Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00008775 | ||
Relator: | MENERES PIMENTEL | ||
Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL TÍTULO CONSTITUTIVO FRACÇÃO AUTÓNOMA DESVIO DE FIM DO ARRENDADO ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | SJ199106250805961 | ||
Data do Acordão: | 06/25/1991 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N408 ANO1991 PAG566 | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 9909/89 | ||
Data: | 09/18/1990 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR CONTRAT. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 419 ARTIGO 1422 N2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1974/02/22 IN BMJ N234 PAG241. ACÓRDÃO STJ DE 1976/06/07 IN BMJ N288 PAG403. ACÓRDÃO STJ DE 1974/01/29 IN BMJ N233 PAG201. | ||
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Sumário : | I - A lei civil não considera relevante, para efeito da constituição da propriedade horizontal, a destinação do prédio a determinado fim, como também não exige a menção obrigatória no título constitutivo dessa utilização. II - Constando do título constitutivo da propriedade horizontal que determinada fracção autónoma se destina a "escritório", não pode o respectivo proprietário/senhorio dar-lhe destino ou uso económico diverso. III - Tendo ficado provado que a fracção em causa foi arrendada para "a exploração de um estabelecimento de ensino de língua estrangeira", quando por força do título constitutivo da propriedade horizontal estava destinada a escritório, competia aos demais condóminos que se opõem ao arrendamento alegar e provar que aquela actividade nada tem a ver com "escritórios". | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) I - Relatorio: 1 - A, B, C, D, E, F, G, H, I, J e marido L, M, N, O e mulher P e Q propuseram contra R; S e mulher T uma acção declarativa na qual formularam estas pretensões: a) a primeira demandada ser condenada a fazer cessar a utilização que vem sendo feita da fracção g do predio situado na Praceta ..., em entrada pelo n. 35, limitando-a ao funcionamento de "escritorio"; b) os segundos demandados condenados "e, na qualidade de proprietarios e comproprietarios, assegurarem a cessação da utilização que vem sendo feita da aludida fracção G) nos moldes ja referidos". 2 - Os autores alegados e provaram serem os segundos reus donos de uma propriedade sobre a citada fracção e ser a primeira demandada titular do respectivo usufruto. Tambem atraves de documento autentico provaram ser (o andar em causa) destinado a escritorios (titulo constitutivo da propriedade horizontal. E depois de terem alegado - e provado - serem donos de outras fracções autonomas (estas destinadas pelo citado titulo a habitação) do mesmo predio urbano, acrescentaram - e provaram - ter a primeira re dado de arrendamento o andar em referencia (fracção g) a sociedade "Malcom, Stephen e Nicolas, Priest, Lda, que se dedica "a exploração de um estabelecimento de ensino de linguas estrangeiras". Articulando outros factos, tendentes a demonstração da impossibilidade do referido estabelecimento se identificar como escritorio, os outros concluem encontrarem-se lesados os seus direitos, designadamente o da "tranquilidade na fracção dos bens proprios e comuns". 3 - Na contestação, os segundos reus entenderam improceder o pedido, contra eles formulado, por "ilegitimidade de fundo", ou "em derradeira analise", por carecem de legitimidade (esta ultima hipotese conduziria a respectiva absolvição da instancia). Para alem disto, todos os demandados entenderam que as pretensões improcediam. Depois da resposta, o Excelentissimo Juiz, no despacho saneador, decidiu nestes termos: "O Tribunal e competente em razão da nacionalidade, da hierarquia e da materia". "O processo e o proprio e não sofre de nulidade total". "As partes são dotadas de personalidade e de capacidade judiciaria". "Pelos reus foi arguida a ilegitimidade dos 2 reus, por não terem qualquer relação com o contrato de arrendamento. Responderam os autores que o que esta em causa e a delimitação entre o usufruto e a propriedade, pelo que os segundos reus tem interesse em contradizer o pedido". "Decidindo: nos termos do artigo 26 do Codigo de Processo Civil, a legitimidade dos reus afere-se pelo interesse que tenham em contradizer o pedido dos autores. Ora estes dizem ter existido uma violação do estipulado no titulo constitutivo da propriedade horizontal, pelo que são responsaveis ambos os reus. Logo, tal como os autores desenharam a acção, os 2 reus tem interesse em contradize-la, pelo que são partes legitimas, então como as restantes partes". "Não existem quaisquer outras nulidades, excepções dilatorias ou questões previas a conhecer e que obtem ao conhecimento do merito da acção". Logo de seguida, o Excelentissimo Juiz conheceu do pedido formulado contra os segundos demandados, tendo-o julgado improcedente. Relativamente a pretensão deduzida contra a re, organizou especificação e elaborou questionario. 