Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2722/03.5TCSNT.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
IMÓVEL DESTINADO A LONGA DURAÇÃO
INFILTRAÇÕES
DEFEITO DA OBRA
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO DE CULPA
SUBEMPREITADA
Data do Acordão: 07/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ CONTRATOS
Doutrina: - João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas. Conformidade e Segurança, 1991, Almedina, pág. 75.
- Lebre de Freitas, " O Ónus de Denunciar o Defeito da Empreitada no Artigo 1225.º do Código Civil; o Facto e o Direito na Interpretação dos Documentos", in Estudos sobre o Direito Civil e o Processo Civil, Coimbra Editora, 2002, pág. 191/244, designadamente pág. 202, também publicado em O Direito, 1999, I e II, pág. 231/281.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 342.º, 798.º, 799.º, 917.º, 1221.º, 1224.º, N.º1, 1225.º, 1226.º.
LEI N.º 24/96, DE 31-7 (LEI DE DEFESA DO CONSUMIDOR): - ARTIGO 12.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 1-6-2010, PROCESSO N.º 4584/03.0TBGDM.P1.S1;
-DE 15-12-2011, PROCESSO N.º 365/06.OTBVLG.P1.S1.
ASSENTO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 4-12-1996 IN B.M.J. 462-94.
Sumário :
I - Ao comprador cabe o ónus da prova dos defeitos de imóvel que foi vendido pelo empreiteiro/construtor (arts. 342.º e 1225.º do CC).
II - Já não cabe todavia ao comprador o ónus de provar as causas dos defeitos – o vício do solo ou da construção, modificação ou reparação ou os erros de execução que estiveram na origem dos defeitos da obra ou da sua ruína total ou parcial – muito menos ainda as concretas falhas técnicas de execução que originaram esses defeitos.
III - Não deixa de se subsumir ao âmbito do art. 1225.º do CC a situação do construtor que procede à construção da obra independentemente de ter realizado atos concretos de execução que negociou com subempreiteiros.
IV - Uma vez provado que a fração adquirida ao construtor/vendedor sofria de infiltrações – e graves – de humidade no seu interior e, mais ainda, que tais infiltrações resultavam da insuficiência de isolamento das fachadas exteriores na construção do edifício, preenche-se a previsão do art. 1225.º, n.º 1, do CC, presumindo-se a culpa do vendedor/construtor (art. 799.º do CC) e a sua responsabilização pela eliminação dos defeitos (art. 1221.º do CC).
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. AA propôs no dia 16-10-2003 ação declarativa com processo ordinário contra Sociedade de Construções BB Lda. pedindo a condenação da ré a proceder à integral eliminação de todos os defeitos de construção surgidos no 3.º Esq. do prédio em regime de propriedade horizontal sito na antiga ................,lote ...,Belas, atualmente Rua ........, lote ......, nº..., freguesia de Belas, concelho de Sintra; designadamente devendo eliminar as infiltrações das humidades no seu interior, procedendo ainda ao seu isolamento térmico-acústico, bem como à completa substituição de toda a caixilharia posta e existente por outra de boa qualidade e estanque, tudo de modo a que este fique em boas e perfeitas condições de uso e de habitabilidade.

2. Pediu ainda o autor a condenação da sociedade ré no pagamento da quantia total de 2464,22€ correspondente aos danos verificados até à data da instauração da presente ação judicial, e bem assim nos danos que se verificarem no futuro a liquidar em execução de sentença.

3. A ação foi julgada parcialmente procedente nos seguintes termos, decisão confirmada pelo Tribunal da Relação:

1- Condeno a ré a proceder à execução das obras que se revelarem necessárias para a eliminação dos defeitos demonstrados nos autos, designadamente as destinadas à obtenção dos padrões de temperatura e humidade relativa do ar interior em conformidade com os padrões da época assinalados nos autos, incluindo

a) a eliminação das humidades já existentes e tratamento das respetivas zonas com vista à não renovação de humidades ou infiltrações;

b) a remoção das caixilharias existentes que garantam a completa estanquidade, sem entrada de frio, humidade ou água

c) reforço do isolamento térmico das fachadas exteriores.

Absolvo-a do demais peticionado.

