funções judiciais na jurisdição administrativa ou tributária: dois comuns: (i) a requerimento do (próprio) interessado ou com a aplicação de pena disciplinar, pelo menos, de transferência ou de suspensão de funções por mais de 60 dias; (ii) um modo específico dos magistrados judiciais, com a promoção a categoria superior à que tenham no tribunal onde exerçam funções. Assim, tirando os casos de promoções e de penas disciplinares, o termo da comissão de serviço está dependente, em primeiro lugar, da apresentação de requerimento por parte do interessado e, em segundo lugar, do deferimento desse pedido por parte do CSTAF, como decorre, aliás, da tramitação posteriormente seguida pela ora recorrente, que a 20-06-2012 apresentou um requerimento nesse sentido ao CSTAF, que foi objecto da seguinte deliberação a 05-07-2012: “(…) o Conselho delibera deferir o presente requerimento, dando por finda a comissão permanente de serviço que a Mma. Juíza AA vem exercendo no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (…).” ─ cfr. doc. de fls. 58 a 59). Afirmando-se novamente que se deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cf. citado art. 9.º, n.º 3, do CC), não se pode concordar com a alegação da recorrente de que a cessação da comissão de serviço “não carece de aceitação e, por isso, não pode ser recusada”, na medida em que a apresentação de requerimento não equivale a simples comunicação, como também a eventual habitualidade do deferimento do pedido não se confunde com a desnecessidade de aceitação por parte do órgão administrativo competente. Se o requerimento consubstancia uma petição, se constitui um pedido formal dirigido a uma autoridade (administrativa ou judicial) e se tem como destinos possíveis o seu deferimento ou indeferimento, não lhe pode ser atribuído um sentido sinónimo ou equivalente a comunicação, conforme pretende a ora recorrente, que passaria a corresponder a uma mera participação de uma vontade ou de uma intenção presente ou futura. Em suma: tirando os casos em que sejam aplicadas penas disciplinares gravosas (de transferência, de suspensão de funções por mais de 60 dias ou outras penas ainda superiores) ou quando esteja em causa a promoção de magistrados judiciais, em que a comissão de serviço cessa automaticamente por força destas circunstâncias, conforme decorre expressamente do disposto no n.º 5 do revogado art. 60.º do ETAF, nos restantes casos exige-se a apresentação de requerimento ao CSTAF por parte do interessado, enquanto condição indispensável e necessária para a cessação da comissão de serviço na jurisdição administrativa ou tributária e, por consequência, para que o magistrado judicial possa vir a ser candidato a alguma ou algumas das vagas decorrentes do movimento nos tribunais judiciais. Nestes casos, o n.º 1 do art. 39.º do EMJ, em conjugação com o citado n.º 5 do art. 60.º do ETAF, exigem, pelo menos, que o magistrado judicial requeira o termo da comissão de serviço que vem desempenhando, de modo temporário, na jurisdição administrativa, para que possa aceder, através do respectivo movimento, a alguma das vagas existentes nos tribunais judiciais. Daí que se compreenda, de pleno, a posição sufragada no recurso pelo CSM, enquanto órgão superior de gestão da magistratura judicial, de que “(…) a admissão de todas as candidaturas, independentemente de os candidatos estarem ou não em condições de exercerem funções nos tribunais onde viessem a ser colocados ─ tornaria o movimento judicial irrealista e permitiria o não preenchimento de vagas, com todas as dificuldades de gestão e todos os prejuízos que isso acarreta.”. Pelo exposto, ao contrário do que alega a recorrente, não se afigura manifestamente excessiva, desproporcional e injusta a exigência imposta pelo CSM quanto à cessação da comissão de serviço, até ao termo do prazo para a apresentação da candidatura, pelos juízes que estivessem em exercício de funções na jurisdição administrativa, na medida em que os movimentos judiciais visam, em primeira linha, assegurar o regular funcionamento dos tribunais e a boa administração da justiça, com a efectiva colocação de cada um dos magistrados judiciais em cada uma das vagas disponíveis desses tribunais, ainda que atendendo às legítimas preferências dos interessados. Mas estas preferências, não podem fazer esquecer aquela que deve ser a opção inicial do juiz interessado: manutenção ou cessação da comissão de serviço, querer continuar a exercer funções judiciais na jurisdição administrativa ou passar a exercê-las na jurisdição comum. E, caso se opte pela cessação da comissão de serviço, apresentar a respectiva candidatura às vagas disponíveis, como em qualquer outro movimento judicial, sujeitando-se às normais contingências de ser ou não colocado nos lugares pretendidos. Não se vislumbram quaisquer argumentos válidos para que, nestas situações, as candidaturas tenham um tratamento diferenciado dos restantes casos, sendo certo que nunca é possível prever, com o mínimo de certeza e segurança, a extensão de um movimento e que o exercício de funções na magistratura judicial não pode aqui estar dependente do preenchimento de uma vaga em concreto, previamente seleccionada pelo candidato. Uma última palavra para afirmar