Revista excecional n° 13603/16.2T8SNT.L1.S1
I
Relatório
1."Decisões e Soluções - Intermediários de Crédito Lda", e "Decisões e Soluções -Mediação Imobiliária Lda" intentaram ação contra "Menezes e Castro Rosa - Mediação Imobiliária e Consultoria Lda", AA e BB, pedindo a condenação destes a pagar as quantias de € 30.000 e de € 140.000, respetivamente, às 1.a e 2.a AA., com fundamento no incumprimento pelos RR. de várias das obrigações decorrentes do contrato de agência que com eles haviam celebrado e na violação, já depois de resolvido o contrato, da obrigação de não concorrência a que se tinham vinculado.
2. Foi proferida sentença, condenando os RR. a pagar, solidariamente, as quantias de € 29.910,12 e de € 137.777,98 (acrescidas de juros) às 1.a e 2.a AA., respetivamente.
3. A Relação manteve o decidido em 1a instância, unanimemente e com fundamentação essencialmente coincidente.
O respetivo Acórdão foi sumariado da seguinte forma:
«1. Celebrado um contrato de agência, o incumprimento por parte do agente das obrigações emergentes do contrato não motiva per se a resolução do contrato (com justa causa) pelo principal; exige-se ainda que a ilicitude do comportamento do agente assuma gravidade tal que não seja exigível a subsistência do vínculo contratual (art. 30° do Dec. Lei 178/86 de 3 de julho, com as alterações introduzidas pelo Dec. lei 118/93 de 13-04), mostrando-se comprometido o fim que subjaz a esse contrato de cooperação;
2. A caducidade do direito de resolução com justa causa do contrato de agência (art. 31° do mesmo diploma), porque não versa sobre direitos indisponíveis, não é de conhecimento oficioso, devendo ser deduzida na contestação (princípio da concentração da defesa);
3. Tendo ocorrido violação grave do contrato pelo agente, dando assim causa à cessação do contrato, fica excluído o direito à indemnização de clientela (art. 33.°, n.° 3 do mesmo diploma);
4. É válido o pacto de não concorrência quando estipulado de acordo com a conformação estabelecida pelo legislador no art. 9° do referido Dec. Lei 178/86; esta regulação obedece a parâmetros constitucionalmente consagrados (arts. 47°, n° 1, 58°, n°l e 61°, n°l da CRP);
5. Quando o devedor invoca a excessiva onerosidade da cláusula penal — tratando-se de exceção que não é de conhecimento oficioso —, incumbe-lhe o ónus de alegar e provar os factos suscetíveis de fundamentar o juízo de desproporcionalidade, tendo por base o que a esse propósito dispõe o art. 812° do Cód. Civil, assumindo a intervenção do tribunal com vista à redução caráter excepcional».
4.Os RR. interpuseram recurso de revista, ao abrigo do art. 672 n.° 1, a), do CPC, justificando a sua admissibilidade com a relevância jurídica da apreciação pelo Supremo Tribunal da questão da invalidade/nulidade do pacto de não concorrência constante do contrato de agência celebrado entre as partes, sob duas vertentes:
(i) a cláusula seria nula, uma vez que a vulnerabilidade que o agente ostenta em face do principal é equiparável à do trabalhador em face do empregador e a obrigação de não concorrência, com efeitos post contractum finitum, não foi condicionada à fixação de uma compensação aos RR., o que implica que a resolução invocada não tem justa causa; (ii) sendo manifestamente abusiva, à referida cláusula penal deveria aplicar-se, analogicamente, o regime da invalidade previsto no art. 1146 do CC e não o da sua redução, de acordo com a equidade, ao abrigo do art. 812 do mesmo código.
5. Apreciada a possibilidade de recurso excecional, a Formação consideraria improceder a pretensão dos requerentes quanto à admissibilidade do recurso para reponderação pelo Supremo Tribunal do juízo sobre a ausência de elementos que permitissem ter por manifestamente excessivo o montante da cláusula penal em causa, desde logo porque essa consideração, de qualquer modo, sempre teria de assentar em critérios de equidade, que consideraria subtraídos, por princípio, à cognoscibilidade deste Tribunal.