4. Recorre a A., de revista, para o Supremo Tribunal, sustentando que houve erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais ao fazer prevalecer a prova testemunhal e a confissão sobre o documento autêntico que declara que a ré não é titular de qualquer alvará nem de certificado industrial de construção civil, assim se ofendendo os artigos 371.º e 372.º do Código Civil e o artigo 546.º do C.P.C. sendo responsável pela obra o empreiteiro titular do alvará indicado no procedimento de licença de construção e não qualquer outro.

5. Sustenta também a recorrente que a ré não pode ser responsabilizada por toda a obra quando se provou ter sido construída por várias empresas, não se sabendo, face aos factos provados, se a ré foi construtora/ vendedora ou só vendedora do imóvel quanto aos elementos do imóvel que acusam deficiência, impondo-se ampliar a base de facto.

6. O acórdão da Relação não identifica o facto danoso que se pode apontar como causa dos defeitos apresentados no imóvel, confundindo defeito de obra com vício de construção ou erro na execução dos trabalhos, o que implica violação do artigo 1225.º do Código Civil, violando igualmente o disposto no artigo 668.nº/1, alínea b) do C.P.C. por não especificar o ato ou omissão da ré que possa ter sido apto a provocar o defeito, incorrendo em excesso de pronúncia (artigo 668.º/1, alínea d) do C.P.C.) pois não foram carreados para os autos quaisquer factos que revelem o uso de materiais inadequados, a incorreta aplicação e utilização de tais materiais, incorrendo também em omissão de pronúncia quanto ao abuso do direito da ré (artigo 668.º/1, alínea d) do C.P.C.).

7. Factos provados:

1.   Em 14 de setembro de 2000, a Câmara Municipal de Sintra emitiu para o prédio construído no lote n° ......, o alvará de licença de utilização n° 000 - alínea A) da matéria assente.

2.   Por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca celebrada em 24/08/2001 no cartório notarial da Amadora, o A. adquiriu para habitação própria e por compra à sociedade ré, pelo preço de Esc. 21.400.000$00, o terceiro andar esquerdo, com uma arrecadação ao nível da esteira, correspondente à fração autónoma letra "P" do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na antiga ................ lote ..., em Belas, atualmente Rua ......, lote ......, n° ...., freguesia de Belas, concelho de Sintra, descrito sob a ficha n° 000 daquela freguesia na Conservatória do Registo Predial de Queluz, estando atualmente inscrito na matriz sob o art. 9911 - alínea 4) da matéria assente.

3.   Aquisição esta realizada mediante empréstimo hipotecário contraído pelo A. e esposa, de igual montante, perante a Caixa Geral de Depósitos - alínea B) da matéria assente.

4.   Ainda por escritura pública de mútuo com hipoteca da mesma data e do mesmo cartório notarial, o A. e esposa contraíram um empréstimo da quantia de Esc. 3.240.000$00 junto da Caixa Geral de Depósitos) - alínea C) da matéria assente.

5.   O mencionado prédio urbano (lote ......) confronta a norte com o lote 00 e a sul como lote 00 está edificado parcialmente sobre uma elevação de terreno tipo morro, com uma única entrada pelo piso O no seu lado nascente que deita para a atual Rua ............... com 4 pisos habitacionais acima desta entrada; e, no lado poente, tem outros 4 pisos habitacionais abaixo da única entrada do piso 0- alínea D) da matéria assente

6.   No sótão localizam-se as arrecadações dos fogos mais elevados (rés do chão, 1.º, 2.º e 3.º andares) e a sala do condomínio, as restantes arrecadações, pertencentes aos fogos habitacionais das caves (1.º, 2.º, 3.º e 4.º caves) situam-se no mesmo piso - alínea E) da matéria assente.

7.   O mencionado prédio urbano (lote ......) é um das três prédios urbanos edificados pela sociedade deles proprietária e construtora ré, por esta comercializados para venda ao público por andares - alínea F) da matéria assente.

8.   O edifício do lote ......, incluindo a fração do autor, foi construído pela empresa ré e também por outras empresas com quem esta celebrava contratos de empreitada - respostas aos artigos 26° (1.º segmento) e 41 ° da base instrutória.

