Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ANA BARATA BRITO | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS PRESSUPOSTOS REPETIÇÃO DA MOTIVAÇÃO CASO JULGADO REJEIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 04/28/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | |||
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Decisão Texto Integral: |
1. Relatório No processo comum n.º 628/17…, do Tribunal Judicial da Comarca …. – Juízo Central Criminal .…., o arguido AA foi condenado como autor de um crime de passagem de moeda falsa, do art. 265.º, n.º 1, al. a), do CP, na pena de um ano e nove meses de prisão efetiva, decisão confirmada por acórdão do Tribunal da Relação … de 24 de setembro de 2020, transitado em julgado em 28-10-2020. Encontra-se em cumprimento de pena desde 11.03.2021, estando o seu termo previsto para 11.12.2022. Apresentou um pedido de habeas corpus, subscrito pelo seu mandatário, dirigindo-o como segue: “Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito AA, condenado no processo à margem referenciado e preso à ordem destes Autos desde 11 de Março do corrente; na sequência de Habeas Corpus por si apresentado junto do Supremo Tribunal de Justiça no qual, em suma, aquele mais alto Tribunal defendeu que o Habeas corpus em questão deveria ter sido submetido ao Tribunal de Instrução Criminal e não aquele Supremo Tribunal de Justiça vem, na sequência de tal decisão, requerer novo Habeas Corpus, agora ao abrigo do disposto no artigo 220º do Código de Processo Penal. Assim, uma vez tramitado este novo Habeas Corpus, requer-se que o mesmo seja remetido, com urgência possível ao Tribunal de Instrução Criminal ..….., por forma que possa ser tramitado nos termos do disposto nos artigos 220º e 221º do C.P.P..” E o “novo habeas corpus” tem o seguinte teor, na parte que mais releva à decisão: “1.º Conforme já foi referido perante o Supremo Tribunal de Justiça e agora se reforça nesta sede, o aqui requerente solicitou já Habeas Corpus perante o STJ, o qual foi indeferido, mas com importantes adendas, crê-se, para o desfecho deste processo. 2.º Tendo então formulado as seguintes conclusões, que agora reproduz, por entender manterem a sua pertinência e por constituírem as questões que agora pretende também ver apreciadas nesta instância (transcrição): 3.º “.Foram as seguintes as considerações conclusivas do seu recurso de Habeas Corpus: “Em conclusão, requer-se seja decretada a providência de “HABEAS CORPUS”, ora solicitada, porquanto: A) Deve o aqui peticionante beneficiar do perdão concedido nos termos do disposto na Lei 9/2020, de 10 de Abril, face a crime não excluído do âmbito de aplicação de tal perdão, e relativamente a pena não superior a dois anos de prisão; B) No mais, vigorando ainda a Lei nº 9/2020, e em fase de aumento da pandemia de COVID-19 (registam-se mais infeções nesta data, em 26 de Março de 2021 do que ocorreram na véspera) não se justifica, ao abrigo de uma interpretação sistemática e teleológica que uns presos sejam libertados para descongestionar os estabelecimentos prisionais face à gravidade sanitária em presença; para depois, no âmbito da mesma lei e da mesma pandemia, serem os estabelecimentos prisionais novamente sobrelotados para cumprimento de pequenas penas de prisão; C) Em face do exposto, deve entender-se que o aqui requerente está em condições de beneficiar do perdão genérico concedido, atentas as imperiosas razões de salvaguarda da saúde pública em presença; D) Acresce que, encontrando-se os prazos judiciais suspensos em processos não urgentes – como é o caso visto que o aqui peticionante se encontrava em liberdade – não pode o interessado ser detido sem a entrega de qualquer mandado de detenção ou documento equivalente pelo que, também nesta parte, a reclusão se mostra determinada por autoridade sem competência para o efeito e mantida para além dos prazos legalmente fixados (artigo 222.º n.º 2 als. a) e c) do C. P. Penal); E) Finalmente, não foram cumpridas as exigências constantes dos artigos 16.º (n.ºs 2 e 4) e 17.º do Código de Execução das Penas, o que acarreta que a presente providência de “HABEAS CORPUS” deva também proceder quanto a este fundamento, ao abrigo do disposto nas al. a) e c) do n.º 2 do artigo 222.º do C. P. Penal, o que se requer. Assim se fazendo a costumada Justiça”. 4.º Em suma, ainda apelando ao “Habeas Corpus” inicialmente remetido ao Supremo Tribunal de Justiça, foi sintetizado, com grande rigor por aquele Conspícuo Tribunal a páginas 12, o seguinte: 5.