Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
920/17.3T9CBR.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
ERRO DE CÁLCULO
PENA SUSPENSA
CÚMULO POR ARRASTAMENTO
CUMPRIMENTO SUCESSIVO
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 02/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA / CORRECÇÃO DA SENTENÇA.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
Doutrina:
- A. Rodrigues Costa, O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ, JULGAR - N.º 21 – 2013;
- J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 242, 243, 277, 291 e 339 ; Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª ed. Coimbra Editora, p. 977 e 988.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 380.º, N.º 2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 78.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 9/2016, DE 28-04-2016;
- DE 14-09-2016, PROCESSO N.º 71/13.0JACBR.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-11-2016, PROCESSO N.º 804/08.6PCCSC.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-05-2017, PROCESSO N.º 1262/11.3GAVNG.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-11-2017, PROCESSO N.º 27/11.7JBLSB.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-02-2018, PROCESSO N.º 2118/13.0PBBRG.G1.S1;
- DE 28-02-2018, PROCESSO N.º 125/97.8IDSTB-AS1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-03-2018, PROCESSO N.º 180/13.5GCVCT.G2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-05-2018, PROCESSO N.º 799/15.OJABRG.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 2/2006 DE 31-01-2006, PROCESSO N.º 904/05;

- ACÓRDÃO N.º 341/2013, PROCESSO N.º 15/13, AMBOS IN WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT.
Sumário :

I - À correção de erros de escrita ou de cálculo ou de inexatidões devidas a omissão ou lapso manifesto procede-se, oficiosamente ou a requerimento, por despacho do tribunal que proferiu a sentença. Se desta foi interposto recurso que já subiu, cabe ao tribunal superior proceder à rectificação.
II - Ocorrendo um erro de aritmética em que incorreu o acórdão recorrido na soma das penas parcelares englobadas nos 2.º e 3.º blocos dos cúmulos jurídicos efectuados nestes autos, tal erro tem de ser reparado e este STJ, ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.º 2, do CPP, pode e deve proceder à necessária rectificação.
III - É jurisprudência uniforme deste STJ que no cúmulo jurídico em caso de concurso superveniente de crimes, podem, na formação da pena única, ser englobadas penas de prisão efetiva e penas de prisão com execução suspensa.
IV - O denominado cúmulo “por arrastamento” que consiste em cumular [juridicamente] penas aplicadas por crimes cometidos antes ou depois do trânsito em julgado da 1.ª condenação por qualquer deles, é uma solução rejeitada pela doutrina e pela jurisprudência do STJ.
V - Se os crimes conhecidos supervenientemente forem vários, uns cometidos antes do trânsito em julgado da condenação e outros depois, o tribunal aplicará duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior, outra relativamente aos crimes praticados depois, porquanto, a ideia de que o tribunal deveria ainda proferir uma só pena conjunta contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e de reincidência.
VI - A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as características da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na actividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta no ordenamento punitivo.

Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção, acorda:


A- RELATÓRIO:

O Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra -Juízo Central Criminal de Coimbra (Juiz 3), em Acórdão cumulatório de penas (por conhecimento superveniente de concurso de crimes), condenou o arguido AA, nas seguintes penas únicas:

1.º GRUPO (Processos n.º 231/13.3GBAGN, 94/13.9GBAGN, 206/13.2GBAGN e 68/13.0GBAGN): 3 anos de prisão a que acresce 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros, no total 750,00 Euros;

2.º GRUPO (Processos n.º 70/14.4GBAGN, 115/14.8GBAGN e 47/15.2GBAGN (pontos I a VI e IX): 8 anos de prisão;

3.º GRUPO (Processo n.º 47/15.2GBAGN – Pontos VII e VIII – 920/17.3T9CBR): 3 anos de prisão.

O Arguido, inconformado, recorre, rematando a alegação com as seguintes:

-CONCLUSÕES:

1. Vem o recurso interposto da douta decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Central Criminal de Coimbra – Juiz 3, em que procedeu à realização do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares aplicadas ao arguido:

- (quatro (4)) meses de prisão efectiva, resultante da pena que lhe foi aplicada no Processo  920/17.3T9CBR;

- seis (6) anos de prisão efectiva, resultante do cúmulo abrangendo as penas que lhe foram aplicadas no Processo 47/15.2GBAGN;

- quatro(4 ) anos e seis (6) meses de prisão efectiva, resultante do cúmulo abrangendo as penas que lhe foram aplicadas no Processo 115/14.8GBAGN;

- dois (2) anos e seis (6) meses de prisão efectiva, resultante da pena que lhe foi aplicada no Processo 70/14.4GBAGN;

- dois (2) anos de prisão suspensa na sua execução, por igual período de tempo, e ainda dever de pagamento da quantia de 1.560 € aos lesados, resultante da pena que lhe foi aplicada no Processo 68/13.0GBAGN;

- dois (2) anos de prisão suspensa na sua execução, por igual período de tempo, resultante da pena que lhe foi aplicada no Processo 206/13.2GBAGN;

- oitenta (80) dias de multa à taxa diária de 5,50 Euros, resultante da pena que lhe foi aplicada no Processo 94/13.9GBAGN;

- um (1) ano de prisão suspensa na sua execução, por igual período de tempo, e 120 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros, resultante da pena que lhe foi aplicada no Processo 231/13.3GBAGN;

2. Realizada a audiência para efectivação de cúmulo jurídico, decidiu o douto Tribunal Colectivo, condenar o Recorrente nas penas únicas de:

- 1.º GRUPO (Processos 231/13.3GBAGN, 94/13.9GBAGN, 206/13.2GBAGN e 68/13.0GBAGN): 3 anos de prisão, a que acresce 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros, no total 750,00 Euros;

- 2.º GRUPO (Processos 70/14.4GBAGN, 115/14.8GBAGN e 47/15.2GBAGN (pontos I a VI e IX): 8 anos de prisão;

- 3.º GRUPO (Processo 47/15.2GBAGN – Pontos VII e VIII – 920/17.3T9CBR): 3 anos de prisão.

3. O recurso versa sobre matéria de Direito, relativa à formação e limite da moldura do concurso, erro na interpretação de norma legal e fixação da pena única, e vícios do douto acórdão resultantes de omissão de pronúncia, que se tem por majorada, desajustada, e violadora dos princípios da igualdade e proporcionalidade.

4. Entende o Recorrente que as penas únicas de prisão, que lhe foram aplicadas, se afiguram manifestamente exageradas e desproporcionais, não satisfazendo igualmente as exigências do Direito Penal.

5. O Tribunal a quo, não teve o cuidado de previamente aquilatar do estado das penas de prisão suspensas na sua execução, juntando tudo dentro do mesmo saco, indiferente à natureza de tais penas.

6. Assiste dificuldade ao Recorrente em perceber como pode o Tribunal a quo, demitir-se, em sede de cúmulo jurídico, operar toda a responsabilidade penal do arguido ainda que, recorrendo à determinação de várias penas únicas de cumprimento sucessivo.

7. A realização de cúmulo jurídico deveria ser uma forma de sanear toda a responsabilidade penal do Recorrente, concentrando-a num único trecho decisório.

8. E não pode o Recorrente conformar-se com a decisão do Tribunal a quo, por a mesma ser injusta, desproporcional, excessiva e violadora dos princípios da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

9. O douto Acórdão recorrido, refere, no que respeita ao conhecimento superveniente do concurso de crimes, previsto no artigo 78.º do Código Penal, que ao agente é aplicada uma pena única se se mostrar que, o mesmo praticou vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer um deles.

10. Ao conhecimento superveniente do concurso de crimes, são aplicáveis as regras do artigo 77.º do Código Penal, nos termos deste artigo, devem ser aplicadas ao agente da prática de concurso de crimes, uma pena única, sendo certo que na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

11. Contudo, à luz destas considerações, foram aplicadas, ao Recorrente, três penas únicas, que deverão ser cumpridas sucessivamente pelo Arguido.

12. Andou mal o Tribunal a quo ao não ter aplicado ao Recorrente uma pena única, atentos os artigos supra mencionados.

13. O Recorrente, com o presente recurso, pugna que qualquer que seja a pena aplicada em concreto, por esse Alto Tribunal, a mesma deveria aplicar uma pena única e não o cumprimento de três penas únicas.

14. No que diz respeito às penas privativas da liberdade, o legislador ao elencar a vasta panóplia de penas de substituição precipitadas no Código Penal, denota, que o nosso sistema sancionatório assenta na concepção básica de a pena privativa da liberdade, constituir a ultima ratio da política criminal. O que permite limitar o seu efeito negativo e criminógeno, oferecer-lhe um sentido positivo, prospectivo e socializador.

15. (repete a conclusão anterior).

16. Os critérios legais na determinação da medida concreta da pena, constante no artigo 71.º e 77.º n.º 1 do CP, apontam para que numa primeira fase, a pena seja encontrada em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção e numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime rodearam o mesmo antes ou depois do seu cometimento, procurando não prejudicar a sua situação social mais do estritamente necessário (função preventiva especial positiva), voltando a levar a vida ordenada e conforme e a lei.

17. Tal resulta do estatuído no artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

18. No caso em apreço, salvo o devido respeito por opinião contrária, o Tribunal a quo não teve em conta o supra exposto.

19. O Tribunal a quo não ponderou nem valorou todo um circunstancialismo de dificuldades que o arguido passou ao longo da sua vida.

20. Essas circunstâncias marcaram de forma profunda o arguido numa fase essencial de modelação da sua personalidade e que influenciaram decisivamente na sua conduta.

21. Sendo que, o referido circunstancialismo não foi devidamente valorado pelo Tribunal a quo, que enfatizou, ao invés, o conteúdo do registo criminal do Recorrente.

22. A ilicitude global de toda a conduta do Recorrente e a conexão entre os factos ilícitos praticados, revelam um “modo” de sobrevivência – talvez o único “modo” ao seu alcance.

23. O Tribunal a quo, não elegeu os factores que devia ter tido em conta para quantificar a pena, nem a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar.

24.Se o Recorrente, na sua conduta, passou a fronteira do normativo, logo tem o tribunal o dever de não o deixar passar impune. Contudo, neste caso, a pena aplicada pode torna-lo incapaz de agir de modo diferente e comprometer a sua “reabilitação”.

25. Assim, as penas aplicadas ao Recorrente, podem, fechar definitivamente o círculo da sua vida.

26. Salvo o devido respeito, o recorrente discorda da concreta medida da pena determinada, relativamente aos três grupos.

27. O Recorrente actualmente apresenta um discurso demonstrativo da capacidade crítica relativamente à natureza dos factos que estão na origem das suas condenações.

28. Mostra arrependimento, assumindo a ilicitude das suas condutas, tal qual demonstrou nos processos em que assumiu a prática dos factos, confessando-os.

29. Encontra-se numa fase de reflexão, de interiorização de tudo o que se passou, está consciente dos erros que praticou, e do que pode ainda fazer com a sua vida, o tempo de reclusão que passou, foram decisivos para a alteração do comportamento do arguido.

30. O Recorrente está determinado em manter-se fora de qualquer actividade criminosa.

31. Em sede de cumprimento de pena assume comportamento ajustado e respeitador das normas vigentes em meio prisional.

32. O Recorrente, atravessa uma fase vital na projecção da sua vida futura, pois, ou agarra de uma vez a oportunidade ou corre o risco da mesma se perder para sempre, mostrando-se na fase definitiva de assunção de responsabilidades (maturação adulta).

33. Tudo isto resulta das declarações que prestou conforme gravação, com início pelas 14.30.31 horas e o seu termo pelas 14.35.44 horas.

34. Deverão vossas Excelências Senhores Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça ter em conta tudo o que supra se expôs, atender à gravidade dos crimes, a frequência com que ocorrem na comunidade, e o impacto que têm na sociedade, e à segunda finalidade, a idade, o percurso de vida, o núcleo familiar envolvente, as condicionantes económicas e sociais que rodeiam o agente, tudo numa preocupação prospectiva, da reinserção social que se mostre possível.

35. Assim, no que diz respeito à personalidade do agente, ora Recorrente, como critério de fixação da pena, há que acrescentar que as condições pessoais do agente não se esgotam na mera posição social, abrangendo, ainda, a origem, a educação, as relações com o meio e os outros, o estado cultural, a perspectiva da profissão, a doença, a sensibilidade penal, o grau de desenvolvimento bio-psíquico.

36. Todos estes vectores deveriam ser tomados em linha de conta na fixação da pena concreta, o que, no caso em apreço, não foi tido em devido relevo por parte do Tribunal a quo.

37. Nos termos do artigo 71.º do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção

38. A culpa é limite da medida da pena, na medida em que consoante a maior ou menor culpa manifestada pelo agente na prática do facto ilícito, maior ou menor será a pena.

39. O Tribunal a quo não se coibiu de atribuir a culpa ao ora Recorrente no que concerne aos diversos ilícitos penais em causa para a realização do cúmulo jurídico.

40. No que respeita às exigências de prevenção, salvo o devido respeito por melhor opinião, estas dividem-se em dois grupos fundamentais: exigências de prevenção geral e exigências de prevenção especial.

41. Sendo que, as exigências de prevenção geral constituem um alerta para a comunidade onde se insere o infractor e apresentam um duplo sentido: a pena aplicada ao infractor intimida as demais pessoas e leva-as a não cometerem crimes (prevenção geral negativa) e essa mesma pena aplicada ao agente mantém e reforça a confiança da comunidade na validade e eficácia das normas jurídico-penais como instrumentos de tutela de bens jurídicos (prevenção geral positiva de integração).

42. As exigências de prevenção especial, estas exercem influência sobre o próprio agente, e apresentam, também, um duplo sentido: a pena aplicada ao agente tem como objectivo neutralizar a perigosidade social do agente, exercendo sobre ele um efeito retractivo (prevenção especial negativa) e a mesma pena tem como finalidade reinserir socialmente o agente, através da sua adesão aos valores da comunidade, evitando cometer novos crimes (prevenção especial positiva ou de socialização).

43. Assim, dentro do limite máximo da medida da pena, a mesma é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo da tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

44- No âmbito da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é, ainda, encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação.