9.   A fração foi construída em conformidade com os projetos aprovados pela Câmara Municipal de Sintra - resposta ao artigo 26° (2º segmento) da base instrutória.

10.  Na parte poente do edifício, numa faixa de 2.5m e ao longo de 2 fachadas, a casa do A. funciona como caixa de ar isolando o lado esquerdo do prédio - resposta ao artigo 3° da base instrutória.

11.  Ambos os lados do prédio (esquerdo e direito) têm na sua parte superior as arrecadações e a sala de condomínio - resposta ao artigo 5° da base instrutória

12.  Antes da celebração da referida escritura pública de compra e venda, o A. e a sua esposa visitaram por diversas vezes o prédio construído no lote n° ...... e a fração correspondente ao 3.º andar esquerdo, onde puderam ver e avaliar o tipo de construção, os materiais utilizados e o tipo e natureza dos acabamentos e equipamentos que integravam tal andar - resposta ao artigo 27° da base instrutória.

13.  Quando adquiriu o andar, o A. sabia que o mesmo não tinha janelas duplas nem aquecimento central, tendo apenas uma lareira na sala, sabendo ainda que uma das suas paredes estava exposta a fraca incidência solar e ventos dominantes - resposta ao artigo 39° do base instrutória.

14.  Os projetos de especialidade do edifício construído por terceiras empresas no lote ...... em causa, designadamente os projetos de águas e esgotos, eletricidade, segurança, estudo térmico, ventilação (natural) e exaustão de fumos não foram elaborados pela ré - resposta ao artigo 37° da base instrutória.

15.  Por ocasião de novembro de 2002 surgiram humidades nas paredes interiores, humidades essas que se alastraram a bolores e fungos em diversas paredes (interiores e exteriores), com desenvolvimento de infiltrações de água e afetação de mobílias e roupa - resposta ao artigo 1.° da base instrutória.

16.  O referido no artigo anterior foi devido à insuficiência de isolamento nas fachadas exteriores na construção do prédio, o que contribuiu para condensações e infiltrações - resposta ao artigo 2.º da base instrutória.

17.  Devido à insuficiência de isolamento térmico das fachadas exteriores, as temperaturas no interior do 3.º andar esquerdo rapidamente atingiam temperaturas baixas no inverno, em valores não concretamente apurados - resposta ao artigo 6° da base instrutória.

18.  O interior da fração do autor atinge a humidade relativa do ar em valores não concretamente apurados mas situados acima dos 70% às 13:00 horas dos dias de primavera - resposta ao artigo 7° da base instrutória.

19.  As caixilharias permitem entradas de ar frio e águas da chuva - respostas aos artigos 8.º e 9.º da base instrutória.

20.  O autor comunicou à ré pela primeira vez as deficiências da obra em novembro de 2002 - resposta ao artigo 10° da base instrutória.

21.  O A. solicitou à ré a eliminação dos respetivos defeitos detetados a fim de ver melhorado o comportamento hidrófugo e térmico do edifício - alínea G) da matéria assente.

22.  Em princípios de novembro de 2002, após informação por parte do autor da existência de humidade e bolor, o gerente da ré e seus colaboradores deslocaram-se ao andar do A. a fim de verificar a ocorrência - resposta ao artigo 29° da base instrutória.

23. Tendo concluído que a humidade existente no andar se devia, em grande parte, à falta de arejamento da casa, bem como ao facto de se tratar de um ano com muita humidade e a casa, pelo sua disposição no terreno, ter pouca insolação natural - resposta ao artigo 30° da base instrutória.

24. E que a temperatura existente no interior se devia apenas e só ao facto da casa beneficiar mais intensamente dos ventos e da falta de aquecimento interior - resposta ao artigo 31 ° da base instrutória

25.  Tendo esta informado o A. de que as humidades se deviam a causas externas à construção - resposta ao artigo 11° da base instrutória.

26.  Na sequência de conversas havidas entre o genro do legal representante da ré e o A., a ré disponibilizou-se a suportar até 300,00€ o custo da aquisição de um desumidificador ou aquecedor para a casa - resposta ao artigo 32° da base instrutória.