º “(…) 1.O peticionante pretende a sua libertação fundamentalmente alicerçado em três argumentos: a) considerando poder usufruir do perdão de pena concedido pela Lei n.º 9/2020, de 10 de abril; b) ter sido alegadamente detido sem a entrega de qualquer mandado de detenção ou documento equivalente; c) não terem alegadamente sido cumpridas as exigências constantes dos artigos 16.º (n.ºs 2 e 4) e 17.º do Código de Execução das Penas”. 2. Considera que os dois últimos casos, ao menos, se enquadram na previsão do artigo 222º, n.º 2 als. a) e c) do CPP”. 6.º Para prosseguir, logo de seguida, nos termos que se transcrevem: “3. No sistema português do Habeas Corpus há duas modalidades da providência: uma que realmente versa sobre a prisão ilegal (art. 222º do Código de Processo Penal - CPP) e outra que se preocupa com a detenção ilegal (art. 220º CPP). Não podem ser confundidas, e as competências para as mesmas são de órgãos jurisdicionais diversos. É iluminador o referido artigo 220º: 7.º “Artigo 220.º Habeas Corpus em virtude de detenção ilegal “1 - Os detidos à ordem de qualquer autoridade podem requerer ao juiz de instrução da área onde se encontrarem que ordene a sua imediata apresentação judicial, com algum dos seguintes fundamentos: a) Estar excedido o prazo para entrega ao poder judicial; b) Manter-se a detenção fora dos locais legalmente permitidos; c) Ter sido a detenção efectuada ou ordenada por entidade incompetente; d) Ser a detenção motivada por facto pelo qual a lei a não permite. 2 - O requerimento pode ser subscrito pelo detido ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos. 3 - É punível com a pena prevista no artigo 382.º do Código Penal qualquer autoridade que levantar obstáculo ilegítimo à apresentação do requerimento referido nos números anteriores ou à sua remessa ao juiz competente.”. Em suma, 8.º Ensina-nos o Supremo Tribunal de Justiça que “(…) Há uma reserva de competência do Juiz de Instrução da área onde se encontrarem os detidos (artº. 220, n.º 1). Quer em fase pré-processual, durante o inquérito, ou durante a instrução, quer ulteriormente”. 9.º Mais adiante, a páginas 15 da Douta decisão tomada na primeira providência de “Habeas Corpus” entende o Supremo Tribunal de Justiça que, duas das questões então colocadas, não sendo da competência do STJ, antes deveriam ter sido formuladas perante V. Excelência, Sr. Dr. Juiz de Instrução Criminal, orientação e caminho que desde já se perfilham. Ou seja, diz o STJ: 10.º “(…) 4. As questões b) e c) referidas, que se recordam – (b) ter sido alegadamente detido sem a entrega de qualquer mandado de detenção ou documento equivalente; c)não terem alegadamente sido cumpridas as exigências constantes dos artigos 16.º (n.ºs 2 e 4) e 17.º do Código de Execução das Penas – não se enquadram nas alíneas do n.º 2 do art. 222º do CPP, pois a falta de documentação e de cumprimento de formalidades de ingresso prisional e afins não configuram, em si mesmas, nem efetuação ou ordenação de prisão por entidade incompetente, nem por facto pelo qual a lei não a permita, nem, obviamente, referindo ao momento do primeiro contacto com a prisão, nada têm a ver com os prazos para ela determinados. 5. Mais serão questões que eventualmente deveriam ter sido encaminhadas ao juiz de instrução respetivo, de acordo com o preceituado pelo art. 220.º porque se prendem com a detenção. Não são questões de que este Supremo Tribunal de Justiça possa e deva conhecer (art. 222, n.º 1, a contrario). Em condições semelhantes está a questão da suspensão dos prazos processuais, e especificamente dos próprios mandatos de captura, aliás objeto de parecer urgente do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, n.º 10/20. 11.º Pois bem, seguindo esta orientação do STJ, e após ter esgotado todas as outras soluções de que poderia ter lançado mão (cfr. o aqui requerente solicitou, previamente aos “Habeas Corpus”, quer a reabertura da audiência do seu julgamento, quer a concessão do perdão resultante da pandemia de COVID-19) nada mais resta a AA senão formular o seu pedido de “Habeas Corpus”, agora perante V. Excelência, Senhor Dr. Juiz de Instrução Criminal. 12.º Subsidiariamente, também o problema do perdão da pena fará sentido, pelas razões que adiante se aduzirão. 13.