45. Desta forma, é tal atenuação que humildemente se peticiona, tendo por base as considerações vertidas, na presente motivação.

46. Sem esquecer que, aquilo que importa para efeitos de cúmulo, mais que uma operação matemática, é a correta extracção e subsunção dos factos ao Direito.

47. Da reclusão do Recorrente, bem como o seu processo de desenvolvimento demonstram fortemente que se encontram preenchidas as exigências de prevenção, primordialmente as exigências de prevenção especial.

48. Assim, deverão vossas Excelências Senhores Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça ter em conta tudo o que supra se expôs, e ainda, a idade, o percurso de vida, o núcleo familiar envolvente, as condicionantes económicas e sociais que rodeiam o arguido, tudo numa preocupação prospectiva, da reinserção social que se mostre possível.

49. Impõe-se, assim, que se proceda a uma nova reflexão sobre os factos, em conjunto com a personalidade do condenado, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade do arguido.

50. Admitindo-se que esse Venerando Tribunal possa analisar a questão de forma diferente, sempre se constata a desproporcionalidade da medida das penas aplicadas no cúmulo jurídico, a qual viola patentemente as regras fixadas na lei para a sua determinação.

51. No que respeita à medida da pena aplicada in casu, cumpre aferir da consonância da mesma com os critérios plasmados nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal.

*

Afirma ter sido as seguintes as NORMAS VIOLADAS:

- Artigos 13.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa;

- Artigos 40.º, n.º 1 e 2, 71.º, 77.º e 78.º, todos do Código Penal.

Peticionando a “revogação do douto acórdão recorrido, em razão dos vícios, bem como, ad cautelam, da majoração condenatória de que o mesmo padece”.

O Ministério Público na instância respondeu, culminando a motivação com as seguintes:  

-Conclusões:

I. O momento relevante para a determinação do cúmulo jurídico de penas é o trânsito em  julgado  da  anterior  condenação,  ou  seja,  o  cúmulo jurídico há-de englobar os crimes cometidos antes do trânsito em julgado da primeira  condenação  [v.  Ac.  do  STJ  (fixação  de  jurisprudência)  nº 9/2016, de 9 de Junho, publicado no DR nº 111, série I, de 09.06.2016].

II. Assim, não poderão integrar o cúmulo as condenações por crimes cometidos depois da data do trânsito da primeira condenação.

III. E se esses crimes – que não poderão integrar o primeiro cúmulo por terem sido praticados depois daquele limite temporal intransponível (que é o trânsito em julgado da primeira condenação) – estiverem numa relação de concurso entre si, deverá proceder-se, de acordo com o critério temporal ou cronológico, a um novo agrupamento de infracções e a um novo cúmulo jurídico, cuja pena única que daí resultar será de cumprimento sucessivo relativamente à pena única resultante do primeiro cúmulo.

IV. O arguido recorrente, ao pugnar pela aplicação de uma única pena no caso em apreço, propugna a tese do “cúmulo jurídico por arrastamento”, a qual, para além de postergar os critérios legais, é claramente rejeitada pela doutrina e pela jurisprudência.

V.  As  penas  de  prisão  suspensas  na  sua  execução  impostas  no  PCS 206/13.2GBAGN (v. o CRC a fls.170) e no PCS 68/13.0GBAGN (v. o CRC a fls.170 verso) incluídas no cúmulo jurídico  operado nos presentes autos haviam  já  perdido  a  sua  autonomia  por  terem  sido  oportunamente abrangidas pelo cúmulo jurídico operado no aludido PCS 68/13.0GBAGN (v.  fls.171  verso),  sendo  certo  que  a  respectiva  sentença  cumulativa  foi proferida (e até transitou em julgado) antes de terem decorrido os períodos de  suspensão impostos  nos  processos  abrangidos  pelo  cúmulo  efectuado naqueles autos. Por outro lado, o prazo de suspensão da execução da pena única de prisão resultante desse cúmulo jurídico ainda não tinha decorrido (nem ainda decorreu actualmente) quando foi proferido o acórdão cumulativo nos presentes autos.

VI.  O Tribunal a quo,  antes  de  designar  a  data  para  a  audiência  do cúmulo  jurídico, solicitou  aos  respectivos  processos  informação  quanto  ao estado da execução das penas que integrariam o cúmulo jurídico a operar (v. fls.184), cujas respostas constam de fls.189 e segs.

VII. O arguido recorrente encontra-se  em  cumprimento  de  várias penas sucessivas desde 04.11.2015 (v. fls.294 a 295 verso) e os factos que deram  origem  ao  presente  processo  –  pelos   quais  o   arguido   recorrente   foi condenado em 4 (quatro) meses de prisão efectiva, por decisão transitada em julgado em 29.11.2017   –  foram  praticados  em  estabelecimento  prisional  e  durante  o período  da  suspensão  da  pena  única  de  prisão  que  havia  sido  aplicada  no sobredito PCS 68/13.0GBAGN (v. o CRC e as certidões juntas aos autos).

VIII. Ao agrupar os crimes pelos quais o arguido foi condenado nos processos acima referenciados em três ciclos de infracções e ao operar três cúmulos jurídicos distintos, abrangendo também condenações em penas de prisão suspensas na sua execução, e condenando, a final, o arguido em três  penas  únicas  de  prisão  efectiva,  para  cumprimento sucessivo, o Tribunal a quo respeitou escrupulosamente os critérios legais e da jurisprudência fixada no que tange à punição do concurso de crimes.

IX.   Na determinação da medida das penas únicas aplicadas, o Tribunal  a  quo  ponderou,  em  conjunto,  os  factos  e  a  personalidade  do arguido, nomeadamente a sua culpa e a reiteração da sua conduta, bem como o facto de o mesmo ter actuado com total desrespeito e desprezo pelo espaço de privacidade e pelo património das suas vítimas, colocando em causa a paz e  a  tranquilidade  pública.  Foi  também  considerado,  no  seu  conjunto,  o percurso criminal do arguido, revelador de uma personalidade insensível às reacções  penais  de  que  foi  alvo.  Foi  ainda  valorada  a  homogeneidade  das suas  condutas  e  a  circunstância  de  o  arguido  ter  admitido  a  maioria  dos factos  pelos  quais  foi  condenado,  quando  confrontado  em  audiência  de julgamento.

X. As penas únicas aplicadas –  3 anos de prisão e 150 dias de multa (1º grupo),  8 anos de prisão (2º grupo) e 3 anos de prisão (3º grupo) – não poderão ser consideradas excessivas, considerando as respectivas molduras.

Sustentado o acerto do acórdão recorrido, entende que deve confirmar-se, e o recurso improceder.

O Digno Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal aderindo inteiramente à resposta do Ministério na 1ª instância, para cujos termos remete, é de parecer que o recurso deve improceder.

Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2 do CPP, o recorrente pronunciou-se, reafirmando o alegado, com especial enfase na pretensão da aplicação de uma só pena única e na pretensão do mão englobamento no cúmulo jurídico das penas de substituição (penas de prisão com execução suspensa).


B- FUNDAMENTAÇÃO:

Do acórdão recorrido extrai-se que a decisão assentou na seguinte:
1. Fundamentação de facto:

Factos Provados:

O arguido foi condenado nos seguintes processos:

Processo Comum Singular n.º 920/17.3T9CBR:

Data dos Factos:

Data da Sentença: 30.10.2017

Data do Trânsito em Julgado: 29.11.2017

Crimes e Pena aplicada: um crime e detenção de arma proibida, p.p. pelas disposições conjugadas dos arts 2°, nº 1, f); art. 3º; 4° e 86°, n. 1, al. d), todos do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (Lei 5/2006, de 23/02, alterada pela Lei n.o 17/2009, de 06/05) na pena de 4 meses de prisão efetiva.

Na sentença consta como provado:

1. No dia 13.02.2017, pelas 17h35, na sequência de uma revista inopinada realizada à cela do recluso e aqui arguido, sita na Ala F do Estabelecimento Prisional de Coimbra, nesta cidade, o arguido detinha, escondida debaixo de lavatório, a faca artesanal com o comprimento de lâmina de 12.5cm.

2. A mesma não se encontrava afeta ao exercício de práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, nem configurava objeto de coleção.

3. O arguido não desconhecia que a detenção do artefacto aludido, dentro de um estabelecimento prisional, lhe era vedada por Lei.

4. Não obstante, actuou livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Processo Comum Coletivo n.º 47/15.2GBAGN:

Data dos Factos: 11.5.2015 (Ponto I), 4.9.2015 (ponto II), 16.9.2015 (ponto III), 3.9.2015 (ponto IV), 3.9.2015 (ponto V), 28.2.2015 (ponto VI), 29.10.2015 (ponto VII), 29.10.2015 (ponto VIII), 22.9.2016 (ponto IX),

Data do Acórdão: 15.5.2017

Data do Trânsito em Julgado: 14.6.2017

Crimes e Penas aplicadas:

- 5 (cinco) crimes de furto qualificado consumado, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 203°, n.º 1 e 204°, n.º 2, al. e), todos do Código Penal, em 5 penas parcelares de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (pontos II, IV, VII, VIII, segunda parte e IX);

- 1 (um) crime de furto qualificado tentado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 203°, n.º 1 e 204°, n.º 2, al. e) e 22.º e 23.º, todos do Código Penal, na pena parcelar de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (ponto III);

- 2 (dois) crimes de furto qualificado consumado, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos arts. 203°, n.º 1 e 204°, n.º 1, al. b), todos do Código Penal, em 2 penas parcelares de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (pontos V e VIII, primeira parte);

- 2 (dois) crimes de detenção de arma proibida, previstos e punidos pelo art. 86.º/1 d) do Regime Jurídico das Amas e Munições, em 2 penas parcelares, uma de 1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão (ponto VI) e outra de 12 (doze) meses de prisão (ponto I);

- 1 (um) crime de coacção agravado, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos arts. 22.º, 23.º, 154.º/1. 155.º/1 a), todos do Código Penal e 86.º/3 do Regime Jurídico das Armas e Munições, numa pena parcelar de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (ponto VI);

Em CÚMULO JURÍDICO na pena única de 6 (seis) anos de prisão;

No Acórdão consta como provado:

I

1. No dia 11 de Abril de 2015, o arguido tinha na sua posse no interior da sua residência, sita em ..., uma garrafa de amêndoa amarga Altoviso aberta e quatro garrafas de whisky da marca Grants, Logan, Something Special Grants e Ballantines vazias.

2. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar o arguido detinha uma navalha de abertura automática com 27 (vinte e sete) centímetros de comprimento, sendo 12 (doze) de lâmina, com cabo em plástico castanho a imitar osso e com inscrição na lâmina “BOSTFREI”.

II

3. No período compreendido entre as 02h00m e as 12h00m do dia 04 de Setembro de 2015, o arguido AA dirigiu-se à residência de BB sita em ... e introduziu-se na mesma, através de uma janela.

4. Do interior da residência o arguido subtraiu e fez seus os seguintes objectos/bens: um telemóvel da marca LEAGOO LEAD II preto com o valor de € 119,00 (cento e dezanove euros), € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) em numerário e um computador da marca ACER com o número de série NXMFQE3004407084007600 no valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) bem como o saco transportador, rato da marca NGS e carregador para computador portátil e um disco externo com o numero de série wx81A8319987 com cabo mini USB de valor não concretamente apurado, tudo no valor global de € 619,00 (seiscentos e dezanove euros).

5. No dia 10 de Setembro de 2015 o arguido tinha na sua posse a totalidade dos objectos que subtraiu ao ofendido BB e ainda € 75,00 (setenta e cinco euros) em numerário.

III

6. No dia 16 de Setembro de 2015 no período compreendido entre as 22h00m e as 23h00m, o arguido munido uma chave de fendas com cabo em madeira e com o comprimento de 33,5 centímetros, com uma chave de fendas de cabo de plástico amarela com o comprimento de 29,5 centímetros e uma chave de fendas com o cabo em plástico de cor vermelha com o comprimento de 25 centímetros dirigiu-se à residência de CC, sita em ..., com intuito de fazer seus bens ou objectos que ali se encontrassem.

7. Aí chegado utilizando os referidos objectos logrou a abertura da porta da referida residência e entrou.

8. Quando se preparava para dar aplicabilidade ao seu intento foi surpreendido por CC, DD e EE.

9. Nessa sequência, o arguido colocou-se em fuga sem levar qualquer bem ou objecto consigo.

10. Na referida residência encontravam-se bens de valor não concretamente apurado mas seguramente superior a € 5000,00 (cinco mil euros).

IV

11. No dia 03 de Setembro de 2015, durante a noite, o arguido deslocou-se ao edifício da Comissão dos Melhoramentos de ... e logrou a entrada no mesmo, através de uma janela, que forçou.

12. Aí chegado o arguido subtraiu € 300,00 (trezentos euros) em numerário e um aparelho de recepção televisão digital TDT da marca Optium, modelo HDFT2PLUS, com o número de série ... com o valor de € 30,00 (trinta euros).

V

13. No período compreendido entre as 14 e as 17h do dia 03 de Setembro de 2015 o arguido abeirou-se do veículo da marca Daihatsu de matrícula P932XUP pertença de FF que se encontrava estacionado na localidade de Cepos e, de forma não concretamente apurada, logrou a sua abertura.

14. Do interior do referido veículo o arguido retirou e fez sua uma bicicleta preta da marca B-Twin, modelo rockrider 340, roda 26 com o número de série 000708705811 no valor de € 179,95 (cento e setenta e nove euros e noventa cêntimos).

15. No dia 03 de Setembro de 2015, pelas 19h15m o arguido foi avistado em Góis na posse da referida bicicleta.

VI

16. No dia 28 de Fevereiro de 2015, GG, filha de ..., confrontou o arguido com a prática dos factos e eventual denúncia, tendo-lhe este dito que a matava, exibindo no acto uma faca de abertura automática.

17. Não obstante tal comportamento do arguido, GG denunciou os factos tendo sido instaurado o inquérito n.º 47/15.2GBAGN.

18. No dia 21 de Abril de 2015, pelas 13h00, o arguido tinha na sua posse os seguintes objectos: uma faca da marca Rostfrei, modelo TOP Automatic com o comprimento total de 20,7 centímetros e 8 centímetros de lâmina e com um mecanismo de abertura automática e um instrumento metálico de metal destinado a ampliar o efeito de uma agressão vulgarmente designado de boxer.