27.  Disponibilizou-se ainda a fazer uma verificação com calafetagem das juntas das janelas e portas exteriores, bem como afinações das ligas da janela - resposta ao artigo 33° da base instrutória

28.  O A. requereu a competente vistoria de segurança e salubridade à Câmara Municipal de Sintra, a qual, em 20/01/2003, processo n.° 459102, concluiu o seguinte (alínea I) da matéria assente):

"1. As mobílias do quarto estão cheias de humidade

2.   A luz do teto do quarto não acende devido ao excesso de humidade.

3.   O teto e a parede da cozinha têm fungos.

4.   A roupa que está dentro dos roupeiros está cheia de bolor.

5.   As paredes e o teto dos quartos têm fungos devido à humidade.

6.   É convicção da Comissão que vistoriou o 3° andar esquerdo que as paredes exteriores não terão o isolamento adequado.

7.   Há queixas (do requerente) de que as janelas deixam passar ar pelas frestas, contribuindo assim para a baixa temperatura que se faz sentir na habitação".

29.  Entre o A. e a ré foi trocada a correspondência constante dos autos de fls. 52 a 66 (alínea H) da matéria assente):

a)   Por carta datada de 14/11/2002, remetida ao A. e por este recebida, a ré comunicou além do mais que "conforme n/ conversa de há dias e em conformidade com o combinado, venho por esta carta reiterar o previsto, que seria a oferta de 50% da aquisição do aparelho que o Senhor precisa, até ao valor de 300,00€ (trezentos euros). Mais informamos V Exa. que após várias visitas à s/ casa, não verificámos qualquer tipo de anomalia na execução da mesma. (...). Aconselhamos que a casa seja o mais arejada possível, uma vez que os últimos verões têm sido de pouco calor e os invernos muito rigorosos […] ".

b)   Por carta datada de 27/11/2002, remetida à ré e por esta recebida, o A. comunicou além do mais que "acuso a receção da sua carta de 14/11/2002. Apesar de lhe ter manifestado o meu total desacordo sobre todo o conteúdo da sua carta […], venho por este meio repor toda a verdade […]. O principal problema na minha casa é a existência de valores de humidade relativa muito elevados, com formação de camadas de bolor e bichinhos em diversas superfícies e nos tecidos. Além do problema de formação de humidade verifica-se igualmente uma temperatura ambiente muito baixa, originando deste modo condições de desconforto muito acentuadas e não recomendáveis para as funções a que esta habitação se destina. Devo referir que a temperatura dentro de casa é de 15° a 16° e a humidade varia entre 82 e 95% […]. Estes […] factos anómalos já foram testemunhados por 2 funcionários seus que estiveram em minha casa, sem que V. Exa. tomasse qualquer medida. Outro problema detetado e por mim referido diversas vezes, foram os erros de montagem das caixilharias das janelas e da qualidade das mesmas […]. A referida anomalia foi facilmente detetada pelos profissionais do ramo. Transcrevo um desses relatórios: […. Solução: janelas duplas em todas as janelas com vidro simples […] Este erro foi confirmado pelo profissional da firma de caixilharia responsável pela colocação de janelas no prédio e que, por insistência minha, V. Exa. acedeu finalmente enviar a minha casa. Uma semana decorrida e qual o ponto da situação? Além de não aparecer quem resolva o problema da caixilharia, V. Exa. também não comunica a sua posição, o que é grave. Outro problema são os isolamentos exteriores […]. Pelos motivos expostos e pela gravidade da situação da qual V. Exa. é culpado, pela sua negligência até hoje e que está a pôr em risco não só a saúde dos meus familiares como a minha própria, concedo-lhe 15 dias até 13-12-2002 para resolver todos os problemas, alguns dos quais acima referidos, ou V. Exa. marca uma reunião e apresenta-me uma proposta concreta que seja demonstrativa da s/tão apregoada boa vontade em resolver este caso, definindo a data em que iniciará as reparações na minha casa […]"

