Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | LOPES DA MOTA | ||
Descritores: | VIOLAÇÃO HOMICÍDIO HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTATIVA ESPECIAL CENSURABILIDADE ESPECIAL PERVERSIDADE CLÁUSULA GERAL EXEMPLOS-PADRÃO CRUELDADE DOLO EVENTUAL MEDIDA DA PENA PENA ÚNICA | ||
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Data do Acordão: | 09/18/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL – LEI CRIMINAL / FACTO / PRESSUPOSTOS DA PUNIÇÃO / CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA D APENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL / CRIMES CONTRA A LIBERDADE SEXUAL / VIOLAÇÃO. | ||
Doutrina: | - Anabela M. Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, p. 478, 611 e 678 - Artur Kaufmann, Filosofia do Direito, 5.ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 2014, p. 187 e ss.; -Faria Costa, Tentativa e Dolo Eventual, in Revista de Legislação e Jurisprudência, p. 132; - Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 31, 45, 54, 55, 60, 61 e 76; Comentário Conimbricense do Código Penal, 2.ª Edição, 2012, p. 74; As Consequências Jurídicas do Crime, p. 227, 232, 234, 291 e 357; - Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, Volume I, p. 446/7; - Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1.º Volime, 3.ª Edição, 2002, p. 282; - Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1.º Volume, 3.ª Edição, 2002, p. 282; - Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal, Parte Geral e Especial, Almedina, 2014, p. 506; - Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, p. 350, 351,443, 450 e 517; Comentário do Código Penal, 3.ª Edição, Católica Editora, 2015, p. 511 e 517; - Roxin, Problemas Fundamentais de Direito Penal, 3.ª Edição, p. 304/7; - Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 2000, p. 63/65, 78 e 83; Homicídios em Série, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, CEJ, 1998, p. 151 e ss.. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CC): - ARTIGOS 14.º, 40.º, 71.º, N.º 1. 77.º, 131.º, 132.º, N.º 1 E N.º 2, ALÍNEA C) E D) E 164.º, N.º 1, ALÍNEA B). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 10-04-1996, IN CJSTJ, ANO IV, TOMO II, P. 168; - DE 20-04-2006, PROCESSO N.º 06P363; - DE 20-04-2006, PROCESSO N.º 06P363; - DE 23-11-2006, PROCESSO N.º 06P3770; - DE 20-12-2006, IN WWW.DGSI.PT.; - DE 17-10-2007, PROCESSO N.º 07P3395, , IN WWW.DGSI.PT; - DE 06-02-2008, PROCESSO N.º 4454/07 - DE 18-06-2008, PROCESSON.º 1414/08, SASTJ, SECÇÃO CRIMINAL, 2008, IN WWW.STJ.PT: - DE 26-11-2015, PROCESSO N.º 119/14.0JAPRT.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 02-04-2009, PROCESSO N.º 08P3277; - DE 25-02-2010, PROCESSON.º 108/08.4PEPDL.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 18-01-2012, IN WWW.DGSI.PT; - DE 14-07-2016, PROCESSO N.º 4403/00.2TDLSB.S1. -*- ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: - DE 07-06-2016, IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | 1. A determinação da pena comporta duas operações distintas: a determinação da pena aplicável ao tipo de crime preenchido pela conduta do agente (moldura da pena) e a determinação concreta da pena, a fixar entre o limite máximo e o limite mínimo da moldura correspondente, tendo em conta as finalidades e os critérios estabelecidos nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal. Em caso de concurso de crimes há ainda que determinar a moldura que lhe corresponde e que observar o critério especial a que se refere o artigo 77.º, n.º 1, do mesmo diploma. 2. Estando provado que o arguido se dirigiu à vítima, lhe desferiu murros, a agarrou e atirou ao chão, lhe despiu a saia, deixando-a completamente nua da cintura para baixo, com os órgãos genitais expostos, desapertou e baixou as calças, aproximou o seu pénis da boca da vítima, tentando introduzi-lo no seu interior e manter com esta sexo oral, o que não conseguiu em virtude daquela ter conseguido manter a boca fechada, e, de seguida, enquanto continuava a desferir-lhe murros, introduziu, com violência, os seus dedos no interior da vagina e do ânus da vítima, e tentou introduzir o pénis no interior da sua vagina, o que não conseguiu, e verificados os respectivos elementos subjectivos, mostra-se preenchido o tipo de crime de violação previsto no artigo 164.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal. 3. O artigo 132.º do Código Penal contém um tipo qualificado do crime de homicídio previsto no artigo 131.º, através de uma cláusula geral fixando um critério generalizador determinante de um especial tipo de culpa, agravada por virtude da particular censurabilidade ou perversidade relativas ao agente e ao facto, reveladas pelas circunstâncias do caso. Combina-se esta cláusula geral com a enumeração não exaustiva, no n.º 2 do mesmo preceito, de um conjunto de exemplos-padrão, indiciadores de um grau especialmente elevado de culpa que, não sendo de funcionamento automático, determinarão a concretização, na avaliação e valoração do caso concreto, da especial censurabilidade ou perversidade dos factos praticados, por realização da previsão típica de alguma das circunstâncias que integram tais exemplos-padrão ou de outras de idêntico sentido e conteúdo normativo. 4. Como tem sido salientado, o homicídio qualificado é, tal como o homicídio simples (tipo fundamental do artigo 131.º), um tipo punível a título de dolo sob qualquer das formas previstas no artigo 14.º do Código Penal – dolo directo, necessário ou eventual; o que não significa que em relação a determinados exemplos-padrão se não deva reconhecer a sua incompatibilidade com a figura do dolo eventual, como nos casos de emprego de tortura ou crueldade, persistência na intenção de matar por mais de 24 horas, reflexão sobre os meios empregados ou de morte produzida por agente determinado por avidez, reflexão sobre os meios utilizados ou pelo prazer de matar. 5. Há tentativa de crime de homicídio qualificado com dolo eventual se os actos de execução integram, por si, um exemplo-padrão do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal e revelam especial censurabilidade ou perversidade. 6. A circunstância da alínea c) do n.º 2 do artigo 132.º (prática do facto contra vítima especialmente indefesa), introduzida pela revisão do Código Penal de 1998, visou reforçar a tutela da vítima perante formas de exercício ilegítimo do poder. 7. Se a vítima se encontrava na impossibilidade ou em grave dificuldade de resistir ou de se defender devido à acção do próprio arguido, o que se relacionava com a forma de execução do crime de violação que imediatamente antecedeu a tentativa de homicídio, e resultando apenas que o arguido sabia dessa situação, que provocara, não estando provado que a vítima era uma pessoa impossibilitada de se defender por causa da sua idade avançada, de doença de que padecia ou de deficiência que a afectava, não se mostra fundado concluir que o arguido, para cometer o tentado crime de homicídio, encontrando-se numa situação de superioridade, dolosamente se tenha aproveitado de uma situação de desamparo da vítima originada por qualquer desses motivos, de modo a ser preenchida a previsão típica da al. c) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal. Pelo que a elevada censurabilidade do facto praticado nestas circunstâncias somente poderá ser considerada como factor de agravação da culpa do crime de homicídio simples, nos termos do artigo 71.º do Código Penal. 8. A circunstância da alínea d) do n.º 2 do artigo 132.º requer que a actuação do agente causadora da morte deva ter lugar de forma que o sofrimento físico ou psíquico infligido à vítima ultrapasse sensivelmente, pela intensidade ou duração, a medida necessária para causar a morte, que o acto de crueldade tenha lugar para aumentar o sofrimento da vítima (relação meio/fim). Estando provado apenas que o arguido pretendeu satisfazer o desejo de causar sofrimento e que a morte, não verificada, seria o resultado de uma actuação a título de dolo eventual, não é possível considerar preenchida a previsão típica desta circunstância, devendo a factualidade relevante ser considerada como factor de agravação da culpa na determinação da medida da pena (artigo 71.º do Código Penal) pelo crime de homicídio simples. 9. Tendo em conta a concentração e conexão espácio-temporal dos factos em concurso e a não indicação de qualquer elemento indiciador de tendência criminosa, em consideração dos factos e da personalidade do arguido expressa nas circunstâncias do facto (artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal) e das demais circunstâncias relevantes relativas à ilicitude e ao dolo (artigo 71.º do Código Penal), numa visão global da gravidade dos factos transmitida pelo conjunto destes factores, realizando o cúmulo jurídico das penas, julga-se adequado aplicar ao arguido a pena única conjunta de 10 anos de prisão. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA, arguido no processo acima identificado, interpõe recurso do acórdão de 9 de Outubro de 2017, do Juízo Central Criminal de Portimão, comarca de Faro, que o condenou pela prática de: - Um crime de violação, previsto e punível pelo artigo 164.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão; e de - Um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. c) e d), do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão. Efectuado o cúmulo jurídico destas penas foi o arguido condenado na pena única de 13 (treze) anos de prisão. 2. Indicando que “a questão a resolver no âmbito do presente recurso, é, assim, a de saber se, na fixação das penas parcelares supra referidas, e na pena única de 13 (treze) anos de prisão aplicadas (…) foram tidos em conta os requisitos previstos no supra referido artigo [40.º do Código Penal], para a determinação da medida das penas que lhe foram em concreto aplicadas”, o recorrente termina a motivação do recurso concluindo: «1 – O arguido, ora recorrente, foi condenado pela prática, de um crime de violação p. e p. pelo art. 164.º, n.º 1, al. b) do Código Penal e de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 7.3º e 131.º, 132.º, nº.s 1 e 2, als. c) e d), todos do Código Penal, em cúmulo jurídico, na pena única de 13 (treze) anos de prisão. 2 – A matéria de facto dada como provada não nos merece qualquer reparo. 3 – Discorda-se, tão-somente, das penas concretamente aplicadas ao arguido, porquanto, se considera as mesmas excessivas e desproporcionadas. 4 – Visando a revogação do Douto Acórdão ora recorrido, substituindo-se por outro que reduza as penas de prisão que lhe foram em concreto aplicadas: - pelo crime de violação – 8 anos de prisão - pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada – 8 anos de prisão 5 – Devendo as mesmas ser reduzidas e fixadas dentro dos limites mínimos legais. 6 – Conforme dispõe o artigo 40.º do Código Penal, a aplicação das penas deve ser norteada pela protecção dos bens jurídicos e, em simultâneo, visar a reintegração do arguido em sociedade. 7 – A questão a resolver no âmbito do presente recurso, é, assim, a de saber se, na fixação das penas de prisão aplicadas ao arguido AA foram tidos em consideração todos os requisitos previstos no supra referido artigo, para a determinação da escolha e medida das penas. 8 – Salvo o devido respeito por diversa opinião, as penas em concreto aplicadas ao arguido, mostram-se excessivas e demasiado severas e desproporcionadas, que resultaram na pena única de 13 (treze) anos de prisão, não contribuindo para a ressocialização do arguido em sociedade. 9 – A moldura abstracta da pena aplicável ao crime de violação situa-se entre os 3 e os 10 anos de prisão, de acordo com o plasmado no artigo 164.º n.º 1 al. b) do Código Penal. 10 – A moldura abstracta da pena aplicável ao crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, als. c) e d) do Código Penal, se situa entre os 2 anos e 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses de prisão. 11 – Além do mais, salvo o devido respeito por diverso entendimento, tendo o arguido sofrido 10 meses e 7 dias de prisão preventiva à ordem deste processo, deveria o Tribunal “a quo” ter procedido ao desconto desse tempo na pena concretamente aplicada. 12 – Entende o arguido que as penas de prisão que lhe foram em concreto aplicadas, deverão ser reduzidas: a) no que concerne ao crime de violação para o mínimo legal de 3 anos de prisão; b) e no que ao crime de homicídio qualificado na forma tentada para 2 anos 4 meses e 24 dias. 13 – A moldura penal abstracta do concurso terá, assim, o limite máximo de 5 anos, 4 meses e 24 dias. 14 – À qual, deve ser descontado, o tempo de prisão preventiva sofrida pelo arguido, de 10 meses e 7 dias. 15 – Julgando-se adequado e suficiente ao caso concreto, condenar o arguido numa pena única 4 anos e 6 meses de prisão. 16 – Dispõe o artigo 50.º do C. Penal que: “ O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. 17 – Pelo que deverá o Douto Acórdão recorrido ser substituído por outro, que reduza a pena única de 13 anos de prisão aplicada ao arguido, para a pena de 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução. 18 – Por se considerar, em abono da Justiça, a mesma, suficiente e adequada para satisfazer as necessidades de prevenção, quer gerais, quer especiais. 19 – Pelas razões atrás aduzidas, não tendo o Tribunal “a quo” considerado todas as circunstâncias que depõem a favor do arguido na aplicação da medida concreta da pena, foram violadas as disposições constantes dos artigos 40.º, n.º 2, 70.º e 71.