VII

19. No dia 29 de Outubro de 2015, cerca da 01h00m, o arguido deslocou-se ao café ... com o intuito de aí penetrar e do mesmo retirar bens e objectos que aí se encontrassem.

20. Aí chegado abeirou-se de uma janela que se encontrava apenas encostada e entrou pela mesma.

21. Do interior do referido estabelecimento o arguido retirou e fez seus: € 100,00 (cem euros) em numerário, três pacotes completos de tabaco MC JPS KS no valor global de € 126,00 (cento e vinte e seis euros), dois maços de tabaco MCJPS Red Soft no valor global de € 8,00 (oito euros), três maços de tabaco Winston no valor global de € 12,60 (doze euros e sessenta cêntimos), dez maços de tabaco S.G. Ventil no valor global de € 45,00 (quarenta e cinco euros), dez maços de Marlboro Light no valor global de € 47,00 (quarenta e sete euros), dez maços de Marlboro no valor global de € 47,00 (quarenta e sete euros), dez maços de MC Chester Red Ks Box no valor global de € 44,00 (quarenta e quatro euros), dez maços de MC Chester Black Ks Box no valor global de € 42,00 (quarenta euros).

22. No dia 05 de Novembro de 2015 o arguido tinha na sua posse dois maços de tabaco da marca Ventil e dois maços de tabaco da marca Marlboro.

VIII

23. No dia 29 de Outubro de 2015, pelas 23h30m, o arguido abeirou-se do veículo de ... que se encontrava estacionado no Largo de ...

24. Aproveitando que o veículo se encontrava aberto por o seu proprietário se encontrar a efectuar a descarga de produtos e bens para a mercearia que possuiu no mesmo local o arguido retirou do seu interior a carteira de ... que continha documentos pessoais, cartões bancários e duas notas de € 20,00 (vinte euros cada), colocando-se imediatamente em fuga.

25. Volvidos alguns minutos, no período compreendido entre as 00h00m e as 07h30m do dia 30 de Outubro de 2015, o arguido, munido de um objecto ferroso vulgarmente denominado pé de cabra, deslocou ao mesmo local com o intuito de penetrar na referida mercearia e fazer seus bens e objectos que aí se encontrassem.

26. Aí chegado utilizando o referido pé de cabra o arguido logrou a abertura da porta principal mediante a rotura da sua fechadura.

27. Do interior do estabelecimento o arguido retirou € 25,00 (vinte e cinco euros) em notas e € 100,00 (cem euros) em moedas e abandonou no local, em cima do balcão, a carteira que havia subtraído horas antes com a totalidade dos documentos mas sem o numerário.

IX

28. No período compreendido entre as 17h30m do dia 22 de Setembro de 2015 e as 08h00m do dia 23 de Setembro de 2015 o arguido deslocou-se ao Centro de Dia de ... sito na mesma localidade com o intuito de ali entrar, subtrair e fazer seus bens e objectos que ali se encontrassem.

29. Aí chegado logrou a entrada no edifício através de uma janela que se encontrava apenas encostada.

30. Do interior do referido edifício o arguido retirou e fez seus os seguintes bens e objectos: € 30,00 (trinta euros) em numerário, um talão do euro milhões registado para o dia 25-09-2015, um telemóvel da marca DQ-Aquarios 3.5 com dois cartões um da NOS com o IMEI ... e outro da Vodafone com o IMEI ... no valor de € 100,00 (cem euros), várias moedas com valor não concretamente apurado e uma caixa de queijos da marca A Vaca que Ri de valor não concretamente apurado.

31. No dia 04 de Novembro de 2015 o arguido tinha na sua posse o referido telemóvel.

32. O arguido agiu, em todas as ocasiões, de forma livre e com o propósito concretizado de se introduzir nas residências, estabelecimentos comerciais e veículos supra identificados, das formas aí descritas, seja por arrombamento ou por escalamento, utilizando os objectos supra descritos e apoderando-se de bens e objectos que sabia não lhe pertencerem.

33. O arguido sabia ainda que agia sem consentimento do seu proprietário e em prejuízo deste.

34. O arguido agiu ainda com o propósito não concretizado, por motivo alheio à sua vontade, de se apoderar de bens e objectos que se encontrassem na residência de CC.

35. E ainda com o propósito não concretizado, por motivo também alheio à sua vontade, de mediante a exibição de arma e a expressão proferida limitar GG na sua liberdade de decisão e acção pretendendo obstar a que a mesma o denunciasse às autoridades policiais.

36. O arguido agiu ainda com o propósito concretizado de deter as armas supra descritas, bem conhecendo as suas características e sabendo que não era detentor de qualquer licença que o habilitasse a detê-las.

37. O arguido sabia ainda que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

Processo Comum Coletivo n.º 115/14.8GBAGN:

Data dos Factos: 6.5.2014 (Inquérito 115/14.8GBAGN), 13.5.2014 (Inquérito 119/14.0GBAGN), 15.5.2014 a 9.6.2014 (Inquérito 145/14.0GBAGN), 12.6.2014 (Inquérito 147/14.6GBAGN), 15.5.2014 a 9.6.2014 (Inquérito 246/14.4GBAGN)

Data do Acórdão: 8.3.2016

Data do Trânsito em Julgado: 18.4.2016

Crimes e Pena aplicada:

- um crime de furto qualificado p. e p. pelos artºs 203º nº1 e 204 nº2 al. e) por referência ao artº 202º als. d) e e) do Cód. Penal na pena de 2(dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão((Inq. 115/14.8GBAGN).

- um crime de furto qualificado p. e p. pelos artºs 203º nº1, 204º nº 1 al. e), 204 nº2 al. e) e nº 3 por referência ao disposto no artº 202º als. d) e e) do Cód. Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão((Inq. 119/14.0GBAGN ).

- um crime de furto qualificado p. e p. pelos artºs 203º nº1 e 204 nº2 al. e) por referência ao artº 202º als. d) e e) do Cód. Penal na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão((Inq. 145/14.0GBAGN).

- um crime de furto qualificado p. e p. pelos artºs 203º nº1 e 204 nº2 al. e) por referência ao artº 202º al. d) do Cód. Penal na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatros) meses de prisão((Inq. 147/14.6GBAGN).

- um crime de furto qualificado p. e p. pelos artºs 203º nº1 e 204 nº2 al. e) por referência ao artº 202º als. d) e e) do Cód. Penal na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão((Inq. 246/14.4GBAGN).

Em cúmulo jurídico a pena única de 4 (quatro) anos e 6( seis) meses de prisão efetiva.

No Acórdão consta como provado:

1-Inq. nº 115/14.8GBAGN

1. Em período de tempo não concretamente determinado, mas situado entre as 22 horas do dia 06 de Maio de 2014 e as 09 horas e 30 minutos do dia 07 de Maio de 2014, o arguido AA deslocou-se às instalações do Café ..., com o intuito de delas retirar e levar consigo objetos e valores que ali viesse a encontrar.

2. Aí chegado, abeirou-se de uma janela da parte traseira do referido Café, em alumínio, a qual se encontrava fechada e fez uso de um objeto não concretamente apurado para lhe quebrar o vidro, o que conseguiu e em ato contínuo, abriu o fecho daquela.

3. Então, com o auxílio dos pés e das mãos, contorcendo o corpo, logrou passar através da mesma, assim se introduzindo no interior das instalações do referido Café, através daquela janela.

4. Após, o arguido já no interior do referido Café, abeirou-se de uma porta, em madeira, que se encontrava fechada e fez uso de um objeto não concretamente apurado para lhe quebrar o fecho, o que conseguiu e assim percorreu o interior daquele Café a fim de observar tudo o que aí existisse e lhe pudesse interessar e daí retirou contra a vontade e sem o consentimento do seu dono, o seguinte:

- 1 (um) saco que continha um número não concretamente apurado de moedas emitidas pelo Banco Central Europeu, com um valor de € 0,10 (dez) cêntimos;

- 1 (um) saco que continha um número não concretamente apurado de moedas emitidas pelo Banco Central Europeu, com um valor de € 0,20 (vinte) cêntimos;

- 1 (um) saco que continha um número não concretamente apurado de moedas emitidas pelo Banco Central Europeu, com um valor de € 0,50 (cinquenta) cêntimos;

- 1 (um) saco que continha um número não concretamente apurado de moedas emitidas pelo Banco Central Europeu, com um valor de € 1,00 (um) euro;

- Um número não concretamente apurado, mas igual ou superior a 25 (vinte e cinco) e igual ou inferior a 30 (trinta) maços de tabaco, de características não concretamente apuradas e de marcas não concretamente apuradas;

5. Levando consigo as referidas quantias monetárias e os referidos maços de tabaco, que tinham um valor global de cerca de €300,00 (trezentos) euros, o arguido abandonou, de seguida, o local.

6. As referidas quantias monetárias e os referidos maços de tabaco retirados pelo arguido nunca vieram a ser recuperados.

7. O arguido AA bem sabia que as quantias monetárias e os referidos maços de tabaco que retirou e levou consigo do referido Café ... não lhe pertenciam e, mesmo assim, quis fazê-las coisas suas, como aliás veio a conseguir, apesar de saber que agia contra a vontade e sem o consentimento do ofendido.

8. Agiu o arguido AA, de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era censurada, proibida e punida por lei penal.

II – Inq. n.º 119/14.0GBAGN (Apenso aos presentes autos).

9. Em período de tempo não concretamente determinado, mas situado entre as 14 horas do dia 13 de Maio de 2014 e as 12 horas do dia 14 de Maio de 2014, o arguido AA muniu-se, pelo menos, de uma rebarbadora de características não concretamente apuradas e deslocou-se às instalações da Comissão de Melhoramentos de ..., sitas na área da Instância Local de ..., com o intuito de delas retirar e levar consigo objetos e valores que ali viesse a encontrar.

10. Aí chegado, abeirou-se de uma janela das instalações daquela Comissão, a qual se encontrava fechada e fez uso de um objeto não concretamente apurado para lhe quebrar o vidro, o que conseguiu e em ato contínuo, abriu o fecho daquela.

11. Então, com o auxílio dos pés e das mãos, contorcendo o corpo, logrou passar através da mesma, assim se introduzindo no interior das instalações da referida Comissão, através daquela janela.

12. Após, o arguido já no interior das instalações da referida Comissão, abeirou-se de uma porta, em madeira, que se encontrava fechada e fez uso de um objeto não concretamente apurado para lhe quebrar o fecho, o que conseguiu e assim entrou numa divisão onde se encontrava instalado um cofre.

13. No interior da referida divisão, o arguido abeirou-se do cofre onde se encontrava depositado parte do dinheiro daquela Comissão, que se encontrava fechado e fez uso da rebarbadora que consigo transportava para lhe forçar o fecho, após o que conseguiu ter acesso ao seu interior.

14. Em ato contínuo, o arguido retirou e levou consigo, do interior do referido cofre, contra a vontade e sem o consentimento do seu dono, fazendo-as suas, as seguintes quantias monetárias:

- € 400,00 (quatrocentos) euros, em moedas e/ou notas de características e valores não concretamente apuradas, mas emitidas pelo Banco Central Europeu, referentes às receitas geradas pelo Bar;

- € 130,00 (cento e trinta) euros, em moedas e/ou notas de características e valores não concretamente apuradas, mas emitidas pelo Banco Central Europeu, referentes às quotas pagas pelos sócios;

- € 80,00 (cento e vinte) euros, em moedas e/ou notas de características e valores não concretamente apuradas, mas emitidas pelo Banco Central Europeu, referentes aos donativos entregues para realização de obras;

15. Levando consigo a mencionada quantia monetária, que totalizava um valor de € 610,00 (seiscentos e dez) euros, o arguido abandonou, de seguida, o local.

16. A quantia monetária retirada pelo arguido nunca veio a ser recuperada.

17. O arguido AA bem sabia que a quantia monetária que retirou e levou consigo das instalações da referida Comissão de Melhoramentos de ... não lhe pertencia e, mesmo assim, quis fazê-la coisa sua, como aliás veio a conseguir, apesar de saber que agia contra a vontade e sem o consentimento da ofendida.

18. Agiu o arguido AA, de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era censurada, proibida e punida por lei penal.

III- Inq. n.º 145/14.0GBAGN (Apenso aos presentes autos).

19. Em período de tempo não concretamente determinado, mas situado entre o dia 15 de Maio de 2014 e o dia 09 de Junho de 2014, o arguido AA deslocou-se à casa de habitação, propriedade de HH, sita no lugar de ..., com o intuito de dela retirar e levar consigo objetos e valores que ali viesse a encontrar.

20. Aí chegado, com o auxílio dos pés e das mãos, abeirou-se de uma janela do primeiro andar da referida residência, a qual se encontrava fechada, após o que fez uso de um objeto não concretamente apurado para lhe forçar o fecho, o que conseguiu.

21. Então, novamente com o auxílio dos pés e das mãos, contorcendo o corpo, logrou passar através da mesma, assim se introduzindo no interior da referida casa de habitação, através daquela janela.

22. Após, o arguido percorreu o interior da referida casa de habitação a fim de observar tudo o que aí existisse e lhe pudesse interessar e daí retirou contra a vontade e sem o consentimento da sua dona, fazendo-os seus, os seguintes objetos:

- 1 (um) aparelho de receção de televisão denominado TV LCD, de marca Mitsai, de cor cinzento, s/n.º de série ou oculto, com um valor de €230,00 (duzentos e trinta) euros;

- 1 (um) suporte de fixação da referida televisão à parede, com um valor de €30,00 (trinta) euros;

- 1 (um) cabo HDMI, com proteção, com um valor de €10,00 (dez) euros;

- 1 (um) cabo de ligação de som e imagem, com um valor de €10,00 (dez) euros;

23. Levando consigo os referidos objetos, que tinham um valor global de €280,00 (duzentos e oitenta) euros, o arguido abandonou, de seguida, o local.