c)   Por carta datada de 30/01/2003, o A. comunicou à Ré, além do mais, que "confirmo a minha carta […] datada de 27/11/02, da qual V Exa. não deu qualquer resposta. Os defeitos nas caixilharias das janelas, que até foram assumidas pelo responsável que V. Exa. contratou e a humidade proveniente da falta de isolamentos, continuam a agravar, não só o estado das paredes e tetos da m/ casa, como também as roupas, o mobiliário e a saúde […]. Para lhe dar um exemplo, em dias de chuva e vento, a temperatura dentro de casa há poucas semanas chegou a atingir os 11° e 12° e a humidade subia aos 96% […]. Assim, venho por este meio exigir que até ao dia 15/02/03 dê início às reparações das caixilharias, colocação de vidros exteriores e reparação dos isolamentos. Caso isso não aconteça […] tomarei eu próprio a iniciativa […] de mandar reparar e colocar 5 janelas com vidro simples […] cujo valor importa em 997.52€. Irei também comprar um desumidificador cujo valor ascende a 300,00€, caso V. Exª, não o faça até 15/02/03. Quanto ao isolamento, darei até à data referida o tempo para V. Exª. se pronunciar sobre a reparação e quando pensa iniciar a obra […]".

d)   Por carta datada de 10/02/2003, remetida ao A. e por este recebida, a ré comunicou além do mais que "não se viu qualquer tipo de humidade vinda do exterior […] na casa que habita. Como tal, retiramos totalmente a oferta que mencionámos na n/ carta com data de 24/11/2002 […]. Por exemplo, se tem frio poderá acender a lareira […]. Sobre as peças de alumínio que faltavam nas janelas, fui eu próprio que pedi à empresa FRANCOMETAL aquando da montagem dos alumínios no imóvel, que não as pusesse, para que as casas arejassem mais e desse mais comodidade aos clientes, ao retirarem as janelas para as limpar. Se, eventualmente, essa casa for alvo de vistoria feita por qualquer instituição oficial de fiscalização de gás e verifiquem que a casa tenha falta de ventilação, encontramo-nos completamente indisponíveis para fazer qualquer trabalho com isso relacionado […]

30.  Logo de imediato à carta do A. datada de 27 de novembro de 2002, a ré comunicou que estava apenas disponível para cumprir nos termos referido em 26. e 27. resposta ao artigo 34° da base instrutória.

31.  Em 30 de janeiro de 2003 o A. voltou a insistir junto da ré para que esta resolvesse as infiltrações e humidades da casa, o que renovou por alturas de maio do mesmo ano - resposta ao artigo 13° da base instrutória.

32.  Em 25/11/2002 o A. dirigiu carta ao Sr. Presidente do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, expondo a sua situação e pedindo uma peritagem, com vista a averiguar e elaborar relatório que especificasse quais as causas anómalas de humidade e como combater as mesmas - alínea J) da matéria assente.

33.  Exposição que teve como resposta a carta deste organismo público, nos termos da qual se menciona, entre o mais, que: "lamento informar que não é possível satisfazer a vossa consulta por indisponibilidade do serviço e dos técnicos do LNEC competentes na matéria para o fazerem em tempo útil. Sugiro pois que recorra a um técnico qualificado em profissão liberal ou a uma empresa de consultoria para a realização do parecer solicitado e eventualmente para a atividade de projeto subsequente. Admitindo que poderá ser-lhe útil, junto envio uma lista de empresas que, face à natureza do problema, poderão ser consultadas para o efeito", a qual remeteu em anexo, entre outros, o nome da empresa "00 - Diagnóstico, Levantamento e Controlo de Qualidade em Estruturas e Fundações, Lda." alínea K) da matéria assente.

34.  De entre as entidades indicadas como idóneas pelo L.N.E.C, o A. escolheu e contratou a firma "00 - Diagnóstico, Levantamento e Controlo de Qualidade em Estruturas e Fundações Lda. ", sedeada na rua .........., 00, 00 Esq. 0000000 Lisboa - alínea L) da matéria assente.