º do Código Penal. Nestes termos, e nos mais de direito que serão objecto do douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências, designadamente, deve o Douto Acórdão ser substituído por outro que reduza as penas de prisão concretamente aplicadas ao arguido: a) no que concerne ao crime de violação para o mínimo legal de 3 anos de prisão; b) no que ao crime de homicídio qualificado na forma tentada, para 2 anos 4 meses e 24 dias de prisão; Ser, ainda, descontado o tempo de prisão preventiva sofrida pelo arguido à ordem dos presentes autos de 10 meses e 7 dias. Devendo ser aplicada, em concreto, ao arguido AA, a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução.» 3. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413.º, n.º 1, do CPP, respondeu o Ministério Público, através da Exma. Procuradora da República, concluindo assim, no sentido da improcedência do recurso (transcrição): «1. Considerando a moldura penal dos crimes de Violação e de Homicídio qualificado na forma tentada imputados ao recorrente, temos por corretas e em nada exageradas cada uma das penas parcelares em concreto aplicadas, que se mostram bem doseadas e merecidas face à conduta daquele. 2. Foram corretamente observados os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71º do Código Penal, bem como os princípios ínsitos no artigo 40º do citado Código. 3. Na determinação concreta da pena unitária importa considerar, os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal, em conjugação com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º do citado Código, acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, de consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente. 4. O acórdão recorrido, depois de fixar as penas parcelares aplicadas aos crimes de Violação e de Homicídio qualificado na forma tentada, situou a moldura penal abstrata do concurso entre o limite máximo de 16 (dezasseis) anos de prisão, e um limite mínimo de 08 (oito) anos de prisão, em observância do disposto no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal. 5. Salientando a crueldade com que o arguido/recorrente atuou, a sua intenção de provocar sofrimento na vítima, e a ausência de uma verdadeira capacidade de autocrítica. 6. Sublinhando que não conta com apoio familiar, não possui quaisquer ligações ao território nacional, nem lhe são conhecidos antecedentes criminais. 7. Conjugando todas essas circunstâncias, concluiu e bem o acórdão recorrido por justa e adequada a aplicação da pena única de 13 (treze) anos de prisão. 8. Tal pena mostra-se adequada à culpa concreta global, e respeita o princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso. 9. Foram corretamente observados os critérios gerais da medida da pena, os princípios ínsitos no artigo 40.º do citado Código, bem como o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal. 10. O acórdão recorrido não violou qualquer disposição legal. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, deverá negar-se provimento ao recurso, confirmando-se o douto acórdão recorrido.» 4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido parecer concordante com o Ministério Público em 1.ª instância, nos seguintes termos: «I. A única questão submetida a reexame é a medida das penas parcelares e da única, fixadas em 8 anos de prisão (por cada um dos crimes de violação e de homicídio qualificado na forma tentada) e 13 anos de prisão, respectivamente. Pretende que as penas parcelares sejam fixadas nos mínimos das correspondentes molduras penais, e que por força destas reduções, a pena única se situe em 4 anos e 6 meses de prisão, que deve ser suspensa na sua execução. Como fundamento desta pretensão faz apelo à sua primariedade criminal, apresentar em meio prisional uma conduta discreta e adaptada ao sistema, trabalhando como faxina, e ser um refugiado, fugido à guerra, ditadura e pobreza. II. Respondeu a Ex. ma Procuradora da República (544-555), pronunciando-se pela improcedência do recurso, considerando que, quer as penas parcelares, quer a única, se mostram bem doseadas, obedecendo aos critérios legais que as devem determinar. III. Sem particulares considerações a acrescentar ou tecer sobre a fundamentação do acórdão, que acompanhamos, no que respeita à medida das penas, cumpre tão só salientar que as atenuantes que o arguido convoca têm reduzido valor atenuante. Apenas poderia assumir algum relevo o facto de se tratar de um refugiado de guerra. Porém, ao contrário do que pretende, a eventual passagem pelas agruras e tormentos de um conflito, não legitimam minimamente os comportamentos de extrema violência que assumiu, antes o deveriam refrear relativamente à brutalidade e crueldade sobre o seu semelhante. Acresce que o arguido nem sequer confessou os factos, não demonstrando qualquer arrependimento (activo ou declarado). E assim, face às molduras penais dos correspondentes crimes, as penas parcelares mostram-se perfeitamente adequadas às correspondentes i1icitudes dos factos (elevadas), intensidade do dolo, e exigências de prevenção. E no que respeita à pena única, situada no sector maior da agravação, consideramos igualmente, que obedece aos critérios fixados no artigo 77.º, n.º 1 e 2, do Código Penal. IV. Em suma: Na ponderação do ilícito global personalidade do arguido e sua projecção nos crimes praticados, a pena de 13 anos de prisão, é perfeitamente adequada, respondendo às muito fortes exigências de prevenção geral e especial, estando salvaguardada de censura correctiva, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente». 5. Notificado para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse. 6. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso é julgado em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP. Nada obsta ao conhecimento do recurso, o qual tem por objecto um acórdão proferido pelo tribunal colectivo que aplicou uma pena de prisão superior a 5 anos e visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, da competência deste tribunal (artigos 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP). Cumpre decidir. II. Fundamentação 7. A decisão recorrida encontra-se fundamentada nos seguintes termos: 7.1. De facto «A. Factos Provados Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa: 1. No dia 1 de Dezembro de 2016, pelas 04h44m, o Arguido dirigiu-se ao multibanco localizado no interior da dependência bancária do Millenium BCP, sita no .... 2. No interior da dependência encontrava-se a Assistente BB, de 67 anos, sendo nesse local que costumava pernoitar. 3. Assim que entrou no interior da dependência o Arguido dirigiu-se a BB e, de imediato, desferiu diversos murros com o punho fechado contra a sua cabeça. 4. Seguidamente, o Arguido agarrou a Assistente que tentava defender-se e atirou-a ao chão, baixou-se de seguida junto da mesma e despiu a saia que aquela trazia vestida, deixando-a completamente nua da cintura para baixo, com os órgãos genitais expostos. 5. Com a Assistente no chão, o Arguido continuou a desferir murros com a mão fechada contra a sua cabeça ao mesmo tempo que, fazendo uso da outra mão desapertou as suas próprias calças e as baixou ligeiramente, tirando de seguida o seu pénis do interior das mesmas. 6. Acto contínuo, o Arguido aproximou o seu pénis da boca da Assistente, tentando introduzi-lo no seu interior e manter com esta sexo oral, o que não conseguiu em virtude daquela ter conseguido manter a boca fechada. Enquanto assim procedia, o Arguido ia desferindo murros contra a cabeça e corpo de BB. 7. Como não tivesse conseguido forçar a Assistente a efectuar-lhe sexo oral o Arguido introduziu, com violência, os seus dedos no interior da sua vagina e ânus, tendo ainda tentado introduzir o seu pénis no interior da sua vagina, o que não conseguiu. 8. De seguida, o Arguido levantou-se, começou a vestir as calças e, com BB prostrada no chão o Arguido desferiu contra o seu corpo e cabeça vários pontapés, fazendo com que das diversas partes atingidas espirrasse sangue em diversas direcções, acabando a Assistente por perder os sentidos e o Arguido por abandonar o local em fuga. 9. Em consequência da actuação do Arguido, BB sofreu traumatismo crânio-encefálico e facial com perda de conhecimento, politraumatismos múltiplos da face, hematoma epicraneano, hematomas malares, hemossinus maxilar bilateral, lesão axonaldifusa parietal, hemorragia subaracnoideia aguda, hematoma subdural agudo, fractura do seio esfenoidal, fractura cominutiva dos ossos próprios do nariz, escoriações vulvulares e da vagina, lesões que lhe provocaram dor profunda e 45 dias de doença e melhor descritas no relatório pericial de fls. 225 a 227 que aqui se dá por integralmente reproduzido. 10. O Arguido agiu da forma descrita em 1. a 7., de forma deliberada, livre e consciente, com o conseguido propósito de colocar a Assistente na impossibilidade de resistir e satisfazer os seus desejos libidinosos, bem sabendo que agia contra a vontade daquela. 11. Ao actuar ainda da forma descrita em 8. supra, desferindo contra a cabeça de BB diversos pontapés já após esta se encontrar totalmente incapacitada de reagir e após o próprio Arguido se ter levantado e terminado a agressão sexual, pretendeu o mesmo satisfazer o seu desejo de causar sofrimento, bem sabendo que atenta a sua idade e fragilidade a Assistente se encontrava totalmente indefesa e que a sua actuação lhe poderia causar a morte, resultado com que se conformou e que só não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade. 12. O Arguido actuou da forma supra descrita sempre com o conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. Mais se apurou que 13. Na sequência directa e necessária da conduta do Arguido acima descrita, BB foi encaminhada para a Unidade de Saúde de ..., onde lhe foram prestados diversos tratamentos médicos/hospitalares no valor total de € 1.483,27 (mil quatrocentos e oitenta e três euros e vinte e sete cêntimos), o qual ainda não se mostra pago. 14. O Arguido foi transferido de Itália para Portugal ao abrigo das Decisões do Conselho que estabelecem medidas provisórias a favor da Itália e da Grécia no domínio da protecção internacional, no dia 28.10.2016. 15. A 3 de Novembro de 2016 foi proferida decisão de admissão do seu pedido de protecção, aguardando-se a decisão sobre eventual concessão de estatuto de protecção internacional (estatuto de refugiado ou de protecção subsidiária). 16. À data dos factos AA encontrava-se numa situação de acolhimento institucional afecto à Fundação ..., em ..., na qualidade de refugiado em processo de asilo em Portugal. Há referência que terá entrado em Portugal incluído num pequeno grupo de condição idêntica, vindo de Itália. 17. AA é proveniente da ..., donde alegadamente saiu clandestinamente, em fuga à guerra, à ditadura e à pobreza das condições de vida. 18. Do seu percurso pessoal no país de origem, percebeu-se que concluiu 12 anos de escolaridade e, à semelhança da generalidade dos rapazes foi recrutado obrigatoriamente para o serviço militar, donde nunca foi permitido sair. 19. De cultura e religião muçulmana, constituiu família apenas num casamento, contexto em que foi pai de três filhas, atualmente com 7, 5 e 3 anos de idade. A esposa e as filhas continuam na .... 20. Pelo que foi dado perceber, AA não veio para Portugal por escolha própria, mas encaminhado ao abrigo de acordos de proteção internacionais - tratando-se de desertor, sujeita-se a pena de morte nessa qualidade no país de origem. Além de solicitar asilo ao abrigo da condição de refugiado, não foram expressos projetos definidos de futuro. 21. Avalia como acolhedoras as condições em que foi recebido em .... No mês em que esteve acolhido na Fundação ..., não houve registo a questões relevantes do seu comportamento, sendo visto como um indivíduo de trato afável. 22. Segundo referiu, não registou antecedentes de comportamentos considerados criminais ou desajustados no seu país de origem. Admite a dimensão criminal dos factos por que se encontra acusado, os quais reprova. Porém, demarca-se da autoria, alegando um estado de perda de consciência na altura, fruto de um episódio de ingestão abusiva de bebidas alcoólicas, comportamento que igualmente reprova e não é aceite no seu referencial religioso. 23. Em meio prisional desde o início de Dezembro/2016, não tem quaisquer ligações ao exterior. Tendencialmente isolado, não é um elemento que coloque questões de disciplina. Refere que tem vivido com grande ansiedade esta situação, ciente da gravidade da acusação que enfrenta e, sobretudo, pelo desconhecimento dos próprios trâmites legais, tendendo a vitimizar-se. Trabalha na faxina, o que considera positivo para aliviar o stress. 24. Do seu Certificado de Registo Criminal nada consta. B. Factos Não Provados Não se deixou de provar qualquer facto com relevância para a boa decisão da causa.» 7.2. De direito «D. Enquadramento Jurídico-Penal Tendo em conta a factualidade provada, cumpre, agora, indagar da responsabilidade jurídico-criminal do Arguido. D.1. Do Crime de Violação Encontra-se, desde logo, o Arguido acusado da prática de um crime de Violação, previsto e punido pelo artigo 164.