6.Já quanto à questão da invalidade do pacto de não concorrência, na primeira das vertentes articuladas pelos requerentes, consideraria a Formação mostrar-se suficientemente justificado que, através do mecanismo da revista excecional, este Supremo Tribunal se possa pronunciar sobre a matéria, considerando as especificidades dos fundamentos da solução para ela obtida no acórdão recorrido.
Não corroborando, inteiramente, o invocado ineditismo do tema, considerou a Formação que, na jurisprudência publicitada, não se deteta qualquer pronúncia deste Tribunal sobre o mesmo.
E consequentemente, dado que a temática imposta pela questão suscitada pelos requerentes, na sua primeira vertente, não atingiu o necessário patamar de segurança interpretativa, considerou a necessidade de admissão do recurso pela via sugerida, de molde a propiciar a excecional intervenção clarificadora deste Supremo Tribunal.
Nos termos expostos, admitiu excecionalmente a revista.
7.Eram as seguintes as Conclusões do Recurso para este Supremo Tribunal:
“1) Interpõem os Recorrentes recurso de revista excepcional para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça de um aresto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, para entender revestir-se de interesse jurídico e portanto melhor apreciada a validade dos pactos de não concorrência insertos em contratos de agência - ao abrigo do artigo 9.º da denominada Lei da Agência - quando lhes não corresponda qualquer compensação como preconiza o artigo 13.º, g) do mesmo Diploma Legal; bem como quanto a cláusulas penais objectiva e manifestamente abusivas.
2) Para a cláusula contratual de OBRIGAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA não é válida, por desconformidade com a Lei da Agência sempre que não for respeitado o direito conexo dos Recorrentes, vertido no artigo 13.º, alínea g) da designada “Lei da Agência” e que se consubstancia no direito ao recebimento de uma compensação, pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato.
3) E isto considerando a razão de ser de tal direito com consagração legal: por um lado, assegurar as condições mínimas de subsistir com dignidade, a que todo e qualquer cidadão tem direito - porquanto outra interpretação do artigo 13.º, alínea g) da Lei da Agência viola a Lei Fundamental e os Tratados internacionais - e por outro garantir a observância das regras comunitárias sobre a concorrência.
4) No mesmo sentido tem entendido a supra mencionada Jurisprudência do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
5) Mais se sustenta que tal norma é imperativa, tal qual o é o artigo 136.º do CT, o qual deve ser aplicado analogicamente à Lei da Agência, de acordo com as boas regras da hermenêutica jurídica.
6) A vulnerabilidade do trabalhador em face da entidade patronal não é maior que a do Agente em face do Principal (no que o caso dos autos é paradigmático), e até estamos em crer que é maior atendendo ao investimento efectuado pelo Agente para entrar e pertencer à rede do Agente.
7) No âmbito do direito laboral os pactos de não concorrência, insertos nos contratos de trabalho, é inquestionável que representam restrições à liberdade de trabalho, com dignidade constitucional.
8) E a lei regulamenta, de forma rigorosa, as limitações convencionais ao exercício da actividade profissional por parte do trabalhador impondo, para tanto, o preenchimento cumulativo de determinados requisitos de validade, entre os quais pontua o da compensação.
9) E só quando declarado expressamente - pela mesma forma exigida para o contrato de agência - que este direito é afastado é que a autonomia da vontade pode funcionar para a legitimidade do Principal para o não pagamento da compensação a que alude o artigo 13.º alínea g) da Lei da Agência.
10) Não só no contrato de trabalho a compensação é requisito de validade de cláusula que consagre obrigação de não concorrência, mas direito em geral.
11) Não vislumbrados lugar paralelo em que aos pactos de não concorrência o legislador faz sempre corresponder o dever de pagar uma compensação.
