Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ISABEL SÃO MARCOS | ||
| Descritores: | ACORDÃO DA RELAÇÃO ADMISSIBILIDADE DE RECURSO CONCURSO DE INFRACÇÕES CÚMULO JURÍDICO HOMICÍDIO DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA PROFANAÇÃO DE CADÁVER PENA PARCELAR PENA ÚNICA DUPLA CONFORME ARGUIÇÃO DE NULIDADES TRÂNSITO EM JULGADO PARCIAL INAUDIBILIDADE DA PROVA DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO À CAUSA HOMICÍDIO QUALIFICADO ESPECIAL CENSURABILIDADE ESPECIAL PERVERSIDADE EXEMPLOS-PADRÃO CULPA IMAGEM GLOBAL DO FACTO FRIEZA DE ÂNIMO REFLEXÃO SOBRE OS MEIOS EMPREGADOS PREMEDITAÇÃO AGRAVANTE ARMA REFORMATIO IN PEJUS MEDIDA CONCRETA DA PENA REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL CO-AUTORIA CUMPLICIDADE | ||
| Data do Acordão: | 04/23/2015 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AOS RECURSOS | ||
| Área Temática: | DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIMES - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA. DIREITO PROCESSUAL PENAL - SUJEITOS DO PROCESSO / JUIZ E TRIBUNAL / COMPETÊNCIA POR CONEXÃO - PROVA - JULGAMENTO / AUDIÊNCIA - RECURSOS. | ||
| Doutrina: | - Fernando Silva, Direito Penal Especial – Crimes contra as pessoas, p. 83. - Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do "Código Penal”, Tomo 1, pp. 39 e 40; Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, pp. 230, 231, 291 e seguintes; Direito Processual Penal, Primeiro Volume, Coimbra Editora, Lda, pp. 202 a 205, 215. - Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, p. 373. - J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, Volume I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, p. 516. - Manuel Leal Henrique e Manuel Simas Santos, “Código Penal” Anotado, 3ª edição, 2.º Volume, pp. 27 e 28. - Robalo Cordeiro, “Audiência de Julgamento”, Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal, pp. 315 e 316. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 24.º, 25.º, 125.º, 126.º, 127.º, 363.º, 374.º, N.º2, 379.º, N.º1, AL. A), 400.º, N.º1, ALS. C) E F), 409.º, N.º1, 410.º, N.º1 A CONTRARIO, N.º2, ALÍNEAS A) A C), 413.º, 414.º, N.ºS 2 E 3, 420.º, N.º1, AL. B), 432.º, N.º1, ALÍNEAS A), B), C) E D), 434.º. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 9.º, 26.º, 27.º, N.º1, 40.º, N.ºS 1 E 2, 70.º, 71.º, N.º1, 77.º, N.ºS 1 E 2, 78.º, 131.º, 132.º, N.ºS 1 E 2, AL. J). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º1. REGIME JURÍDICO DAS ARMAS E MUNIÇÕES, APROVADO PELA LEI Nº 5/2006, DE 23.02, NA REDACÇÃO DA LEI Nº 12/2011, DE 27.04: - ARTIGO 86.º. REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS DELINQUENTES, PREVISTO NO DECRETO-LEI Nº 401/82, DE 23.09: - ARTIGO 4º. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 05.06.2003, PROCESSO N.º 976/03, DE 12.07.2005, PROCESSO N.º 2315/05, AMBOS DA 5.ª SECÇÃO, E DE 07.12.2005, PROCESSO N.º 2963/05 E DE 06.12.2006, PROCESSO N.º 3250/06, ESTES DA 3.ª SECÇÃO. -DE 22.09.2005, PROCESSO N.º 1752/05, DA 5.ª SECÇÃO. -DE 15.05.2008, PROCESSO Nº 3979/07, 5.ª SECÇÃO, DE 21.01.2009, PROCESSO N.º 4030/09, 3.ª SECÇÃO, OU DE 15.10.2003, PROCESSO N.º 2024/03, 3.ª SECÇÃO. -DE 12.03.2009, PROCESSO N.º 3773/08, DA 5.ª SECÇÃO. -DE 12.11.2009, PROCESSO N.º 200/06.0JAPTM, 3.ª SECÇÃO; DE 02.10.2010, PROCESSO N.º 651/09.8PBFAR.E1.S1, 3.ª SECÇÃO; DE 24.05.2012, PROCESSO N.º 281/09.4JAAVR.C1.S1, 5.ª SECÇÃO; DE 12.09.2013, PROCESSO N.º 617/11.8JABRG.G1.S1, 5.ª SECÇÃO. -DE 24.02.2010, PROCESSO N.º 628/07.8S5LSB.L1.S1, DA 3.ª SECÇÃO. -DE 13.10.2010, PROCESSO N.º 200/06.0JAAVR.C1.S1, DA 3.ª SECÇÃO. -DE 18.01.2012, PROCESSO N.º 693/09.3JABRG.P2.S2, DA 3.ª SECÇÃO. -DE 05.12.2012, PROCESSO N.º 704/10.0PULSB, DA 3.ª SECÇÃO. -DE 11.07.2013, PROCESSOS N.ºS 1690/10.1JAPRT.L1.S1 E 631/06.5TAEPS.G1.S1, AMBOS DA 5.ª SECÇÃO. -DE 11.07.2013, PROCESSO N.º 631/05; DE 18.12.2013, PROCESSO N.º 137/08.8SWLSB.L1.S1; DE 18.12.2013, PROCESSO N.º 1086/09.8JACBR.C1.S1. -DE 02.12.2013, PROCESSO N.º 237/12.0GDSTB.E1.S1, DA 5.ª SECÇÃO. -DE 14.05.2014, PROCESSO N.º 42/11.0JALRA.C1.S1, OU DE 17.12.2014, PROCESSO N.º 937/12.4JAPRT.P1.S1, AMBOS DA 5.ª SECÇÃO. * ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 13/2014, DE 03.07.2014, PROCESSO N.º 419/11.1TAFAF.G-A.S1. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -N.º 186/2013, DE 04.04.2013, N.º 659/2011, DE 21.12.2011, P. Nº 670/11. | ||
| Jurisprudência Estrangeira: | | ||
| Sumário : | I - Em caso de concurso de crimes e verificada a dupla conforme, a terem sido aplicadas ao recorrente várias penas pelos crimes que, integrando o concurso, devem, por via do disposto no art. 77.º do CP, ser unificadas numa única pena, sempre cabe apurar quais as penas de medida superior a 8 anos de prisão e apenas em relação aos crimes punidos com essas penas parcelares (de medida superior a 8 anos de prisão) ou à pena conjunta de medida superior a 8 anos de prisão resultará admissível o recurso para o STJ. II - Consequentemente, no caso, o recurso não é admissível no que se refere às penas aplicadas pela prática dos crimes de detenção de arma proibida (2 anos e 6 meses de prisão) e de profanação de cadáver (18 meses de prisão). III - Por via da impossibilidade de recurso, as eventuais nulidades apenas podiam ter sido arguidas perante o tribunal recorrido antes de se verificar o trânsito em julgado da decisão. Não havendo tal sucedido no caso em apreço, quando o recurso foi interposto já havia decorrido o prazo geral de 10 dias de que o recorrente dispunha para a mencionada arguição, o que tem como consequência que, encontrando-se transitada a decisão na parte relativa aos referidos crimes, quaisquer nulidades porventura ocorridas, nessa parte, deixaram de ser invocáveis ou oficiosamente apreciadas, mesmo as denominadas nulidades insanáveis. IV - No segmento relativo valoração de prova deficientemente gravada, o acórdão do Tribunal de Relação, que sindicou o decidido pelo tribunal de 1.ª instância, não é recorrível para o STJ, pois trata-se de decisão que não pôs termo à causa e, como tal, insusceptível de recurso, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 400.º, por referência à al. b) do n.º 1 do art. 432.º, ambos do CPP. V - A especial censurabilidade ou perversidade, de que fala o n.º 1 do art. 132.º do CP, constituem conceitos indeterminados, tendo a lei utilizado para a sua representação circunstâncias (exemplos-padrão) que, concebidas como concretizações de manifestações do tipo de culpa agravado, encontram-se enunciadas, a título exemplificativo, nas diversas alíneas do n.º 2 do aludido normativo, o que tem como consequência que, para além das ali mencionadas, outras, valorativamente equivalentes, são também susceptíveis de revelar a referida especial censurabilidade ou perversidade. VI - E porque a verificação das circunstâncias previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 132.º do CP é meramente indiciária, no sentido em que só relevam para efeitos de qualificação do crime de homicídio voluntário quando revelem uma especial censurabilidade ou perversidade, há que atender à imagem global do facto, por forma a possibilitar a detecção de uma particular forma de culpa agravada, a justificar a qualificação do crime. VII - No que concerne à circunstância que, prevista na al. j) do mencionado preceito, é susceptível de aportar acrescida censurabilidade ou perversidade à conduta do agente, por ter actuado com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou por ter persistido na intenção de matar por mais de 24 h. Trata-se daquilo que tradicionalmente se designa de premeditação. VIII - Na situação dos autos, o arguido GS actuou de forma ostensivamente reflectida, calculada, pensada – concertado e em conjugação de esforços com o arguido FS, e movidos ambos pelo propósito comum de tirar a vida ao ofendido –, pela calada da noite, atraindo a vítima a um local ermo, previamente escolhido para o efeito, sob o pretexto de que queria entregar-lhe o dinheiro que lhe devia e bem assim cocaína, que ali ocultara. IX - Modo de agir ponderado, desapiedado, cruel, revelador de notável sangue frio, indiferença e insensibilidade face à vítima, e que justificam a qualificação do homicídio nos termos considerados na decisão recorrida. X - Além disso, o arguido GS, que não dispunha de licença de uso e porte de arma, munido de um revólver de calibre.38, Smith & Wesson Especial que, tendo adquirido à volta de um mês e que não estando manifestado nem registado, foi recolher a casa do seu avô materno, onde se deslocou em companhia do arguido FS, deteve-o, transportou-o e, depois de usá-lo para tirar a vida ao ofendido, escondeu-o, enterrando-o no quintal da sua residência. XI - Não se verificando, na situação em apreço, nenhuma das excepções previstas na parte final do n.º 3 do art. 86.º da Lei 5/2006 (porque o uso e porte de arma não é elemento do crime de homicídio, cujo tipo fundamental se encontra previsto no art. 131.º do CP, e porque a circunstância prevista na al. h) do n.º 2 do art. 132.º não agrava o crime), a pena aplicável, pelo crime de homicídio cometido com a aludida arma de fogo, havia de ter sido agravada de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo, termos do disposto no n.º 4, sem poder exceder o limite máximo de 25 anos de prisão, conforme prescreve o n.º 5 do mesmo normativo. XII - Assim, sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus, entende-se proceder à requalificação jurídica dos factos configurativos do crime de homicídio voluntário, que passará a ser nos termos dos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. j), do CP, agravado pelo art. 86.º, n.ºs 3, 4, e 5 da Lei 5/2006, de 23-02. XIII - Dado que as razões de prevenção especial são particularmente fortes, face à existência de uma personalidade alheada dos padrões comuns e normais (daí a qualificação do crime), a reclamar um exigente esforço de ressocialização do agente, não são as mesmas coadunáveis com a atenuação especial da pena, nos termos do art. 4.