24. Entretanto, pelo facto de o arguido já se encontrar referenciado pela prática de factos ilícitos típicos contra o património e após ter havido notícia de que havia sido visto a entrar na sua casa de habitação, sita no lugar de ..., na área da Instância Local de ..., transportando uma televisão nova, no dia 09 de Junho de 2014, pelas 18 horas, deslocou-se àquela casa de habitação, uma patrulha da Guarda Nacional Republicana de ..., composta pelos Guardas ... e ..., com o intuito de o confrontar com tal facto, de molde a perceberem se o mesmo tinha adquirido aquela televisão ou se a mesma era proveniente de facto ilícito típico contra o património.

25. Nessa sequência, o arguido autorizou a entrada daquela patrulha no interior da sua casa de habitação, que confirmou a existência no seu quarto, de uma televisão TV LCD, com um suporte na parede.

26. Após ter sido questionado sobre a proveniência daquela televisão TV LCD, o arguido acabou por referir que a havia retirado de uma casa de habitação, sita em ... e acedeu a acompanhar aquela patrulha da Guarda Nacional Republicana de ... até à referida casa de habitação.

27. Posteriormente, vieram os objetos retirados pelo arguido da casa de habitação, propriedade da ofendida HH, a serem reconhecidos pela sua sobrinha, ..., que era a pessoa responsável por aquela casa de habitação, os quais lhe foram igualmente entregues.

28. O arguido AA, bem sabia que os objetos que retirou da casa de habitação, propriedade de HH não lhe pertenciam e, mesmo assim, quis fazê-los coisas suas, como aliás veio a conseguir, apesar de saber que agia contra a vontade e sem o consentimento da ofendida.

29. Agiu o arguido AA, de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era censurada, proibida e punida por lei penal.

IV- Inq. nº 147/14.6GBAGN (Apenso aos presentes autos).

30. No dia 12 de Junho de 2014, pelas 18 horas, o arguido AA deslocou-se à casa de habitação, propriedade dos herdeiros de II, sita no lugar de ..., na área da Instância Local de Arganil, com o intuito de dela retirar e levar consigo objetos e valores que ali viesse a encontrar.

31. Aí chegado, abeirou-se da porta traseira da referida casa de habitação, a qual se encontrava fechada e desferiu-lhe um pontapé para lhe forçar a fechadura, o que conseguiu e assim teve acesso ao seu interior.

32. Em ato contínuo, o arguido percorreu o interior da referida casa de habitação a fim de observar tudo o que aí existisse e lhe pudesse interessar e daí retirou contra a vontade e sem o consentimento dos seus donos, fazendo-os seus, os seguintes objetos:

- 1 (uma) gargantilha em ouro de 19, 2 (dezanove vírgula dois) quilates, com 10 (dez) bolas de Viana e com o peso de 22,9 (vinte e duas vírgula nove) gramas, de valor não concretamente apurado;

- 2 (duas) cigarreiras em prata, sendo que uma delas tinha gravada uma imagem da Universidade de Coimbra, ambas de valor não concretamente apurado;

- 1 (um) colar em metal prateado com broche, contendo várias pedras encrostadas, de cores azul e branco (metal não precioso), com um valor não concretamente apurado;

- 1 (um) par de brincos em metal branco (metal não precioso), com um valor não concretamente apurado;

- 1 (um) par de brincos em metal amarelo contendo pedra de cor azul, (metal não precioso), com um valor não concretamente apurado;

- 1 (um) par de brincos em metal amarelo contendo pedras de cor branco, (metal não precioso), com um valor não concretamente apurado;

- 1 (um) anel em metal de cor branco, com pedra azul marinho (metal não precioso), com um valor não concretamente apurado;

- 3 (três) anéis em metal de cor branco com pedra cor de rosa (metal não precioso), com um valor não concretamente apurado;

- 8 (oito) notas emitidas pelos Bancos Centrais de vários países estrangeiros, não concretamente apurados e de valor não concretamente apurado;

33. Levando consigo os referidos objetos e notas, com e/ou de valores não concretamente apurados, mas superior a €102,00 (cento e dois) euros, o arguido abandonou, de seguida, o local.

34. No dia 13 de Junho de 2014, no período de tempo compreendido entre as 09 horas e as 10 horas da manhã, o arguido deslocou-se à loja da sociedade comercial “Meta Gold, Lda”, sita na Avenida Fernão Magalhães, na cidade de Coimbra, onde procedeu à venda da gargantilha em ouro, com 10 (dez) bolas de Viana, que havia retirado do interior da casa de habitação, propriedade dos herdeiros de II, pela quantia de €430,00 (quatrocentos e trinta) euros, a qual lhe foi paga, nessa ocasião, através da entrega de notas emitidas pelo Banco Central Europeu.

35. Nesse mesmo dia, pelas 10 horas, o arguido AA foi abordado por uma patrulha da Polícia de Segurança Pública de Coimbra, composta pelo Agente ... e pelo Chefe ..., quando se encontrava a passar no Beco ..., na zona da baixa da cidade de Coimbra, porque o seu comportamento criou-lhes a suspeita de que pudesse estar na posse de produto estupefaciente.

36. Nessa ocasião, foi-lhe efectuada uma revista sumária, tendo-se verificado que o mesmo não se encontrava na posse de produto estupefaciente, mas que trazia consigo uma quantia de €435,00 (quatrocentos e trinta e cinco) euros, em notas do Banco Central Europeu e ainda 8 (oito) notas emitidas pelos Bancos Centrais de vários países estrangeiros, não concretamente apurados e de valor não concretamente apurado, dentro de uma pequena bolsa em tecido de cor verde.

37. Após ser questionado da proveniência do dinheiro que tinha consigo, o arguido referiu àqueles Agentes da Polícia de Segurança Pública de Coimbra que o mesmo era proveniente da venda de uma gargantilha em ouro que havia efetuado, momentos antes, na loja da sociedade comercial “Meta Gold, Lda”, sita na Avenida Fernão Magalhães.

38. Nessa sequência, os referidos Agentes da Polícia de Segurança Pública de Coimbra deslocaram-se, na companhia do arguido, àquela loja e aí procederam à apreensão da referida gargantilha em ouro de 19, 2 (dezanove vírgula dois) quilates, com 10 (dez) bolas de Viana e com o peso de 22,9 (vinte e duas vírgula nove) gramas, propriedade dos herdeiros de II.

39. Nessa ocasião, a funcionária daquela loja, ..., referiu àqueles agentes da autoridade, que aquando da venda da referida gargantilha, o arguido tinha na sua posse mais artigos de ourivesaria, mas esclareceu que não os comprou por ter verificado que os mesmos não tinham qualquer valor.

40. De seguida e após ter sido instado para tal, o arguido foi mostrar ao agente ... e ao chefe ... o caixote do lixo, situado no largo da Loja do Cidadão, na cidade de Coimbra, onde tinha colocado os restantes artigos de ourivesaria que não tinha vendido.

41. Nessa sequência, veio a ser recuperado um saco em tecido de cor verde que tinha no seu interior os restantes artigos de ourivesaria, que o arguido havia retirado da supramencionada casa de habitação e que, nessa ocasião, lhe foram apreendidos, a saber:

- 1 (um) colar em metal prateado com broche, contendo várias pedras encrostadas, de cores azul e branco (metal não precioso), com um valor não concretamente apurado;

- 1 (um) par de brincos em metal branco (metal não precioso), com um valor não concretamente apurado;

- 1 (um) par de brincos em metal amarelo contendo pedra de cor azul, (metal não precioso), com um valor não concretamente apurado;

- 1 (um) par de brincos em metal amarelo contendo pedras de cor branco, (metal não precioso), com um valor não concretamente apurado;

- 1 (um) anel em metal de cor branco, com pedra azul marinho (metal não precioso), com um valor não concretamente apurado;

- 3 (três) anéis em metal de cor branco com pedra cor-de-rosa (metal não precioso), com um valor não concretamente apurado;

42. Ainda neste circunstancialismo de tempo e lugar, foram apreendidas ao arguido, as seguintes notas emitidas pelo Banco Central Europeu:

- 1 (uma) nota de €50,00 (cinquenta) euros;

- 19 (dezanove) notas de €20,00 (vinte) euros;

- 1 (uma) nota de €5,00 (cinco) euros;

- 8 (oito) notas emitidas pelos Bancos Centrais de vários países estrangeiros, não concretamente apurados e de valor não concretamente apurado;

43. Os restantes objetos, nomeadamente as 2 (duas) cigarreiras em prata, que o arguido retirou da casa de habitação, propriedade dos ofendidos, nunca vieram a ser recuperadas.

44. O arguido AA bem sabia que os objetos e as notas que retirou da casa de habitação, propriedade dos herdeiros de II, não lhe pertenciam e, mesmo assim, quis fazê-los coisas suas, como aliás veio a conseguir, apesar de saber que agia contra a vontade e sem o consentimento dos ofendidos.

45. Agiu o arguido AA, de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era censurada, proibida e punida por lei penal.

5 - Inquérito n.º 246/14.4GBAGN (Apenso aos presentes autos).

46. Em período de tempo não concretamente determinado, mas situado entre o dia 15 de Maio de 2014 e o dia 09 de Junho de 2014, o arguido AA deslocou-se à casa de habitação, propriedade de ..., sita no lugar de ..., na área da Instância Local de ..., com o intuito de dela retirar e levar consigo objetos e valores que ali viesse a encontrar.

47. Aí chegado, com o auxílio dos pés e das mãos, abeirou-se de uma janela do primeiro andar da referida residência, a qual se encontrava fechada, após o que fez uso de um objeto não concretamente apurado para lhe quebrar o vidro, o que conseguiu.

48. Então, novamente com o auxílio dos pés e das mãos, contorcendo o corpo, logrou passar através da mesma, assim se introduzindo no interior da referida casa de habitação, através daquela janela.

49. Após, o arguido percorreu o interior da referida casa de habitação a fim de observar tudo o que aí existisse e lhe pudesse interessar e daí retirou contra a vontade e sem o consentimento do seu dono, fazendo-os seus, os seguintes objetos:

- 1 (uma) máquina de tirar fotografias, digital, de marca “Olympus”, de características e valor não concretamente apurados;

- 1 (uma) mini-aparelhagem de marca Philips, de características e valor não concretamente apurados;

- 1 (uma) Box TDT de marca, características e valor não concretamente apurados;

- 1 (um) par de sapatilhas/ténis, de marca “Nike” e de características e valor não concretamente apurados;

50. Levando consigo os referidos objetos, que tinham um valor global de aproximadamente €400,00 (quatrocentos) euros, o arguido abandonou, de seguida, o local.

51. Entretanto, pelo facto de ser do conhecimento público que o arguido teria efetuado vários furtos na localidade de ..., o ofendido ..., deslocou-se à casa de habitação do arguido, onde lhe foi entregue pelo pai daquele, ..., a mini-aparelhagem de marca Philips, de características e valor não concretamente apurados, que o arguido havia retirado da sua casa de habitação, contra a sua vontade.

52. Os restantes objetos retirados pelo arguido nunca vieram a ser recuperados.

53. O arguido AA, bem sabia que os objetos que retirou da casa de habitação, propriedade de ... não lhe pertenciam e, mesmo assim, quis fazê-los coisas suas, como aliás veio a conseguir, apesar de saber que agia contra a vontade e sem o consentimento do ofendido.

54. Agiu o arguido AA, de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua descrita conduta era censurada, proibida e punida por lei penal.

Processo Comum Singular n.º 70/14.4GBAGN:

Data dos Factos: 23.4.2014

Data da Sentença: 9.3.2015

Data do Trânsito em Julgado: 19.10.2015

Crimes e Pena aplicada: um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204.º, n.º, al. e) do C.Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e prisão.

Na sentença consta como provado:

1. No período compreendido entre as 16 horas e as 17 horas e 30 minutos do dia 23.4.2014, em ..., o arguido AA, dirigiu-se à residência propriedade de ....

2. Uma vez ali escalou a moradia até ao primeiro andar e depois de arrobar o fecho de uma janela entrou na residência , tendo-se apoderado de objetos em ouro, no valor de € 600,00 (seiscentos euros) e € 200,00 (duzentos euros) em dinheiro. Os objetos em ouro foram recuperados

Processo Comum Singular n.º 68/13.0GBAGN:

Data dos Factos: 2.2.2013

Data da Sentença: 9.10.2013

Data do Trânsito em Julgado: 10.11.2014

Crimes e Penas aplicadas: um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204.º, n.º, al. e) do C.Penal na pena de 2 (dois) anos suspensa na sua execução com regime de prova, assente num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social e, ainda cumulativamente com o seguinte dever: pagar no prazo de dois anos, a contar do trânsito em julgado desta decisão, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos, a quantia de € 1.060 (mil e sessenta) euros ao lesado JJ, e € 500 (quinhentos) euros à lesada Capela de Santo Antão, ainda não declarada extinta.

Na sentença consta como provado:

1 – Em data não concretamente apurada do dia 2/2/2103, em ..., o arguido AA, dirigiu-se á residência propriedade de Francisco Diniz de Campos, sita no Largo de Santo Antão, naquela localidade.

2 – Uma vez ali, o arguido escalou a moradia até ao telhado, onde retirou algumas telhas, para desta forma se introduzir no interior, o que sucedeu.

3 – Uma vez no interior da residência, o arguido dirigiu-se ao quarto de dormir, mais precisamente ao móvel que ali se encontra, e retirou do seu interior, vários envelopes com dinheiro, mais precisamente a quantia de 1560 €, sendo 1060 €, pertença de JJ, e 500 €, pertença da Capela de Santo Antão, dinheiro que fez seu e integrou no seu património.

4 – O arguido agiu com o propósito concretizado escalar a residência propriedade de Fernando Santos e retirar as telhas do telhado, para assim se introduzir no seu interior.

5 – Mais agiu com a intenção conseguida de se apropriar de 1360 €, em dinheiro, integrando-o no seu património, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade dos seus reais proprietários

6 – Agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo de que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Processo Comum Singular n.º 206/13.2GBAGN:

Data dos Factos: 26.7.2013 a 3.8.2013

Data da Sentença: 18.9.2014

Data do Trânsito em Julgado: 20.10.2014

Crimes e Pena aplicada: um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1, e 204, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa por igual período de tempo, contado desde o trânsito em julgado da decisão, com regime de prova, assente num plano individual de readaptação social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social,

Na sentença consta como provado:

1 – Em data e hora não concretamente apurada do período compreendido entre as 12 horas do dia 26/7/2013, e as 15 horas do dia 3/8/2013, em Folques, Arganil, o arguido AA, dirigiu-se á habitação propriedade de Helena Romijn, cidadã holandesa com residência esporádica em Portugal.