que uma eventual prática reiterada, de sentido contrário, por parte do CSM, não deve servir como critério para se aferir da bondade da deliberação tomada relativamente ao movimento judicial ordinário de 2012, devendo unicamente servir como factor de ponderação por parte do órgão administrativo antes da tomada da decisão ou, dito de outro modo, como critério de orientação, por no passado já terem sido ponderados os argumentos a favor e contra uma determinada orientação jurídica. As anteriores decisões não consubstanciam fonte de direito, não criam precedente vinculativo, não condicionam a actuação futura do órgão administrativo, que a cada momento tem plena liberdade de decidir de modo diferente do que no passado, revendo orientações e adoptando critérios que, a cada momento, considere mais adequados e mais de acordo com a lei. De todo o modo, não se mostra nada líquido que o CSM tenha, in casu, contrariado a “reiterada prática” de anteriores movimentos judiciais, porquanto, desde logo no próprio texto da deliberação recorrida, se faz expressa menção a uma situação similar que foi decidida, no mesmo sentido, no antecedente movimento judicial (“Situação similar foi decidida no Movimento Judicial de 2011, no mesmo sentido ora proposto, relativamente à Dr." BB (…).”). Seja como for, com ou sem inconciliabilidade de decisões (importa aqui salientar que este não se trata de um caso de promoção), o certo é que o CSM não estava vinculado pelas deliberações tomadas no passado (ainda que para casos semelhantes ou idênticos), nem tão pouco este recurso contencioso deve ser julgado com base em antecedentes de natureza administrativa, mas unicamente de acordo com os princípios e os normativos aplicáveis ao caso. Para além de não indicar qualquer dispositivo, do qual directamente resulte um dever por parte do CSM de formular um convite ao aperfeiçoamento, o certo é que esse procedimento se mostra incompatível com a normal tramitação do movimento judicial e com a imperiosa necessidade de, em tempo útil, os magistrados virem a ser colocados nos tribunais judiciais, quando é sabido, que num curto lapso de tempo, pouco mais do que as férias judiciais, os magistrados têm de ser movimentados e reiniciar funções. * A recorrente, srª Drª AA, veio também alegar que a interpretação sufragada pelo CSM, ao determinar a rejeição da sua candidatura, é atentatória dos princípios da legalidade, da igualdade e proporcionalidade, da justiça e imparcialidade, da boa-fé, da confiança e da colaboração da Administração com os particulares. O princípio da igualdade, com consagração no art. 13.º da Lei Fundamental, traduz essencialmente uma ideia de igualdade de todos os cidadãos perante a lei (n.º 1) e de proibição de discriminações ou de privilégios, de tratamentos injustificados, de uns perante os outros, por exemplo, com base no sexo, na raça, na religião, nas convicções políticas ou ideológicas, na situação económica e social ou na orientação sexual (n.º 2). Este princípio comporta, portanto, duas vertentes: uma positiva, que obriga a tratar de modo igual situações idênticas; outra, negativa, com o sentido de proibição de comportamentos discriminatórios. Como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira: “A vinculação da administração pelo princípio da igualdade encontra os seus momentos mais relevantes no seguinte: a) proibição de medidas administrativas portadoras de incidências coactivas desiguais (encargos ou sacrifícios) na esfera jurídica dos cidadãos (igualdade na repartição de encargos e deveres); b) exigência de igualdade de benefícios ou prestações concedidas pela administração (administração de prestações); c) autovinculação da administração no âmbito dos seus poderes discricionários, devendo ela utilizar critérios substancialmente idênticos para a resolução de casos idênticos, sendo a mudança de critérios, sem qualquer fundamento material, violadora do princípio da igualdade (não existindo, porém, um «direito à igualdade na ilegalidade» ou à «repetição de erros» e podendo a administração afastar-se de uma prática anterior que se mostre ilegal); d) direito á compensação de sacrifícios quando a administração, por razões de interesse público, impôs a um ou a vários cidadãos sacrifícios especiais (…)”[9]. Quanto aos restantes princípios aludidos no presente recurso e que, na perspectiva da magistrada recorrente, foram violados pelas deliberações em causa do CSM, vamos aqui seguir de perto o que foi escrito no Ac. do STJ de 05-07-2012[10]. “O princípio da proporcionalidade (…) está previsto nos arts. 266.º, n.º 2, da CRP, e 5.º, n.º 2, do CPA. Segundo este princípio, a actividade da Administração Pública no exercício dos seus poderes discricionários, deve prosseguir os seus fins legais justificadores da concessão desses poderes, mas também deve «prosseguir os fins legais, os interesses públicos, primários e secundários, segundo o princípio da justa medida, adoptando, dentre as medidas necessárias e adequadas para atingir esses fins e prosseguir esses interesses, aquelas que impliquem menos gravames, sacrifícios ou perturbações à posição jurídica dos administrados» (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª edição, pág. 801).” “Além disso, a CRP no seu art. 266.