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, o qual dispõe que “Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos é punido com pena de prisão de três a dez anos”. O bem jurídico protegido com tal incriminação é, obviamente, a liberdade de determinação sexual da mulher ou do homem, ou seja, a tutela do direito de cada um a relacionar-se sexualmente com quem entender e mesmo a não se relacionar (sexualmente) de todo, se esse for o seu desejo – tal âmbito de protecção não oferece, hoje, qualquer discussão, de resto. Relativamente à norma em causa, explica-nos Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, p. 450, anot. 12. a 15., que «A introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos só constitui crime de violação quando a vítima tem posição passiva, isto é, quando “sofre” a introdução. Sendo a vítima constrangida a penetrar o agente ou outrem na vagina ou no ânus com parte do corpo ou objectos verifica-se o crime de coacção sexual (…) As partes do corpo utilizadas para a penetração podem ser a mão, o dedo da mão, o pé, o dedo do pé, a língua e o nariz (…). Os objectos utilizados para a penetração podem estar em estado sólido (por exemplo, vibradores, pénis artificiais e próteses) ou líquido (por exemplo, o sémen ou a urina). Podem também consistir em partes de um cadáver ou de um animal. A violação prevista no nº 1 é um crime de execução vinculada, uma vez que tem ser cometida por meio de “violência”, “ameaça grave” ou “acto que coloque a vítima em estado de inconsciência ou de impossibilidade de resistir”». Ainda a respeito dos supra referidos meios, explica o mesmo autor na mesma obra, p. 443, anot. 11. a 13. que «O conceito de “violência” inclui apenas a violência física, ao invés do que se passa na incriminação geral da coacção, em virtude da violência psíquica estar abrangida pelo crime de assédio (…). Portando, os casos de coacção sexual com violência psíquica são degradados pela lei penal para o âmbito da punibilidade do assédio sexual, salvo se consubstanciarem “ameaça grave”. A “ameaça grave” representa a forma mais grave de violência psíquica, que coincide com a prevista no artigo 155.º, n.º 1, al. a) (…). Por exemplo, são casos de ameaça grave a exibição de uma pistola (…) ou a ameaça de divulgar um filme gravado com cenas em que a vítima mantinha actos sexuais com o agente (…) ou a violência presenciada pela vítima e que lhe augura a sua brutalização se ela opuser resistência (…). A colocação em estado de inconsciência ou impossibilidade de resistir tem de ser realizada pelo agente do crime, de forma pré-ordenada para a prática de acto sexual (“para esse fim”), mas sem oposição da vítima (…). A colocação da vítima em estado de insciência ou impossibilidade de resistir com a oposição da vítima consubstancia “violência”. A exploração pelo agente de um estado pré-existente de inconsciência ou impossibilidade de resistir da vítima, quando esse estado é inerente à própria condição da vítima ou é criado por ela por terceiro, mas em qualquer caso independentemente da vontade do agente, é subsumível ao artigo 165.º.» Quanto ao elemento subjectivo deste tipo legal, exige-se a existência de dolo (em qualquer das suas formas) relativamente à totalidade dos elementos objectivos. No caso sub judice, considerando os factos dados como provados sob nos itens 1. a 7. em conjunto com as considerações jurídicas acima expostas, verifica-se que se mostram preenchidos, na íntegra, os elementos constitutivos deste crime de que o Arguido se encontra igualmente acusado. Com efeito, resultou provado que o Arguido dirigiu-se a BB e, de imediato, desferiu diversos murros com o punho fechado contra a sua cabeça. Seguidamente, o Arguido agarrou a Assistente que tentava defender-se e atirou-a ao chão, baixou-se de seguida junto da mesma e despiu a saia que aquela trazia vestida, deixando-a completamente nua da cintura para baixo, com os órgãos geniais expostos. E, com a Assistente no chão, o Arguido continuou a desferir murros com a mão fechada contra a sua cabeça ao mesmo tempo que, fazendo uso da outra mão desapertou as suas próprias calças e as baixou ligeiramente, tirando de seguida o seu pénis do interior das mesmas. Acto contínuo, o Arguido aproximou o seu pénis da boca da Assistente, tentando introduzi-lo no seu interior e manter com esta sexo oral, o que não conseguiu em virtude daquela ter conseguido manter a boca fechada. Enquanto assim procedia, o Arguido ia desferindo murros contra a cabeça e corpo de BB. Resultou ainda que o Arguido introduziu, com violência, os seus dedos no interior da sua vagina e ânus de BB, tendo ainda tentado introduzir o seu pénis no interior da sua vagina, o que não conseguiu. Mais se provou que o Arguido agiu da forma descrita de forma deliberada, livre e consciente, com o conseguido propósito de colocar a Assistente na impossibilidade de resistir e satisfazer os seus desejos libidinosos, bem sabendo que agia contra a vontade daquela. AA tinha conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e penalmente punidas, pelo que, não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da sua culpa, impõe-se a sua condenação pela prática do crime de Violação de que vem acusado. D.2. Do Crime de Homicídio Qualificado É imputada ainda ao Arguido a prática de um crime de Homicídio Qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22.º, e 132.º, n.º 2, als. c), d) e e), ambos do Código Penal. Dispõe o artigo 131.º do Código Penal que “quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”, preceituando, logo a seguir, o artigo 132.º que “1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos. 2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: a) Ser descendente ou ascendente, adoptado ou adoptante, da vítima; b) Praticar o facto contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1.º grau; c) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez; d) Empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima; e) Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil; f) Ser determinado por ódio racial, religioso, político ou gerado pela cor, origem étnica ou nacional, pelo sexo, pela orientação sexual ou pela identidade de género da vítima; g) Ter em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a impunidade do agente de um crime; h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum; i) Utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso; j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas; l) Praticar o facto contra membro de órgão de soberania, do Conselho de Estado, Representante da República, magistrado, membro de órgão do governo próprio das regiões autónomas, Provedor de Justiça, membro de órgão das autarquias locais ou de serviço ou organismo que exerça autoridade pública, comandante de força pública, jurado, testemunha, advogado, solicitador, agente de execução, administrador judicial, todos os que exerçam funções no âmbito de procedimentos de resolução extrajudicial de conflitos, agente das forças ou serviços de segurança, funcionário público, civil ou militar, agente de força pública ou cidadão encarregado de serviço público, docente, examinador ou membro de comunidade escolar, ou ministro de culto religioso, juiz ou árbitro desportivo sob a jurisdição das federações desportivas, no exercício das suas funções ou por causa delas; m) Ser funcionário e praticar o facto com grave abuso de autoridade.” O bem jurídico tutelado nas normas incriminadoras do homicídio é a vida humana inviolável, correspondendo à tutela constitucional da vida. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 2007, vol. I, pp. 446/7, explicam-nos que “O direito à vida é um direito prioritário, pois é condição de todos os outros direitos fundamentais, sendo material e valorativamente o bem mais importante do catálogo de direitos fundamentais e da ordem jurídico-constitucional no seu conjunto”. Efectivamente, o direito à vida é conditio sine qua non do gozo de todos os outros direitos. Por seu lado, crime de homicídio qualificado previsto e punível pelo referido artigo 132.º, constitui uma forma agravada do crime de homicídio simples previsto e punível no artigo 131.º, que constitui o tipo de ilícito, agravamento esse que se produz não através da previsão de circunstâncias típicas fundadas em maior ilicitude do facto, mas antes em função de uma culpa agravada, isto é, de uma “especial censurabilidade ou perversidade” da conduta (cláusula geral enunciada no n.º 1), revelada pelas circunstâncias indicadas no n.º 2. Tais circunstâncias constituem “exemplos-padrão”, ou seja, indícios da culpa agravada referida no n.º 1, que constitui o elemento típico do homicídio qualificado. Ainda que essas circunstâncias envolvam eventualmente uma maior ilicitude do facto, não é o simples acréscimo de ilicitude que determinará a qualificação do crime. Só se as ditas circunstâncias revelarem uma maior censurabilidade ou perversidade da conduta se verificará a dita qualificação. A este respeito, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.01.2012, disponível na Internet, in www.dgsi.pt o seguinte: “Como tivemos ocasião de afirmar em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2010 a qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação sendo um tipo de culpa. Refere Silva Dias, a verificação do exemplo padrão do n.º 2 do art. 132.º não implica, apenas indicia, a presença de um caso de especial censurabilidade ou perversidade. Tal indício não mais do que isso e tem de ser confirmado através de uma ponderação global das circunstâncias de facto e da atitude do agente nele expressas. Indubitavelmente que o apelo a exemplos padrão, como exemplificadores de uma intensidade qualitativa da culpa, reflecte uma técnica de tipos abertos que apenas pode ser compreendida dentro dos limites por alguma forma propostos pelo princípio da legalidade. Assim, o julgador deverá subsumir à qualificação do artigo em causa apenas as condutas que, embora não abrangidas pelo perfil especificado, normativamente correspondem á estrutura de sentido e ao conteúdo de desvalor de cada exemplo padrão. Outro entendimento não podia decorrer do pressuposto de que nos encontramos perante uma qualificação assente no tipo de culpa. O que determina a agravação é sempre um acentuado desvalor da atitude do agente, quer o mesmo se exprima numa maior intensidade do desvalor da acção, quer numa motivação especialmente desprezível. Nas palavras de Margarida Silva Pereira, a caracterização do art. 132.º do CP passa pela intersecção de três eixos fundamentais, a saber: a exclusão da aplicação automática; a aferição da qualificação por um critério de culpa no sentido de que se utilize os parâmetros consagrados e tipificados para aquilatar se no caso concreto existe de igual forma uma culpa especial e a permissão do recurso á analogia pois que ao juiz cabe sempre a possibilidade de construir em concreto os pressupostos da afirmação de uma especial censurabilidade, ou perversidade, os quais, embora não subsumíveis aos exemplos padrão, constituem, ainda assim, a demonstração de uma especial intensidade da culpa. Todavia, importa salientar que a valoração da culpa operada pelo art. 132.º do CP não aparece desligada de uma ilicitude qualitativamente mais intensa. Como refere a Autora citada o que o legislador comanda não é que se considere uma culpa sem suporte de ilicitude aumentada, mas sim que de tal ilicitude maior não se retirem quaisquer efeitos a menos que se acompanhe de um acréscimo de culpa. A ilicitude superior é aqui um pressuposto de culpa. O artigo 132 do Código Penal define o tipo de crime de homicídio qualificado constituindo uma forma agravada de crime em relação em relação ao tipo do artigo 131 do mesmo diploma. Objectivamente o tipo de crime assenta nos mesmos factos dos que estão previstos no artigo 131 funcionando a qualificação assente na combinação de um critério de culpa com a técnica dos exemplos padrão. O critério da qualificação está definido no n.º 1 do artigo 132 e consiste em tirar a vida a outrem em circunstâncias que revelem uma especial censurabilidade ou perversidade. Algumas das circunstâncias que são susceptíveis de revelar especial censurabilidade, ou perversidade, estão enumeradas no n.º 1 do mesmo normativo. A qualificação do homicídio tem como fundamento a culpa agravada que o agente revela com a sua actuação sendo um tipo de culpa. Seguindo Roxin, por tipo de culpa entende-se aquele que, na descrição típica da conduta, contem elementos da culpa que integra factores relativos à actuação do agente que estão relacionados com a culpa mais grave ou mais atenuada. A culpa consiste no juízo de censura dirigido ao agente pelo facto deste ter actuado em desconformidade com a ordem jurídica quando podia, e devia, ter actuado em conformidade com esta, sendo uma desaprovação sobe a conduta do agente. O juízo de censura, ou desaprovação, é susceptível de se revelar maior ou menor sendo, por natureza, graduável e dependendo sempre das circunstâncias concretas em que o agente desenvolveu a sua conduta, traduzindo igualmente um juízo de exigibilidade determinado pela vinculação de cada um a conformar-se pela actuação de acordo com as regras estipuladas pela ordem jurídica superando as proibições impostas. Em suma, o agente actua culposamente quando realiza um facto ilícito podendo captar o efeito de chamada de atenção da norma na situação concreta em que desenvolveu a sua conduta e, possuindo uma capacidade suficiente de auto controlo, e poderia optar por uma alternativa de comportamento. O especial tipo de culpa do homicídio qualificado é conformado através da especial censurabilidade ou perversidade do agente. Como refere Figueiredo Dias a lei pretende imputar à especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção ao nível da atitude do agente de formas de realização do acto especialmente desvaliosas e à especial perversidade aquelas em que o juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades do agente especialmente desvaliosas. Enumera o normativo em análise um catálogo dos exemplos padrão e o seu significado orientador como demonstrativo do especial tipo de culpa que está associado à qualificação”. No mesmo sentido, escreve Teresa Serra, in Homicídio Qualificado – Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 2000, pp. 63/65 que “Como se sabe, a ideia de censurabilidade constitui o conceito nuclear sobre o qual se funda a concepção normativa da culpa. Culpa é censurabilidade do facto ao agente, isto é, censura-se ao agente o ter podido determinar-se de acordo com a norma e não o ter feito. No artigo 132.