º do DL 401/82, de 23-09. XIV - Face aos contornos do caso concreto, julga-se adequada a pena de 16 anos de prisão aplicada pelas instâncias ao arguido GS pela prática do crime de homicídio, bem como a pena conjunta de 17 anos e 4 meses de prisão, resultante do cúmulo jurídico daquela pena com as penas de 2 anos e 6 meses de prisão e 18 meses de prisão, já supra referidas. XV - A co-autoria define-se pela existência de um acordo prévio, expresso ou implícito, entre os agentes em ordem à realização de um facto ilícito típico, em que, embora não sendo imprescindível que cada co-autor tome parte activa e decisiva em todos os actos de execução, exige-se que aquele ou aqueles actos em que participe se mostrem essenciais para a obtenção do resultado visado e querido. XVI - O que distingue a co-autoria da cumplicidade é a circunstância de, ao contrário do que sucede com aquela, nesta (na cumplicidade), a actuação do agente não passa de um mero auxílio (moral ou material) que o mesmo, dolosamente, presta à prática, por outro (o autor) de um facto típico doloso. XVII - No caso sub judice, resulta claramente definida a participação, em co-autoria, dos arguidos FS e GS na prática do crime de homicídio qualificado por que foram condenados, já que ocorreu decisão e execução conjunta, tendo ambos o completo domínio funcional do facto. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório 1. No 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde e no âmbito do Processo nº 287/12.6JACB, foram submetidos a julgamento e condenados, por acórdão de 08.07.2013, os arguidos: 1º - AA - Pela prática, em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, número 1, alínea c), com referência ao artigo 2.º, número 1, alínea aad), e ao artigo 3.º, números 1 e 3, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23.02, na redacção actual, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; - Pela prática, em co-autoria material e concurso real, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131° e 132º, números 1 e 2, alínea j), do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão; - Pela prática, em co-autoria material e concurso real, de um crime de profanação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254.º, número 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, na pena única de 17 (dezassete) anos e 4 (quatro) meses de prisão;
2º - BB - Pela prática, em co-autoria material e concurso real, de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, números 1 e 2, alínea j), do Código Penal, na pena de 13 (treze) anos de prisão; - Pela prática, em co-autoria material e concurso real, de um crime de profanação de cadáver, previsto e punido pelo artigo 254.º, número 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 12 (doze) meses de prisão. Em cúmulo jurídico, na pena única de 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses de prisão. Na procedência parcial do pedido de indemnização civil deduzido por CC, por si e na qualidade de legal representante dos filhos, DD, EE e FF, foram os arguidos/demandados condenados a pagar solidariamente aos requerentes cíveis a quantia total de € 140.000 (cento e quarenta mil euros), a título de indemnização por danos morais sofridos. 2. Inconformados com esta decisão, a assistente CC, por si e na qualidade de legal representante dos filhos, DD, EE e FF, e bem assim os arguidos AA e BB interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 03.06.2014, rejeitou o recurso interposto pela primeira e julgou improcedentes os recursos interpostos pelos arguidos. 3. Ainda irresignados, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os arguidos 1º - AA, que extraiu da motivação apresentada as seguintes conclusões: «1) Vem o arguido AA, aqui Recorrente, condenado pela prática, sob a forma de autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pela alínea c) do número 1 do artigo 86.º, com referência à alínea d) do número 1 do artigo 2.º, e aos números 1 e 3 do artigo 3.º da Lei n.º 5/2006 de 23 e Fevereiro, na sua redacção actual, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; pela prática, sob a forma de co-autoria material, em concurso efectivo e consumada de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelo artigo 131.º e pelo número 1 e alínea j) do número 2 do artigo 132.º do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão; de um crime de profanação de cadáver, p. e p. pela alínea a) do artigo 254.º do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, em cúmulo jurídico, na pena de 17 anos e 4 meses de prisão. 2) O aqui Recorrente apresentou recurso dessa decisão de 1ª Instância para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão, veio a confirmar nos seus precisos termos. 3) Notificado do douto Acórdão proferido nos presentes Autos no dia 3 de Abril de 2013, por com ele se não conformar, o recorrente interpôs o competente recurso, para reapreciação da matéria de facto e de Direito, tendo, como questão prévia, arguido a nulidade parcial da prova produzida em audiência, emergente da deficiente gravação das declarações prestadas oralmente pelo co-arguido BB no dia 7 de Fevereiro de 2013, e a consequente invalidade do Acórdão proferido. 4) Aquela deficiência veio a ser reconhecida no dia 22 de Maio de 2013 nos seguintes termos: “Resultando confirmada a deficiência da gravação das declarações prestadas pelo arguido BB na sessão de audiência de julgamento, realizada no dia 7/02/2013, e a impossibilidade de reduzir o ruído capturado constante na gravação, conclua os autos ao Exmo. Juiz de Círculo a fim de, eventualmente, ser agendada nova data para repetição e nova gravação daquelas declarações.” 5) Conforme se retira lapidarmente do trecho citado, foi confirmado pelo Tribunal de primeira instância que as declarações prestadas pelo arguido BB no dia 7 de Fevereiro de 2013 são imperceptíveis por força de um ruído constante na gravação que, inclusive, não é susceptível de ser reduzido. Em consequência, considerou o Tribunal de primeira instância sem efeito o Acórdão final condenatório e determinou a “reabertura da audiência de julgamento, a fim de sanar a deficiência da gravação das declarações prestadas pelo arguido BB na sessão de julgamento do dia 7/02/2013”, por despacho datado de 23 de Maio de 2013. 6) Ora, tendo o tribunal de primeira instância confirmado que aquelas declarações prestadas pelo arguido BB no dia 07/02/2013 eram imperceptíveis, deficiência de gravação que equivale à falta de documentação, declarou a nulidade de tais declarações e determinou a sua repetição. 7) No dia 21 de Junho de 2013, reaberta a audiência, o arguido BB recusou-se a prestar declarações, valendo-se do seu direito ao silêncio (cfr. a alínea d) do número 1 do artigo 61.º e o número 1 do art.343.º do Código de Processo Penal). 8) Sucede que, no Acórdão proferido no dia 8 de Julho de 2013, o Tribunal de primeira instância entendeu que, apesar de o arguido se ter remetido ao silêncio, nada obstaria à valoração da parte audível das declarações que prestara no dia 7 de Fevereiro de 2013, quer das restantes declarações prestadas. 9) Desde logo, não é verdade que o arguido BB tenha prestado declarações em várias sessões de julgamento. O que sucedeu foi que este no dia 06-02-2013 prestou declarações no início do julgamento sobre A SUA IDENTIFICAÇÃO (à qual é obrigado a responder, com verdade) e, no final da produção de prova, dia 15-03-2014, após as alegações finais, foi-lhe dada a palavra para, querendo, acrescentar algo à sua defesa, que ainda não tivesse dito. 10) Não foram sequer novas declarações – pois este nada acrescentou –, nem tão pouco prestou declarações detalhadas sobre os factos como havia feito no passado dia 07-02-2013 (parte da tarde), AS ÚNICAS QUE PRESTOU QUANTO AOS FACTOS QUE LHE ERAM IMPUTADOS! 11) Declarações essas cuja deficiência de gravação fora reconhecida por aquele mesmo tribunal, sem qualquer reserva, em decisão transitada em julgado! 12) O Tribunal de primeira instância, à revelia do despacho anteriormente proferido, ter decidido valorar uma suposta parte audível das declarações de tal arguido sem indicar, na motivação da decisão, a que parte se refere expressamente, sendo certo que foram declarações por este prestadas nesse dia 07-02-2013, AS QUAIS FORAM EXPRESSAMENTE DECLARADAS NULAS. 13) Aproveitando, dessa forma, trechos isolados e indiscriminados das declarações prestadas no dia 7/02/2013 no processo de formação da sua convicção, sem conceder aos sujeitos processuais visados a faculdade primária de conhecerem concretamente a prova que foi ou não valorada. 14) Razão pela qual sindicou o Recorrente a nulidade do Acórdão de primeira instância, designadamente, porque viola o disposto na al. a) do n.º 1 do art. 379.º, ex vi n.º 2 do art. 374.º, por não indicar expressamente a prova que serviu para formar a sua convicção, com consequências óbvias para a defesa de tais arguidos. 15) O artigo 363.º do Código de Processo Penal consagra a imperatividade da documentação da prova oralmente recolhida na audiência, alargada a todas as formas de processo dispondo: “As declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade.” Esclarecendo o número 1 do artigo 364.º que a “documentação das declarações prestadas oralmente na audiência é efectuada, em regra, através de gravação magnetofónica ou audiovisual”. 16) Não podendo também ser valoradas as declarações do arguido BB em primeiro interrogatório judicial, perante a Sra. Juiz de Instrução Criminal, cuja leitura na sessão da audiência do dia 7 de Fevereiro de 2013 teve lugar por força da existência de discrepâncias entre elas e as declarações inaudíveis, ao abrigo do então estatuído na alínea b) do número 1 do artigo 357.º do Código de Processo Penal, por força do disposto no número 1 do artigo 122.º daquele diploma legal. 17) Tendo o tribunal de primeira instância persistido na utilização de prova nula para a fundamentação da sua decisão, entendeu o Recorrente sindicar tal nulidade perante o Tribunal da Relação de Coimbra por força das disposições conjugadas do artigo 363.