2 – Uma vez ali, o arguido, de forma não concretamente apurada, partiu uma janela lateral, para desta forma se introduzir no interior da residência, o que sucedeu.

3 – Uma vez no interior da residência, o arguido apropriou-se de 1 gerador de cor vermelha, no valor de 350 €, 1 faqueiro e 1 jogo de copos de valor não concretamente apurado e 1 carro de mão de cor verde, no valor de 50 €, propriedade de Siebren Niewewnhuis, o que fez seu e integrou no seu património.

4 – Alguns dias mais tarde, em data não concretamente apurada, o arguido AA acertou com o arguido ..., efectuar a troca do gerador e do carro de mão por um ciclomotor, o que fizeram, ficando este último arguido, na posse dos objectos furtados.

5 – No dia 13/8/2013, foram estes objectos apreendidos na posse do arguido....

6 - O arguido ... agiu com o propósito concretizado de arrombar a janela lateral para se introduzir no interior da residência, propriedade da ofendida ....

7 – Mais agiu com a intenção conseguida de se apropriar dos objectos propriedade de Siebren Niewenhuis, integrando-os no seu património, bem sabendo que os mesmos não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do seu real proprietário.

Processo Sumaríssimo n.º 94/13.9GBAGN:

Data dos Factos: 29.4.2013

Data da Sentença: 20.11.2013

Data do Trânsito em Julgado: 20.11.2013

Crimes e Pena aplicada: um crime de furto simples, p. e p. pelo art.º 203.º, n.º 1 do C.Penal, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5,50 Euros.

Na sentença consta como provado:

Em data não concretamente apurada do mês de Abril de 2013, em Torrozelas, Arganil, o arguido deslocou-se à residência da ofendida e, aproveitando a sua ausência temporária, retirou 100,00 Euros do interior da carteira propriedade da ofendida.

O arguido agiu com o propósito concretizado de se apropriar ilegitimamente de dinheiro que sabia não lhe pertencer, bem sabendo que agiam contra a vontade da ofendida e real proprietária”

Processo Sumário n.º 231/13.3GBAGN:

Data dos Factos: 17.9.2013

Data da Sentença: 16.10.2013

Data do Trânsito em Julgado: 15.11.2013

Crimes e Pena aplicada: um crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal. P. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2 do Dl 2/98 de 3.1. na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros e um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, al. do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1, na pena de 1 (um) ano de prisão suspensa na sua execução por igual período.

Na sentença consta como provado:

O arguido no dia 17.9.2013, cerca das 16horas e 45 minutos conduziu na rotunda do Sarzedo, o veículo automóvel de matrícula 79-55-PO, sem possuir a necessária licença de condução que o habilitasse a conduzir tal veículo.

Antes de ter sido interceptado e detido pela GNR o arguido escondeu no lixo da casa de banho dio estabelecimento comercial em que se refugiou, uma caixa contendo diversas línguas de cannabis resina, bem como uma navalha usada para o corte do referido produto estupefaciente.

O arguido detinha na sua posse cerca de 23,970 gramas líquidas de cannabis resina.

O arguido foi condenado, por sentença datada de 8.10.2012, transitada em julgado em 7.11.2012, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão suspensa por igual período pela prática em 5.2.2012 de um crime de furto qualificado, no âmbito do P.C.S. 31/12.8GBAGN do Tribunal Judicial de Arganil, tendo a referida pena sido declarada extinta nos termos do disposto no art.º 57.º do C.Penal.

Por sentença datada de 11.3.2014, transitada em julgado em 10.4.2014, foi o arguido condenado na pena de 5 meses de prisão efectiva, pela prática em 20.2.2014 de um crime de furto qualificado na forma tentada, no âmbito do P. Sumário 310/14.0PCCBR da instância local-secção criminal-J2 da Comarca de Coimbra, a qual foi declarada extinta por cumprimento.

*

AA é natural de ... e é o segundo de 4 irmãos.

Os seus pais separaram-se quando este tinha 13 anos de idade.

Dois filhos ficaram entregues à mãe e dois ao pai, um dos quais foi AA.

Devido à incapacidade para o pai o educar e com intervenção da CPCJ, pois AA manifestava já comportamentos marginais, foi encaminhado e acolhido no “Lar de jovens em ...” onde se manteve até aos 17/18 anos de idade, com um percurso institucional marcado por dificuldades de integração e frequentas fugas, insucesso escolar e mau comportamento.

Começou a fumar tabaco aos 9 anos de idade e aos 12 iniciou-se no consumo de cannabis.

Quando foi expulso da instituição, regressou ao agregado familiar do pai, onde tem permanecido, com interrupção de alguns períodos de ausência em Espanha.

AA ao longo da sua vida não conseguiu estabilidade laboral, fazendo alguns trabalhos como jornaleiro, quando é solicitado.

Esteve em Espanha, sob a tutela da Associação ”...”, angariando fundos para a Instituição, tendo depois regressado a casa do pai.

À data da sua prisão AA encontrava-se a residir com o seu pai em ....

No meio social de residência, AA era visto com alguma comiseração, e também com sentimentos de revolta, tendo ali uma imagem negativa, devido ao seu comportamento associado a furtos, circunstância que veio a causar receios e alarme no meio residencial, no entanto, concomitantemente veio a ser adoptada pelos residentes uma postura de acolhimento a AA, fazendo-lhe sentir que a comunidade estava interessada na sua reintegração, sensibilizando-o para comportamentos normativos.

Foi solicitado para efectuar algumas actividades laborais (é considerado bom trabalhador) ajudando-o assim a arranjar meios de subsistência, procurando deste modo ganhar a sua confiança e o próprio adquirir hábitos de trabalho e responsabilização.

Os consumos de estupefacientes e a actividade criminal foram no entanto aumentando e acabou por ser preso.

*

Da motivação da decisão de direito respigam-se os seguintes excertos:
2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO E MEDIDA DA PENA:

1. Dos Processos Abrangidos:
(…)
Importa, então, realizar o cúmulo jurídico de penas, por se verificar um conhecimento superveniente de crimes anteriores (art.° 78°, n°1 Código Penal).
(…)
O trânsito em julgado de uma condenação é um limite temporal intransponível, no âmbito do concurso de crimes, à determinação de uma pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois.
(…)
Tendo presente as considerações supra expostas o primeiro trânsito em julgado ocorreu em 7.11.2012, no âmbito do Processo Comum singular n.º 31/12.8GBAGN. Atendendo ao facto de a referida pena ter sido declarada extinta nos termos do disposto no art.º 57.º do C.Penal, a mesma não é considerado no presente cúmulo jurídico.
Segue-se a pena aplicada no âmbito do Processo Sumário n.º 231/13.3GBAGN, cuja decisão transitou em 15.11.2013. Não existindo qualquer fundamento que a exclua do cúmulo a operar, tem de ser considerado este trânsito para efeitos de formação do primeiro de penas a cumular.
Neste primeiro grupo, para além da referida pena, incluem-se necessariamente as penas aplicadas nos Processos n.º 94/13.9GBAGN, 206/13.2GBAGN, 68/13.0GBAGN uma vez que todos se referem a factos ocorridos antes de 15.11.2013, não havendo qualquer fundamento para a sua exclusão.
Após este grupo, o trânsito em julgado a considerar ocorreu no âmbito do Processo Sumário n.º 310/14.0PCCBR, no dia 10.4.2014. Atenta esta data, a mencionada pena não está numa relação de concurso com qualquer outra pena aplicada ao arguido, sendo que estando a mesma extinta por cumprimento não será considerada nestes autos por manifesta inutilidade de a incluir na presente decisão.
Segue-se o trânsito em julgado ocorrido no âmbito do Processo Comum Singular n.º 70/14.4GBAGN no dia 19.10.2015. Em face desta data formar-se-á um segundo grupo de penas formado por esta pena e as penas aplicadas nos Processos 115/14.8GBAGN, bem como as penas parcelares aplicadas no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 47/15.2GBAGN referentes aos pontos I a VI e IX.
Por último, formar-se-á um terceiro grupo com as restantes penas parcelares aplicadas no âmbito do referido Processo 47/15.2GBAGN relativamente aos pontos VII e VIII, sendo que para este grupo de penas releva a data do trânsito em julgado ocorrido neste Processo 47/15.2GBAGN em 14.6.2017. A estas penas acrescerá a pena aplicada no Processo 920/17.3TACBR.
Nestes termos, formar-se-ão três grupos de penas, desconsiderando-se os cúmulos já realizados uma vez que as penas aí incluídas não são as mesmas que os grupos supra explicitados em face da decisão de revogação da pena suspensa ocorrida no Processo 231/13.3GBAGN ocorrida em 22.3.2018, sendo competente para a realização do presente cúmulo estes autos uma vez que dizem respeito à última condenação.
3. Da Medida Concreta da pena única:
(…)
No caso, o cúmulo efectivar-se-á dentro da moldura abstracta que terá como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares que o integram e, como limite máximo, a soma delas.
Nestes termos:
1.º Grupo (Processos n.º 231/13.3GBAGN, 94/13.9GBAGN, 206/13.2GBAGN e 68/13.0GBAGN); o mínimo de 2 anos de prisão e o máximo de 5 anos de prisão a que acresce o mínimo de 80 dias de multa e o máximo de 200 dias de multa;
2.º Grupo (Processos n.º 70/14.4GBAGN, 115/14.8GBAGN e 47/15.2GBAGN (pontos I a VI e IX), o mínimo de 2 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 22 anos e 7 meses de prisão;
3.º Grupo (Processo n.º 47/15.2GBAGN – Pontos VII e VIII – 920/17.3T9CBR) no mínimo de 2 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 5 anos e 4 meses de prisão.
(…)
Tendo presente tais consideração há que atender no caso em apreço às seguintes circunstâncias:
No caso em apreço, constata-se que é relevante a culpa do arguido, actuando de forma reiterada, denotando um total desrespeito pelo espaço de privacidade que é a habitação dos ofendidos e desprezo pelo património alheio, numa voragem de actos susceptíveis de pôr em causa a paz e tranquilidade pública, principalmente se atentarmos que os factos ocorreram numa pequena localidade. Os seus antecedentes revelam uma personalidade insensível às reacções criminais que lhe foram sendo aplicadas.
Na fixação de cada uma das penas únicas o tribunal não pode deixar de atender à globalidade dos factos e à punição que a final se fixará na conjugação das três penas únicas a fixar, por forma a que a mesma a final não se afigure desproporcional e desadequada à conduta do arguido vista na sua globalidade. A isto acresce que estamos perante condutas sensivelmente homogéneas em que o arguido admitiu na sua maioria os factos quando confrontado em audiência de julgamento.
Tendo presente tais factos, julgam-se adequadas, justas e proporcionais as seguintes penas únicas:
1.º Grupo (Processos n.º 231/13.3GBAGN, 94/13.9GBAGN, 206/13.2GBAGN e 68/13.0GBAGN): 3 anos de prisão a que acresce 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros, no total 750,00 Euros;
2.º Grupo (Processos n.º 70/14.4GBAGN, 115/14.8GBAGN e 47/15.2GBAGN (pontos I a VI e IX): 8 anos de prisão;
3.º Grupo (Processo n.º 47/15.2GBAGN – Pontos VII e VIII – 920/17.3T9CBR): 3 anos de prisão.


C- O DIREITO:

1. retificação da moldura máxima dos 2º e 3º grupos:

As regras do concurso de crimes e os procedimentos de englobamento das penas parcelares seguidos no acórdão cumulatório respeitam o regime normativo aplicável.
a) Porém, constata-se que a moldura máxima apontada para o 2º grupo (22 anos e 7 meses) não é igual à soma aritmética das penas parcelares englobadas nesse cúmulo jurídico.

O Tribunal, enumerando as penas abrangidas, refere:

2.º Grupo (Processos n.º 70/14.4GBAGN, 115/14.8GBAGN e 47/15.2GBAGN (pontos I a VI e IX), o mínimo de 2 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 22 anos e 7 meses de prisão.

As penas parcelares a que especificadamente alude como englobadas neste cúmulo, somam 28 anos e 7 meses de prisão, resultantes das seguintes penas parcelares:

-proc. 70/14.4, (1 crime de furto qualificado) 2 anos e 6 meses;

-proc. 115/14.8, (5 crimes de furto qualificado) -2 anos e 4 meses+2 anos e 6 meses+2 anos e 4 meses+2 anos e 4 meses+2 anos e 4 meses;

-proc 47/15.2 (3 crimes de fruto qualificado do art. 204 n.º 2 al. e) -2 anos e 6 meses+2 anos e 6 meses+2 anos e 6 meses; (1 crime de furto qualificado do art. 204º n.º 2 al.ª e) -1 ano e 6 meses; (1 crime de furto do art. 204º n.º 2 al. b) -1 ano e 6 meses; (1 crime de coacção agravada tentada) -1 ano e 6 meses; e (2 crimes de detenção de arma proibida) -1 ano e 3 meses de prisão+12 meses de prisão.

É, assim, patente o erro de cálculo da moldura máxima deste 2º bloco.
b) Constata-se também que a moldura máxima apontada para o 3º bloco não é igual à aditação das penas parcelares englobadas nesse cúmulo jurídico.

O Tribunal discrimina assim as penas parcelares incluídas neste:

3.º Grupo (Processo n.º 47/15.2GBAGN – Pontos VII e VIII – 920/17.3T9CBR) no mínimo de 2 anos e 6 meses de prisão e o máximo de 5 anos e 4 meses de prisão.