º, trata-se de uma censurabilidade especial: as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores (...) Com a referência à especial perversidade, tem-se em vista uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade. Significa isto pois, um recurso a uma concepção emocional da culpa e que pode reconduzir-se «à atitude má, eticamente falando, de crasso e primitivo egoísmo do autor, de que fala BINDER. Assim, poder-se-ia caracterizar uma atitude rejeitável como sendo aquela em que prevalecem as tendências egoístas do autor. Especialmente perversa, especialmente rejeitável, será então a atitude na qual as tendências egoístas ganharam um predomínio quase total e determinaram quase exclusivamente a conduta do agente (...). Importa salientar que a qualificação de especial se refere tanto à censurabilidade como à perversidade. A razão da qualificação do homicídio reside exactamente nessa especial censurabilidade ou perversidade revelada pelas circunstâncias em que a morte foi causada. Com efeito, qualquer homicídio simples, enquanto lesão do bem jurídico fundamental que é a vida humana, revela já a censurabilidade ou perversidade do agente que o comete. No homicídio qualificado, o que está em causa é uma diferença essencial de grau que permite ao juiz concluir pela aplicação do artigo 132.º, ao caso concreto, após a ponderação da circunstância indiciadora presentou ou e outra circunstância susceptível de preencher o chamado Leitbild dos exemplos-padrão que, de alguma maneira, faz com que o caso deva ainda ser considerado como pertencente a um grupo de valoração (…) estratificado a partir do tipo fundamental”. Ora, apurou-se que o Arguido, já após ter terminado a agressão sexual contra BB, começou a vestir as calças e, com aquela já prostrada no chão, desferiu contra o seu corpo e cabeça vários pontapés, fazendo com que das diversas partes atingidas espirrasse sangue em diversas direcções, acabando a Assistente por perder os sentidos e o Arguido por abandonar o local em fuga. Em consequência da actuação do Arguido, BB sofreu traumatismo crânio-encefálico e facial com perda de conhecimento, politraumatismos múltiplos da face, hematoma epicraneano, hematomas malares, hemossinus maxilar bilateral, lesão axonaldifusa parietal, hemorragia subaracnoideia aguda, hematoma subdural agudo, fractura do seio esfenoidal, fractura cominutiva dos ossos próprios do nariz, escoriações vulvulares e da vagina, lesões que lhe provocaram dor profunda e 45 dias de doença e melhor descritas no relatório pericial de fls. 225 a 227 que aqui se dá por integralmente reproduzido. Resultou ainda que, ao actuar de tal forma, o Arguido sabia que com a sua actuação poderia causar a morte a BB, resultado com que se conformou e que só não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade. Entende-se, deste modo, que a actuação do Arguido supra descrita preenche os elementos objectivos do crime de Homicídio, sendo certo que este se autonomiza do crime de Violação, na medida em que já tinha terminado a agressão sexual. No entanto, não veio a causar a morte de BB. Dispõe, a este respeito, o artigo 22.º, n.º 1, do Código Penal que “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que chegue a consumar-se.” No n.º 2 do mesmo normativo, enumera-se as situações em que estamos perante actos de execução. Assim, teremos que ter, antes de mais, a vontade do agente de cometer a infracção e o começo da sua execução, havendo, depois, uma interrupção do processo executivo do crime – cfr. Leal Henriques e Simas Santos in Código Penal Anotado, 1.º vol., 3ª ed., 2002, p. 282. Explica-se, no douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07.06.2016, disponível na Internet in www.dgsi.pt o seguinte: «Ensina Roxin que “só devem exprimir uma tentativa aquelas acções que imediatamente precedem a acção típica que, portanto, o legislador aproximou, seguramente, da acção típica”. O autor propõe a exigência cumulativa de dois factores, para a caracterização de “acto preparatório”: a “perturbação das esferas” e a “estreita conexão temporal” entre a acção do autor e a pretendida produção do resultado. “Onde uma delas falte, não existe ainda tentativa”. Para além da proximidade temporal (que ocorreria no caso presente) decisivo é, ainda, que o agente “entre em relação com a esfera da vítima, o que provoca uma impressão abaladora da ordem jurídica. “A teoria da impressão pode tornar-se frutuosa para a delimitação de actos preparatórios e tentativa, na medida em que a agressão da esfera da vítima, perturbadora da paz jurídica surge como elemento necessário da acção de execução”. (Roxin, Problemas Fundamentais de Direito Penal, 3ª ed., pp. 304/7. Itálicos nossos.)». No caso em apreço, as zonas atingidas quando a Ofendida já se encontrava ferida e caída no chão, designadamente, a cabeça, as graves lesões provocadas e a circunstância de ter abandonado aquela, eram idóneos a provocar a morte desta, o que apenas não sucedeu por motivos alheios à sua vontade. Atendendo às considerações supra exaradas, temos como assente que se verificam os pressupostos do crime de Homicídio na forma tentada. Posto isto, analisemos as qualificativas imputadas ao Arguido. Assim, prevê-se na alínea c) que o facto seja praticado contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez, implicando uma especial situação de desamparo da vítima. No caso em apreço, a Assistente é uma mulher com 67 anos de idade à data dos factos (ao passo que o Arguido tinha 38 anos) e já se encontrava prostrada no chão, totalmente indefesa em consequência das anteriores agressões levadas a cabo por aquele com vista a concretizar as agressões sexuais, quando ainda veio a desferir contra o seu corpo e cabeça vários pontapés, fazendo com que das diversas partes atingidas espirrasse sangue em diversas direcções, acabando a Assistente por perder os sentidos e o Arguido por abandonar o local em fuga. Dúvidas não temos, pois, em afirmar que a vítima era pessoa especialmente indefesa por forma a concluir que foi atingido o especial grau de censurabilidade ou perversidade que o legislador considerou inerente ao homicídio qualificado, mostrando-se, assim, preenchida a agravante prevista na referida alínea c). Quanto ao acto de crueldade previsto na alínea d), escreve Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 31, que consiste “em o agente se servir de uma forma de actuação causadora da morte em que o sofrimento físico ou psíquico infligido, pelo acto de matar ou pelos actos que o antecedem, ultrapasse sensivelmente, pela sua intensidade ou duração, a medida necessária para causar a morte (…); com a precisão, em todos o caso, de que o acto de crueldade tem de ter lugar para aumentar o sofrimento da vítima: relação meio/fim”. No mesmo sentido, no Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 17.10.2007 (disponível na Internet, no mesmo sítio), explica-se que “a qualificativa da crueldade ocorre quando o agente do crime faz sofrer a vítima mais do que o necessário, ou a sujeita a sofrimento exacerbado; meio cruel é o meio bárbaro, martirizante, que brutalmente aumenta o sofrimento da vítima”. No caso sub judice, como já referido, o Arguido desferiu contra o corpo e cabeça de BB vários pontapés, fazendo com que das diversas partes atingidas espirrasse sangue em diversas direcções, numa altura em que aquela já se encontrava prostrada no chão e sem reacção e após o próprio Arguido se ter levantado e terminado a agressão sexual. Tal cenário apenas nos pode levar a concluir que o Arguido agiu com o propósito de satisfazer o seu desejo de causar sofrimento, tendo infligido à Assistente um tratamento desumano e degradante, excedendo o que é comum no homicídio simples e espelhando uma imagem global do facto agravada, mostrando-se preenchida também a presente qualificativa. Já quanto à alínea e), «A motivação da avidez (…) inclui, não apenas a vontade do agente de obter vantagens patrimoniais indevidas, mas também a vontade de manter vantagens patrimoniais já recebidas, mas legitimamente postas em causa pela vítima, e a vontade de se libertar de dívidas e obrigações para com a vítima. É irrelevante o montante do lucro que se pretende alcançar, sendo até o homicídio tanto mais censurável quanto mais pequeno o lucro visado. Exemplos desta motivação são as do agente que mata para roubar ou do agente que mata a soldo de alguém (…) A motivação do prazer de matar (…) ou de causar sofrimento supõe uma atitude de satisfação do agente com a provocação da dor e da morte, que não é necessariamente consequência de uma patologia no agente, como sucede, por exemplo, nos casos em que o agente persegue a vítima como se fosse um animal de caça num torneio desportivo de caça (…). A motivação da excitação sexual (…) inclui todas as práticas de provocação de dor em terceiro com vista à satisfação sexual. Não é necessária a verificação efectiva da satisfação sexual, bastando que o agente tenha cometido o facto com esse propósito. Exemplos desta motivação sãos os casos em que a vítima é morta durante o cometimento de uma violação, em virtude da força física usada, ou quando o agente mate a vítima com o propósito de em seguida praticar actos sexuais com o cadáver. O motivo torpe ou fútil (…) é o motivo incompreensível ou inexplicável à luz do modo de agir do homem médio ou mesmo revelador de um baixo carácter (…). Para aferir da baixeza de carácter e da futilidade do motivo devem ter-se me conta, por um lado, a desproporção entre a conduta da vítima e a reacção do agente e a responsabilidade do agente pela situação criada e, por outro lado, as características pessoais do agente, como, por exemplo, as representações culturais do seu país de origem quando se trate de estrangeiro ou a sua história pessoa como vítima de maus-tratos (…)» - Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa 2008, pp. 350 e 351, anot. 10. a 13. No caso concreto, apesar da natural censurabilidade decorrente da conduta ilícita do Arguido, já agravada pela especial fragilidade da vítima e da crueldade empregada, nada mais resulta que nos permita, contudo, afirmar que o Arguido agiu por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil, já que os factos em causa já foram praticados após ter terminado a agressão sexual. Assim e resultando que o Arguido agiu da forma supra descrita, sabendo que poderia casuar a morte de BB, resultado com que se conformou (tendo agido, com dolo eventual – cfr. artigo 14.º, n.º 3 do Código Penal) e que só não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade e não ocorrendo qualquer causa de exclusão da ilicitude nem da culpa, deverá ser condenado pela prática do crime de Homicídio Qualificado na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22.º, 23.º, 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, als. c) e d), todos do Código Penal. E. Da Pena Feito o enquadramento das condutas do Arguido pela forma supra referida, cumpre determinar agora as penas concretas a aplicar. Assim, cabem as seguintes molduras penais abstractas aos crimes praticados pelo Arguido: - Violação: prisão de 3 a 10 anos e - Homicídio Qualificado na forma tentada: prisão de 2 anos 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses (cfr. artigos 132.º, n.º 1, 23.º, n.ºs 1 e 2, e 73.º do Código Penal). Dispõe o artigo 71º que "a determinação da medida da pena dentro dos limites definidos na lei, far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes". Segundo o modelo consagrado no artigo 40.