º e do número 1 do artigo 122.º do Código de Processo Penal. 18) Ademais, veio ainda o Recorrente suscitar a inconstitucionalidade na interpretação preconizada pelo tribunal de primeira instância do disposto no artigo 363.º, entendendo que é admissível um aproveitamento parcial das declarações prestadas por um arguido, apesar da comprovada deficiência de gravação por decisão transitada em julgado, quando, na reabertura da audiência, o arguido se remete ao silêncio. 19) Tal interpretação acha-se inconstitucional, por violação do princípio da certeza e da segurança jurídica, enquanto trave mestra do Estado de Direito (artigos 2.º, 18.º/3, 32.º/9, 102.º/3, 266.º/2, 280.º/3 e 282.º/4) e das mais elementares garantias de defesa do arguido, nomeadamente o direito ao recurso e ao silêncio (no número 1 do artigo 32.º; todos da Constituição da República Portuguesa). 20) Considerou também o Recorrente que o Acórdão de primeira instância é ainda nulo, designadamente, porque viola o disposto na al. a) do n.º 1 do art. 379.º, ex vi n.º 2 do art. 374.º, por não indicar expressamente a prova que serviu para formar a sua convicção, com claro prejuízo para a defesa de tais arguidos. 21) Entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra que não se verifica qualquer nulidade, porquanto, não obstante o arguido ter direito a não prestar declarações, o Tribunal pode valorar as declarações anteriormente prestadas desde que perceptíveis, aduzindo como argumento final: “ora, no caso em apreço, o tribunal a quo valorou o referido pelo arguido na parte audível como se verifica de fls. 2320, e foi bem expresso no sentido de que apenas declarava a nulidade da parte inaudível das declarações, circunscrevendo a nulidade às que foram prestadas no dia 07/02/2013.” 22) Há evidentemente um MANIFESTO ERRO NOTÓRIO na apreciação que o Tribunal da Relação de Coimbra faz desta questão, isto porque, COMPULSADOS OS DESPACHOS (acima transcritos) NÃO HÁ QUALQUER CIRCUNSCRIÇÃO DE NULIDADE “da parte inaudível das declarações”. 23) Repete-se, o arguido BB prestou declarações no dia 07-02-2013 (parte da tarde), as quais foram confirmadas que enfermavam de deficiência na sua gravação e, “na impossibilidade de reduzir o ruído capturado constante da gravação”, foi dado sem efeito o acórdão final condenatório de 03.04.2013 e agendada nova data para reabertura da audiência, “a fim de sanar a deficiência da gravação das declarações prestadas pelo arguido BB na sessão de julgamento do dia 07/02/2013”. 24) Ora, a nulidade confirmada recaiu in totum sobre as declarações prestadas pelo arguido no dia 07-02-2013 e não, como se fez consignar no Acórdão da Relação recorrido, na parte inaudível destas. 25) Quanto à natureza do vício de incompletude ou deficiência de documentação das declarações orais, parece dever entender-se que tal vício se reconduz à nulidade cominada no art. 363º do CPP, desde que a parte viciada da gravação afecte a sua reprodução em parte necessária para assegurar o direito do interessado ao recurso em matéria de facto, fim primeiro da obrigatoriedade de documentação das declarações orais. 26) Dito isto, a circunscrição da nulidade não tem que ver com a maior ou menor extensão das declarações prestadas por determinado arguido, pois, dada a relação de instrumentalidade existente entra a gravação da prova pessoal e o recurso em matéria de facto, verifica-se a nulidade do art. 363º do C.P.P. quando a deficiência da gravação respeita a declarações relevantes para a decisão de ponto de facto impugnado, quer em face do recurso, quer da fundamentação da sentença recorrida, de tal modo que o tribunal de recurso se encontre impossibilitado de proceder à reapreciação da prova gravada da forma exigida pelos termos do recurso, COMO É O CASO! 27) Ademais, o Tribunal da Relação omitiu pronúncia porque não cuidou de verificar se a prova deficientemente gravada afectava o direito ao recurso do Recorrente – que inegavelmente viu afectado, como, aliás, logo expressou – e, por outro lado, não cuidou também o Tribunal da Relação de averiguar em que medida é que a deficiente audição, seguido do direito ao silêncio exercido pelo arguido BB, impossibilitaria o Tribunal de primeira instância de utilizar declarações deste arguido anteriormente prestadas em sede de primeiro interrogatório e, mais ainda, valorá-las em sede de decisão final. 28) Todavia, não obstante tal omissão de pronúncia habilidosamente conseguida pela Relação de Coimbra, entende o Recorrente que este STJ tem, não só, poderes de cognição e matéria suficientes para, desde já, declarar a nulidade do acórdão de primeira instância pela utilização de prova nula para a fundamentação da sua decisão, por força das disposições conjugadas do artigo 363.º e do número 1 do artigo 122.º do Código de Processo Penal, bem como, por não indicar expressamente a prova que serviu para formar a sua convicção, com claro prejuízo para a defesa de tais arguidos (al. a) do n.º 1 do art. 379.º, ex vi n.º 2 do art. 374.º). 29) É que também quanto a este segmento o Tribunal da Relação de Coimbra limitou-se a consignar que o Tribunal de 1ª instância fez uma análise exaustiva da prova (referindo-se a toda a prova), sendo certo que o que se pedia era que este Tribunal indagasse e confirmasse a utilização das declarações anteriormente prestadas pelo arguido e dos trechos soltos que utilizou das declarações que este prestou em Julgamento cuja nulidade havia sido declarada. 30) Cabe igualmente a este STJ apreciar a inconstitucionalidade suscitada e cuja reapreciação se requer. 31) Os arguidos prestaram declarações finais no dia 15 de Março de 2013 após a alegações em que nada de relevante acrescentaram aos factos que lhes eram imputados. A audiência foi reaberta no dia 26 de Junho de 2013. 32) Nos termos do disposto no número 6 do artigo 328.º do Código Penal: “O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada.” 33) Sendo que, como se tem entendido, o termo “adiamento” é utilizado em sentido amplo, compreendendo o adiamento em sentido técnico-jurídico, a interrupção e a reabertura. Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1996. 34) Ora, a audiência de julgamento em 1ª instância foi reaberta muito para além dos 30 dias após a data da última sessão, motivo pelo qual, nos termos supra expostos, a prova anteriormente produzida perdeu eficácia, independentemente de existir ou não documentação da prova, conforme se assentou no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º11/2008, de 11 de Dezembro. 35) Deveria, por conseguinte, o tribunal de 1ª instância, aquando do agendamento de nova data para a repetição das declarações do arguido BB, ter determinado a repetição de todos os actos de produção de prova, ou seja, ter ordenado a realização de um novo julgamento. 36) Mostrando-se excedido o prazo de 30 dias previsto no n.º 6 do artigo 328.º do CPP deverá proceder-se a novo julgamento, vide no mesmo sentido, Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27 de Abril de 2011 e de 4 de Novembro de 2009. 37) Ao não proceder à repetição da prova entretanto volvida ineficaz por excessiva descontinuidade/desconcentração da audiência, o tribunal de primeira instância omitiu diligências essenciais para a descoberta da verdade, consubstanciando tal omissão a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP, arguível por via de recurso, nos termos do disposto no art. 410.º, n.º 3, do mesmo diploma. 38) Sendo que a interpretação realizada por aquele tribunal do disposto no n.º 6 do artigo 328.º, ao considerar admissível a reabertura da audiência decorridos mais de trinta dias desde a última sessão é inconstitucional, por violação dos princípios da oralidade e da imediação, projecções da estrutura acusatória do processo penal (número 5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa). 39) O Tribunal da Relação de Coimbra, veio de forma genérica e sem fundamentação plausível, consignar que não é de aplicar o nº 6 do artº. 328.º do C.P.P. por se tratar de uma audição para suprir partes não audíveis, não se tratando de uma audiência de julgamento. 40) Confessa o Recorrente que tem muita dificuldade em aceitar este entendimento de que tais declarações não revestem prova, não se tratando de uma audiência de julgamento, até porque não se descortina então que figura processual é que está em causa, parecendo que o Tribunal da Relação de Coimbra defende uma forma híbrida de audiência de discussão e julgamento para tais casos. 41) É que contrariamente à analogia que o Tribunal da Relação de Coimbra faz, a nulidade quando declarada em sede de recurso tem assento legal e nesse sentido não se trata já de uma audiência de discussão e julgamento contínua por se entender que com a prolação de acórdão condenatório em primeira instância fica fixada uma decisão de mérito consubstanciada numa apreciação crítica da prova e respectiva matéria de facto. 42) O acórdão condenatório inicialmente proferido (sendo certo que o podia ter mantido e, posteriormente, reformulado com base na novas declarações a serem prestadas) tendo acabado por dar continuidade à audiência de julgamento, o que, a fazê-lo, deveria respeitar o preceito supra referido de perda de eficácia da prova ao final de 30 dias. 43) Assim, deverá este STJ conhecer e declarar a competente invalidade e ser determinada a realização de um novo julgamento. 44) Da leitura e da análise feita à motivação do Tribunal a quo, não compreende a defesa a seguinte conclusão: “No relatado contexto em que os factos ocorreram, o empenho e a concertada participação dos arguidos nos actos descritos, conjugado com as regras da experiencia, nenhuma dúvida deixa sobre a intenção de ambos matarem a vítima no modo e condições descritas após reflectirem sobre a melhor forma de o conseguir.” 