º Seja como for, tendo em conta as diligências já efetuadas e sobretudo o Douto entendimento do Senhor Juiz Conselheiro, o recurso a esta providência de “Habeas Corpus” nunca poderá representar o recurso a uma medida manifestamente improcedente, o que expressamente se invoca para efeitos deste caso. (…) Tudo visto, e em conclusão: A) Deve o presente requerimento ser recebido e tramitado, com a urgente convocação do cidadão AA, tendo em vista a análise da sua situação de detenção atual, com vista à respetiva libertação; B) Deve tal diligência ser considerada não manifestamente impertinente, visto existirem juízes conselheiros que a consideraram útil no primeiro “Habeas Corpus” apresentado (cfr. doc. N.º 1); C) Atenta a suspensão de prazos judiciais vigentes em 11 de Março de 2021 (cfr. Parecer do Conselho Consultivo da PGR que se junta como doc. N.º 2) estava a Polícia inibida de prender ou deter o aqui peticionante, tendo excedido os seus poderes e encontrando-se a detenção em vigor além dos prazos legais (als. a) e c) do n.º 1 do artigo 220.º do CPP); D) Sem prescindir, não foi entregue ao peticionante, nem na altura da sua detenção, nem até ao momento, qualquer mandado de captura, o que se alega para efeitos de ilegalidade da respetiva detenção (als. a) e c) do artigo 220.º n.º 1 do Código de Processo Penal); E) Mais também não foi cumprido o disposto nos n.ºs 2 e 4 do artigo 16.º do Código de Execução de Penas, já que não foi o peticionante informado dos seus direitos e deveres, não lhe foi entregue qualquer documento escrito a tal respeito nem lhe foi facultado o contacto imediato com advogado; F) Também não foi cumprido o disposto no artigo 17.º do referido Código de Execução de Penas, não resultando claro ao abrigo de qual das suas alíneas o cidadão AA foi recluído; G) Finalmente, entende-se dever-lhe ser aplicado o perdão a que se refere a Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, ainda em vigor, não apenas para evitar os efeitos de uma possível infeção do mesmo ou de terceiros, tornada possível dado que a pandemia não está ainda controlada ou em manifesta diminuição; mas também dado que o peticionante preenche os demais requisitos de aplicação (condenação em pena inferior a dois anos de prisão relativamente a crime não excluído do âmbito de aplicação da lei em apreço).” O requerimento do requerente, apresentado em primeira instância e dirigido ao Senhor juiz de instrução criminal, mereceu deste magistrado a seguinte apreciação: “Compulsados os autos verifica-se que o requerente AA se encontra preso em cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada no processo com o NUIPC 628/17……, que corre termos no Juízo Central Criminal ..…., JUIZ ……, conforme decorre destes autos que nos foram igualmente presentes. Pese embora no pedido de Habeas Corpus, o arguido, solicite a remessa de tal pedido ao Juízo de Instrução Criminal, cumpre referir que o arguido não se encontra sujeito a uma detenção, mas a prisão efetiva em cumprimento de pena que lhe foi aplicada, no âmbito do processo suprarreferido. Assim sendo a situação referida pelo arguido no pedido, de Habeas Corpus não se encontra abrangida pelos artigos 220º e 221º do CPP. Trata-se de um caso de prisão e não de detenção. Assim sendo carece este Tribunal de competência para apreciação do pretendido pelo arguido. Efetivamente e como se depreende do pedido de Habeas Corpus formulado o arguido pretende reagir à sua situação de prisão. Tal reação encontra-se prevista no artº 222º e 223º do CPP, competindo ao Supremo Tribunal de Justiça a sua apreciação. Igualmente compete ao Tribunal à ordem de quem o referido arguido se encontra preso a instrução do referido pedido bem como a prestação da informação a que alude o nº 1 do mencionado artº 223º do CPP. Face ao exposto remeta de imediato e com urgência os presentes autos e processo principal ao Juízo Central Criminal ….., JUIZ ….., para os fins tidos por convenientes.” Foi então prestada a informação a que se refere o art. 223.º, n.º 1 do CPP, nos seguintes termos: “Habeas Corpus Tomei conhecimento da decisão proferida a fls. 39. O arguido/condenado AA apresentou agora uma segunda providência de habeas corpus. Resulta dos autos principais, que o arguido foi condenado pela prática, como autor material e na forma consumada, de 1 (um) crime de passagem de moeda falsa, previsto e punido pelo artigo 265, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão efetiva – cfr. fls. 394 a 417. Tal pena resulta da decisão proferida em primeira instância, confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação … – cfr. fls. 502 a 529. Em virtude do trânsito em julgado da decisão condenatória, o arguido foi detido e encontra-se em cumprimento de pena desde 11 de março de 2021 - cfr. fls. 537, 549, 550, 566 e 567. Ora, nos termos do disposto no artigo 222.