º, n.º 2, também prevê o princípio da imparcialidade. Este princípio pode circunscrever-se a dois aspectos: segundo o primeiro, a Administração Pública no conflito entre o interesse público e os interesses particulares, deve proceder com isenção na determinação da prevalência do interesse público, de modo a não sacrificar desnecessária e desproporcionalmente os interesses particulares (…); pelo segundo aspecto, à actuação da Administração em face dos vários cidadãos, exige-se igualdade de tratamento dos interesses dos cidadãos através de um critério uniforme de prossecução do interesse público.” “Por sua vez, o princípio da justiça aponta para a necessidade de a Administração pautar a sua actividade por certos critérios materiais ou de valor, constitucionalmente plasmados, como, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º), o princípio da efectividade dos direitos fundamentais (art. 2.º), sem esquecer o princípio da igualdade e da proporcionalidade. A observância desses princípios materiais de justiça permitirá à Administração a obtenção de uma «solução justa» (…)” “O princípio da boa fé, introduzido na CRP pela revisão de 1997, já havia sido desenvolvido no Direito Civil, onde é sobejamente conhecido o seu conteúdo, sem que seja clara a sua autonomia no Direito Público. Através deste princípio pretende-se erguer uma medida de «fiabilidade», de «confiança», de «esperança», vinculativa da actuação administrativa – cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Obra citada, págs. 803 e 804.”. No caso vertente, importa assinalar que a recorrente invoca como precedentes, para justificar a violação dos princípios da igualdade e da imparcialidade, casos passados há já vários anos, ocorridos ainda antes da entrada em vigor da Lei n.º 02/2008 (este diploma, conforme já se afirmou, alterou o paradigma de recrutamento dos juízes da jurisdição administrativa, deixando de ser nomeados para tais funções, como até aí sucedia, por via de regra, juízes de direito) e que, aliás, vieram a ser contrariados pelo entendimento seguido pelo CSM nos movimentos judiciais mais recentes, já que, a fazer fé na deliberação impugnada, no movimento judicial ordinário de 2011, situação similar foi decidida com base nestes mesmos fundamentos. Mesmo admitindo que nesses casos não foi posto termo às respectivas comissões de serviço por promoção ou por aplicação de pena disciplinar grave (no recurso em causa é, pelo menos, apontado um caso que promoção), reafirma-se, aqui, que se concorda com a deliberação tomada pelo CSM na sessão plenária de 10-07-2012, que, em nossa opinião, respeita plenamente os dispositivos legais aplicáveis (e que, por isso, não merece qualquer censura, mesmo que avaliada à luz dos princípios da igualdade e da imparcialidade) e que, aliás, está de acordo com o precedente mais recente do CSM. Acresce que a violação destes princípios não é apontada quanto ao movimento judicial ordinário de 2012, em si mesmo considerado (a recorrente não alega que nesse movimento tenham havido casos iguais ou idênticos decididos de forma diferente, com o intuito de favorecer certo candidato em detrimento dos restantes), mas por comparação com outros movimentos judiciais, elaborados no âmbito de diferente quadro legislativo e sem que àquele lhe possa ser indicada qualquer falha no que respeita à aplicação da lei. Até por uma questão de igualdade com os candidatos que à data não exerciam funções em comissão de serviço (que nunca têm a possibilidade de antever a extensão do movimento, candidatando-se, desconhecendo, de igual modo, se vão ou não ser movimentados e, em caso afirmativo, para que vaga disponível), nenhuma crítica a apontar à deliberação em causa, que, de uma forma que não se considera minimamente excessiva, desproporcional ou injusta (como também já se defendeu), procurou salvaguardar, acima de tudo, o interesse público, a boa administração da justiça e o regular funcionamento dos tribunais, por forma a que fossem colocados nas vagas disponíveis magistrados judiciais que se encontrem em condições de exercerem efectivamente essas funções, designadamente por terem cessado ou por já terem pedido a cessação da comissão de serviço na jurisdição administrativa. De igual modo, como o CSM também não infringiu qualquer específico dispositivo legal, mantendo-se intocado o princípio da legalidade, pelos motivos já acima explanados, improcede in totum o recurso contencioso, apresentado pela magistrada recorrente, srª Drª AA, das deliberações tomadas na sessão plenária de 10-07-2012. * Em face do exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela recorrente AA e, em consequência, decide-se confirmar in totum as deliberações em causa do CSM, por não se verificarem os vícios que lhes são imputados. Custas pela recorrente (art. 446.º, n.º 1, do CPC), fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs., nos termos do disposto na tabela I-A anexa ao Regulamento das Custas Judiciais e no art. 7.º desse mesmo diploma legal. O valor da acção é de € 30 000,01, atento o disposto no art. 34.º, nº 2 do CPTA.
Serra Baptista (relator) [3] Neste sentido, maxime, Acs. do STA de 27-05-2003, Proc. n.º 1835/02 e de 14-02-2013, Proc. n.º 642/12, in dgsi.pt. |