45) A prova carreada para os Autos não é capaz de suportar a “ideia” de que o Recorrente, com ambição de vingança, congeminou o plano de matar o ofendido e tivesse persuadido o BB a executá-lo. 46) O Recorrente questiona: Em que provas se baseou o Tribunal de primeira instância para alicerçar a “ideia” de que o recorrente terá confidenciado ao BB a sua intenção de matar o GG? Em que provas se baseou o Tribunal de primeira instância para afirmar que ambos decidiram em conjugação de esforços e intentos matar o GG? Em que provas se baseou o Tribunal de primeira instância para afirmar que o AA matou o GG? 47) Digamos que é uma incógnita. 48) Por maior esforço que se faça, a resposta a estas questões não se encontram esplanadas no acórdão recorrido. Da fundamentação plasmada não se vislumbra como foi possível ao Tribunal de primeira instância atingir o grau de certeza imprescindível para considerar como provados os factos ora colocados em crise. 49) Os factos apontados como provados na decisão de primeira instância, não encontram fundamentação na exposição da motivação do Tribunal, que peca, designadamente, por omitir a(s) circunstância(s) concreta(s) que levaram à formação da sua convicção. 50) Fica, assim, a descoberto uma omissão do acórdão que, por conseguinte, também aqui enferma de nulidade por violar o disposto no artigo 374.º n.º 2 do C.P.P., conforme vem descrito no art. 379.º n.º 1 al. a) do mesmo diploma legal, e que nesta sede se invoca. 51) De tudo o quanto ficou exposto, reverte a consideração final inequívoca de que o Recorrente foi condenado sem que do decorrer da Audiência de Discussão e Julgamento se tivesse feito prova segura da factualidade que contra si era imputada. 52) No caso sub judiceos factos dados como provados no acórdão de primeira instância não têm correspondência com os depoimentos que esse Tribunal reputou como determinantes para a formação da sua convicção e os quais plasmou em sede de fundamentação. 53) Da análise da referida fundamentação, o recorrente concluiu que a fixação da matéria probatória que conduziu à sua condenação, se encontra irremediavelmente ferida do vício previsto na al. a) e c) do n.º 2 do art. 410.º do C.P.P. 54) O Tribunal da Relação de Coimbra sobre este segmento do recurso do Recorrente limitou-se a consignar o seguinte: “O arguido AA, na parte final do seu recurso, refere que o acórdão recorrido padece dos vícios das als. a) e c) do n.º 2 do artº. 410.º do C.P. Penal , sem contudo, alegar em que se traduzem os mesmos, por reporte à decisão.” 55) Dito de outro modo o que o Tribunal da Relação de Coimbra fez foi omitir pronúncia, preferindo, por um lado, plasmar uma alegada ininteligibilidade de arguição do vício e por outro lado, contraditoriamente, e de forma tabular dizer: “analisado o texto da decisão recorrida não resulta a existência de nenhum deles.” 56) Os vícios plasmados no artº. 410.º nº 2 do C.P.P. devem ser suscitados apenas junto do Tribunal da Relação, sendo de conhecimento oficioso pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito dos seus poderes de cognição da denominada revista alargada, contudo, no seu entender, resulta evidente a insuficiência da fundamentação da decisão de primeira instância para a factualidade alcançada e dada como provada no acórdão, como, é também notório o erro de apreciação da prova cometido pelo Tribunal como, de resto, se identifica acima! 57) Com referência aos factos postos em crise pelo aqui Recorrente na motivação que dirigiu ao Tribunal da Relação de Coimbra, o Tribunal recorrido para confirmar o acórdão de primeira instância justificou-se nos termos melhor descritos no aresto de que se recorre, sendo que, no que concerne ao iter formativo da sua convicção, confirma os factos dados como provados através de “saltos” ilógicos, convencendo-se de uma realidade que, admitindo o Recorrente que seja essa a perspectiva factual do Tribunal “a quo”, exigir-se-ia que essa certeza fosse minimamente sustentada, através de um especial dever de fundamentação, que torne transparente o iter e/ou o percurso lógico que trilhou na formação da sua convicção (não se exigindo para isso uma indicação exaustiva dos meios de prova, mas pelo menos indicando as razões que o levaram a formar uma convicção segura quanto a tal facto), não só para que a decisão se possa impor aos outros, mas também para permitir o controlo da sua correcção pelas instâncias de recurso. 58) Ora o art. 127° da lei penal adjectiva visa precisamente delimitar a discricionariedade (convicção) do julgador atento o dever de enformação desta segundo as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. 59) Incumbia, pois, ao Tribunal de recurso verificar se a decisão de primeira-instância sindicada pelo Recorrente, nos concretos pontos que identificou, não se mostra ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. 60) Não obstante, a decisão de condenar alguém a tão pesada pena tem de encontrar suporte válido na prova, cuja materialidade deve ser encontrada na fundamentação do acórdão condenatório, onde o Julgador explica a razão, ou razões, da sua decisão, o iter lógico que presidiu àquela decisão, por convictamente acreditar ter atingido a verdade material procurada, para além de toda a dúvida razoável, com vista à realização da justiça, e convença os destinatários da decisão judicial disso mesmo. 61) Sempre que o julgador tenha dúvidas quanto à verificação ou não de determinado facto deverá decidir no sentido mais favorável ao arguido, homenageando o princípio in dubio pro reo. 62) Também no que tange ao invocado e violado princípio do in dubio pro reo que se acha intimamente ligado à apreciação da prova – do qual constitui faceta – o tribunal recorrido limitou-se a afirmar que “também não vemos onde tenha sido violado o princípio in dubio pro reo”. 63) Por outras palavras, o Tribunal da Relação de Coimbra não explica, não fundamenta, não valida porque é que tal princípio não tem aplicação no caso em apreço, o que deverá também merecer a censura deste Alto Tribunal. 64) Estas omissões consubstanciam uma grave insuficiência da matéria de facto para a decisão bem como erro manifesto na apreciação da prova nos termos do art°. 410.° n°2 al. a) e c) do C.P.P., e devem determinar a anulação do julgamento nos termos do art°. 426° n°1 do C.P.P. já que a correcção do vício determina a necessidade de produção de prova e sua subsequente avaliação. 65) O acórdão do Tribunal de primeira instância, agora confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de que ora se recorre condenou o Recorrente, em concurso, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts.131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al.j) do Código Penal, em co-autoria material, perpetrado sobre BB , na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão; 66) Tribunal da Relação de Coimbra confirmou a condenação nos seus precisos termos, entendendo, de forma lapidar “de que os arguidos agiram com frieza de ânimo, pois de forma planeada e fria levaram por diante os intentos de tirar o bem mais precioso ao ser humano que é a vida” e, por isso, devem o Recorrente ser condenado por um crime de homicídio qualificado. 67) Não foi feita qualquer discussão jurídica de distinção de figurinos, como o caso do homicídio qualificado sempre obrigaria, até porque a prática do crime tem sempre de revelar especial censurabilidade ou perversidade. 68) Entendendo V. Exas. que improcede a argumentação supra aduzida e que implicará o reenvio do processo, o que se concede e por mera cautela de patrocínio se supõe, sempre terão de concluir pela não verificação dos elementos qualificadores do crime de homicídio. 69) O crime de homicídio, p. e p. no art.131.º do Código Penal, constitui o tipo legal fundamental dos crimes contra a vida. Perante casos especiais de homicídio doloso resultantes da verificação de circunstâncias ligadas à ilicitude e à culpa, o legislador previu a existência de tipos com moldura penal diversa, qualificado ou privilegiado, em função da existência de circunstâncias especiais agravantes ou atenuantes. 70) É neles que se integra o tipo legal do art. 132.º do Código Penal, uma forma agravada de homicídio em resultado da existência de circunstâncias que revelem, por parte do agente, especial censurabilidade ou perversidade na respectiva actuação. 71) Por isso, não se pode, a contrário, considerar como crime base, o de homicídio qualificado e o de homicídio simples uma forma atenuada daquele. 72) Na qualificação do homicídio o legislador combinou o critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica dos exemplos padrão, elencando-se no n.º2 daquela disposição penal uma série de circunstâncias susceptíveis de revelar especial censurabilidade ou perversidade, delas podendo resultar uma imagem global do facto agravada, correspondente a um especial conteúdo de culpa. 73) O facto de ocorrerem dados indiciários ou sintomáticos da referida especial censurabilidade ou perversidade do agente, não conduz, sem mais, à qualificação. Podendo negar-se a especial censurabilidade ou perversidade do agente, apesar da verificação de qualquer daquelas circunstâncias. 74) O revólver de calibre 385 Smith & Wesson Especial (equivalente a 9 mm no sistema métrico), da marca Amadeo Rossi, utilizado para matar a vítima não pode ser considerado um meio particularmente perigoso, sendo insusceptível de integrar o exemplo-padrão sob apreciação. 75) Nos termos do disposto na al. i) do art.132.º do Código Penal releva para a qualificação a circunstância de o agente utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso. Insidioso será todo o meio cuja forma de actuação sobre a vítima assuma características análogas às do veneno, do ponto de vista pois do seu carácter enganador, sub-reptício, dissimulado ou oculto, sendo também a conduta do Recorrente insusceptível de ser enquadrada em tal exemplo-padrão. 76) A al. j) dá efeito de exemplo-padrão qualificador à tradicionalmente chamada circunstância de premeditação. Qualquer manifestação de premeditação é susceptível de indiciar um tipo de culpa agravado, sem todavia o determinar necessariamente. 