35.  Feita a competente peritagem por esta firma indicada pelo L.N.E.C., foi elaborado o relatório pericial, datado de maio de 2003, do qual consta, além do mais, o seguinte:"da inspeção visual efetuada, verificou-se a presença de anomalias relacionadaa com a presença de humidades (condensações superficiais) caracterizadas por manchas escuras de bolores nas paredes exteriores (zonas circundantes aos vãos das janelas, cantos e junto aos tetos) e nas paredes interiores (despensa e I.S. interior). Foram, também, observados bolores no mobiliário existente (mobiliário dos quartos e armários da cozinha) e nas roupas guardadas nos roupeiros […]. As leituras foram efetuada entre as 12:00h e as 13:00h do dia 16 de abril de 2003 […] e indicam valores elevados da humidade relativa do ar (em regra, superiores a 70%) e temperaturas baixas (inferiores a 18°) não cumprindo os padrões de conforto termo-higrométrico […]. O corredor do sótão útil apresenta uma humidade relativa elevada, com valores perto dos 75% […]. O quarto sul poente apresenta uma concentração de vapor de água de 8,8 g/Kg de ar seco, para uma temperatura ambiente de 15,9°C e uma humidade relativa de 76,6% […]. Conclui-se que as condensações existentes são provenientes de condições mais gravosas que as da amostra, possivelmente com tempo mais frio (meses de inverno) […]. A solução ideal consistirá na conjugação do reforço da resistência térmica das paredes e reforço da ventilação/aquecimento das espaços. O isolamento térmico da envolvente deverá ser reforçado de modo a melhorar o comportamento térmico do edifício, em especial nas zonas das pontes térmicas. A intervenção deve ser feita ao nível da parede opaca (alvenaria dupla) e da zona envidraçada (janelas e portas)" - alínea M) da matéria assente.

36.  A ré recusou resolver os problemas referidos - resposta ao artigo 14° da base instrutória.

37.  Na obtenção da certidão do registo predial, o A. despendeu a quantia de 28,25€.

38.  Na obtenção da certidão fiscal, o A. despendeu a quantia de 4,52€.

39.  A presente ação deu entrada em Juízo no dia 16 de outubro de 2003.

Apreciando:

8. A ré suscitou a exceção de caducidade do direito do autor a obter a pretendida reparação de defeitos alegando que os defeitos foram denunciados por carta de 27-11-2002, devendo a ação para a reparação de bens imóveis defeituosos ser interposta nos seis meses seguintes à denúncia dos vícios ou defeitos como decorre do disposto no artigo 12.º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho - Lei de Defesa do Consumidor na redação em vigor no momento da denúncia (hoje, no mesmo sentido, o artigo 5.º/4 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril). Proposta a ação em 16 de outubro de 2003 tinha, assim, decorrido há muito o prazo de seis meses para a interposição da ação considerada aquela denúncia.

9. Na sentença de 1ª instância considerou-se que o momento a considerar para a denúncia é o da carta de 10-2-2003 ( ver 29, d) supra) em que a ré considerou que as humidades verificadas não eram da sua responsabilidade pois desde novembro de 2002 ( ver 20 supra) até à tomada de posição da ré ( ver 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29) discutiam-se as razões da origem das humidades. Ainda assim, atento o disposto no artigo 1225.º/2 do Código Civil, quando a ação foi proposta em 16-10-2003 não tinha decorrido o prazo de um ano a contar da denúncia.

10. A ré sustenta, porém, que o prazo a considerar é o de seis meses que decorre dos artigos 917.º do Código Civil e 12.º da Lei n.º 24/96.

11. Importa salientar que o artigo 917.º do Código Civil tem em vista a ação de anulação por simples erro e o artigo 12.º da Lei n.º 24/96, de 31 de julho referencia a reparação de danos independentemente de culpa do fornecedor do bem.

12. No entanto tem sido entendido que aquele preceito vale também para a ação destinada a exigir a reparação dos defeitos, tal como determinava o assento do Supremo Tribunal de Justiça de 4-12-1996 in B.M.J. 462-94 segundo o qual " a ação destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel vendida, no regime anterior ao Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de outubro, estava sujeita à caducidade nos termos do artigo 917.º do Código Civil".