º do Código Penal, primordialmente, a medida da pena há-de ser dada por considerações de prevenção geral positiva, isto é, prevenção enquanto necessidade de tutela dos bens jurídicos que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida. Através do requisito da culpa, dá-se tradução à exigência de que aquela constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas (limite máximo). Por último, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva - entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável - podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo elas que vão determinar, em último termo, a medida da pena. (Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, p. 227 e Anabela Rodrigues, in A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, p. 478 e ss. e, ainda, a título meramente exemplificativo, o acórdão do S.T.J., de 10.04..96, CJSTJ, ano IV, t. 2, p. 168). Tendo presente o modelo adoptado, importa de seguida eleger, no caso concreto, os critérios de aquisição e de valoração dos factores da medida da pena referidos nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal. Uma palavra antes, no entanto, quanto à consideração, na medida da pena, das circunstâncias qualificativas do crime de Homicídio. De acordo com o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, “na determinação concreta da pena, não devem ser tomadas em consideração as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime”. A este respeito, lê-se no Acórdão de 18.01.2012 do Supremo Tribunal de Justiça, disponível na Internet no mesmo sítio, o seguinte «No que respeita importa, em primeiro lugar, referir que não se vislumbra razão legal, ou imperativo constitucional, que proíba uma dupla agravação da pena desde que a mesma corresponda a uma diversa dimensão da ilicitude, ou da culpa, e não a uma arbitrária violação do principio “non bis in idem”. Na realidade, a questão que é normalmente equacionada pelo artigo em causa relaciona-se com o plano da proibição da dupla valoração na concorrência de qualificativas do crime de homicídio e, ainda, da ponderação da circunstância qualificativa na medida da pena aplicada em termos globais. Efectivamente, e como refere Figueiredo Dias, não devem ser tomadas em consideração, na medida da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime, nisto se traduzindo o essencial do princípio da proibição de dupla valoração. Sob esta sua mais simples formulação, adianta o mesmo Autor, o princípio tem uma justificação quase evidente: não devem ser utilizadas pelo juiz para determinação da medida da pena circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto; e portanto não apenas os elementos do tipo-de-ilícito em sentido estrito, mas todos os elementos que tenham sido relevantes para a determinação legal da pena. No que concerne perfilhamos o entendimento de que o concurso de circunstâncias qualificativas do crime de homicídio deve ser ponderado na determinação da medida concreta da pena, isto é, qualificada a conduta com a mais grave circunstância e qualificando o crime, as outras circunstâncias devem ser tidas em conta na determinação da pena concreta nos termos gerais. Reportando-se a esta questão concreta Teresa Serra justifica a remessa para a inserção na apreciação global dos factores relevantes da medida da pena no tocante à qualificativa que não relevou como tal, afirmando que é de importância decisiva a referência ao Leitbild dos exemplos-padrão, ao Leitbild próprio de um grupo valorativo de homicídios especialmente censuráveis ou perversos. Este Leitbild retirado da análise das diversas circunstâncias exemplificadas no n.º 2 do artigo 132.º, irá permitir delimitar a apreciação necessária à afirmação da especial censurabilidade ou perversidade do agente para a qualificação do homicídio. Não basta, todavia, um aumento essencial da ilicitude e/ou da culpa, que se expressam nas diversas circunstâncias do n.º 2. É preciso que, a esse grau de gravidade do facto, acresça uma estrutura valorativa do mesmo facto correspondente ao Leitbild dos exemplos-padrão. Esta estrutura valorativa é extraída precisamente da ideia condutora agravante que subjaz a cada uma das circunstâncias mencionadas no n.º 2. Adianta ainda a mesma Autora que se se partir deste ponto de vista, concordando igualmente no facto de que os casos duvidosos deverão ser decididos de acordo com o sentido indicado pelo efeito de indício e, encarado na sua dupla vertente, é posta de parte, na esmagadora maioria dos casos, a necessidade de realizar uma apreciação global do facto e do agente para determinar a moldura penal aplicável. Com efeito, desta maneira, a valoração, a que o juiz não pode subtrair-se, deverá efectuar-se numa esfera bastante mais limitada, recorrendo essencialmente às circunstâncias generalizadoras constantes do n.º 2 do artigo 132.º, que depois não deverão ser tomadas em consideração na graduação da pena concreta. Nesta graduação, poderão ser valoradas todas as circunstâncias que não contribuam para a escolha da moldura penal aplicável, desde logo, as agravantes e atenuantes gerais e especiais. Mas também podem ser aproveitadas as circunstâncias generalizadoras - quando se verifique mais do que uma - que não foram decisivas para a selecção da moldura penal agravada. Esta, constitui a única via que permite, no domínio dos exemplos-padrão, pugnar por princípios de racionalidade na fixação da medida da pena. Assim sendo entende-se que a circunstância de, numa situação como a evidenciada no caso vertente, se demonstrar outras circunstâncias das elencadas no artigo 132.º n.º2, para além da qualificativa que opera a alteração da moldura legal, deverá ser equacionada em termos gerais na mediada da pena. No mesmo sentido também se pronuncia Figueiredo Dias (Código Penal Conimbricense Tomo I pág. 45) quando refere que, caso concorram os elementos constitutivos de mais de um exemplo-padrão, ambos com relevo para a qualificação da atitude do agente como especialmente censurável ou perversa, um tal concurso só poderá ter efeito, se dever tê-lo, na determinação da medida da pena.» Será, assim, de considerar o seguinte: As necessidades de prevenção geral são prementes, atendendo ao aumento que se vem verificando destes tipos de crimes e o elevado alarme social que a criminalidade muito violenta contra as pessoas, sobretudo associada a criminalidade de cariz sexual, suscita na comunidade, devendo a pena restabelecer a tranquilidade e a expectativa comunitárias na vigência e validade das normas violadas. O Arguido agiu com dolo directo quanto ao crime de Violação e com dolo eventual quanto ao crime de Homicídio Qualificado, sendo o grau de ilicitude dos factos muito elevado, dado o modo de execução, a intensidade e a repetição com que foram desferidos os pontapés no corpo e cabeça da Assistente, bem como a circunstância de ter fugido do local abandonando esta. Com efeito, como acima já referido, não se releva em sede da medida da pena as circunstâncias que conduziram à qualificação do homicídio, sendo a mesma preenchida por mais do que uma qualificativa, pelo que considerando-se uma delas para a referida qualificação, deverá considerar-se a outra em sede de determinação da medida da pena. Assim e qualificando-se o crime de homicídio pelo preenchimento da alínea c) do n.º 2, do artigo 132.º do Código Penal, haveremos de considerar na medida da pena a crueldade como que actuou e a intenção de provocar sofrimento na vítima. E apesar de ter não negar frontalmente os factos que lhe são imputados, tende a demarcar-se dos mesmos, pelo que não se pode concluir por uma verdadeira capacidade de autocrítica. De resto, o Arguido não conta com apoio familiar e não tem quaisquer ligações ao território nacional. Por fim, não lhe são conhecidos antecedentes criminais. Deste modo e ponderando todas as considerações numa visão de conjunto, julga-se adequado aplicar ao Arguido as seguintes penas concretas: - 8 (oito) anos de prisão, pela prática do crime de Violação; e - 8 (oito) anos de prisão, pela prática do crime de Homicídio Qualificado na forma tentada. F. Do Cúmulo Atento o teor do artigo 30.º do Código Penal, os crimes pelos quais vai o Arguido condenado encontram-se numa relação de concurso entre si, pelo que se deverá encontrar uma pena única, nos termos do artigo 77.º do mesmo diploma legal. Ainda de acordo com este artigo, a moldura penal abstracta do concurso terá o limite máximo de 16 (dezasseis) anos de prisão e um limite mínimo de 8 (oito) anos de prisão. Na medida da pena única a aplicar ao Arguido são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (cfr. artigo 77º, nº 1 do Código Penal). Significa isto que “devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente, mas tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente” – vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.12.2006, disponível na Internet in www.dgsi.pt. Assim e levando em consideração todas as circunstâncias já acima referidas, nomeadamente as fortes necessidades de prevenção geral que se fazem sentir relativamente aos crimes em apreço, a elevada energia criminosa revelada na prática dos factos, o seu desenraizamento social, familiar e cultural e ausência de sentido crítico, julga-se adequado condená-lo pena única de 13 (treze) anos de prisão. G. Da Pena Acessória de Expulsão Mais requer o Ministério Público a aplicação da pena acessória de expulsão. Nos termos do disposto no artigo 151.º, da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho (que regula a Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de Estrangeiros do Território Nacional) e alterada pela Lei nº 29/2012, de 9 de Agosto: “1 - A pena acessória de expulsão pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro não residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a seis meses de prisão efetiva ou em pena de multa em alternativa à pena de prisão superior a seis meses. 2 - A mesma pena pode ser imposta a um cidadão estrangeiro residente no País, condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na sua aplicação, a gravidade dos factos praticados pelo arguido, a sua personalidade, eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal. 3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a pena acessória de expulsão só pode ser aplicada ao cidadão estrangeiro com residência permanente quanto a sua conduta constitua perigo ou ameaças graves para a ordem pública, a segurança ou a defesa nacional. (…)” No caso em apreço, vai o Arguido condenado na pena única de prisão de 13 anos, pela prática de crime doloso. Não sendo, porém, de funcionamento automático, deve a decisão da expulsão ter presente na sua aplicação a existência de um justo equilíbrio entre os interesses do Arguido e do Estado. No caso dos autos, sendo escassas as informações a respeito da situação pessoal e familiar do Arguido e não lhe sendo conhecidos antecedentes criminais, não é possível fazer a necessária ponderação dos critérios legais indicados na norma acima referida. Acresce que pende processo de eventual concessão de estatuto de protecção internacional (estatuto de refugiado ou de protecção subsidiária) ao Arguido. Pelo exposto, decide-se não decretar a pena acessória de expulsão.» 8. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigo 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida, que devem resultar directamente do texto desta, por si ou em conjugação com as regras da experiência, e a nulidades não sanadas, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2 e 3, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995). O conhecimento do recurso implica que, no âmbito da sua competência, o tribunal de recurso aprecie e decida, oficiosamente ou a pedido do recorrente, todas as questões de direito relacionadas com o objecto e âmbito do recurso, com vista à boa decisão deste, incluindo as nulidades da decisão recorrida (artigo 379.º, n.º 2, do CPP). Não se evidenciando vício ou nulidade de que cumpra conhecer, as questões a apreciar e decidir dizem respeito à medida das penas aplicadas a cada um dos crimes em concurso e à medida da pena única conjunta. 9. A determinação da pena comporta duas operações distintas: a determinação da pena aplicável ao tipo de crime preenchido pela conduta do agente (moldura da pena), que pode ser um tipo de crime qualificado ou privilegiado relativamente ao tipo fundamental, e a determinação (incluindo a escolha, no caso de serem admissíveis penas alternativas) concreta da pena, a fixar entre o limite máximo e o limite mínimo da moldura correspondente, tendo em conta as finalidades e os critérios estabelecidos nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal. Em caso de concurso de crimes há ainda que determinar a moldura que lhe corresponde e que observar o critério especial a que se refere o artigo 77.º do mesmo diploma. Procedendo à primeira operação, concluiu o tribunal a quo que o arguido, agora recorrente, praticou dois crimes, cuja previsão típica julgou preenchida pelos factos provados: um crime de violação, previsto e punível pelo artigo 164.º, n.º 1, alínea b), e um crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alíneas c) e d), do Código Penal. Quanto à moldura das penas – tipos de crime 10. De acordo com o disposto no artigo 164.º, n.º 1, alínea b), que define o tipo de crime de violação, quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa a sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos é punido com pena de prisão de três a dez anos. Estando provado que o arguido se dirigiu à vítima, lhe desferiu murros na cabeça, a agarrou e atirou ao chão, despiu-lhe a saia, deixando-a completamente nua da cintura para baixo, com os órgãos geniais expostos, desapertou e baixou as calças, aproximou o seu pénis da boca da vítima, tentando introduzi-lo no seu interior e manter com esta sexo oral, o que não conseguiu em virtude daquela ter conseguido manter a boca fechada, e, de seguida, enquanto continuava a desferir-lhe murros, introduziu, com violência, os seus dedos no interior da vagina e do ânus da vítima, tentando introduzir o seu pénis no interior da sua vagina, o que não conseguiu, e verificados os respectivos elementos subjectivos, nos termos que constam da decisão, mostra-se preenchido o tipo de crime de violação previsto neste preceito. Não se suscita, por conseguinte, qualquer questão quanto ao decidido a este respeito, estando assim determinada a moldura da pena aplicável, que deve situar-se entre o mínimo de três e o máximo de dez anos de prisão. 11. O crime de homicídio por que o recorrente vem condenado encontra a sua definição típica fundamental no artigo 131.º do Código Penal, segundo o qual quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos. Porém, se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos, como estabelece o n.º 1 do artigo 132.