12) Estas normas encerram uma limitação verdadeira e efetiva à livre concorrência, quer nos mercados nacionais, quer nos comunitários No mesmo sentido, L. Miguel Pestana de Vasconcelos, O Contrato de Franquia (Franchising),
Almedina, Coimbra 2000, p. 125.
.
13) Devendo atentar-se que esta é uma Liberdade dos Tratados, com génese no Tratado de Roma - vide artigo 81.º - e que não pode ser posta em crise.
14) Convirá igualmente não se perder de vista que o Direito comunitário não deixa de ser direito interno para os Estados Membros, posto que são normas directamente aplicáveis que produzem efeito imediato na esfera jurídica individual e habilitam todos os interessados, titulares dos direitos que desse artigo para eles resultem, a invoca-las perante jurisdição nacional competente.
15) Revertendo ao caso dos autos, outra interpretação que não esta, salvo o devido respeito, do artigo 9.º da Lei da Agência sempre violaria os artigos artigo 61.º da Lei Fundamental e o artigo 3.º do Tratado da União Europeia (TUE), por força do qual os Estados membros estão obrigados a prosseguir um escopo de promoção de uma “economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social (…)”.
16) Já o Tratado de Roma preconizou foi que ficasse salvaguardada uma concorrência efectiva e eficaz entre agentes económicos sendo este um dos instrumentos, por excelência, de prossecução do escopo do Tratado.
17) Outra interpretação contende com o equilíbrio do sinalagma funcional do contrato, não devendo ser lícito ao Principal pretender prevalecer-se de um Pacto de não concorrência sem reconhecer ao Agente o direito a uma compensação.
18) É o que para os Recorrentes resulta da letra e do espírito do artigo 13.º, alínea g) da Lei da Agência.
19) Portanto, o pagamento de compensação pelo Principal ao Agente - tal qual sucede no caso do trabalhador ao empregador - apresenta-se como uma condição essencial do pacto de não concorrência, pelo que a OMISSÃO DESTE PAGAMENTO DETERMINARÁ A NULIDADE DO ACORDO CELEBRADO ENTRE AS PARTES, NÃO VINCULANDO O AGENTE À OBRIGAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA.
20) Este raciocínio não pode deixar de se aplicar ao contrato de agência, pelas razões que pontuam esta imperatividade no direito laboral e que são da mesma natureza das que norteiam a razão de ser da norma do artigo 13.º, alínea g), do Decreto-Lei 178/86 de 3 de Julho (Com as alterações introduzidas por DL n.º118/93 de 13/04), para que seja válida a OBRIGAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA COM EFEITOS POST CONTRACTUM FINITUM.
21) Daí os Recorrentes não poderem acompanhar o entendimento do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, no Aresto recorrido, por verdadeiramente e com o máximo respeito não ter aquilatado com acerto, verdadeiramente, qual o âmago da questão.
22) Nesta conformidade, esta questão reveste-se de novidade e é claramente imperioso que se aprecie esta questão para uma melhor aplicação do direito: d) Quer porque os interesses a proteger são exactamente os mesmo que o artigo 136.º do CT visa acautelar;
e) Quer porque a vulnerabilidade do Agente em face do Principal é absolutamente equiparável à do trabalhador em face do empregador (se não maior pela realização de um investimento considerável no negócio, as mais das vezes);
f) Quer porque preconizar solução diversa configura uma distorção - com um desequilíbrio deveras inconcebível em termos de locupletamento do Agente - no sinalagma funcional do contrato, que o argumento da autonomia da vontade não poderá nunca acomodar, até pela predita vulnerabilidade do Agente.
23) O que ganha relevo jurídico acentuado se tivermos em consideração que, efectivamente, a jurisprudência produzida a respeito, quer pelos Venerandos Tribunais da Relação, quer pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça não conferem a este respeito, ao cidadão comum a certeza e segurança interpretativas, que são pressupostos de uma melhor aplicação do Direito, salvo o devido respeito.