º , do Código de Processo Penal, a providência de habeas corpus deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. Compulsados os autos, a pena foi aplicada por autoridade judicial – Juízo Central Criminal …, do Tribunal Judicial da Comarca …… e confirmada por Acórdão do Venerando Tribunal da Relação …, que negou provimento ao recurso interposto pelo arguido. E a privação da liberdade do arguido ocorreu, como já referido, em 11 de março de 2021, por cumprimento do mandado de detenção para cumprimento de pena, em execução de decisões judiciais transitadas em julgado, sendo o seu termo previsto em 11 de dezembro de 2022 – cfr. fls. 651 a 653. Significa isto que nenhum dos fundamentos da providência de habeas corpus se verifica, que determine a ilegalidade da prisão preventiva. A prisão do arguido/condenado AA é, por isso, legal. Entendo, portanto, que o arguido/condenado AA se encontrava correta e legalmente privado da liberdade, carecendo de fundamento o Habeas Corpus para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 223.º, do Código de Processo Penal, extraia certidão das fls. acima referenciadas, do requerimento de Habeas Corpus e do presente despacho.” Foi convocada a secção criminal, notificando-se o Ministério Público e o defensor, e realizou-se a audiência na forma legal, tendo a secção reunido para deliberação. 2. Fundamentação O habeas corpus é uma providência com assento constitucional, destinada a reagir contra o abuso de poder por virtude de prisão ou detenção ilegal, podendo ser requerida pelo próprio detido ou por qualquer outro cidadão no gozo dos seus direitos políticos, por via de uma petição a apresentar no tribunal competente (art. 31.º da CRP). A petição de habeas corpus em virtude de prisão ilegal tem os fundamentos previstos taxativamente no art. 222.º, n.º 2. do CPP, que consubstanciam “situações clamorosas de ilegalidade em que, até por estar em causa um bem jurídico tão precioso como a liberdade ambulatória (…), a reposição da legalidade tem um carácter urgente”. O “carácter quase escandaloso” da situação de privação de liberdade “legitima a criação de um instituto com os contornos do habeas corpus” (Cláudia Cruz Santos, “Prisão preventiva – habeas corpus – recurso ordinário”, in RPCC, ano 10, n.º 2, 2000, pp. 303-312, p. 310). Os autores convergem no sentido de que “a ilegalidade que estará na base da prevaricação legitimante de habeas corpus tem de ser manifesta, ou seja, textual, decorrente da decisão proferida. Pela própria natureza da providência, que não é nem pode ser confundida com o recurso, tem de estar em causa, por assim dizer, uma ilegalidade evidente e actual. (…) O habeas corpus nunca foi nem é um recurso; não actua sobre qualquer decisão; actua para fazer cessar «estados de ilegalidade»” (José Damião da Cunha, “Habeas corpus (e direito de petição «judicial»): uma «burla legal» ou uma «invenção Jurídica»?”, in Homenagem ao Professor Doutor Germano Marques da Silva (coord. José lobo Moutinho et al.), vol. 2, lisboa: uce, 2020, pp. 1361-1378, pp 1369 e 1370). Constitui também jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça a excepcionalidade da providência e a sua distanciação da figura dos recursos. Assim se decidiu designadamente no acórdão de16-03-2015 (Rel. Santos Cabral) – “II - A providência de habeas corpus não decide sobre a regularidade de actos do processo, não constitui um recurso das decisões em que foi determinada a prisão do requerente, nem é um sucedâneo dos recursos admissíveis. III - Nesta providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira à situação processual do requerente, se os actos do processo produzem alguma consequência que se possa reconduzir aos fundamentos referidos no art. 222.º, n.º 2, do CPP. IV - Como não se substitui nem pode substituir-se aos recursos ordinários, o habeas corpus não é o meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão, porquanto está reservado para os casos indiscutíveis de ilegalidade que impõem e permitem uma decisão tomada com a celeridade legalmente definida.” Preceitua então o art. 222.º do CPP, sob a epígrafe “Habbeas corpus em virtude de prisão ilegal”, que o Supremo tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa (n.