77) Há frieza de ânimo quando ocorre uma calma ou imperturbada reflexão no assumir o agente a resolução de matar, ao nível específico da execução a frio. 78) A frieza de ânimo indica a firmeza, tenacidade e irrevocabilidade da resolução criminosa. A reflexão, que precede ou acompanha a execução, indicia, de outra banda, uma acrescida perigosidade e traduz maior intensidade do dolo. 79) O tribunal em primeira instância parece ter-se convencido de que existia um plano criminoso apenas com base numa mensagem escrita com o teor “Ajudas-me a apagá-lo?”, que terá sido enviada pelo telemóvel do Recorrente, mas da qual este sempre negou a autoria, susceptível de gerar fundadas dúvidas sobre o seu real sentido. 80) A testemunha HH disse também que a vítima e o Recorrente se “fodiam” um ao outro. Ora, com o devido respeito, “foder-se”, tal como “apagar”, pode significar matar, é verdade, mas também pode ter o sentido de fazer mal; e se a vítima e o Recorrente se “fodiam um ao outro”, estando o Recorrente vivo, é evidente que aquele termo não foi utilizado com o sentido de matar. 81) Tal como o poderá não ter sido o termo “apagar”, caso o Recorrente tenha enviado tal mensagem, o que se não concede e por mera cautela de patrocínio se supõe. 82) Aquela intenção de matar que o Tribunal de primeira instância retirou da citada mensagem, não é corroborada por mais nenhum meio de prova! 83) Ora, por força do princípio do in dubio pro reo, a falta de prova, para lá de toda a dúvida razoável, sobre o plano que o Recorrente terá congeminado, juntamente com o co-arguido, para matar a vítima, impede que se considere verificada esta circunstância qualificativa. 84) De tudo quanto ficou exposto resulta aliás que a decisão de matar terá sido tomada por um dos arguidos no calor do momento. 85) Não tendo pré-existido e persistido qualquer plano nesse sentido. 86) Assim, a conduta do Recorrente, partilhada com o arguido BB na decisão de matar o GG será apenas susceptível de integrar a prática de um crime de homicídio simples p.p. no art. 131.º do Código Penal, impondo-se em consequência e nessa parte a revogação do Acórdão recorrido. 87) De acordo com o disposto no artigo 9º do Código Penal “Aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial”. 88) Estabelece o artigo 1º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, “É considerado jovem para efeitos deste diploma o agente que, à data da prática do crime, tiver completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos”.E o artigo 4º do mesmo diploma legal dispõe que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado; correspondendo a um dos “casos expressamente previstos na lei”, a que alude o n.º1 do art.72.º do Código Penal. 89) Aquando da prática dos factos em apreciação, o arguido tinha apenas 20 anos de idade. 90) Mesmo do circunstancialismo considerado provado pelo Tribunal a quo, em que os factos foram praticados, surge como evidente a culpa atenuada do Recorrente. 91) A vítima teria ameaçado fazer mal ao Recorrente e à sua família. No dia do crime ter-se-á dirigido a casa do Recorrente, acompanhada pela sua família, para lhe exigir o dinheiro que este lhe devia. A ameaça ter-se-á tornado, naquele momento, mais real, mais próxima. Terá sido então que o Recorrente planeou, juntamente com o co-arguido, dar-lhe uma lição. Contudo, os factos não se terão desenrolado como planeado. Alguém terá disparado, sendo, na verdade, para a questão em apreciação, pouco relevante quem o terá feito. 92) No dia seguinte, os indivíduos de etnia cigana ter-se-ão dirigido a casa do Recorrente e ter-lhe-ão arrancado o telemóvel. Suspeitavam do seu envolvimento no desaparecimento da vítima. 93) Uma vez mais, movidos pelo receio da consumação da ameaça de serem liquidados, desta vez dirigida directamente pela família da vítima, o Recorrente e o co-arguido, terão decido queimar o corpo. 94) Indiscutível para o Tribunal de primeira instância foi o clima de ameaça, diga-se mesmo, medo, em que o Recorrente se encontraria, quer tenha ele próprio disparado a arma e incendiado o corpo, como afirmou no primeiro interrogatório, quer tenha sido o co-arguido a fazê-lo, como logo esclareceu. 95) Estado emocional que lhe diminui substancialmente a culpa. Ora, além de existir a culpa mitigada que deve subjazer a qualquer solução de atenuação, há sérias razões para acreditar que a atenuação da pena terá vantagens para a ressocialização do agente. 96) Antes de lhe ser aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, o Recorrente desempenhava uma actividade profissional, tendo uma situação financeira equilibrada, não fazendo, portanto, uma vida de marginalidade. 97) Mantinha uma vida familiar e social estável. Não tendo antecedentes criminais. 98) Tendo, posteriormente, colaborado activamente na descoberta da verdade material. 99) Admite não se identificar com a acusação proferida, tendo o crime consubstanciado um episódio totalmente inesperado e trágico na sua vida, em nada condizente com o seu percurso pessoal. 100) Continua a ter o apoio e suporte afectivo e material da família e amigos. Apresenta traços normais de personalidade, possuindo um funcionamento cognitivo muito superior à média esperada para a população normal, sendo extrovertido e estável emocionalmente. 101) Do relatório social não resulta qualquer especial perigosidade do Recorrente, nem uma personalidade com contornos problemáticos e avessa ao quadro axiológico-jurídico dominante, pelo contrário, pelo que, não faz qualquer sentido o juízo de prognose desfavorável plasmado pelo Tribunal de primeira instância e confirmado, liminarmente sem qualquer argumentação, pelo Tribunal da Relação de Coimbra. 102) A pena de 17 (dezassete) anos e 4 (quatro) meses de prisão aplicada ao Recorrente, que tinha 20 anos à data dos factos, dado o seu carácter excessivo, altamente estigmatizante e, admita-se, criminógeno, por força da sua longa duração, só obstaculizará à prevenção da reincidência (sendo neste particular aspecto que se traduzem as exigências de prevenção especial no caso concreto). 103) De onde, ponderada a globalidade da actuação e da situação do Recorrente, a sua personalidade, as suas condições pessoais e a sua conduta anterior e posterior ao crime, resultam um prognóstico favorável à sua ressocialização e ao encurtamento do prazo prisional, estimulando-se a este jovem a escolha de um projecto de vida afastado da criminalidade que, aliás, vinha sendo o seu. 104) O Tribunal de primeira instância, ao afastar a aplicação do regime especial dos jovens adultos, o que agora vem confirmado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, fez uma incorrecta valoração da prova produzida e interpretação e aplicação do Direito, violando o disposto nos arts.9.º, 40.º, 71.º, 72.º, 73.º do Código Penal e 4.º do Decreto-Lei n.º401/82. 105) De qualquer modo, caso assim não se entenda, o que se não concede e por mera cautela de patrocínio de supõe, a idade do arguido, a culpa diminuta, o motivo que presidiu à prática do crime, as circunstâncias pessoais do agente, supra referenciadas sempre serão de considerar na determinação da medida da pena, como atenuantes. 106) A pena é o reflexo da conjugação da concreta medida da culpa e das actuais exigências de prevenção; e na sua (boa) determinação, o julgador atende a todas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, porque relacionadas com a pessoa e carácter do agente, deponham contra ou a seu favor. E aqui, particularmente, as condições pessoais (morais e sociais) do agente, a sua situação económica, e a sua conduta anterior e posterior ao crime. 107) De tudo quanto ficou exposto, resulta que o comportamento do Recorrente, a entender-se que participou na execução do ofendido, apenas pode ser subsumido aos tipo legal de homicídio simples, punível, em abstracto, com uma pena de prisão de 8 (oito) a 16 (dezasseis) anos. 108) Mas, com a atenuação especial da pena de que o Recorrente deve gozar face à sua idade e ao juízo de prognose favorável quanto à sua ressocialização, tais limites abstractos hão-de fixar-se tendo em consideração que o limite máximo da pena de prisão deve ser reduzido de um terço e o limite mínimo da pena de prisão ser reduzido a um quinto quando é igual ou superior a três anos e ao mínimo legal quando é inferior, bem como o limite máximo da pena de multa deve ser reduzido de um terço e o limite mínimo ao mínimo legal (cfr. arts.72.º e 73.º/1/a) e b) do CP). 109) No âmbito das molduras de prevenção assim alcançadas depõe ainda a favor do arguido a sua contribuição para a descoberta da verdade; as circunstâncias em que o crime foi cometido, nomeadamente o ter agido num estado de grande perturbação emocional, de constantes ameaças, medo; a revelada personalidade do arguido, equilibrada, estável, sem indícios de transtorno estrutural, a sua capacidade intelectual acima da média, devem ser considerados na pena concreta a aplicar, pois fazem baixar significativamente as necessidades de prevenção especial. 110) Não se compreendendo, em especial, o agravamento do desvalor da acção do Recorrente, por comparação ao co-arguido BB, com base numa alegada maior iniciativa, entusiasmo e empreendimento, pois que o plano de dar uma lição à vítima, a existir, seria partilhado. 111) Na profanação de cadáver, o co-arguido BB teve um papel preponderante, tendo ele mesmo telefonado e convencido o seu primo a transportá-los ao local, bem como pago o combustível que serviria para atear o fogo ao corpo, também subsistindo fundadas dúvidas quanto a quem o terá efectivamente feito. 112) Assim como se deixou já sobejamente rebatida a elevada intensidade do dolo, com base na persistência no cometimento dos crimes, alegadamente resultantes de um cuidado e reflectido processo criminoso que, como se viu, inexistia. 113) No que concerne aos crimes de detenção de arma proibida e de profanação de cadáver, caso se considere que também foram praticados pelo arguido, além de valerem, mutatis mutandis, as considerações supra expendidas relativamente ao crime de homicídio no que respeita à atenuação da pena, o acórdão de primeira instância não fundamenta suficientemente a inaplicabilidade da norma de preferência prescrita no artigo 70.