24) Temos, assim, que: A questão que se pretende ver apreciada, está, pois, dotada de franco ineditismo e reveste-se de verdadeira complexidade, até pelo próprio impacto que tal pode ter na vida de muitos cidadãos e cidadãs, pois a ser como os Recorrentes sustentam a resolução invocada não tem justa causa por não se acharem preenchidos os respectivos pressupostos, logo estar-se-á perante uma resolução ilícita, a qual, apesar de determinar a cessação do vínculo mas, em princípio, sempre gerará a obrigação de indemnizar os prejuízos causados à outra parte.
25) E os Recorrentes defendem o mesmo raciocínio para as CLÁUSULAS PENAIS OJBECTIVAMENTE DESPROPORCIONAIS, pois nesse caso sempre há que ter em conta o valor dos danos a ressarcir e a pena contratualmente fixada, que vale como indemnização pré-determinada, de modo a estabelecer-se uma certa equivalência entre ambos os valores, devendo mesmo aplicar-se de forma analógica o artigo 1146.º do Código Civil, sob a epígrafe Usura.
26) Com a relevância prática de se evitar que as cláusulas penais possam funcionar como mecanismos de enriquecimento injustificado de um contraente à custa do outro, pois não é esse o seu desiderato.
27) E no limite, até por recurso às máximas da experiência comum, sempre se justifica a redução da cláusula penal, de acordo com a equidade, nos termos do disposto no artigo 812.º do Código Civil quando se conclui em função de diversos factores, quer atinentes ao negócio, quer atinentes às partes - que a sua aplicação gera um evidente e inaceitável desequilíbrio de prestações, o que no caso dos autos era fácil de aferir em virtude do cálculo apresentado nos autos para efeitos de indemnização de clientela.
28) E também esta questão que se pretende ver apreciada, está pois dotada de ineditismo patente, revestindo-se de verdadeira complexidade, até pelo próprio impacto que tal pode ter na vida de muitos cidadãos e cidadãs e diversos agentes económicos.
29) O que ganha relevo jurídico acentuado se tivermos em consideração que, também neste conspecto, efectivamente, a jurisprudência produzida a respeito, quer pelos Venerandos Tribunais da Relação, quer pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça não conferem a este respeito, ao cidadão comum a certeza e segurança interpretativas, que são pressuposto de uma melhor aplicação do Direito, salvo o devido respeito.
30) Da perspectiva, dos Recorrentes e considerando o antedito preceito é preciso dar um salto qualitativo para a declaração da invalidade das cláusulas penais, na salvaguarda de uma sociedade empreendedora e com iniciativa económica.
31) Nunca sendo demais deixar expresso que incumbe às Instância fazer uma interpretação do direito que sirva fins de justiça”.
Cumpre apreciar e decidir
II
Fundamentação
1.Uma vez que o objeto do Recurso é definido pelas conclusões contidas nas alegações do mesmo Recurso (normalmente figurando na sua parte final), impõe-se conhecer das questões aí especificamente colocadas pelos Recorrentes (sem prejuízo do conhecimento ainda das que forem de conhecimento oficioso, assim como daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras — arts. 635 e 639 CPC).
2.Sublinhe-se, contudo, que o Tribunal não se encontra vinculado à apreciação de cada um dos argumentos apresentados pelas partes para desenvolver ou tentar provar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre (hoc sensu) na interpretação e aplicação do Direito — art. 5.º, n.° 3 do CPC. Deve, evidentemente, obediência à Lei e à Justiça, e está vinculado a regras de lógica e de inteligível formulação dos seus juízos, inter alia. Contudo, pode decidir da dispositio do seu discurso, não estando obrigado a seguir uma ordem de temas, nem uma linha de raciocínio determinadas previamente. Apenas devem uma e outra ser votadas à dilucidação da questão concreta sub judice.
3.No caso vertente, a questão única é a recortada pela Formação das conclusões da Recorrente. Porque com base nela apenas foi admitida a revista excecional.