A soma exata das penas englobas neste bloco perfaz 6 anos e 10 meses de prisão, resultante das seguintes penas parcelares:

-proc. 47/15.2 (2 crimes de furto qualificado do art. 204º n.º 2 al.ª e) -2 anos e 6 meses de prisão+2 anos e 6 meses de prisão; (1 crime de furto qualificado do art.º 204º n.º 2 al.ª b) -1 ano e 6 meses de prisão;

-proc. 920/17.3 (1 crime de detenção de arma proibida -4 meses de prisão.

Verifica-se que a tribunal incorreu em patente erro de cálculo nestas duas operações aritméticas.

Estabelece o artigo 380º (correcção da sentença) n.º 1 alínea b) e n.º 2 do Código de Processo Penal:

1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando:

b) … contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.

2 - Se já tiver subido recurso da sentença, a correcção é feita, quando possível, pelo tribunal competente para conhecer do recurso.

Decorre deste regime o dever (“o tribunal procede”) de corrigir a sentença que contenha erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade que, sendo reparado, retificado ou esclarecida, não modifica o sentido essencial da decisão.

Incide unicamente sobre elementos que complementam, aclaram ou reparam aspectos particulares da decisão, mas que não têm qualquer influência no sentido ou no dispositivo do julgado.

À correção de erros de escrita ou de cálculo ou de inexatidões devidas a omissão ou lapso manifesto procede-se, oficiosamente ou a requerimento, por despacho do tribunal que proferiu a sentença. Se desta foi interposto recurso que já subiu, cabe ao tribunal superior proceder à rectificação.

A justificação e finalidade da norma do n.º 2 é informada pela necessidade e vontade de evitar retardamentos motivados em incidentes que tenham por objeto simples retificações da sentença, que não importam qualquer modificação do sentido da decisão.

Preocupação que está também subjacente ao regime das nulidades estabelecido no art. 379º n.º 2 do CPP.

No caso concreto, o erro de aritmética em que incorreu o acórdão recorrido na soma das penas parcelares englobadas nos 2º e 3º blocos dos cúmulos jurídicos efectuados nestes autos, tem de ser reparado e este Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 380º n.º 2 citado, pode e deve proceder à necessária rectificação. O que se passa a efetuar, fazendo constar:

-perfazendo 28 anos e 7 meses de prisão a soma das penas parcelares aplicadas aos crimes abrangidos pelo concurso do 2º grupo, a moldura máxima deste bloco é de 25 anos, por força do disposto no artigo 77º, n.º 2 do Código Penal que dispõe: “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão”; e

-a moldura máxima do 3º grupo de penas abrangidas no cúmulo jurídico deste bloco é de 6 anos e 10 meses de prisão.


2. Cúmulo jurídico de penas,
conhecimento superveniente do concurso de crimes

a) enquadramento jurídico:

O recorrente não questiona: o concurso de crimes; que se tenha de efectuar o cúmulo jurídico das penas em que está condenado; e nada esgrime quanto à pena de multa.

Questiona directamente que:
1. no cúmulo se tenham incluído penas de prisão com execução suspensa;
2. se tenham efectuado três cúmulos em vez de apenas um que englobasse todas as penas parcelares;
3. a medida da pena única;
4. a proporcionalidade da pena conjunta.

i. cúmulo jurídico de penas de substituição:

Em recurso está acórdão cumulatório de penas, por conhecimento superveniente de três (3) concursos de crimes cometidos pelo arguido.

O 1º bloco engloba as 4 condenações em penas de prisão suspensas na execução com regime de prova e duas penas de multa, aplicadas:

-no proc. 231/13.3 -multa (crime de condução sem habilitação legal), e 1 ano de prisão (crime de tráfico de menor gravidade) com execução suspensa;

-no proc. 68/13.0 -2 anos de prisão suspensa na execução com regime de prova (crime de furto qualificado);

-no proc. 94/13.9 –multa (crime de furto);

-no proc. 206/13.2 -2 anos de prisão suspensa na execução com regime de prova (crime de furto qualificado).

Com a moldura da pena aplicável a este concurso de crimes entre o mínimo de 2 anos e o máximo de 5 anos de prisão, o arguido foi condenado na pena única de 3 anos de prisão.

O recorrente Insurge-se, desde logo, contra a inclusão no vertente cúmulo jurídico das penas de substituição, afirmando que “o Tribunal, não teve o cuidado de previamente aquilatar do estado das penas de prisão suspensas na sua execução, juntando tudo dentro do mesmo saco, indiferente à natureza de tais penas“.

E na pronúncia ao abrigo do art. 417º n.º 2 do CPP, reafirma que não é possível cumular prisão com liberdade.

A doutrina[1] e a jurisprudência[2], largamente maioritárias, consideram a suspensão, uma pena de substituição, autónoma da pena de prisão substituída.

É jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal que no cúmulo jurídico em caso de concurso superveniente de crimes, podem, na formação da pena única, ser englobadas penas de prisão efetiva e penas de prisão com execução suspensa[3].

A obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas de prisão, nos termos dos arts. 77.º e 78.º, do CP, não exclui as que tenham sido suspensas na sua execução, suspensão que pode ou não ser mantida[4].

Também o Tribunal Constitucional, convocado a pronunciar-se sobre um possível direito do condenando à manutenção da pena de substituição em caso de conhecimento superveniente de concurso de crimes, no Acórdão n.º 2/2006 de 31/01/2006[5], decidiu: “não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações”.

Deixou claro o entendimento de que a revogação e não manutenção da suspensão decorrente de as penas de substituição terem de ser englobadas num cúmulo jurídico de penas, não ofende nem o caso julgado, nem os princípios da confiança e da proporcionalidade. Consta da respetiva fundamentação: “a hipótese de uma pena de prisão suspensa na sua execução, anteriormente aplicada a um dos crimes em concurso, vir a perder autonomia e a ser englobada na pena única correspondente ao concurso supervenientemente conhecido constitui, a par das hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, um caso em que é legalmente admitido “revogar” ou “não manter” a suspensão[6], o que, de acordo com a corrente jurisprudencial em que o acórdão recorrido se insere, nem sequer constitui violação de caso julgado, atenta a conatural provisoriedade da suspensão de execução da pena. O condenado em pena de prisão suspensa na sua execução que tenha praticado um crime anteriormente àquela condenação pelo qual ainda não foi julgado sabe que não só pode ter de vir a cumprir a pena de prisão suspensa se, no decurso do período da suspensão, infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social ou se cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, mas ainda que aquela suspensão pode não ser mantida, se a pena aplicada ao cúmulo legalmente o não permitir ou se, na ponderação final global a cargo do tribunal do cúmulo, se entender que a suspensão, no caso, se não justifica”.

Convocado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional da acumulação jurídica de penas de prisão efectiva e penas de substituição, no Acórdão n.º 341/2013[7] decidiu: “não julgar inconstitucional a norma constante dos arts. 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do CP, quando interpretados no sentido de ser possível, num concurso de crimes de conhecimento superveniente, proceder à acumulação de penas de prisão efectivas com penas de prisão suspensas na sua execução, ainda que a suspensão não se mostre revogada[8], sendo o resultado uma pena de prisão efectiva”.

Ao cúmulo jurídico de penas subjaz necessariamente uma pluralidade de crimes que estão, entre si, numa relação de concurso (real). O concurso de crimes é necessariamente punido com uma pena única –art. 77º n.º 1 do Cód. Penal. Na medida da pena do concurso é considerado o “comportamento global”[9] fornecido pela pluralidade dos crimes que o integram.

Como se escreve no Acórdão (TC) citado em último lugar, o englobamento no cúmulo jurídico de conhecimento superveniente, de penas de substituição da pena de prisão aplicada na condenação tem “um fundamento válido no plano jurídico-constitucional que é o do tratamento igualitário de situações materialmente idênticas: ou seja, pretende-se tratar de igual modo as situações de concurso, quer o conhecimento do mesmo seja simultâneo ou superveniente”.

Restar à determinação da pena conjunta algum crime do concurso e a pena de prisão com que foi punido, entorse, deixando incompleto o conhecimento e apreciação da dimensão e gravidade global da actividade delituosa do agente, e também da sua personalidade revelada no cometimento do conjunto dos factos delituosos.

A exigência da consideração, “em conjunto, dos factos e da personalidade” não permite excluir nenhuma das penas de prisão aplicadas aos crimes em concurso, tenham ou não sido substituídas.

Por sua vez, a suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto substancial a previsão de a substituição cumprir, adequada e suficientemente, as finalidades da punição. Previsão ou “prognóstico favorável” que não pode ser uma questão de imaginação ou de fé. Tem de resultar de factos demonstrados, atinentes “à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste” –art. 50º n.º 1 do Cód. Penal. Ainda que tenham desigual densidade, concorrendo favoravelmente em determinado caso concreto, e verificado o pressuposto formal (prisão aplicada em medida até 5 anos), não deve o tribunal recusar a pena de substituição. Indiferentemente de a prisão aplicada respeitar a um só crime ou a um concurso de crimes.

Surgindo outras condenações por crimes que integram o mesmo concurso, resultam alterados os dados de facto em que assentou a decisão que aplicou a pena de substituição. As novas condenações determinam “a necessária revisão da anterior decisão, cujo caso julgado está sujeito à cláusula rebus sic stantibus, conferindo a estas decisões necessariamente provisórias/intermédias/intercalares, a qualificação de uma espécie de decisões de trato sucessivo, de definição passo a passo, até à configuração definitiva, global e final”[10].

Ou, como elucidativamente se escreve no citado Ac. 341/2013 do Tribunal Constitucional: “tendo em conta as regras estabelecidas para o conhecimento superveniente do concurso, o tribunal que procede ao cúmulo, na ponderação da pena única a aplicar terá de proceder a uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente, sendo essa necessidade de avaliação conjunta que determina que se considere nessa ponderação todas as condenações, sejam elas em pena de prisão efetiva ou suspensa, de modo a poder pronunciar-se sobre a medida da pena conjunta e, então, decidir ou não pela suspensão dessa pena, como faria caso o conhecimento do concurso fosse simultâneo e não superveniente. Ou seja, a não manutenção da suspensão da pena não está diretamente fundada em factos anteriores à sentença que outorgou a suspensão de execução de pena privativa de liberdade, mas sim na circunstância de só posteriormente se ter conhecimento desses factos e, por essa razão, se ter de proceder supervenientemente ao cúmulo jurídico”.

A pena única, aplicada ao concurso de crimes abrangidos pelo cúmulo jurídico está, para poder beneficiar da substituição, submetida ao mesmo regime da pena aplicada a um crime singular. Desde logo ao pressuposto formal de a sua medida concreta não ser superior a 5 anos de prisão. Vencida esta barreira, deverá o tribunal apreciar e decidir da verificação dos pressupostos materiais, mas agora por referência aos “sentidos de vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global”[11] e à personalidade revelada pelo conjunto dos factos.

No caso, excluindo-se do concurso de conhecimento superveniente os crimes cometidos pelo arguido que foram punidos com penas de substituição frustrava-se o conhecimento e a apreciação do seu “comportamento global”, indispensável à determinação das penas conjuntas aplicadas.

Inserindo-se o acórdão cumulatório recorrido na linha interpretativa que se vem de expor, (cumular juridicamente penas de prisão com execução suspensa em razão do conhecimento superveniente de concurso de crimes e não manutenção da suspensão da pena única aplicada), neste aspeto não merece reparo.

ii. cúmulo por arrastamento:

O Recorrente insurge-se contra o acórdão recorrido por não lhe ter aplicado em cúmulo jurídico, uma só pena conjunta, na qual se incluíssem todas as penas parcelares em que está condenado nos diversos processos.

Argumenta: “a realização de cúmulo jurídico deveria ser uma forma de sanear toda a responsabilidade penal do Recorrente, concentrando-a num único trecho decisório”.

“Andou mal o Tribunal ao não ter aplicado ao Recorrente uma pena única”.

“Com o presente recurso, pugna que qualquer que seja a pena aplicada em concreto, por esse Alto Tribunal, a mesma deveria aplicar uma pena única e não o cumprimento de três penas únicas”.

A solução reclamada pelo recorrente desemboca no denominado cúmulo por arrastamento, rejeitado pela doutrina e pela jurisprudência.

O cúmulo por arrastamento “consiste em cumular [juridicamente] penas aplicadas por crimes cometidos antes ou depois do trânsito em julgado da [1ª ] condenação por qualquer deles”[12].

 “Pressuposto da aplicação do regime de punição [do concurso de crimes] é que o agente tenha praticado mais do que um crime antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles[13].

Regime aplicável também aos casos em que o concurso só venha a ser conhecido supervenientemente.

Se os crimes conhecidos forem vários, uns cometidos antes do trânsito em julgado da condenação e outros depois, o tribunal aplicará duas penas conjuntas, uma a corrigir a condenação anterior, outra relativamente aos crimes praticados depois; “a ideia de que o tribunal deveria ainda proferir uma só pena conjunta contraria expressamente a lei e não se adequaria ao sistema legal de distinção entre punição do concurso de crimes e de reincidência”[14].

Este Supremo Tribunal no (AUJ) Acórdão n.º 9/2016[15], de 28-04-2016, fixou jurisprudência no sentido de: "O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso".

“Os crimes cometidos posteriormente a essa decisão transitada, constituindo assim uma solene advertência que o arguido não respeitou, não estão em relação de concurso, devendo ser punidos de forma autónoma, com cumprimento sucessivo das respectivas penas”[16].

No Acórdão de 7-03-2018, deste Supremo Tribunal e secção[17], sustenta-se: “O momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro (apenas questionável em sede de eventual recurso extraordinário de revisão), a solene advertência ao arguido.

O trânsito em julgado estabelece a fronteira, o ponto de referência ad quem, o limite até onde se pode formar/agrupar um conjunto de infracções em que seja possível unificar as respectivas penas.

O trânsito em julgado obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.

A primeira decisão transitada será assim o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso englobando as respectivas penas em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação.

A partir desta data em função dessa condenação transitada deixam de valer discursos desculpabilizantes das condutas posteriores, pois que o arguido tendo respondido e sido condenado em pena de prisão por decisão passada em julgado, não pode invocar ignorância acerca do funcionamento da justiça penal, e porque lhe foi dirigida uma solene advertência, teria de agir em termos conformes com o direito.