º do mesmo diploma. Contém este preceito um tipo qualificado do crime de homicídio previsto no artigo anterior, através de uma cláusula geral fixando um critério generalizador determinante de um especial tipo de culpa, agravada por virtude da particular censurabilidade ou perversidade relativas ao agente e ao facto, reveladas pelas circunstâncias do caso. Combina-se esta cláusula geral com a enumeração não exaustiva, no n.º 2 do mesmo preceito, de um conjunto de exemplos-padrão, indiciadores de um grau especialmente elevado de culpa que, não sendo de funcionamento automático, determinarão a concretização, na avaliação e valoração do caso concreto, da especial censurabilidade ou perversidade dos factos praticados, por realização da previsão típica de alguma das circunstâncias que integram tais exemplos-padrão ou de outras de idêntico sentido e conteúdo normativo. A economia da decisão convoca as alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, o qual dispõe que é susceptível de revelar especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o n.º 1, entre outras, a circunstância de o agente: (c) praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez, ou (d) empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima. Como tem sido salientado, o homicídio qualificado é, tal como o homicídio simples (tipo fundamental do artigo 131.º), um tipo punível a título de dolo sob qualquer das suas formas previstas no artigo 14.º do Código Penal – dolo directo, necessário ou eventual. “O que não significa”, adverte o Prof. Figueiredo Dias, “ que em relação a determinados exemplos-padrão se não deva reconhecer a sua incompatibilidade com a figura do dolo eventual, como acontecerá, de modo paradigmático, no caso de morte produzida por agente determinado pelo prazer de matar” (Comentário Conimbricense do Código Penal, 2.ª ed., 2012, comentário ao artigo 132.º, §51, p. 74, Coimbra Editora). No mesmo sentido se pronuncia Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, 3.ª ed., 2015, comentário ao artigo 132.º, n.º 28, p. 517, Católica Editora), alargando a observação a outras circunstâncias, nomeadamente aos casos de tortura ou crueldade: “O homicídio qualificado pode ser cometido em qualquer forma de dolo, sendo admissível o seu cometimento na forma de dolo eventual, salvo nos casos de emprego de tortura ou crueldade, persistência na intenção de matar por mais de 24 horas, reflexão sobre os meios utilizados, avidez e prazer de matar ou causar sofrimento”. Ainda a propósito do dolo de homicídio importa notar que este tem de referir-se aos exemplos-padrão, como, citando Jescheck e Wessels, sublinha Teresa Serra: “A existência do dolo fundamenta, nestas circunstâncias, a atitude particularmente censurável do agente, uma atitude desumana e desapiedada, susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente” (Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Almedina, 1997, p. 78). Particular atenção tem merecido a questão de saber se existirá uma tentativa de homicídio qualificado no Código Penal, pois que o conceito de tentativa (artigo 22.º) não se relaciona com os elementos dos exemplos-padrão e não é possível considera-los, para este efeito, como se de elementos do tipo se tratasse (assim, Teresa Serra, ob. cit. p. 79ss). A questão, salienta esta autora, “só se coloca após a afirmação da existência de uma tentativa de homicídio simples. (…) para se afirmar a existência de uma tentativa de homicídio há-de ter-se verificado a prática pelo agente de actos de execução do homicídio, designadamente de actos idóneos a produzir o resultado morte. (…) Digamos que, nestes casos, uma vez que o modo e meios de execução são descritos, como que nos encontramos perante homicídios cuja execução deixa de ser livre para passar a ser vinculada”. Assim sendo, nada se oporá à produção do efeito do exemplo padrão desde o início da execução. Como afirma o Prof. Figueiredo Dias (ob. cit., §54 e §55, p. 76), “Se o tipo objectivo de ilícito do homicídio qualificado é exactamente o tipo objectivo do homicídio simples, nenhum problema especial há a assinalar quando, ocorrendo actos de execução de homicídio, não se verifica a morte da pessoa contra quem o agente pretende atentar e se mostra integralmente verificado um exemplo-padrão ou situação análoga qualificadores de homicídio. (…) Assim, questão será só saber se, tendo em conta a factualidade representada pelo agente, os actos de execução integram já por si um exemplo padrão ou situação equiparável e, para além disso, revelam já a especial censurabilidade do agente”. As considerações que vêm de se expor permitem trazer suficiente luz ao caso dos autos, traduzido numa condenação pela prática de um crime de homicídio qualificado a título de dolo eventual, na forma de tentativa, de modo a obter-se a moldura penal de que deve partir-se para a determinação da pena. 12. Relembrando, consta da matéria de facto relevante dada como provada: “8. De seguida, o Arguido levantou-se, começou a vestir as calças e, com BB prostrada no chão o Arguido desferiu contra o seu corpo e cabeça vários pontapés, fazendo com que das diversas partes atingidas espirrasse sangue em diversas direcções, acabando a Assistente por perder os sentidos e o Arguido por abandonar o local em fuga. 9. Em consequência da actuação do Arguido, BB sofreu traumatismo crânio-encefálico e facial com perda de conhecimento, politraumatismos múltiplos da face, hematoma epicraneano, hematomas malares, hemossinus maxilar bilateral, lesão axonaldifusa parietal, hemorragia subaracnoideia aguda, hematoma subdural agudo, fractura do seio esfenoidal, fractura cominutiva dos ossos próprios do nariz, escoriações vulvulares e da vagina, lesões que lhe provocaram dor profunda e 45 dias de doença e melhor descritas no relatório pericial de fls. 225 a 227 que aqui se dá por integralmente reproduzido. 11. Ao actuar ainda da forma descrita em 8. supra, desferindo contra a cabeça de BB diversos pontapés já após esta se encontrar totalmente incapacitada de reagir e após o próprio Arguido se ter levantado e terminado a agressão sexual, pretendeu o mesmo satisfazer o seu desejo de causar sofrimento, bem sabendo que atenta a sua idade e fragilidade a Assistente se encontrava totalmente indefesa e que a sua actuação lhe poderia causar a morte, resultado com que se conformou e que só não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade. 12. O Arguido actuou da forma supra descrita sempre com o conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. 13. Na sequência directa e necessária da conduta do Arguido acima descrita, BB foi encaminhada para a Unidade de Saúde de ..., onde lhe foram prestados diversos tratamentos médicos/hospitalares (…)”. 13. Com base nesta factualidade, ao proceder ao seu enquadramento jurídico-penal, afirma o acórdão recorrido (supra, 7.2): “Entende-se, deste modo, que a actuação do Arguido supra descrita preenche os elementos objectivos do crime de Homicídio, sendo certo que este se autonomiza do crime de Violação, na medida em que já tinha terminado a agressão sexual. No entanto, não veio a causar a morte de BB. Dispõe, a este respeito, o artigo 22.º, n.º 1, do Código Penal que “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que chegue a consumar-se.” No n.º 2 do mesmo normativo, enumera-se as situações em que estamos perante actos de execução. Assim, teremos que ter, antes de mais, a vontade do agente de cometer a infracção e o começo da sua execução, havendo, depois, uma interrupção do processo executivo do crime – cfr. Leal Henriques e Simas Santos in Código Penal Anotado, 1.º vol., 3ª ed., 2002, p. 282. (…) No caso em apreço, as zonas atingidas quando a Ofendida já se encontrava ferida e caída no chão, designadamente, a cabeça, as graves lesões provocadas e a circunstância de ter abandonado aquela, eram idóneos a provocar a morte desta, o que apenas não sucedeu por motivos alheios à sua vontade. Atendendo às considerações supra exaradas, temos como assente que se verificam os pressupostos do crime de Homicídio na forma tentada. Posto isto, analisemos as qualificativas imputadas ao Arguido. Assim, prevê-se na alínea c) que o facto seja praticado contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez, implicando uma especial situação de desamparo da vítima. No caso em apreço, a Assistente é uma mulher com 67 anos de idade à data dos factos (ao passo que o Arguido tinha 38 anos) e já se encontrava prostrada no chão, totalmente indefesa em consequência das anteriores agressões levadas a cabo por aquele com vista a concretizar as agressões sexuais, quando ainda veio a desferir contra o seu corpo e cabeça vários pontapés, fazendo com que das diversas partes atingidas espirrasse sangue em diversas direcções, acabando a Assistente por perder os sentidos e o Arguido por abandonar o local em fuga. Dúvidas não temos, pois, em afirmar que a vítima era pessoa especialmente indefesa por forma a concluir que foi atingido o especial grau de censurabilidade ou perversidade que o legislador considerou inerente ao homicídio qualificado, mostrando-se, assim, preenchida a agravante prevista na referida alínea c). Quanto ao acto de crueldade previsto na alínea d), escreve Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, p. 31, que consiste “em o agente se servir de uma forma de actuação causadora da morte em que o sofrimento físico ou psíquico infligido, pelo acto de matar ou pelos actos que o antecedem, ultrapasse sensivelmente, pela sua intensidade ou duração, a medida necessária para causar a morte (…); com a precisão, em todos o caso, de que o acto de crueldade tem de ter lugar para aumentar o sofrimento da vítima: relação meio/fim”. No mesmo sentido, no Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 17.10.2007 (disponível na Internet, no mesmo sítio), explica-se que “a qualificativa da crueldade ocorre quando o agente do crime faz sofrer a vítima mais do que o necessário, ou a sujeita a sofrimento exacerbado; meio cruel é o meio bárbaro, martirizante, que brutalmente aumenta o sofrimento da vítima”. No caso sub judice, como já referido, o Arguido desferiu contra o corpo e cabeça de BB vários pontapés, fazendo com que das diversas partes atingidas espirrasse sangue em diversas direcções, numa altura em que aquela já se encontrava prostrada no chão e sem reacção e após o próprio Arguido se ter levantado e terminado a agressão sexual. Tal cenário apenas nos pode levar a concluir que o Arguido agiu com o propósito de satisfazer o seu desejo de causar sofrimento, tendo infligido à Assistente um tratamento desumano e degradante, excedendo o que é comum no homicídio simples e espelhando uma imagem global do facto agravada, mostrando-se preenchida também a presente qualificativa”. 14. À luz do que anteriormente se expôs (supra, 11), a decisão recorrida não suscita qualquer questão nem a respectiva fundamentação obriga a considerações suplementares quanto à verificação dos pressupostos da tentativa com referência ao tipo de crime de homicídio simples (artigo 131.º do Código Penal), sobre o qual se constrói o tipo de homicídio qualificado. Justifica-se, no entanto, uma maior aproximação do plano de análise às circunstâncias que constituem os exemplos-padrão das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal. 15. Consiste a circunstância da alínea c) em o agente “praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez”. Esta circunstância foi introduzida no artigo 132.º pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, que teve origem na Proposta de Lei 160/VII, em cuja exposição de motivos se pode ler (DAR II-A, n.º 27, de 29.1.1998, p. 527): “No âmbito dos crimes contra a vida, as alterações respeitam aos crimes de homicídio (artigo 132.º) e de exploração ou abandono (artigo 138.º). Na previsão do homicídio qualificado são acrescentadas três novas circunstâncias, contemplando as hipóteses de o crime ser cometido contra vítima especialmente indefesa, por funcionário com grave abuso de autoridade ou através de meio particularmente perigoso. O acrescentamento de novas circunstâncias referentes a pessoas especialmente indefesas e a graves abusos de autoridade visa reforçar a tutela da vítima perante formas de exercício ilegítimo de poder. A agravação da responsabilidade penal, nestas hipóteses, estende-se a crimes contra a integridade física, contra a liberdade e contra a honra”. Esta proposta, como nota o Prof. Figueiredo Dias (ob. cit. §21, p. 60) reproduz, no essencial, a que havia sido apresentada na sequência do requerimento de ratificação do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que aprovou o Código Penal (Ratificação 138/VI, DAR II-B, 26, de 8.4.1995, p. 126), rejeitada pela Assembleia da República (DAR II-B, 34, de 14.6.1995, p. 199), da autoria do Prof. Sousa e Brito (sobre isto, cfr. Teresa Serra, Homicídios em Série, Jornadas de Direito Criminal, Revisão do Código Penal, CEJ, 1998, p. 151ss), embora se deva notar a adição de uma especificidade de sentido traduzida na ligação da acção a “formas de exercício ilegítimo de poder”. Nem a doutrina nem a jurisprudência conhecidas têm, porém, dado particular ênfase a este elemento de interpretação proveniente dos trabalhos preparatórios, “de grande valia para definir a opção do legislador” (Batista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 2012, p. 185), antes se centrando em sublinhar, no essencial, o propósito de protecção da vítima em situação de “desamparo” e na “exploração” ou “aproveitamento” da situação da vítima “indefesa”, conhecida pelo agente (assim, Prof. Figueiredo Dias, loc. cit. e autores cit. infra, bem como, por exemplo, acórdãos deste Tribunal de 18.6.2008, Proc. 1414/08, Sumários Anuais, Criminal, 2008, www.stj.pt, e de 26.11.2015, Proc. 119/14.0JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt). Lê-se neste último acórdão: “Pessoa particularmente indefesa neste contexto é aquela que se encontra à mercê do agente, incapaz de esboçar uma defesa minimamente eficaz, em função de qualquer das qualidades previstas na norma. De situação de desamparo fala Figueiredo Dias (Comentário, Tomo I, página 31). Estará nessa situação a pessoa que, em razão da idade, doença ou deficiência física ou psíquica, não tem capacidade de movimentos, destreza ou discernimento para tomar conta de si e, logo, para verdadeiramente se defender de uma agressão. Certamente não por acaso Figueiredo Dias, no mesmo local, referindo uma situação susceptível de preencher este exemplo-padrão, fala de “uma ausência total de defesa”. E, na verdade, se pessoa indefesa é aquela que não se pode defender, pessoa particularmente indefesa, fazendo justiça ao sentido das palavras, será aquela que se encontra numa situação de completa ausência de defesa. O exemplo-padrão em discussão não se preenche com a simples superioridade em razão da idade, que não vai além de uma agravante de carácter geral. A especial maior culpa subjacente a esta circunstância qualificativa exige uma atitude bem mais distanciada dos valores”. A devida consideração da “ratio juris” extraída do elemento histórico, de particular relevo na construção do “pensamento tipológico”, próprio do procedimento de determinação da incriminação, em que a interpretação teleológica desempenha papel de relevo (cfr. Artur Kaufmann, Filosofia do Direito, 5.