º do Código Penal, referindo-se, nomeadamente ao alarme social provocado pelo incêndio do cadáver, sem em qualquer elemento probatório, quando, na verdade, se impunha a preferência por uma punição não privativa da liberdade. 114) Pelo exposto, se entende que, quer a pena individualmente aplicada para o crime de homicídio, quer a pena única emergente do cúmulo jurídico, não são, como deviam, um reflexo sério e justo da culpa do agente e das reais e actuais necessidades de prevenção (geral e especial) que a situação reclama. 115) As penas aplicadas ao arguido são injustificadas, incompreensíveis, imerecidas e injustas, impondo-se a sua revogação, devendo ser determinadas de acordo com a matéria fáctica efectivamente apurada, a concreta culpa e personalidade do arguido manifestada nos mesmos e nos momentos que os precederam e sucederam e as exigências de prevenção verificadas. 116) A decisão recorrida denuncia, assim, na determinação das penas aplicadas aos arguidos, uma insustentável violação dos artigos 9.º, 40.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º e 77.º do Código Penal e do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82 de 23 de Setembro que prevê o regime especial dos jovens adultos. 117) Por economia processual dá-se como reproduzido tudo quanto supra exposto, devendo, julgando-se em conformidade a matéria criminal, assacar-se as devidas consequências jurídico-civis, assim se cumprindo o preceituado no n.º3 do art.403.º do Código do Processo Penal. Termos em que se requer a V. Exas. se dignem reconhecer e declarar a nulidade do Acórdão recorrido por: 1) ter valorado prova nula, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 363.º, no n.º1, do artigo 364.º, da alínea b) do n.º 1 do artigo 357.º, e do n.º 1 do artigo 122.º do Código de Processo Penal; 2) ter omitido as diligências essenciais à descoberta da verdade, nos termos das disposições conjugadas do número 6 do artigo 328.º e no n.º2 do art. 120.º do Código Penal 3) apresentar uma fundamentação incompleta, não permitindo descortinar o iter cognitivo do Julgador, nos termos 379.º do C.P.P. Mais se requer a V. Exas. que seja reconhecida e declarada a inconstitucionalidade da interpretação preconizada pelo tribunal a quo do disposto no artigo 363.º do Código de Processo Penal, entendendo que é admissível um aproveitamento parcial das declarações prestadas por um arguido, apesar da comprovada deficiência de gravação por decisão transitada em julgado, quando, na reabertura da audiência, o arguido se remete ao silêncio, é, aliás, inconstitucional, por violação do princípio da certeza e da segurança jurídica, enquanto trave mestra do Estado de Direito (artigos 2.º, 18.º/3, 32.º/9, 102.º/3, 266.º/2, 280.º/3 e 282.º/4) e das mais elementares garantias de defesa do arguido, nomeadamente o direito ao recurso e ao silêncio (no número 1 do artigo 32.º; todos da Constituição da República Portuguesa); Bem como da interpretação realizada pelo tribunal a quo do disposto no n.º6 do artigo 328.º, ao considerar admissível a reabertura da audiência decorridos mais de trinta dias desde a última sessão, por violação dos princípios da oralidade e da imediação, projecções da estrutura acusatória do processo penal (número 5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa). Caso assim não entenda, V. Exas. não poderão deixar de determinar o reenvio do processo para novo julgamento ao abrigo do art.º 426.º n.º 1 do CPP, porquanto se encontram verificados os vícios do art.410º, nº2, al.s a) e c) do C.P.Penal. Sem prescindir, caso as suscitadas ilegalidades e inconstitucionalidades não venham a obter o reconhecimento do tribunal ad quem, bem como os vícios suscitados, que só se admite por mera cautela de patrocínio, deverão V. Exas.. consideradas todas as circunstâncias supra descritas em sede jurídica, alterar e diminuir a medida da pena alcançada». Na oportunidade, requereu o arguido AA que se realizasse audiência, nos termos do número 5 do artigo 411.º do Código de Processo Penal, para debater os pontos concretos que constam da motivação apresentada; 2º - BB , que retirou da motivação que apresentou as conclusões que se seguem: «DA NULIDADE POR DEFICIENTE DOCUMENTAÇÃO DA PROVA GRAVADA 1º- Estatui o artigo 363º do C.P.P. que “as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta sob pena de nulidade.” 2º- In casu, a gravação existe, no entanto as declarações prestadas pelo arguido BB na audiência de julgamento do dia 7 de Fevereiro de 2013 não puderam ver o seu sentido apreendido, por força de um ruído constante na gravação. 3º- Ou seja, a imperceptibilidade das declarações é parcial – uma vez que apenas as declarações do arguido BB – prestadas em 7 de Fevereiro de 2013 são inaudíveis. 4º- A referida deficiência veio a ser reconhecida em 22 de Maio de 2013 pelo Tribunal, que confirmou que as declarações prestadas pelo arguido BB no dia 7 de Fevereiro de 2013 são imperceptíveis por força de um ruído constante na gravação. 5º- Em consequência, considerou o Tribunal sem efeito o acórdão final condenatório e ordenou a “reabertura da audiência de julgamento, a fim de sanar a deficiência da gravação das declarações prestadas pelo arguido BB na sessão de julgamento do dia 7 de Fevereiro de 2013”. 6º- No dia 21 de Junho de 2013, reaberta a audiência, o arguido BB recusou-se a prestar declarações, valendo-se do seu direito ao silêncio cfr. a alínea d) do nº1 do artigo 61º e o nº1 do artigo 343º do Código de Processo penal). 7º- Sucede que, no acórdão proferido no dia 8 de Julho de 2013, o Tribunal de 1ªinstãncia, apesar do arguido BB, na reabertura da audiência para repetição das declarações, se ter remetido ao silêncio, veio a valorar uma suposta parte audível das declarações daquele prestadas em 7 de Fevereiro de 2013. 8º- Cumpre perguntar se a imperceptibilidade parcial das declarações orais gravadas deve ser equiparada de um ponto de vista jurídico à sua imperceptibilidade total? 9º- No acórdão do TRE, de 14-07-2010 escreveu-se que “ à luz do regime legal vigente a documentação das declarações prestadas oralmente em audiência é obrigatória e a sua omissão – seja por absoluta ausência de documentação, seja por deficiência da mesma – determina nulidade”. 10º- Por sua vez no acórdão do TRC de 18-01-2010 escreveu-se que “Assim, quer a omissão total ou parcial da gravação, quer a sua imperceptibilidade constitui nulidade, a qual tem influência na decisão da causa...” 11º- Ou seja, a imperceptibilidade parcial das declarações orais prestadas em audiência de julgamento deve ser equiparada à sua imperceptibilidade total, e como tal, à própria falta de documentação da audiência de julgamento a que aludem os artigos 363.º e 364.º nº1 do C.P.P., uma vez que não há afecção sectorial da prova gravada que não seja afecção total dessa prova. Ninguém pode medir a importância da palavra que se não ouve; Um “eu” ou um “ele”, por exemplo, pode ser radicalmente determinante e o que é válido para uma palavra só, vale igualmente para uma frase. 12º- Assim não se entendendo, pergunta-se: Se o arguido BB prestasse declarações em 21 de Junho de 2013 contradizendo em absoluto as declarações prestadas em 7 de Fevereiro de 2013, o Tribunal de 1ªinstância valora quais declarações? 13º- A repetição das declarações do arguido BB em 21 de Junho de 2013, seriam apenas sobre a parte inaudível? Conseguiria o tribunal de 1ª instância descriminar a parte não audível e o arguido apenas prestar declarações sobre essa parte? 14º- Não fica irremediavelmente prejudicado o objectivo primeiro da documentação da audiência? O direito ao recurso e impugnação da matéria de facto do arguido? 15º- A interpretação preconizada pelo tribunal de 1ª instância do disposto no artigo 363º, é inconstitucional por violação do princípio da certeza e da segurança jurídica e das mais elementares garantias de defesa do arguido, nomeadamente o direito ao silêncio – nº 1 do artigo 32º da Constituição da Republica Portuguesa. 16º - Verificada a nulidade das declarações orais prestadas, em sede de audiência de julgamento, por ausência ou imperceptibilidade da documentação operada, também a decisão final se encontra afectada pelo mesmo vício processual, em virtude do artigo 122º nº1 do C.P.P., quando as citadas declarações tenham feito parte do iter argumentativo do juízo de condenação proferido pela sua valoração positiva. 17º- Razão pela qual, tendo o tribunal de 1ª instância persistido na utilização, para fundamentação da sua decisão, de prova nula, padece o acórdão proferido, consequentemente, de nulidade por força das disposições conjugadas dos artigos 363º e nº1 do artigo 122º do Código de Processo Penal. 18º- Termos em que V. Exas. deverão reconhecer e declarar a nulidade do acórdão recorrido por ter valorado prova nula, ao abrigo do disposto nos artigos 363º, 364º nº1 e nº 1 do artigo 122º do Código de processo Penal. DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA AUDIÊNCIA 19º- Nos termos do artigo 328.º, n.º6, do Código de Processo Penal “ O adiamento não pode exceder 30 dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada”. 20º - Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma. 21º - Em face da nulidade das declarações do arguido BB, o Tribunal de 1ª instância determinou a repetição das mesmas, ordenando a reabertura da audiência de julgamento, a fim de sanar a deficiência da gravação das declarações prestadas por aquele arguido na sessão de julgamento de 7 de Fevereiro de 2013. 22º - A audiência foi reaberta em 26 de Julho de 2013, muito para além dos 30 dias após a data da última sessão de julgamento, motivo pelo qual, a prova anteriormente produzida perdeu eficácia, independentemente de existir ou não documentação da prova. 23º- A aplicação da norma em apreço é circunscrita a todos aqueles meios de prova em relação aos quais a imediação surge em toda a sua plenitude como é o caso da prova testemunhal e das declarações do arguido, e assistente...”