º 1). E a ilegalidade da prisão deve (ou tem de) provir de uma das seguintes circunstâncias (n. 2): a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei o não permite; c) Se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. No presente caso, resulta muito claro que o requerente não dirigiu a presente providência ao Supremo Tribunal de Justiça. E mostra-se igualmente evidente, pois referiu-o expressamente, pretender estar a agir ao abrigo do disposto no art. 220.º do CPP. Logo, não desencadeou a presente providência nos termos e para os efeitos previstos no art. 222.º do CPP, ou seja, em momento algum dirigiu este seu (segundo) pedido ao Supremo Tribunal de Justiça. E da leitura da certidão com que o requerente instruiu a petição – certidão de anterior acórdão desta mesma 3.ª Secção do Supremo, proferido em 07.04.2021 – constata-se que esta sua nova petição é a repetição do primeiro requerimento de habeas corpus apresentado neste Supremo Tribunal, pelo mesmo arguido. Tal requerimento, após ter tido lugar audiência, foi apreciado e decidido no acórdão de 07.04.2021. Acórdão que conheceu de tudo o que havia a conhecer, esgotando assim integralmente a matéria de conhecimento, e indeferindo a providência. E é essa mesma matéria que o requerente renova aqui. É certo que, como se disse de início, o requerente renovou a petição, mas dirigindo-a agora (exclusivamente) à primeira instância (primeira instância que procedeu depois, “oficiosamente”, à remessa do processado respeitante à providência, a este Tribunal). E dirigiu-a à primeira instância, dizendo agir ao abrigo do art. 220.º do CPP – norma que respeita ao habeas corpus em virtude de detenção ilegal, e, não, de prisão ilegal – e dizendo fazê-lo em cumprimento do anterior acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Cremos que o requerente, na sua interpretação, se estaria a referir ao excerto seguinte do anterior acórdão desta Secção: “(…) As questões b) e c) referidas, que se recordam – (b) ter sido alegadamente detido sem a entrega de qualquer mandado de detenção ou documento equivalente; c) não terem alegadamente sido cumpridas as exigências constantes dos artigos 16.º (n.ºs 2 e 4) e 17.º do Código de Execução das Penas – não se enquadram nas alíneas do n.º 2 do art. 222.º do CPP, pois a falta de documentação e de cumprimento de formalidades de ingresso prisional e afins não configuram, em si mesmas, nem efetuação ou ordenação de prisão por entidade incompetente, nem por facto pelo qual a lei não a permita, nem, obviamente, referindo ao momento do primeiro contacto com a prisão, nada têm a ver com os prazos para ela determinados. Mais serão questões que eventualmente deveriam ter sido encaminhadas ao juiz de instrução respetivo, de acordo com o preceituado pelo art. 220, porque se prendem com a detenção. Não são questões de que este Supremo Tribunal de Justiça possa e deva conhecer (art. 222, n.º 1, a contrario). Em condições semelhantes está a questão da suspensão dos prazos processuais, e especificamente dos próprios mandatos de captura, aliás objeto de parecer urgente do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, n.º 10/20. (…)” (itálico nosso) Com a expressão em causa, supra transcrita em itálico, ter-se-á pretendido distinguir os dois âmbitos de aplicação da providência, por referência às duas normas processuais penais que separadamente a prevêem, consoante esteja em causa uma detenção ilegal ou uma prisão ilegal. Assim, e em concreto, estando o requerente arguido em cumprimento de pena de prisão efectiva, e tendo consequentemente accionado já a providência ao abrigo do art. 222.º do CPP, conheceu o Supremo dos seus fundamentos, à luz da norma em causa. E não deixou então de notar também o Supremo que as questões colocadas pelo requerente, mas respeitantes à detenção, “deveriam ter sido encaminhadas ao juiz de instrução respectivo”. Deveriam tê-lo sido, entenda-se, logicamente a seu tempo. Ou seja, num tempo processual anterior. Pois o processo prossegue, e não retrocede. De tudo se conclui que a presente providência de habeas corpus carece de fundamento que a suporte, e é a repetição da providência anterior já conhecida, decidida e indeferida por este Supremo Tribunal de Justiça. Inexiste excesso do prazo máximo da pena de prisão que o arguido se encontra a cumprir, pois esta só terminará em 11.12.2022, como se consignou no início. 3. Decisão Pelo exposto, delibera-se, neste Supremo Tribunal de Justiça, indeferir o habeas corpus. Custas pelo requerente, com 4 UC de taxa de justiça. Lisboa, 28.04.2021 Ana Barata de Brito (relatora) Com voto de conformidade da Senhora Conselheira Adjunta Maria Conceição Gomes Pires da Graça (Juiz Conselheiro Presidente da Secção) |