ª ed., Fundação Calouste Gulbenkian, 2014, p. 187ss), conduz, assim, a que a especial vulnerabilidade ou fragilidade da vítima, protegida pela alínea c) do artigo 132.º do Código Penal, deva ser analisada por referência a uma relação de poder (superioridade) do agente sobre a vítima, de modo a estabelecer-se a exigida correspondência da concreta situação de facto a este elemento do tipo de culpa. Assim se poderá afirmar que “a especial censurabilidade é determinada pelo abuso, aproveitamento ou exploração dessa situação de desamparo” (citando Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal, Parte Geral e Especial, anotação ao artigo 132.º, Almedina, 2014, p. 506; em idêntico sentido, Pinto de Albuquerque, ob. cit., p. 511, onde refere: “A especial censurabilidade da atitude do agente evidencia-se na exploração (“aproveitamento”) da situação de desamparo da vítima”), por quem, com conhecimento da grave impossibilidade de a vítima se defender ou da completa ausência de possibilidade de defesa, por causa da idade, de deficiência, doença ou gravidez, numa determinada situação de facto, é detentor de alguma forma de poder sobre a vítima. 16. Para concluir pelo especial grau de perversidade e censurabilidade, por via da intermediação desta circunstância, considerou o tribunal a quo (supra, 7) que a vítima “já se encontrava prostrada no chão, totalmente indefesa em consequência das anteriores agressões levadas a cabo [pelo arguido] com vista a concretizar as agressões sexuais”, que o arguido “desferiu contra a cabeça de BB diversos pontapés já após esta se encontrar totalmente incapacitada de reagir” e que a vítima era pessoa especialmente indefesa porque “atenta a sua idade e fragilidade”, pois esta tinha 67 anos e o arguido 38, “se encontrava totalmente indefesa em consequência das anteriores agressões”. Não parece, porém, que este seja fundamento bastante para o exacto preenchimento da circunstância típica. Se é certo que, por estar prostrada, a vítima não poderia defender-se – podendo, nesse sentido, dizer-se que se encontrava “indefesa” –, não é possível, apenas com base neste elemento, nas idades do arguido e da vítima e na mencionada “fragilidade” – qualidade notoriamente associada a idade avançada, em resultado de limitações graves inerentes ao normal processo de envelhecimento, o que, não sendo o caso, careceria de outros elementos caracterizadores, não concretizados (sobre a insuficiência da simples superioridade em razão da idade, isoladamente considerada cfr. supra, 15, o acórdão deste Tribunal de 26.11.2015) –, afirmar-se que a vítima se encontrava “particularmente indefesa” para efeitos de especial agravação da culpa nos termos do artigo 132.º. Para além de a dita razão de a vítima se encontrar nessa situação – por, no momento, se encontrar na impossibilidade ou em grave dificuldade de resistir ou de se defender devido à acção do próprio arguido – se relacionar com a forma de execução do crime de violação que imediatamente antecedeu a tentativa de homicídio, constituindo um dos elementos relevantes da definição típica desse crime, por que, na valoração dessa circunstância, o arguido vem condenado, resulta apenas dos factos provados que este agiu “sabendo” dessa situação, que provocara pela agressão à vítima. Não estando provado que a vítima era uma pessoa impossibilitada de se defender por causa da sua idade avançada, de doença de que padecia ou de deficiência que a afectava, não se mostra, por conseguinte, suficientemente fundado concluir que o arguido, para cometer o tentado crime de homicídio, encontrando-se numa situação de superioridade, dolosamente se tenha aproveitado de uma situação de desamparo da vítima originada por qualquer desses motivos. Acresce que, numa visão global do facto, a violência da agressão visava directamente a satisfação de um desejo de causar sofrimento (ponto 11 da matéria de facto), já não de tirar a vida à vítima (que apenas surge como resultado possível com que o arguido se conformou – ponto 11 da matéria de facto), o que também não pode deixar de se reconhecer como uma significativa dificuldade em vista da “especial” agravação da culpa do crime de homicídio requerida pelo tipo qualificado do artigo 132.º do Código Penal. Em conclusão, sem prejuízo de dever reconhecer-se a elevada censurabilidade da acção do arguido, não poderá esta considerar-se a um nível “especial”, por não ocorrência das requeridas exigências típicas de maneira a preencher o exemplo-padrão da alínea c) do n.º 2 do artigo 132.º. Em consequência, a factualidade que, no acórdão recorrido, lhe diz respeito deverá ser considerada, na sua gravidade, unicamente como circunstância agravante de âmbito geral, para efeitos de determinação da medida da pena do crime de homicídio simples (artigo 131.º) tentado, nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal. 17. Por sua vez, a circunstância ou exemplo-padrão da alínea d) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal consiste em o agente “empregar tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima”. Salienta-se unanimemente, a este propósito, que a actuação causadora da morte deve ter lugar de forma que o sofrimento físico ou psíquico infligido à vítima “ultrapasse sensivelmente, pela intensidade ou duração, a medida necessária para causar a morte”, “com a precisão, em todo o caso” (Prof. Figueiredo Dias, loc. cit., p. 61) “de que o acto de crueldade tem de ter lugar para aumentar o sofrimento da vítima: relação meio/fim” (como se refere no acórdão recorrido). Tem salientado a jurisprudência deste Tribunal, que esta alínea “respeita aos casos em que são usados meios de provocação da dor cuja intensidade ou duração ultrapasse a necessária para causar a morte, para além do que já é próprio em qualquer acto homicida” (acórdão de 25.2.2010, Proc. 108/08.4PEPDL.L1.S1, rel. Cons. Arménio Sottomayor, em www.dgsi.pt). “A qualificativa da crueldade ocorre quando o agente do crime faz sofrer a vítima mais do que o necessário, ou a sujeita a sofrimento exacerbado; meio cruel é o meio bárbaro, martirizante, que brutalmente aumenta o sofrimento da vítima; a morte é sempre cruel, mas com maior crueldade se cometida em termos de funcionamento do exemplo-padrão, sendo que o acto de crueldade tem de ter lugar para aumentar o sofrimento da vítima – relação meio-fim (acórdão de 17.10.2007, Proc. 07P3395, rel. Cons. Armindo Monteiro). 18. Dos factos provados extrai-se que o arguido “desferiu contra o corpo e cabeça [da vítima] vários pontapés, fazendo com que das diversas partes atingidas espirrasse sangue em diversas direcções” (factos, ponto 8), que causou as graves lesões descritas no ponto 9 da matéria de facto, “que lhe provocaram dor profunda e 45 dias de doença”, que, com isso, “após se ter levantado e terminado a agressão sexual, pretendeu o mesmo satisfazer o seu desejo de causar sofrimento” (factos, ponto 11) e que sabia que “a sua actuação lhe poderia causar a morte, resultado com que se conformou e que só não ocorreu por circunstâncias alheias à sua vontade” (factos, ponto 11). Não resulta, porém, que, causando sofrimento, necessariamente cruel e profundo, dada a extensão, profundidade e intensidade das lesões aptas a produzir a morte, o arguido tenha aumentado ou pretendido aumentar o sofrimento da vítima, isto é, que, com o meio de provocação de dor utilizado, tenha excedido o tempo de duração ou o grau de intensidade desta para além do necessário e co-natural à produção da morte. As dificuldades de demonstração do exemplo-padrão surgem reforçadas pela não produção do resultado e pelo facto de o arguido ter agido a título de dolo eventual. A não verificação do resultado admitido como possível e a mera conformação com o resultado não verificado afectam decisivamente a possibilidade de definição da linha de fronteira do sofrimento provocado pelas lesões, a partir da qual se deva identificar o exigível “aumento” do sofrimento, de modo a poder, com segurança, afirmar-se que se mostra “excedido o que é comum no homicídio simples”, com vista à identificação da presença da circunstância de especial agravação da culpa. Embora não se suscitem particulares questões quanto à tentativa (apesar das reservas que não deixam de ser formuladas, nomeadamente no sentido da incompatibilidade entre a tentativa e o dolo eventual – cfr. Faria Costa, Tentativa e Dolo Eventual, in Revista de Legislação e Jurisprudência, 132, e acórdãos de 2.4.2009, Proc. 08P3277, rel. Cons. Souto de Moura, de 23.11.2006, Proc. 06P3770, rel. Cons. Santos Carvalho, e de 20.4.2006, Proc. 06P363, rel. Cons. Rodrigues da Costa), afirmada que seja a existência de uma tentativa de homicídio simples (assim Teresa Serra, ob. cit. p. 83), o mesmo não sucede quanto ao dolo eventual. Adverte, pois, o Prof. Figueiredo Dias (ob. cit., p. 74): “não há justificação para posições que, por princípio e sem mais, afastem ou restrinjam a aplicabilidade do homicídio qualificado logo pela simples razão de o agente actuar com dolo eventual (…). O que não significa que em relação a determinados exemplos-padrão se não deva reconhecer a sua incompatibilidade com a figura do dolo eventual, como acontecerá, de modo paradigmático, no caso de morte produzida por agente determinado pelo prazer de matar”. E, no mesmo sentido, incluindo expressamente os casos de “crueldade”, Pinto de Albuquerque (ob. cit. p. 517): “O homicídio qualificado pode ser cometido em qualquer forma de dolo, sendo admissível o seu cometimento na forma de dolo eventual, salvo nos casos de emprego de tortura ou crueldade, persistência na intenção de matar por mais de 24 horas, reflexão sobre os meios utilizados, avidez e prazer de matar ou causar sofrimento”. Em síntese, não estando determinado que o arguido quis a morte da vítima como resultado directo ou necessário da agressão, dirigindo a agressão à produção desse resultado, escolhendo e usando o meio que teve por apto a matar, mas apenas aceitando esse resultado como provável, podendo não verificar-se, torna-se problemático concluir que o meio usado resultou num aumento do sofrimento para além do necessário a produzir a morte. Assim, e estando provado apenas que o arguido “pretendeu satisfazer o seu desejo de causar sofrimento”, não poderá também considerar-se preenchido o exemplo-padrão da alínea d) do n.º 2 do artigo 132.º, devendo, em consequência, a factualidade que, nos termos da decisão recorrida, lhe diz respeito ser também considerada, na sua elevada gravidade, unicamente para efeitos de determinação da medida da pena nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal. 19. Em conformidade com o que vem de se expor, há que julgar não verificadas as circunstâncias referidas nas alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, alterando-se, nesta conformidade, a incriminação. Pelo que deverá o arguido ser condenado pela prática de um crime de homicídio simples da previsão do artigo 131.º do mesmo diploma, que define o tipo de crime fundamental do crime imputado ao arguido, ao qual corresponde a pena de 8 a 16 anos de prisão. Sendo o crime cometido na forma de tentativa, deverá a pena ser especialmente atenuada, nos termos do disposto nos artigos 23.º, n.º 2, e 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, mediante redução de um terço no seu limite máximo e a um quinto no seu limite mínimo. Por conseguinte, a moldura penal, a considerar na primeira operação de determinação da pena, situa-se entre o mínimo de 1 ano, 7 meses e 6 dias e o máximo de 10 anos e 8 meses de prisão. Há, pois, que verificar a pena aplicada ao crime de violação, que determinar a pena correspondente ao crime de homicídio e, em função dessas penas, determinar a pena única conjunta correspondente aos crimes em concurso. Quanto à determinação das penas 20. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que se refere às finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. De acordo com o n.