13. Assim, e no que respeita às ações de redução do preço, de reparação ou de substituição da coisa, de resolução e de indemnização, justifica-se a extensão do artigo 917.º que refere apenas a ação de anulação, pois "seria incongruente não sujeitar todas as ações referidas à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edilícia desde a sua origem, pois, de contrário, permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados termos de denúncia e caducidade. Ora, em todas as ações de exercício de faculdade decorrentes da garantia, qualquer que seja a escolhida, vale a razão de ser do prazo breve (cf. também n.º2 do artigo 436.º): evitar no interesse do vendedor, do comércio jurídico, com vendas sucessivas, e da correlativa paz social a pendência por período dilatado de um estado de incerteza sobre o destino do contrato ou cadeia negocial e as dificuldades de prova (e contraprova) dos vícios anteriores ou contemporâneos à entrega da coisa que acabariam por emergir se os prazos fossem longos, designadamente, se fosse de aplicar o prazo geral de prescrição ( artigo 309.º); transcurso prazo breve razoável, há de proteger-se a legítima confiança de vendedores ( e revendedores) em que os negócios sejam definitivamente válidos e cumpridos, e não entorpeçam o giro comercial (Compra e Venda de Coisas Defeituosas. Conformidade e Segurança, João Calvão da Silva, 1991, Almedina, pág. 75).

14. Por isso, no caso vertente, tinha efetivamente interesse determinar se a ré era construtora/ vendedora ou meramente vendedora/fornecedora visto que, no primeiro caso, o prazo de caducidade é de um ano a contar da denúncia e no segundo caso de seis meses ( artigos 917.º e 1224º/1 e 1225.º/3 e 4 do Código Civil).

15. O Supremo Tribunal não intervém no plano do julgamento de facto e, no que respeita à apreciação das provas, os seus poderes de cognição estão limitados pelo disposto no artigo 722º/2 do C.P.C.

16. Por isso, provado que o prédio em causa foi edificado pela sociedade dele proprietária e por ela comercializado (ver 7 supra), a circunstância de na construção terem colaborado outras empresas com as quais a ré celebrava contratos de empreitada ( ver 8 supra) não lhe retira a responsabilidade enquanto dona de obra e construtora face aos compradores com quem contratou a venda do imóvel ou das suas frações, sem prejuízo do direito de regresso que a construtora possa exigir aos subempreiteiros pelos defeitos que tenham sido causados por estes (cf. artigo 1226.º do Código Civil; neste sentido ver Ac. do S.T.J. de 15-12-2011 - Nuno Cameira - revista n.º 365/06.OTBVLG.P1.S1 - 6.ª secção onde se sustenta que está sujeito ao regime do artigo 1225.º do Código Civil o réu que, por intermédio de terceiro, procedeu à construção de um prédio urbano; considerando que o regime de empreitada vale também para os casos em que a ré é simultaneamente construtora/vendedora do imóvel, veja-se o Ac. do S.T.J. de 1-6-2010 - Azevedo Ramos - P. 4584/03.0TBGDM.P1.S1.

17. Do exposto decorre que as disposições aplicáveis ao caso são os artigos 1224.º e 1225.º do Código Civil e, por conseguinte, a exceção de caducidade não poderia deixar de improceder por não ter decorrido desde o momento da denúncia do defeito ( novembro 2002: facto 20) até ao momento em que a ação foi proposta (16-10-2003) o prazo de um ano.

18. Refira-se que estes preceitos não deixariam de se aplicar, segundo se afigura, ao caso, aqui não provado, em que uma empresa construtora assume a construção de uma obra ainda que a obra venha a ser na totalidade edificada por subempreiteiros. A construção da obra sem defeitos é da responsabilidade do empreiteiro/construtor e é a ele que os compradores se devem dirigir independentemente do facto de o construtor haver, por subempreitada, cometido a totalidade ou parte da execução da obra a terceiros.

19. O autor logrou provar a existência de defeitos ( ver 15 supra) que eram graves ( ver 17 e 18, 19, 28, 35 supra) e também a sua causa ( ver 16 supra); na verdade, cumpria ao autor o ónus de provar a existência de defeitos ( artigo 342.º do Código Civil); mas já não lhe cumpria provar as causas dos defeitos da obra, e muito menos obviamente as causas técnicas dos defeitos ( ver mencionado Ac. do S.T.J. de 15-12-2011), o que constitui mais uma acrescida razão para que seja considerado irrelevante para o comprador do imóvel defeituoso que o erro concreto de execução tenha sido causado por um subempreiteiro e não pelo próprio construtor/vendedor.