4.A dado passo, o respetivo Acórdão explicita o que está em causa e provoca perplexidade:
Não é pacífica a questão de saber se da interpretação do complexo normativo resultante de tais preceitos se extrai, ao invés do que assumiu o acórdão impugnando, que a validade do pacto de não concorrência, no contrato de agência, depende da fixação de uma compensação pelas inerentes compressões à liberdade de trabalho e à livre concorrência, com vista a preservar a autêntica autonomia da vontade privada, até porque é uma matéria que convoca, simultaneamente, os aludidos princípios fundamentais, com que quaisquer restrições se terão de harmonizar, consagrados tanto constitucionalmente (arts. 47, 58, 81 e 99), como em tratados internacionais aplicáveis na ordem jurídica interna (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e Tratado de Funcionamento da União Europeia).
5.Devem ser coordenadas hermenêuticamente as normas do DL 178/86 de 3-07, nomeadamente:
«Deve constar de documento escrito o acordo pelo qual se estabelece a obrigação de o agente não exercer, após a cessação do contrato, atividades que estejam em concorrência com as da outra parte» e «o agente tem direito, designadamente (...) a uma compensação, pela obrigação de não concorrência após a cessação do contrato» [arts. 9o e 13°, g) do DL 178/86 de 3-07].
Apesar da complexidade de que se reveste a interpretação (como foi salientado no Acórdão da Formação), não sendo ao julgador permitido o non liquet, entende-se que a interpretação normal, básica, vai em dois sentidos: por um lado, a obrigação de não concorrência depois de cessado o contrato terá que ser vertida em documento escrito; por outro, e complementarmente, o agente tem direito, designadamente, a uma compensação pela observância dessa obrigação de não concorrência após a cessação do contrato.
A falta desta compensação poderá interpretar-se (ainda que ocorrendo de forma inconsciente, involuntária, mas com substrato real) em pelo menos certa desconsideração da própria importância do cumprimento. E assim, também, em princípio (salvo se lesão enormíssima decorresse para a contraparte a par de vantagem descomunal para a que não cumprisse), não poderá prevalecer-se do incumprimento da obrigação de não concorrência a parte afetada pelo mesmo se não curou de prover a necessária compensação. Poderia mesmo uma tal atitude configurar abuso do direito, se não fora já igualmente incumprimento do direito a que estava adstrita.
6.A RP, no seu acórdão de 7-12-2018 (p. 2521/16.4T8STS.P1), seguiu uma orientação oposta à do Acórdão recorrido. Tal como afirma o sumário do dito aresto:
«I - O subagente é o agente do agente, por ser contratado pelo agente, no âmbito da autonomia (elemento definidor do contrato de agência) que este dispõe nomeadamente no que se refere à organização da sua atividade.
II - A liberdade de trabalho, enquanto um direito fundamental do cidadão, implica que a sua compressão esteja sujeita a condicionantes legais, justificativas dessa limitação da liberdade de trabalhar.
III - O pacto de não concorrência, caracterizado como um acordo oneroso e
sinalagmático, na medida em que restringe a liberdade de trabalhar, após a cessação do contrato, deve, como condição de validade, conter a fixação ex ante de uma compensação económica do agente, sob pena de nulidade.
IV - Não tendo sido estipulado no contrato de agência, celebrado entre as autoras e a ré, qualquer contrapartida pecuniária pela obrigação de não concorrência, não assiste ao principal o direito, em caso de violação do pacto de não concorrência, de exigir do agente a indemnização previamente fixada no contrato, para hipótese de incumprimento dessa cláusula.»
7.Num enquadramento e horizonte hermenêuticos não pautados por um sistematismo dogmático, antes tendo em apreço uma perspetivação tópico-problemática, que não pretende decidir de uma vez por todas (e muito menos substituir-se ao legislador, como aquele juiz que, sobre as leis, teria dito “made some myself”) mas com justiça e no respeito pelo direito constituído resolver as questões concretamente levadas ao Tribunal, reconhecendo, naturalmente, a importância de alguma uniformização de julgados, entende-se que a contribuição para essa mesma uniformização e melhor solução dos casos, em geral, se deverá fazer através da sedimentação de vários processos, dos quais, em devido tempo, poderão resultar as sínteses iluminadoras que servirão de farol interpretativo no futuro. Só a acumulação de casos concretos poderá vir a propiciar uma panóplia de data que permita fazer ulteriormente um enquadramento geral e uma teorização válida para casos diversos. Procurar fazer doutrina pela concreta jurisprudência, no momento, afigurar-se-nos-ia temerário, porque ainda prematuro.