24º - Por conseguinte, o Tribunal de 1ª instância, quando da marcação de nova sessão de julgamento para a repetição das declarações do arguido BB, deveria ter determinado a repetição de todos os actos de produção de prova, ou seja, ter ordenado a realização de novo julgamento. 25º- Ao não ter procedido à repetição da prova, ineficaz, por excessiva descontinuidade / desconcentração da audiência, o Tribunal de 1ª instância omitiu diligências essenciais à descoberta da verdade, consubstanciando tal omissão a nulidade prevista no artigo 120º nº2 alínea d) do C.P.P. DA NULIDADE DO ACÓRDÃO NOS TERMOS DO ARTIGO 379.º Nº2 DO C.P.P. 26º- Nos termos do artigo 374º nº2 do C.P.P. a sentença deve conter a seguir ao relatório a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. 27º- Por sua vez estatui o artigo 379.º nº2 do diploma citado que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º. 28º- O Tribunal de 1ª instância considerou provado que o arguido BB aderiu ao plano criminoso no momento em que lhe é comunicada a alegada ameaça sobre a sua vida e a da sua filha. Com efeito da factualidade provada resulta: 29º- Que o arguido AA comunicou ao arguido BB que havia uma ameaça à sua vida e da sua filha - facto provado nº17. 30º- Que o arguido BB ficou convencido da veracidade da ameaça – facto provado nº18. 31º- Que em virtude dessa ameaça o arguido BB aderiu ao plano criminoso de matar GG – factos provados nº 25 e 26. 32º- Existe uma contradição notória entre o facto provado em 18º e o facto provado em 30º. E isto porque, 33º- No ponto 30 da factualidade provada refere-se que o arguido BB enviou uma sms a II, determinado que estava a confirmar a ameaça à sua vida e à da sua filha. 34º- Ora, ou o arguido BB ficou convencido da veracidade da ameaça ou procurou confirmar se a mesma era verdadeira ou falsa. As duas premissas não podem ser válidas, porque uma anula a outra, configurando a factualidade provada em 18º e 30º uma contradição notória da matéria de facto provada. 35º- Configurando a premissa – convencimento da veracidade da ameaça à sua vida e da sua filha por parte do arguido BB – como ponto de partida para o Tribunal argumentar a adesão ao plano criminoso, não se verificando tal premissa a conclusão alcançada – adesão ao plano – encontra-se viciada. 36º- Considerando o Tribunal o convencimento do arguido BB da veracidade da ameaça e a adesão daquele ao plano criminoso dois factos indissociáveis, se o arguido BB procurou confirmar a veracidade da ameaça é porque não ficou convencido que a mesma era real, o que vicia todo o raciocínio argumentativo elaborado pelo Tribunal conducente à adesão ao plano por parte do arguido. 37º- Não se vislumbra por que razão o arguido BB, convencido que estaria da veracidade da ameaça à sua vida e da sua filha, e tendo aderido em comunhão de esforços com o arguido AA, matar o GG, procura junto do alegado mandante do atentado à sua vida saber se a informação que lhe havia sido transmitida pelo arguido AA era real. 38º - Não consta da factualidade provada qualquer outro motivo para o arguido BB participar no crime, senão o convencimento da ameaça à sua vida. 39º- Convencimento que não existia porque se encontra provado que o arguido BB procurou aferir da veracidade da ameaça. 40º- Em face do supra exposto, conclui o recorrente que o iter argumentativo que, assente na factualidade provada, conduziu à sua condenação enferma do vício da al. b) e c) do nº2 do artigo 410º do C.P.P. 41º- O julgador ao alicerçar a sua convicção na indissociabilidade entre a ameaça pendente sobre a vida do arguido BB e da sua filha, e a adesão imediata plano criminoso no momento em que lhe é transmitida tal informação, não procedeu a um exame crítico das provas. 42º - E isto porque a factualidade dada como provada é contraditória quanto ao facto de o arguido BB ter ficado convencido da veracidade do atentado à sua vida. 43º- O que enferma todo o raciocínio subsequente elaborado pelo Tribunal quanto à adesão ao plano criminoso. 44º- A questão supra exposta deveria ter sido esclarecida pelo Tribunal e não o sendo o acórdão é nulo nos termos do artigo 379º no 2 do C.P.P. 45º- Assim não se entendendo, deverão V. Exas., nos termos do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 426º do Código de Processo penal ordenar o reenvio do processo ao Tribunal da Relação de Coimbra para os efeitos previstos no citado artigo. DA FORMA DE COMPARTICIPAÇÃO DO ARGUIDO BB – CO-AUTORIA. 46º- Dispõe o artigo 27º, nº 1, do Código Penal que - «é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso». 47º- Co-autoria é o cometimento comunitário de um facto punível através de uma actuação conjunta consciente e querida. 48º- A essência da co-autoria consiste em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas. 49º- A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que não realizando a acção típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la" cfr. Germano Marques da . 50º- Na cumplicidade material haverá sempre a exterioridade de um comportamento, uma acção exterior, revelada e visível, dirigida ao favorecimento do agente do facto. 51º- Por outro lado, o auxílio na cumplicidade é doloso: deve actuar dolosamente tanto em relação ao auxílio, como na direcção do auxílio em relação ao facto do agente (dolo duplo). 52º- «O cúmplice pode participar no acordo e na fase da execução (embora não tenha necessariamente de assim suceder, ao contrário do que acontece com o co-autor) mas, contrariamente ao que se verifica com este - e nisso consiste a característica fundamental de diferenciação entre as duas formas de comparticipação - o cúmplice não tem o domínio funcional do facto ilícito típico. Tem apenas o domínio positivo e negativo do seu próprio contributo, de forma que, se o omitir, nem por isso aquele facto deixa de poder ser executado. A sua intervenção, sendo, embora, concausa do concreto crime praticado, não é causal da existência da acção» (acórdão do Supremo Tribunal de 21-11-01, Proc. Nº 2758/01-3 in Sumários de Acs. do STJ). Atentemos nos factos dados como provados: 53º- Na sequência de uma visita por parte da vítima GG à casa do arguido AA motivada por uma dívida deste àquele, o arguido AA congeminou a ideia de o matar, ideia que alcançou força ao longo do dia, tendo o arguido AA procurado obter a ajuda de HH – factos provados em 11, 12, 14 e 15. 54º- Resulta da factualidade provada que o arguido AA assume um papel de primeiro plano, dominando a acção na qual tem uma contribuição efectiva. 55º- Por sua vez o arguido BB é um interveniente secundário ou acidental: só intervém após o início de execução do crime e, além disso, mesmo que não interviesse, aquele sempre teria lugar, porventura em circunstâncias algo distintas. 56º- A intervenção secundária do arguido BB resulta da factualidade provada nos pontos 16, 17 e 19. 57º- Da factualidade provada extrai-se que quando da intervenção do arguido BB o arguido AA já havia decidido matar e praticado actos materiais tendentes à concretização do crime e não tivesse o arguido BB intervindo, sempre o crime ocorreria em circunstâncias diversas. 58º - Por outro lado, não resulta dos factos provados em momento algum que o arguido BB estivesse no domínio da acção. 59º- Com efeito, é o arguido AA quem congemina a ideia de matar GG, procura a ajuda de HH e vendo a mesma recusada, socorre-se de BB usando um meio ardiloso (ameaça à vida deste) no sentido de tentar obter a sua colaboração – factos provados em 11, 12, 14 e 15. 60º - Por outro lado, todos os contactos estabelecidos com a vítima GG, ao longo do dia 18 de Abril e madrugada de 19 de Abril (data da morte) resultaram da iniciativa do arguido AA – factos provados em 32, 35, 37 e 41. 61º - Em face da factualidade provada, salvo o devido respeito por opinião contrária, o comportamento do arguido BB cai no âmbito da cumplicidade material existindo a exterioridade de um comportamento, uma acção exterior, revelada e visível, dirigida ao favorecimento do agente do facto, in casu, o transporte do arguido AA aos locais previamente combinados entre este e a vítima GG. 62º - O arguido BB teve apenas o domínio positivo e negativo do seu próprio contributo, de forma que, se o omitisse, nem por isso aquele facto deixa de poder ser executado. A sua intervenção, sendo, embora, concausa do concreto crime praticado, não é causal da existência da acção. A infracção sempre seria praticada, só que o seria em outro tempo, lugar ou circunstância". 63º- Note-se que, todas as circunstâncias de tempo e lugar anteriores e coincidentes ao crime se reportam a uma relação que existia entre o arguido AA e a vítima. - O arguido AA forma a vontade de matar em face de uma visita da vítima e familiares à sua residência, resultante de negócios de tráfico de estupefacientes entre o arguido e a vítima. Factos provados 1, 2, 7, 11, 12 e 14. - A arma utilizada na prática do crime era pertença do arguido AA e encontrava-se guardada na casa do avô deste. Factos provados 22 e 23. - O encontro que se veio a verificar no Palácio de Gelo foi combinado entre o arguido AA e a vítima, bem como, foi combinado entre estes encontrarem-se mais tarde. Factos provados 20, 27, 32 e 35. - Todos os contactos estabelecidos no sentido de se encontrarem em Penalva do Castelo foram estabelecidos entre o arguido AA e a vítima. Factos provados 37, 41. - A vítima acede a acompanhar os arguidos ao local onde viria a falecer sob a promessa de um negócio de droga combinado entre a vítima e o arguido AA. Factos provados 33 e 44. 64º- Não há qualquer elemento demostrativo de que o arguido BB tenha participado activamente na aquisição da arma do crime e/ou no estabelecimento de contactos com a vítima no sentido de provocar a sua morte, querendo tal resultado e agindo activamente para o conseguir! 65º -Salvo o devido respeito por opinião contrária, a conduta do arguido BB enquadra-se no âmbito da cumplicidade material e não da co-autoria material como entendeu o tribunal ad quo. DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL DOS FACTOS IMPUTADOS AO ARGUIDO BB - DO HOMICÍDIO QUALIFICADO - DA QUALIFICATIVA: FRIEZA DE ÂNIMO. 66º- Foi o arguido BB condenado por homicídio qualificado, com referência à al. j) (frieza de animo com reflexão) do artigo 132.º do Código Penal. 67º- Ora, salvo o devido respeito a qualificativa constante da al. j) não se verifica quanto ao arguido BB. 68º- O exemplo da citada al.j) prevê o facto de o agente “agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas”. 69º- Actua com frieza de ânimo quem forma a sua vontade de matar outrem de modo frio, lento, reflexivo, cauteloso, deliberado, calmo na preparação e execução, persistente na resolução; trata-se, assim, de uma circunstância agravante relacionada com o processo de formação da vontade de praticar o crime, devendo reconduzir-se às situações em que se verifica calma, reflexão e sangue frio na preparação do ilícito, insensibilidade, indiferença e persistência na sua execução. Na situação dos autos, e em suma, está provado que: 70º- Ao longo do dia 18 de Abril o arguido AA congemina a ideia de matar GG procurando a ajuda de HH para concretizar os seus intentos – factos provados 11, 12, 14 e 15. 71º- Ao longo da madrugada de 19 de Abril, todos os contactos com a vítima, pessoalmente e telefonicamente são realizados pelo arguido AA – factos provados nº32, 35, 37 e 41. 