20. A este propósito - o do ónus da prova - refere Lebre de Freitas, que tem em vista a situação do dono da obra mas aplicando-se a solução proposta mutatis mutandis ao terceiro adquirente que passou a constar, juntamente com o dono da obra, da previsão do artigo 1225.º/1 do Código Civil após a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de outubro: "o dono da obra não tem, pois, de provar que o defeito, oculto à data da entrega da obra, que nesta se vem a verificar, se deve à execução da empreitada, à conceção do projeto ou à implantação deste no solo: apenas lhe cabe provar a existência do defeito, na parte do prédio em que interveio, e a sua gravidade. O resto, isto é, a prova dos factos excludentes da responsabilidade do empreiteiro pelo facto danoso assim verificado, é com o empreiteiro. O entendimento inverso ( ao dono da obra caberia provar, não só o defeito da obra na sua expressão material, mas também aquilo que a originou a fim de se determinar se é ou não imputável ao empreiteiro) levaria, sem qualquer justificação racional, a onerar o credor com uma prova que, nos termos gerais, não lhe cabe suportar (" O Ónus de Denunciar o Defeito da Empreitada no Artigo 1225.º do Código Civil; o Facto e o Direito na Interpretação dos Documentos", in Estudos sobre o Direito Civil e o Processo Civil, Coimbra Editora, 2002, pág. 191/244, designadamente pág. 202, também publicado em O Direito, 1999, I e II, pág. 231/281.

21. Estamos, face a um ato ilícito - a venda de imóvel com defeito - que se presume culposo (artigos 798.º e 799.º do Código Civil) - não tendo a ré ilidido esta presunção.

22. Seria, aliás, verdadeiramente diabólico exigir ao comprador de imóvel que negociou com o vendedor/construtor apurar se algum subempreireiro foi o causador dos defeitos denunciados, quase sempre não aparentes, muitas vezes só detetáveis muito tempo volvido após a conclusão da obra.

23. A circunstância de a ré não possuir qualquer alvará nem certificado industrial de construção não obsta a que tenha sido ela própria a levar a cabo a construção do imóvel, como se provou, ou a assumir-se como empreiteira nos termos indicados. Não há, portanto, nenhuma incompatibilidade entre a confissão da ré de que foi construtora e a circunstância de não dispor de alvará de construção.

24. Não se verifica nenhuma das nulidades invocadas: o acórdão analisou os factos, elencou a matéria de facto, tratou das questões essenciais que se lhe impunham, mas não se lhe impondo, como é jurisprudência uniforme, responder a todos os argumentos suscitados e muito menos tinha o Tribunal de se pronunciar por abuso do direito do autor - não se descortina nas conclusões do recurso para o Tribunal da Relação a invocação de abuso do direito ( artigo 334.º do Código Civil) - aliás inexistente, por reclamar a substituição de toda a caixilharia posta e existente " por outra de boa qualidade e estanque" que evite o defeito que as caixilharias atuais evidenciam, defeito que consta do facto 19 supra.

Concluindo:

I- Ao comprador cabe o ónus da prova dos defeitos de imóvel que foi vendido pelo empreiteiro/construtor (artigos 342.º e 1225.º do Código Civil).

II- Já não cabe todavia ao comprador o ónus de provar as causas dos defeitos - o vício do solo ou da construção, modificação ou reparação ou os erros de execução que estiveram na origem dos defeitos da obra ou da sua ruína total ou parcial - muito menos ainda as concretas falhas técnicas de execução que originaram esses defeitos.

III- Não deixa de se subsumir ao âmbito do artigo 1225.º do Código Civil a situação do construtor que procede à construção da obra independentemente de ter realizado atos concretos de execução que negociou com subempreiteiros.

IV- Uma vez provado que a fração adquirida ao construtor/vendedor sofria de infiltrações - e graves - de humidade no seu interior e , mais ainda, que tais infiltrações resultavam da insuficiência de isolamento das fachadas exteriores na construção do edifício, preenche-se a previsão do artigo 1225.º/1 do Código Civil, presumindo-se a culpa do vendedor/construtor (artigo 799.º do Código Civil) e a sua responsabilização pela eliminação dos defeitos (artigo 1221.º do Código Civil).

Decisão: nega-se a revista.

Custas pelo recorrente

Lisboa, 05 de Julho de 2012


Salazar Casanova (Relator)
Fernandes do Vale
Marques Pereira
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)