º 1 do artigo 71.º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, as indicadas nas alíneas no n.º 2 deste preceito, o que deve constar da fundamentação da sentença (n.º 3). Encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (cfr. Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º). 21. A projecção destes princípios no modelo de determinação da pena justifica-se pela necessidade de protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas (finalidade de prevenção geral), em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigos 40.º e 71.º do Código Penal). A aplicação da pena exige que o agente do crime tenha agido com culpa, devendo ser censurado pela violação do dever de actuar de acordo com o direito, o que se requer como pressuposto e cujo grau se impõe como limite da pena (artigo 40.º, n.º 2). Na determinação da medida da pena, nos termos do artigo 71.º, de enumeração não taxativa, devem ser levados em consideração as circunstâncias relacionadas com o facto ilícito típico praticado e com a personalidade do agente manifestada no facto (personalidade onde o facto radica e o fundamenta), relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, incluídas no denominado “tipo complexivo total” (na expressão de Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2001, p. 234) e não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele. Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto – nomeadamente, os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo, indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência), e os factores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança comunitária na norma violada, e, sobretudo, de prevenção especial, de modo a permitir fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro, e assim avaliar das necessidades de socialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime (alínea e), com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto (alínea f.). O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial (sobre estes pontos, para melhor aproximação metodológica na determinação do sentido e alcance da previsão do artigo 71.º do Código Penal, segue-se, em particular, Anabela M. Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678, em especial, e Figueiredo Dias, op. cit., pp. 232-357). 22. Na determinação das penas singulares, o tribunal a quo, ponderando as circunstâncias a que se refere o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, levou em consideração, quanto a ambos os crimes, (a) as prementes necessidades de prevenção geral, atendendo ao aumento que se vem verificando destes tipos de crimes e o elevado alarme social que a criminalidade muito violenta contra as pessoas, sobretudo associada a criminalidade de cariz sexual, suscita na comunidade, o muito elevado grau de ilicitude dos factos, dado o modo de execução, a intensidade e a repetição com que foram desferidos os pontapés no corpo e cabeça da vítima, bem como a circunstância de ter fugido do local abandonando esta; (b) o facto de o arguido, apesar de não ter negado a sua prática, tender a demarcar-se dos mesmos, pelo que não se pode concluir por uma verdadeira capacidade de autocrítica; (c) a circunstância de o arguido não contar com apoio familiar e não ter quaisquer ligações ao território nacional – trata-se de um refugiado, proveniente da Eritreia, requerente de asilo, situação em que se encontra em território nacional (dos factos provados) – e ainda (d) não lhe serem conhecidos antecedentes criminais. Quanto ao crime de violação foi levado em conta que agiu com dolo directo e, quanto ao crime de homicídio tentado, que agiu com dolo eventual. Não foi considerada a circunstância relativa à “crueldade com intenção de provocar ferimentos na vítima”, que conduziu à qualificação do crime de homicídio tentado, por virtude proibição da dupla valoração; porém, dado o concurso de circunstâncias qualificativas, foi a situação de vítima (“indefesa”) considerada como factor de agravação geral. A desqualificação do crime de homicídio tentado implica, porém, que, como se disse, agora se deva também considerar aquela circunstância relativa à forma de execução do crime como agravante geral, nos termos do artigo 71.º do Código Penal. 23. O crime de violação é punido com pena de prisão de três a dez anos de prisão (artigo 164.º, n.º 1, do Código Penal). São circunstâncias do tipo, em alternativa, a violência e a circunstância de a vítima ter sido impossibilitada de resistir, como meios de constrangimento a sofrer ou a praticar a ofensa sexual. De acordo com os factos provados (ponto 10), o arguido, deitando a vítima ao chão, despindo-a e dando-lhe murros na cabeça (pontos 3, 4, 5 e 6), conseguiu realizar o propósito, que conseguiu, de colocar a vítima na incapacidade de resistir. Introduziu, com violência, os dedos no interior da vagina e ânus da ofendida, causando-lhe escoriações vulvares e da vagina e tentou ainda introduzir o pénis na boca e na vagina, o que, todavia, não conseguiu. Sendo a colocação na impossibilidade de resistir uma circunstância do tipo, relevante para determinação da moldura da pena, não pode esta ser autonomamente considerada para efeitos do artigo 71.º do Código Penal, por virtude da proibição da dupla valoração. Resta pois, para este efeito, quanto ao grau de ilicitude, considerar a gravidade do modo de execução do crime, nomeadamente a repetição dos actos de agressão a murro, as suas consequências e as tentativas de introdução anal e da boca da vítima, e, quanto à intensidade do dolo, a determinação e persistência com que o arguido actuou. Contra o arguido milita também o seu comportamento posterior ao crime, que se traduziu na prática de agressões violentas, as quais, todavia, constituíram actos de execução do crime de homicídio tentado, o que afecta a possibilidade da sua valoração autónoma. Desconhecem-se os motivos que determinaram a prática do crime, alegando o arguido um estado de perda de consciência fruto de ingestão abusiva de bebidas alcoólicas, comportamento que diz reprovar e não ser aceite pelo seu referencial religioso (ponto 22 da matéria de facto). O arguido revela bom comportamento prisional, trabalha na faxina e refere estar ciente da gravidade dos factos. Quanto ao comportamento anterior, não há notícia da prática de outros crimes, sendo que se trata de um requerente de asilo, fugido da Eritreia, onde deixou a mulher e três filhas menores. São elevadas as necessidades de prevenção geral e não se revelam especiais necessidades de prevenção especial a prosseguir por via da pena de prisão. Assim sendo, tudo ponderado, tendo em conta a moldura da pena e as circunstâncias anteriormente mencionadas, afigura-se justificada uma correcção da pena aplicada pelo crime de violação, no sentido da sua diminuição, fixando-se esta em 7 (sete) anos de prisão, por, nesta medida, se mostrar adequada à gravidade dos factos e à realização das suas finalidades preventivas. 24. O crime de homicídio simples na forma tentada é punido com pena de 1 ano, 7 meses e 6 dias a 10 anos e 8 meses de prisão. Para além das circunstâncias anteriormente mencionadas quanto às condições pessoais e ao comportamento anterior aos crimes, há que levar em conta o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e as suas consequências, a intensidade do dolo e os motivos que determinaram o cometimento do crime. Não tendo conseguido introduzir o pénis na vagina da vítima, o arguido levantou-se e, estando esta ainda prostrada no chão, passou a desferir-lhe sucessivos pontapés, com elevada violência, no corpo e na cabeça, fazendo com que espirrasse sangue em várias direcções e provocando-lhe os ferimentos muito graves descritos no ponto 9 da matéria de facto provada, nomeadamente traumatismo crânio-encefálico com perda de conhecimento, hemorragia subaracnoídea aguda, lesão axonal difusa parietal, hematoma subdural agudo, fractura do seio esfenoidal, fractura cominutiva dos ossos próprios do nariz, que provocaram profunda dor e 45 dias de doença, abandonando a vítima no local e pondo-se em fuga. A vítima foi conduzida à Unidade de Saúde de Faro, onde lhe foram prestados tratamentos médicos e hospitalares. O arguido agiu de forma particularmente violenta, numa situação de manifesta superioridade em relação à vítima, que estava impossibilitada de se defender, por acção anterior do arguido, e cuja morte, em resultado da agressão e do abandono, só não ocorreu por razões estranhas à vontade deste. É, por conseguinte, extremamente elevado o grau de ilicitude, merecedor de severa censura. Porém, resulta dos factos provados, o arguido não actuou com intenção de matar a vítima, nem representou a morte desta como consequência necessária da sua acção, isto é, não agiu com dolo directo ou necessário de homicídio, mas apenas com dolo eventual, pois sabia que poderia causar a morte, conformando-se com esse resultado, que admitiu como provável. A sua intenção, esclarece o acórdão recorrido, foi a de satisfazer o seu desejo de causar sofrimento, o que não poderá deixar de ser considerado no sentido da atenuação da culpa de homicídio. No sentido da sua agravação milita, todavia, o evidente desprezo pela dignidade da vítima e o comportamento posterior ao crime, isto é, o abandono da vítima e a fuga do local do crime. Assim sendo, ponderando todas estas circunstâncias, contra e a favor do arguido, tendo em conta a moldura abstracta da pena, considera-se adequado às finalidades da punição e proporcional à gravidade do facto fixar em 6 anos a pena de prisão correspondente ao crime de homicídio simples na forma tentada. 25. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, na qual são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. No sistema do Código Penal (artigo 77.º, n.º 2), a pena única corresponde a uma pena conjunta resultante da transformação das penas correspondentes aos crimes em concurso segundo um princípio de absorção ou de exasperação. A determinação da pena conjunta obtém-se mediante um princípio de cúmulo jurídico, seguindo-se o procedimento normal de determinação e escolha da pena e construindo-se, assim, a moldura penal do concurso cujo limite máximo é dado pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, com os limites do n.º 2 do artigo 77.º (25 anos para a pena de prisão e 900 dias para a pena de multa), sendo o limite mínimo o correspondente à mais elevada das penas concretamente aplicadas. Assim definida a moldura do concurso, deve o tribunal determinar a pena conjunta, seguindo os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º do Código Penal) e o critério especial fixado na segunda parte do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Como se tem sublinhado na jurisprudência constante deste Tribunal, “com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente”. “Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso – Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, Proc. n.º 4454/07” (acórdão de 14.07.2016, Proc. 4403/00.2TDLSB.S1 – 3.ª Secção). Citando Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, p. 291): «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». Neste quadro normativo, tendo em conta a concentração e conexão espácio-temporal dos factos em concurso e a não indicação de qualquer elemento indiciador de tendência criminosa, em consideração dos factos e da personalidade do arguido expressa nas circunstâncias do facto e das demais circunstâncias relevantes relativas à ilicitude e ao dolo, anteriormente mencionadas, numa visão global da gravidade dos factos transmitida pelo conjunto destes factores, realizando o cúmulo jurídico das penas, julga-se adequado aplicar ao arguido a pena única conjunta de 10 anos de prisão. 26. Para além da redução das penas, pretende o recorrente que, na determinação destas, seja descontado o tempo de prisão preventiva e que a pena de prisão seja suspensa na sua execução (conclusões 14 a 16 da motivação do recurso). Carece, porém, de fundamento esta pretensão. Como directamente resulta do artigo 80.º, n.º 1, do Código Penal, a prisão preventiva sofrida pelo arguido é descontada por inteiro no cumprimento da pena de prisão, não, obviamente, no momento da determinação desta (artigo 71.º do Código Penal). À pretendida suspensão da execução da pena opõe-se directamente o n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal, que requer, como seu pressuposto, que esta seja aplicada em medida não superior a 5 anos, o que não é o caso. Quanto a custas 27. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. Não havendo decaimento, não há lugar a pagamento. III. Decisão 28. Pelo exposto, embora com fundamentos diversos, acordam os juízes na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência: a) Reduzir, de 8 (oito) para 7 (sete) anos, a pena de prisão aplicada ao crime de violação, previsto e punível pelo artigo 164.º, n.º 1, al. b), do Código Penal; b) Absolver o arguido AA da prática do crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. c) e d), do Código Penal; c) Condenar o arguido AA na pena de 6 anos de prisão pela prática de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 131.º do Código Penal; d) Efectuando o cúmulo jurídico das penas aplicadas, nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, condenar o arguido AA na pena única conjunta de 10 anos de prisão. Sem custas. Supremo Tribunal de Justiça, 18 de Setembro de 2018. Lopes da Mota (Relator)
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