4 - O despacho saneador transitou em julgado. Depois do julgamento dos factos, foi proferida sentença nestes conclusivos termos: " (...) condeno a re a fazer cessar a utilização para estabelecimento de ensino da fracção g do predio situado (...), limitando-a ao fim estatuido na constituição de propriedade horizontal - o escritorio". 5 - Todavia, a re apelou e obteve ganho de causa, pelo que os autores pedem revista com este quadro conclusivo: a)- "Uma das obrigações do ins fruendi e do ins utendi na propriedade horizontal e a de não dar uso diverso do fim a que e destinada "(artigo 1422, n. 2, alinea c) do Codigo Civil - -cc-); b)- "A tutela deste fim convencionado pelos condominos ou pelos outorgantes do titulo de constituição da compropriedade e tutelada de modo absoluto - - Assento do STJ, de 10.5.89"; c)- "Atenta a utilização que se faz, normalmente, de um escritorio, demais que ele se integra num edificio com parte habitacional", não se podera falar em utilização normal para aquele fim em uma situação como a provada no processo; d)- "Pretender valer-se o usufrutuario desse ambito de fruição, em indiferença com o incomodo que causaria aos demais, seria exceder manifestamente os limites impostos pela boa fe"; e)- Violou-se o disposto no artigo 1422 do Codigo Civel, bem como o artigo 1419 do mesmo Codigo, alem do Assento de 10.5.89 e dos artigos 514 e 659 do Codigo de Processo Civil. A recorrida contra-alegou e, a dado passo, refere ser impossivel evitar a utilização dada a fracção por a arrendataria não ter sido demandada. II - Fundamentos: 1 - Para alem de se ter dado como provado, com base em escrituras publicas, ser a re usufrutuaria da fracção referenciada (g), destinarem-se certos andares (entre eles e o da re) a "escritorios"; ter sido aquela fracção autonoma dada de arrendamento a sociedade identificada em 2 no "Relatorio" e esta dedicar-se "a exploração de um estabelecimento de ensino de linguas estrangeiras", tambem a Relação fixou estes outros factos: a)- "a exploração desse estabelecimento de ensino conduz a utilização dos espaços comuns por um numero de pessoas superior a 20, em simultaneidade "(resposta ao 1 quesito); b)- "o elevador e raramente utilizado por quem se dirige a esse estabelecimento de ensino "(resposta ao 3 quesito). 2 - De acordo com o artigo 28 do Codigo de Processo Civil, existe litisconsorcio necessario sempre que a lei ou o negocio juridico exijam a intervenção de todos os interessados, seja para o exercicio do direito, seja para reclamação do dever correlativo. Contudo, para alem destes casos, nos termos da mesma disposição legal, o litisconsorcio torna-se ainda necessario sempre que, pela natureza da relação material controvertida, a intervenção de todos os interessados seja essencial para que a decisão a obter produza o seu efeito util normal (1). Segundo os autores referidos em nota, ha realmente situações em que, pela natureza da relação substantiva sobre a qual recai a acção, a falta de algum ou alguns dos interessados impede praticamente a decisão que nela se proferisse de produzir qualquer efeito util. O caso em exame para concretizar tipicamente a referida inutilidade de efeitos, ja que, julgada procedente contra a re a pretensão dos autores, a decisão parece tornar-se inutil, atenta a falta da arrendataria na lide (a identificada sociedade podera eventualmente opor-se ao decidido, invocando, para tanto, o contrato do arrendamento). Isto, independentemente de o contrato ser ineficaz (por hipotese) perante os condominos restantes. So que, nos termos do Assento do STJ, de 1 de Fevereiro de 1963 (2), "e definitiva a declaração nos termos genericos no despacho saneador transitado relativamente a legitimidade, salvo a superveniencia de factos que neste se representam". Ora esta declaração existe no despacho transcrito em 3 do "Relatorio" e, em caso de litisconsorcio necessario, a falta de qualquer dos interessados determina a ilegitimidade dos intervenientes na acção (artigo 28 do Codigo de Processo Civil). Por isto, estamos impedidos de conhecer oficiosamente desta questão. Anote-se, no sentido da existencia de litisconsorcio necessario passivo, e acordão do STJ, de 24.5.1977 (3). 