Esta data marca, pois, o fim de um ciclo e o início de um novo período de consideração de relação de concurso para efeito de fixação de pena única. A partir de então, havendo novos crimes cometidos desde tal data, desde que estejam em relação de concurso, terá de ser elaborado com as novas penas um outro cúmulo e assim sucessivamente.

Concretizada a admonição na condenação transitada, encerrado um ciclo de vida, impõe-se que o arguido a interiorize, repense e analise de forma critica o seu comportamento anterior, e projecte o futuro em moldes mais conformes com o direito, de tal modo que, a sucumbir, iniciando um ciclo novo, reincidirá.

A partir da decisão condenatória que tiver em primeiro lugar transitado em julgado, os crimes cometidos depois da data do trânsito deixam de concorrer com os que os precedem, isto é, já não estão em concurso com os cometidos anteriormente à data do trânsito, havendo a separação nítida de uma "primeira fase", em que o agente não foi censurado, atempadamente, muitas vezes, há que reconhecê-lo, por deficiências, a vários níveis, do sistema de justiça, ganhando assim, o agente, confiança na possibilidade de outras prevaricações com êxito, sem intersecção da oportuna acção do sistema, de uma outra que se lhe segue, já após advertência de condenação transitada em julgado,  

No caso dos autos a primeira condenação a transitar em julgado foi em 15 de novembro de 2013 (proferida no proc. 231/13.3GBAGN). Antes dessa data o arguido cometeu[18] os crimes pelos quais foi condenado nos processos n.º 68/13.0 (furto qualificado perpetrado em 2/2/2013), n.º 94/13.9 (furto cometido em abril de 2013), e n.º 206/13.2 (furto qualificado perpetrado entre 26/07 e 3/08/2013).

Desrespeitando a solene advertência daquela condenação que primeiramente se tornou firme, o arguido, entre 23/04/2014 e até 19 de  outubro cometeu outros crimes pelos quais foi condenado nos processos n.º 70/14.4 (crime de furto qualificado), n.º 115/14.8 (cinco crimes de furto qualificado), e n.º 47/15.2 (crimes de coacção agravada, detenção de arma proibida [2], furto qualificado [4] e furto tentado). Neste círculo de crimes em concurso a condenação que primeiramente transitou em julgado, em 19 de outubro de 2015, foi proferida no processo 70/14.4GBAGN.

Desrespeitando também a advertência dessa condenação firme, o arguido cometeu outros crimes entre 29/10/ 2015 e 13/02/2017 pelos quais foi condenado no processo n.º 47/15.2 (crimes de furto qualificado: 1 cometido em 29/10/2015; 2 cometidos em 30/10/2015), e no processo 920/17 (crime de detenção de arma proibida). A condenação por este bloco de crimes em concurso que transitou primeiramente em julgado, em 14 de junho de 2017, foi proferida no processo 47/15.2GBAGN.

A necessidade de realização de cúmulo nestas situações justifica-se porque à contemporaneidade de factos não correspondeu uma contemporaneidade processual. E justificam-se tantos cúmulos quantos as sucumbências do agente em desrespeitar cada uma das solenes advertências ínsitas na condenação transitada em julgado para, no futuro, incluindo o período temporal imediatamente seguinte, adequar a sua acção de modo conforme ao direito.

Reiteradas sucumbências do arguido, correctamente evidenciadas no acórdão cumulatório.

Assim e em estrita observância ao disposto no artigo 78º n.ºs 1 e 2 e 77º n.º 1 do Código Penal, foi o arguido, necessária e acertadamente, condenado nos três cúmulos jurídicos efectuados no acórdão recorrido.

Improcedendo, por infundada, a pretensão do recorrente de ver cumulada numa pena única todas as penas parcelares em que foi condenado (cumulo por arrastamento).


iii. Dosimetria das penas conjuntas:

O recorrente “discorda da concreta medida da pena determinada, relativamente aos três grupos”, sem que tenha motivado especificadamente a discordância relativamente a cada uma das três penas conjuntas em que foi condenando.

Alega, genericamente, que “o Tribunal a quo, não elegeu os factores que devia ter tido em conta para quantificar a pena, nem a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar”; e não ponderou todos os factores atinentes à personalidade.

Argumenta ainda: “cumpre aferir da consonância da mesma [da pena] com os critérios plasmados nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal”.

Pretende “que se proceda a uma nova reflexão sobre os factos, em conjunto com a personalidade do condenado, em ordem a adequar a medida da pena à [sua] personalidade.

*

O cúmulo jurídico de penas rege-se pelas disposições dos arts. 77.º, n.º 2 e 78.º, n.º 1, do Código Penal.

O art. 78º (Conhecimento superveniente do concurso), n.º 1 estabelece: “1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior …”.

E o art. 77º (Regras da punição do concurso), n.º 2, dispõe: “2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

O legislador instituiu um regime especial, suplementar, para a determinação da medida da pena do concurso de crimes, com a indicação do iter a seguir pelo juiz na quantificação da pena conjunta. 

A determinação da pena única por conhecimento superveniente do concurso obtém-se de acordo com um processo que se inicia pela identificação dos crimes em concurso e das penas aplicadas a cada um deles, construindo-se, assim, a moldura penal do concurso cujo limite máximo é dado pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, com os limites do n.º 2 do art. 77.º, sendo o limite mínimo o correspondente à mais elevada das penas concretamente aplicadas[19].

Na fixação do quantum da pena única a aplicar ao concurso de crimes de conhecimento supervenientes essencial é a gravidade global dos factos. A avaliação do comportamento global deve assentar na ponderação conjugada do número e da gravidade das penas parcelares englobadas, da sua concreta medida e relação de grandeza com a moldura da pena do concurso. Não podem considerar-se circunstâncias que façam parte de cada um dos tipos de ilícito integrantes do concurso (proibição da dupla valoração –art. 71º n.º 2 do Código Penal).

Segundo J. Figueiredo Dias, na escolha da medida da pena única “tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)[20].

Ou como se sustenta no Acórdão 14-09-2016[21], deste Supremo Tribunal: “na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não releva os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele "pedaço" de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da respectiva personalidade, destarte se o mesmo tem propensão para o crime, ou se na realidade, estamos perante um conjunto de eventos criminosos episódicos, sem relação com a sua concreta personalidade.

É esta avaliação global resultante desta interconexão geral, que permite apurar legitimamente o ilícito e culpa global, e perante tais conclusões, aferir in concreto a necessidade de prevenção especial e geral, à luz da amplitude que a apreciação total da actividade criminosa do agente permite”.

Alguma doutrina questiona a admissibilidade da valoração, na determinação da pena conjunta, de factores que tenham servido para fixar a pena singular aplicada a cada crime do concurso. A doutrina maioritária[22] e a jurisprudência[23] entendem que nada obsta a que a pena única se determina pela ponderação conjunta de factores do critério geral (enunciados no art. 71º) e do critério especial (fornecido pelo art. 77º n.º 1).

Para encontrar o quantum da pena única, dentro da moldura aplicável, o critério geral do artigo 71º tem de ser conjugado com o critério específico consagrado no no art. 77.º, n.º 1 do Código Penal. “À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detectar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”.

“Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses factores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita”[24].

*

No caso, como se viu, a moldura de cada um dos três cúmulos jurídicos a que se procedeu no acórdão recorrido é a seguinte:

-1º grupo: prisão de 2 a 5 anos (crimes de furto qualificado [2], furto, condução sem habilitação legal e tráfico de menor gravidade);

-2º grupo: prisão de 2 anos e 6 meses a 25 anos (crimes de furto qualificado [11], coacção agravada [2] e detenção de arma proibida);

-3º grupo: prisão de 2 anos e 6 meses a 6 anos e 10 meses (crimes de furto qualificado [3] e detenção de arma proibida);

O Tribunal, sem que tenha fundamentado especificadamente a fixação do quantum da pena conjunta aplicada a cada um dos blocos, decidiu condenar o arguido nas penas únicas de prisão efetiva:

-1º grupo: 3 anos, a que acrescem 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros, perfazendo no total 750,00 Euros;

-2º grupo: 8 anos;

-3º grupo: 3 anos.

Para dosear as penas conjuntas ponderou: “a culpa do arguido, actuando de forma reiterada, denotando um total desrespeito pelo espaço de privacidade que é a habitação dos ofendidos e desprezo pelo património alheio, numa voragem de actos susceptíveis de pôr em causa a paz e tranquilidade pública, principalmente se atentarmos que os factos ocorreram numa pequena localidade; “os seus antecedentes revelam uma personalidade insensível às reacções criminais que lhe foram sendo aplicadas”. Que se trata de “condutas sensivelmente homogéneas em que o arguido admitiu na sua maioria os factos quando confrontado em audiência de julgamento”.

E ponderou ainda a gravidade ou grandeza da soma das penas conjuntas, de execução sucessiva, “por forma a que a mesma, a final não se afigure desproporcional e desadequada à conduta do arguido vista na sua globalidade”.

Não alude expressamente –embora resulta da análise global dos factos provados- que o elevado número de crimes contra a propriedade, (são 17), todos furtos qualificados, e 1 furto simples, parte deles em casas de habitação, o período de tempo em que foram perpetrados (cerca de 3 anos), o modo de execução (a esmagadora maioria por arrombamento ou escalamento, o caso da violação do cofre revelador de especial preparação e engenho), o tipo de coisas  alheias ilegitimamente apropriadas (de qualquer espécie e algumas para vender a recetadores), apontam no sentido de que revela tendência para a prática deste tipo de crimes que, como se refere nos factos provados,  foram aumentando de frequência e intensidade até que foi preso[25]. Outro tanto sucedendo com os consumos de estupefacientes, circunstancialismo potenciador da reiteração na obtenção de fundos para o custear.

Tendência para o cometimento de crimes de furto qualificado a que urge tentar atalhar, quer pela tendência quer também pela insensibilidade do arguido às penas de substituição e à pena de prisão efectiva (5 meses) que cumpriu.

Também o cometimento de crimes de detenção de arma proibida e coacção agravada preocupam, apontando para que o arguido possa vir a usar de violência na execução dos crimes contra propriedade.

E, desmentindo a argumentação expendida na motivação do recurso, o arguido não só não interiorizou a advertência solene que deveria ter representado a condenação em penas de substituição, e bem assim a prisão efectiva que cumpriu, como, em meio prisional, insistiu na actividade delituosa cometendo um crime de detenção de arma proibida.

*

Factores que apontam para que a pena conjunta do 3º bloco se deva elevar muito ligeiramente acima do mínimo da respetiva moldura (que é de 2 anos e 6 meses de prisão). E que, se pecasse, -o que não é o caso- só podia ser por defeito em razão de o tribunal ter considerado uma moldura máxima inferior à que resulta da soma das penas parcelares englobadas (6 anos e 10 meses de prisão).

Consequentemente, confirma-se, porque acertadamente doseada, a pena única deste 3º bloco: 3 anos de prisão efetiva.

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Quanto ao 1º bloco dos crimes em concurso cujas penas parcelares se englobaram no correspondente cúmulo jurídico de conhecimento superveniente, se outras razões não concorressem, desde logo a proporcionalidade imporia que a pena única aplicada teria de ser em medida inferior à pena conjunta do 3º grupo. Não são iguais nem o mínimo nem o máximo da moldura da pena de prisão de cada um destes concursos: no 1º grupo a moldura vai de 2 a 5 anos; no 3º grupo vai de 2 anos e 6 meses a 6 anos e 10 meses. Acresce que o 1º grupo engloba três penas de prisão cuja execução tinha sido suspensa e duas penas de multa. Diferentemente do que sucede com o cometimento dos crimes do 3º grupo (cometidos depois de ter cumprido prisão efetiva), não consta que anteriormente ao cometimento dos crimes do 1º bloco tenha sofrido reclusão em execução de pena de prisão. Na data em que perpetrou os crimes do 1º grupo tinha então 21 anos de idade. Sobre a data em que estes foram praticados transcorreram até aqui entre 6 anos e 5 anos e meio. Diferentemente os crimes em concurso no 3º bloco são recentes, o último foi cometido há 2 anos e até foi cometido na cadeia.

Neste circunstancialismo, a pena única de prisão a aplicar ao concurso de crimes que forma o 1º grupo do presente cúmulo jurídico não pode ter a mesma medida que a pena do 3º bloco.

Assim e de acordo com as regras e fatores que vêm de enumerar-se, na ponderação do conjunto dos factos, dos crimes e da personalidade neles revelada pelo arguido e se acabam de especificar, a pena conjunta, justa, adequada e proporcional para punir o concurso de crimes de conhecimento superveniente abrangidos pelo 1º grupo de cúmulos jurídicos recorridos deve fixar-se em 2 anos e 6 meses de prisão.

A pena de multa, não contestada, mantêm-se sem qualquer alteração.

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Quanto ao 2º grupo verifica-se que no processo n.º 115/14.8GBAGN o arguido tinha sido condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão (englobava 5 crimes de furto qualificado e a moldura mínima era de 2 anos e 6 meses).

No processo n.º 47/15.2GBAGN tinha sido condenado, em cúmulo jurídico na pena única de 6 anos de prisão (englobava 11 crimes 8 crimes de furto qualificado, um deles tentado, 2 de detenção de arma proibida, 1 de coação agravada)

Os crimes a que respeitam as condenações nestes dois processos formam o concurso do 2º grupo de cúmulo jurídico, com exceção de 3 furtos qualificados que se integram no 3º bloco).

O círculo de crimes do concurso formado pelo 2º grupo ora em apreço tem de ser punido com uma única pena (artigo 78º n.º 1 do Cód. Penal), não obstante só ter sido conhecido depois da correspondente primeira condenação se tornar definitiva. Por isso, no concurso de conhecimento superveniente, as penas parcelares englobadas naqueles dois anteriores cúmulos jurídicos retomaram autonomia. No novo cúmulo jurídico, reformulando os anteriores, é considerada cada uma das penas parcelares aplicada ao arguido, pelos crimes em concurso, independentemente de terem sido, ou não, englobadas em outra pena conjunta.