Assim, não se procurará uma teorização geral da questão, mas a simples aplicação ao caso concreto. Entende-se, aliás, como já foi sendo ventilado supra, que haverá que ter em consideração concreta os interesses e valores de cada caso.
8.No caso vertente, não subsistem no nosso entendimento dúvidas de que a ponderação de valores, direitos e interesses em presença faz pesar a balança para o Recorrente. Não pode ele, a troco de nada, ficar amarrado a um compromisso sem limite.
Seria situação semelhante a uma pena (ou a uma corveia, no mínimo) sem fim, ou a uma nova espécie de servidão da gleba.
9.Não é que os tempos hodiernos e os seus ventos de reforçada livre iniciativa e afins possam tudo justificar em nome de uma liberdade económica à outrance que se sabe bem ser polémica e envolver muitas questões ideológicas. E desde logo não pode ser ultrapassado, em nome do laissez faire, um completo olvido do pacta sunt servanda. Não será tanto pela ideia de absoluto livre mercado (com sua desregulação, por vezes) que se crê que o Recorrente tem razão na questão controversa assinalada pela Formação.
É que tem que haver um equilíbrio de prestações e compromissos. Não podendo quem celebre um contrato deste tipo vir depois a encontrar-se com “uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma”, enquanto a contraparte se prevalece da sua palavra. Especificamente o contrato de agência é definido, por Mário Frota, como “acordo através do qual certa pessoa assume, com caráter permanente, a obrigação de promover, em nome e por conta de outrem, e mediante remuneração, a conclusão de contratos em certa zona (Contrato de Trabalho, Coimbra, Coimbra Editora, 1978, p. 117). O caráter oneroso é patente. E o não cumprimento de uma remuneração como contrapartida da não concorrência após a cessação do contrato contradiz o sentido de todo o contrato.
É a própria ideia de sinalagma (que funda o contrato em geral) que obriga a um equilíbrio e ajustamento. Ajuste de interesses é o contrato, diz Galvão Teles, acordo vinculativo com declarações de vontade harmonizáveis entre si, afirma-o Antunes Varela, vontades distintas mas ajustadas reciprocamente, observa Almeida Costa. A doutrina não encontra certamente opiniões discordantes desta necessidade dir-se-ia “simbólica” (em sentido etimológico): em que a uma parte corresponde necessariamente uma outra.
10.Nomeadamente procedendo, assim, os argumentos não apenas da similitude do seu contrato com o contrato de trabalho, tendo a condição da Recorrente semelhanças com as do normal trabalhador, como ainda se adequando ao caso a última conclusão do sumário do Acórdão citado supra, cuja clareza é cristalina:
Não tendo sido estipulado no contrato de agência, celebrado entre as autoras e a
ré, qualquer contrapartida pecuniária pela obrigação de não concorrência, não assiste ao principal o direito, em caso de violação do pacto de não concorrência, de exigir do agente a indemnização previamente fixada no contrato, para hipótese de incumprimento dessa cláusula.
III
Dispositivo
Termos em que se deve considerar o Recurso procedente na parte indicada pela Formação, e, nessa mesma parte, revogado parcialmente o Acórdão do Tribunal da Relação, absolvendo-se os RR do pagamento da indemnização pela violação do pacto de não concorrência à segunda autora. No mais, mantém-se o Acórdão recorrido.
Custas da revista inteiramente a cargo da Recorrida, e as das instâncias na proporção do decaimento resultante do ora decidido.
Supremo Tribunal de Justiça, 5 de maio de 2020.
Paulo Ferreira da Cunha (RELATOR)
Maria Clara Sottomayor
Alexandre Reis