3 - Relativamente ao fundo da questão, importa, em primeiro lugar, referir notar o Codigo Civil de 1966 considerado relevante para efeito de constituição de propriedade horizontal a destinação do predio a determinado fim, como tambem não exigiu a menção obrigatoria no titulo constitutivo dessa utilização. No caso concreto, como se viu, essa menção existe: para certas fracções (as dos autores) especificou-se a habitação e para a da re (e outros) a instalação de "escritorios". Por outro lado, não foi alegado que esta ultima utilização estivesse vedado no respectivo projecto aprovado pela camara municipal, e que logo retira qualquer tentativa de interpretação extensiva ou de aplicação analogica do Assento do STJ, de 10 de Maio de 1989 (4). 4 - Tudo estara em ver se a "exploração de um estabelecimento de ensino de linguas estrangeiras "pode, ou não, integrar um "escritorio" com objectivo declarado de se ver se se respeitavam os limites ao exercicio do direito por parte da senhoria (a re, usufrutuaria da fracção autonoma (g). Refira-se, entretanto, não constituir causa de pedir da presente acção o comportamento da locataria susceptivel de fundamentar a resolução do contrato, mas antes e apenas a desconformidade deste com o estatuto do condomino(5). Esta referencia anula a argumentação dos recorrentes quando pretende estabelecer um paralelo entre a situação trazida ao processo com a da resolução de um contrato de arrendamento. Regressando, porem, ao argumento da essencia da questão, ou seja, o de a re ter ultrapassado os limites ao exercicio do seu direito de arrendar a fracção autonoma que usufrui. Neste aspecto, os autores fazem um apelo ao principio da boa fe no direito civil, atraves da vertente do abuso de direito, mas sem razão. Não e possivel, ao mesmo tempo, dizer que a re deu uso diverso a fracção daquele para o qual estava destinado (escritorio) e que, apesar de ter tal direito, o exerceu ilegitimamente: ou tem ou não tem esse direito; se o tem não derespeitou o limite consagrado na alinea c) do n. 2 do artigo 1422 do Codigo Civil e se o não tem não o pode exercer. Sera, no entanto, faltar a verdade afirmar que somente e utilizado este argumento quanto a questão nuclear. Não. Os recorrentes não identificam o referido estabelecimento de ensino de linguas estrangeiras com o conceito de "escritorios". So que, para tanto, esgrimem com conceitos e não descem a realidade concreta. E esta e bem simples: fundamentalmente a fracção em causa não pode ser destinada a habitação nem tão pouco a qualquer actividade que nada tenha a ver com um escritorio. A primeira hipotese esta naturalmente excluida, mas a segunda não o esta. As limitações contidas no artigo 1422, n. 2, alinea c), do Codigo Civil, tem de ser claras e inequivocas no plano do concreto, sob pena de se cair no reino do arbitrio. Como exemplos de tal clareza, podem citar-se os acordãos do STJ, de 22 de Fevereiro de 1974, de 7 de Junho de 1979 e de 29 de Janeiro de 1974 (6). Em todos estes casos o uso dado as fracções nada tinha a ver com o estabelecido no titulo constitutivo da propriedade horizontal. No presente recurso o fim indicado no respectivo titulo (escritorios" tem evidente ligação com a actividade exercida na fracção g. III - Decisão: Com os fundamentos expostos, nega-se a revista, confirma-se o acordão impugnado e condenam-se os recorrentes das custas. Notas: (1) - Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nova, Manual de Processo Civil, 2 edição, pagina 166. (2) - Publicado no Diario do Governo, 1 serie, de 21.2.63, na Revista de Legislação e Jurisprudencia, 96, pagina 139, na Revista dos Tribunais, 81, pagina 63 e no BMJ, 224, paginas 414 e seguintes. (3) - BMJ, 267, paginas 152 e seguintes. (4) - Publicado no Diario da Republica, 1 serie, n. 161, de 15.7.89. (5) - Pires de Lima e Antunes Varela, com a colaboracção de Henrique Mesquita, Anotado, Volume III, 2 edição, pagina 427. (6) - BMJ, 234, pagina 241; 288, pagina 403 e 233, pagina 201, respectivamente. Lisboa, 25 de Junho de 1991 Meneres Pimentel, Brochado Brandão, Cura Mariano. |