Consequentemente, no cúmulo jurídico do 2º concurso de crimes, aquelas penas conjuntas, respectivamente de 4 anos de prisão e de 6 anos de prisão deixaram de existir, sendo consideradas cada uma das penas parcelares que nele tinham sido englobadas. Não subsistindo essas penas conjuntas, não têm relevo na determinação da moldura mínima da pena do 2º concurso de crimes.

Não se podendo extrapolar daqui que sejam absolutamente inócuas para efeitos de determinação do liminar mínimo da pena judicial (a pena única concreta) a aplicar ao concurso de crimes em cujo círculo se situam os crimes abrangidos pelo anterior cúmulo, desfeito em razão do conhecimento superveniente. O conhecimento superveniente do concurso acrescenta, necessariamente, mais crimes e mais penas parcelares àquelas que determinaram a aplicação da pena única ao concurso anteriormente punido. Seria irracional, ilógico e difícil de compreensão pelo sentido comum do cidadão suposto pela ordem jurídica que mais crimes e com uma moldura penal máxima mais elevada, fossem punidos com uma pena de medida inferior à que tinha sido aplicada a uma parte apenas dos crimes em concurso. Pena conjunta inferior à do anterior cúmulo jurídico seria vista materialmente como um perdão de parte da pena única aplicada anteriormente. O perdão de penas é uma medida de graça que extrapola a competência material dos tribunais. E do ponto de vista do agente dos factos surge como incentivo à reiteração no cometimento de delitos porque ademais de “sairiam grátis” podem ainda “conferir desconto” na pena aplicada a um crime singular.

Considerando os factores acima referidos e ainda que este bloco agrupa o maior círculo de crimes em concurso, alguns cometidos logo depois de o arguido ter cumprido pena de prisão efectiva, acentua-se a intensidade da actividade criminosa englobada neste cúmulo jurídico. E não obstante a moldura máxima da pena deste concurso ser superior à considerada pelo tribunal, salienta-se ter o Tribunal recorrido ao factor de compressão, de modo a evitar a “desproporcionalidade e desadequação” da pena ao sistema de punição do nosso ordenamento penal.


iv. proporcionalidade da pena:

Alega o recorrente “que as penas únicas de prisão, que lhe foram aplicadas, se afiguram manifestamente exageradas e desproporcionais” . E que “a desproporcionalidade da medida das penas aplicadas no cúmulo jurídico, … viola patentemente as regras fixadas na lei para a sua determinação”.

 A proporcionalidade e a proibição do excesso são princípios com assento na Constituição da República –art. 18º n.º 2.

“O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias /ornarem-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se em «justa medida», impedindo a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas em relação aos fins obtidos”.

Princípios que têm essencialmente uma dimensão objectiva, impondo-se ao legislador, balizando a sua margem de discricionariedade na conformação de restrições aos direitos fundamentais e da moldura das sanções com que são punidas as violações dos tipos de ilícito.

O Código Penal, compilação nuclear das restrições mais compressivas do direito à liberdade pessoal, tem também e necessariamente, sobretudo a partir da reforma de 1995, como princípios retores a necessidade, a proporcionalidade e a adequação da pena aplicada à violação de bens jurídico-criminalmente tutelados.

Compete ao legislador escolher os bens jurídicos que entende serem dignos de tutela penal, também a pena abstractamente aplicável com que pode ser sancionada a sua violação, e bem assim a moldura penal do concurso de crimes. Nesta dimensão, a proporcionalidade é, em princípio, uma questão de política criminal. Aos tribunais comuns corresponde, no quadro constitucional, a aplicação da lei penal aos factos concretos. Entendendo um tribunal que a pena cominada pelo legislador para um determinado tipo de crime ofende os princípios da necessidade, da proporcionalidade ou da adequação, pode (deve) julga-la inconstitucional, mas a decisão final e vinculativa sempre caberá ao Tribunal Constitucional.

É também ao legislador que compete escolher as finalidades das penas e os critérios da sua quantificação concreta. Critérios de construção da medida da pena que devem ser interpretados e aplicados em correspondência com o programa politico-criminal assumido sobre as finalidades da punição.

No recurso em apreciação, não se discute a proporcionalidade ou adequação da moldura penal abstracta do concurso de crimes. Questiona-se a proporcionalidade das penas únicas de prisão concretamente aplicadas ao arguido.

Como se assinala no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 14/09/2016, já citado, “o modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto”.

A pena serve “finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena”.

O legislador estabeleceu os critérios -no artigo 71.º do Código Penal (e para a pena do concurso também no arts. 77º e 78º)- “que têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”. Em qualquer caso, as circunstâncias que já fazem parte do tipo de crime cometido não podem ser consideradas na quantificação da pena concreta (proibição da dupla valoração).

Dentro da moldura penal abstracta, o limite mínimo inultrapassável da dosimetria da pena concreta é dado pela necessidade de tutela dos bens jurídicos violados ou, na expressão de J. Figueiredo Dias, “do quantum da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias”[26]. E o limite máximo pela medida da culpa - nulla poena sine culpa. A prevenção especial de socialização pode, sem interferir naqueles limites, fazer oscilar o quantum da pena no sentido de se aproximar de um dos limites.

 A pena concreta que se comporte nestes limites é uma pena necessária, imposta em defesa do ordenamento jurídico-criminal.

Comportando-se nos estritos limites da culpa, que é a salvaguarda ética e da dignidade humana do agente, será uma pena proporcional.

É uma pena em medida óptima se também satisfizer as exigências de prevenção geral positiva e ao mesmo tempo assegurar a reintegração social do agente habilitando-o a respeitar os bens jurídicos criminalmente tutelados (sem, todavia, lhe impor a interiorização de um determinado modelo ou ordem de valores).

As exigências de prevenção geral podem variar em função do tipo de crime e variam as necessidades de prevenção especial de socialização em razão das circunstâncias do concreto agente e da personalidade revelada no cometimento dos factos.

Sustenta-se no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 30/11/2016[27]: “a medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.

Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal”.

A proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na actividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta no ordenamento punitivo.

“A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes”.

Assim, “se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta”.

“É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”.

*

No caso, a pena única do 3º grupo, como se viu, foi fixada em medida mínima necessária à tutela dos bens jurídicos protegidos pelos tipos de crime cometidos pelo recorrente e no limite consentido pela culpa do arguido revelado no cometimento desse comportamento global. Dentro da moldura de 2 anos e 6 meses a 6 anos e 4 meses de prisão, pena inferior a 3 anos de prisão colocariam em causa “a crença da comunidade na validade das normas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais”[28].

No caso, a pena única do 1º grupo, fez-se já aplicação entre outros factores, também do princípio da proporcionalidade, reduzindo-a para 2 anos e 6 meses a que acresce a pena de multa (não impugnada). Sendo igualmente válidas aqui as razões expostas anteriormente, ou seja, com uma moldura de 2 a 5 anos de prisão, pena em medida inferior, desprotegia o ordenamento jurídico violado pelos crimes que formam este concurso e não satisfaz as exigências de prevenção.

Como sustenta J. Figueiredo Dias “até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos … que vai determinar a medida da pena”. “O respeito por aquele limite é penhor bastante da constitucionalidade da solução preconizada face ao disposto nos arts. 1º, 13º -1 e 25º -1. Da CRP”[29].

 No caso da pena única do 2º grupo o fator de compressão em razão da proporcionalidade, mas também levando em conta que o arguido é jovem (tem 26 anos), com escasso nível de formação escolar e profissional, assumiu a autoria dos factos (sinal de assunção da responsabilidade pela censurabilidade dos atos cometidos), o valor dos bens subtraídos é baixo (na maior parte dos furtos), se trata de criminalidade que no citério do legislador não é violenta (com exceção do crime de cação agravada) e sobretudo a gravidade da pena única no conjunto do sistema punitivo do Código Penal, a protecção do ordenamento jurídico consente ainda que a pena deste 2º bloco do concurso de crimes que está em apreço no vertente cúmulo jurídico se fixe em 7 anos de prisão.


v. não substituição da pena única do 1º e 3º bloco:  

A pena única do 1º e do 3º grupo é, em ambos os casos, em medida que não excede 5 anos de prisão. Deste modo resulta preenchido o pressuposto formal estabelecido no art. 50º n.º 1 do Código Penal para que o Tribunal deva equacionar a suspensão da respetiva execução.

A norma citada dispõe: 1- O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A finalidade politico-criminal da suspensão da execução da pena de prisão é a prevenção da reincidência.

Pressuposto matéria é então que o tribunal, apoiada nos factos, nas circunstâncias do seu cometimento, na personalidade do agente neles revelada, nas suas condições de vida e na conduta anterior e posterior, possa prever, fundamentadamente, que a condenação e a ameaça de execução da pena são suficientes para que o arguido adeqúe a sua conduta de modo a respeitar o direito.

Sustenta J. Figueiredo Dias que “na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto. Por isso, crimes posteriores àquele que constitui objecto do processo, eventualmente cometidos pelo agente, podem e devem ser tomados em consideração e influenciar negativamente a prognose”[30].

No caso do 1º grupo de crimes em concurso a pena aplicada em cúmulo jurídico engloba duas penas, cada uma de dois anos de prisão, de que tinha sido decretada a suspensão da execução com regime de prova.

Suspensão e regime de prova que falharam rotundamente, na medida em que o arguido não só “reincidiu”, como intensificou a prática do mesmo tipo de crime (furtos qualificados). Se não tivessem sido incluídas no cúmulo jurídico em referência, teria que ser revogada a suspensão pelo preenchimento das condições para que tal sucedesse (não foi atingida a finalidade da pena de substituição, mesmo com regime de prova), impondo-se o cumprimento da prisão efectiva.

A conduta posterior do arguido impede que o tribunal possa razoável e fundadamente prever outra vez que que a pena de suspensão da pena de prisão que anteriormente não atingiu o escopo de afastar o arguido do cometimento de crimes de furto qualificado, poderia agora assegurar esse mesma finalidade. Com a agravante de se evidenciar que nem tão pouco a prisão efectiva que o arguido entretanto cumpriu foi de molde a prevenir a reincidência precisamente no cometimento do mesmo tipo de ilícito criminal.

Acresce que o arguido nem antes nem durante, nem agora no EP, tem sido capaz de abster-se de reiterar no cometimento de crimes e, por outro lado, não tem sido capaz e nada está a fazer para se apetrechar com formação profissional de modo a ser capaz de em liberdade, levar um estilo de vida socialmente aceitável, granjear os rendimentos suficientes para prover às suas necessidades e manter uma ocupação laboral permanente.

No circunstancialismo do cometimento dos factos, da personalidade do arguido revelada no seu cometimento, e com especial enfoque na sua conduta posterior (no caso do 1º bloco) e anterior (no caso do 3ª bloco de penas parcelares dos crimes em concurso) aos factos e nas condições de vida do arguido, não é possível prognosticar que nova suspensão da execução da pena única de qualquer destes dois grupos iria agora atingir as finalidades da suspensão que o recorrente anteriormente frustrou. Por isso, não pode o tribunal decidir-se pela suspensão da execução da pena única aplicada nos vertentes cúmulos jurídicos.

C-        DECISÃO:

Em conformidade, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal julgando parcialmente procedente o recurso decide:
a) confirmar a decisão do acórdão cumulatório de proceder aos três (3) cúmulos jurídicos de penas por conhecimento superveniente de três (3) concursos de crimes cometidos pelo arguido;
b) relativamente ao terceiro (3º) grupo de crimes em concurso, confirmar a condenação do arguido na pena única de 3 anos de prisão aplicada no acórdão cumulatório;
c) julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, condenar o arguido:
a. pelo primeiro (1º) grupo de crimes em concurso, na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, a que acrescem 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 Euros, perfazendo no total 750,00 Euros;
b. pelo 2º grupo de crimes em concurso na pena única de 7 anos de prisão.

Sem custas.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2019.

Nuno Gonçalves (relator)

Pires da Graça

Santos Cabral

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[1] J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 339 (“a suspensão da execução da pena não representa … só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma … uma pena de substituição”).
[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016 (uniformizador de jurisprudência); Ac. STJ de 28/02/2018, Proc. 125/97.8IDSTB-AS1, www.dgsi.pt/jstj.
[3] Ac. STJ de 16/022018, Proc. 2118/13.0PBBRG.G1.S1.
[4] Ac. STJ de 17/05/2017, Proc. 1262/11.3GAVNG.P1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[5] Proc. 904/05, 2ª sec., http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
[6] O sublinhado não existe no texto publicado, foi inserido apenas nesta citação.
[7] Ac. TC n.º 341/2013, proc. 15/13, 2ª sec., www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
[8] O sublinhado não está no original, é feito apenas nesta citação.
[9] J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, T I, 2ª ed. Coimbra Editora, pag. 977.
[10] Ac. STJ de 7-03-2018, Proc. 180/13.5GCVCT.G2.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[11] J. Figueiredo Dias, obra citada, pag. 988.
[12] A. Rodrigues Costa, O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ, JULGAR - N.º 21 – 2013. 
[13] J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 277.
[14] Autor e ob. citada, pag. 293.
[15] Publicado no DR, série I, n.º 111, de 09-06-2016,
[16] A. Rodrigues da Costa, publicação citada.
[17] Proc. 180/13.5GCVCT.G2.S1, www.dgsi.pt.
[18] Cometeu ainda outro crime pelo qual foi condenado em pena de prisão com execução suspensa, por sentença transitada em julgado em 7.11.2012, proferida no processo 31/12.8GBAGN, pena que está extinta.
[19] Ac. STJ de 15-11-2017, Proc. 27/11.7JBLSB.S1, www.dgsi.py/jstj.
[20] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 291.
[21] 3ª sec. Proc. 71/13.0JACBR.C1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[22] Máxime: J. Figueiredo Dias e autores que cita na nota 98 da pag. 292, da ob. Citada.
[23] Máxime: Ac. STJ de 23-05-2018, 3ª sec, proc. 799/15.OJABRG.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[24] A. Rodrigues da Costa, publicação citada.
[25] Vd. facto provado: “actividade criminal foram no entanto aumentando e acabou por ser preso”.
[26] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 242
[27] Proc. 804/08.6PCCSC.L1.S1, www.dgsi.pt/Jstj.
[28] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 243.
[29] Ob. citada, pag. 241/242.
[30] Ob. citada, pag. 343.