72º- Nos termos da factualidade provada, o arguido BB, segundo o raciocínio argumentativo do Colectivo de 1ª instância adere ao plano quando confrontado com a ameaça sobre a sua vida e a da sua filha, cfr. factos provados em 25 e 26 que se transcrevem infra. 73º- Note-se que no facto provado 25º o Tribunal de 1ª instância escreve o seguinte “...para obter a adesão e colaboração do arguido BB ao seu plano criminoso...”. 74º- Por outro lado, verifica-se uma contradição notória entre os factos provados 18º e o facto provado em 30º. 75º- Com efeito o Tribunal dá como provado em 18º que o arguido BB ficou convencido da veracidade da ameaça e por sua vez em 30º da factualidade provada consta que o arguido BB contactou a testemunha II com a intenção de confirmar a veracidade da ameaça à sua vida. 76º- Ora, ou o arguido BB ficou convencido da veracidade da ameaça ou procurou confirmar se a mesma era verdadeira ou falsa. As duas premissas não podem ser válidas, porque uma anula a outra, configurando a factualidade provada em 18º e 30º uma contradição notória da matéria de facto provada. 77º- Ademais, no seguimento do iter argumentativo do juízo de condenação do tribunal, foi o convencimento do arguido BB da veracidade da ameaça que levou à adesão por parte deste ao plano criminoso. 78º- Porém, o tribunal ao considerar provado que o arguido BB ficou estupefacto com a notícia e procurou confirmar a sua veracidade em absoluta contradição com a matéria provada em 18 de que teria ficado convencido da sua veracidade. 79º- Todo o raciocínio argumentativo da adesão ao plano por parte do arguido BB fica viciado a priori. Por outro lado, 80º- Com a previsão simultânea dos três tipos de circunstâncias referidas na al. j) do n.º 2 do art. 132.º do C.P, «o legislador português pretendeu afinal englobar uma realidade unitária, susceptível de possibilitar por si mesma um maior juízo de censura jurídico-penal sobre o agente; é a particular intensidade da vontade criminosa daquele que age com reflexão ou domínio de si, e não sob emoções ou impulsos de momento, e que desse modo pode manifestar uma personalidade marcadamente mais desviada dos padrões supostos pela ordem jurídica”. 81º- Procuremos aferir, in casu, do que a lei designa de particular intensidade da vontade criminosa do arguido BB e da sua acção agindo com reflexão e domínio de si e não sob emoções. 82º- Nos termos supra expostos, resulta demonstrado que havia um plano gizado pelo arguido AA tendo em vista matar o ofendido GG, e que o mesmo procurou a ajuda da testemunha HH, recusada, vindo mais tarde a contactar o arguido BB. 83º- Da matéria factual provada resulta ainda que o arguido BB foi confrontado com uma alegada ameaça sobre a sua vida e da sua filha, que lhe foi transmitida pelo arguido AA – facto provado 17. 84º- Perante esta ameaça, não se torna despiciendo referir as conclusões da perícia sobre a personalidade realizada ao arguido BB, cuja valoração por parte do Tribunal de 1ª instancia e Tribunal de recurso foi nula, mas cuja importância é por demais evidente para avaliar das condições psíquicas do arguido BB no momento em que Tribunal dá como provada a sua adesão ao plano criminoso. 85º- Ponto 106 da matéria de facto provada –“ o arguido BB é referenciado como algo ingénuo, crédulo e temeroso.” 86º- Ponto 132 da matéria de facto provada – “ É descrito como um individuo que apresenta um padrão de interesses com alguma feminilidade, sendo tendencialmente contemplativo, delicado, frágil, humanista e estético, pautando os seus padrões comportamentais pela submissão e dependência, o que poderá constituir um factor de maior susceptibilidade à influência de terceiros. 87º- Ponto 133 da matéria de facto provada – “Demonstra uma hipersensibilidade a tudo o que o rodeia e a tudo o que o possa pôr em causa a sua imagem e o seu ego, fragilmente estruturado, o que a par da necessidade de estimulação e interesses contrários aos enaltecidos socialmente vieram a precipitar no arguido o desenvolvimento de traços depressivos, psicasténicos, hipocondríacos e paranóides, que se manifestam essencialmente em situações de stress, com as quais não consegue lidar (apresentando dificuldade na resolução de problemas) através de sintomas de ansiedade extrema – ataques de pânico e medo da morte, sintomas somáticos, distúrbios de sono, sentimentos de desrealização e medo de perda do controlo e equilíbrio mental.” 88º- Ou seja, da referida perícia sobre a personalidade resulta que o arguido BB pauta os seus padrões comportamentais pela submissão e dependência constituindo um factor de maior susceptibilidade à influência de terceiros. Apresenta desenvolvimento de traços depressivos, psicasténicos, hipocondríacos e paranóides, que se manifestam essencialmente em situações de stress, com as quais não consegue lidar, apresentando dificuldade na resolução de problemas através de sintomas de ansiedade extrema. 89º- Sendo indubitável que uma ameaça sobre a sua vida e da sua filha configura uma situação de enorme stress, e revelando o arguido BB os traços de personalidade acima descritos, não se afigura credível que aquele revelasse a capacidade de aderir/delinear/ concordar de forma deliberado, reflexivo, frio e persistente com o plano criminoso. 90º- Acresce que no ponto 30 da matéria de facto escreve-se o seguinte: “ Entretanto o arguido BB, determinado a confirmar a informação que o arguido AA lhe havia contado [de] que II contratara GG para o matar a si e à sua filha, através do número por si utilizado – 965605618 – pelas 21h42m12s horas enviou uma mensagem a Shaun.” 91º- Ainda que o arguido BB tivesse aderido ao plano criminoso gizado pelo arguido AA, o que por mera hipótese de raciocínio se concede, a mesma sempre teria derivado de um estado de forte exaltação e comoção psíquica em face da notícia da ameaça sobre a sua vida e da sua filha. 92º- Acresce ao estado de forte comoção do arguido em virtude da ameaça à sua vida e da sua filha, susceptível de afectar qualquer homem comum, as características psíquicas e de personalidade do arguido constantes da matéria provada em 132 e 133. 93º- Com efeito o arguido sofre de traços depressivos, psicasténicos, hipocondríacos e paranóides que se manifestam especialmente em situações de stress. 94º- Mais, em face dos traços depressivos e sintomas de ansiedade extrema que revela o arguido BB mantém medicação psicofarmacológica susceptível que afectar a sua capacidade de avaliar as situações e reagir às mesmas nos termos em que o homem comum o faria. 95º- É incontestável que a ameaça sobre a sua vida e da sua filha é uma situação de intenso stress, admitindo-se por hipótese meramente académica a adesão ao plano criminoso por parte do arguido BB, não se pode concluir que este tenha manifestado de forma consciente particular intensidade da vontade criminosa agindo com reflexão ou domínio de si, revelando uma personalidade marcadamente mais desviada dos padrões supostos pela ordem jurídica. 96º- Aproximando-nos do caso dos autos, o arguido BB para ser condenado por um homicídio qualificado teria que ter agido em circunstâncias que revelam uma especial censurabilidade, uma culpa especialmente agravada, enquadrável no n.º 1 do art. 132.º do C.P. 97º- Nos termos supra expostos, não se detectam elementos donde se rotule o comportamento do arguido de deliberado, reflexivo, frio e persistente, e portanto o comportamento do arguido BB é insuficiente para preencher aquele circunstancialismo qualificativo. 98º- Aliás, se algo resulta demostrado é que todo o comportamento do arguido BB se pauta por um forte estado de comoção, condicionado pelo medo da ameaça à sua vida e da sua filha, agravado pelas próprias características de personalidade do arguido e medicação psicofarmacológica que mantinha. 99º- Destarte, nestes termos, não se vislumbra(m) como objectivamente preenchida(s) a(s) circunstância(s) da alínea j) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, relativamente ao arguido BB. 100º- Por tudo o que ficou exposto, a conduta do arguido BB, salvo o devido respeito por opinião contrária, sempre terá de se enquadrar, na de comparticipante num crime de homicídio simples. DAS CONDIÇÕES DE VIDA E PERSONALIDADE DO ARGUIDO BB 101º- O arguido BB é um jovem de 35 anos. 102º- Antes de lhe ser aplicada a medida de coacção prisão preventiva, o recorrente desempenhava uma actividade profissional remunerada. 103º- Trabalhava como taxista, em firma do seu pai e era dessa actividade que obtinha os rendimentos para proceder ao seu sustento e ao do seu agregado familiar composto pela sua filha, agora com 5 anos, e sua esposa. 104º- Na sua actividade era considerado como trabalhador, responsável, o que consta aliás dos factos provados – ponto 111. 105º- O crime pelo qual foi condenado foi um episódio inesperado e trágico na sua vida, sendo que o arguido não se identifica com a acusação proferida e com a condenação que resultou daquela condenação. 106º- Ao longo de toda a sua vida o arguido nunca revelou qualquer perigosidade nem manifestou qualquer comportamento contrário ao quadro axiológico-jurídico dominante. 107º- Detido / preso preventivamente desde o dia 24.04.2012, o arguido BB revelou um comportamento prisional consentâneo com as regras e normas vigentes, procurando valorizar-se tendo feito um curso de empreendedorismo. 108º- Ponderada a actuação global do arguido na situação em apreço nos autos, a sua personalidade, as suas condições pessoais e a sua conduta anterior e posterior ao crime, resulta um quadro favorável à sua ressocialização e ao encurtamento do prazo prisional. - ter valorado prova nula, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 363º, 364º nº1, e 122º do Código de processo penal, - ter omitido diligências essenciais à descoberta da verdade, consubstanciando tal omissão a nulidade prevista no artigo 120 nº2, al. d) do Código de Processo Penal, - não ter procedido a um exame crítico das provas, apresentando uma fundamentação incompleta nos termos do artigo 379º do Código de Processo penal. 110º - Entendendo V. Exas. não se verificarem as invocadas nulidades, o que não se concede, sempre deverá ser alterada a qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido BB para homicídio simples, bem como enquadrar a actuação deste arguido na forma de comparticipação – cumplicidade». 4. Ao assim motivado e concluído pelos recorrentes, respondeu o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra em muito sintéticas e exactamente iguais peças processuais, que concluiu assim: «O acórdão recorrido não merece qualquer censura por parte do Ministério Público, pois: 1. Não foi cometida qualquer irregularidade ou nulidade que ponham em causa ai validade do processo qua conduziu à condenação do arguido; 2. Foi efectuada uma correcta qualificação jurídico-penal dos factos provados: 3. E a medida da pena, tando das penas parcelares como da pena única, mostra-se conforme à equilibrada aplicação dos critérios legalmente definidos, pelo que deve ser negado provimento ao recurso». 5. Neste Supremo Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, na oportunidade que lhe é conferida pelo artigo 416º do Código de Processo Penal, pronunciou-se quanto ao recurso do arguido BB , em suma, referindo que o mesmo “deverá ser rejeitado quanto à matéria de facto e eventualmente obter provimento quanto à qualificação do crime, embora se possa invocar a aplicação da agravação p. no art. 86.º, n.º 3 da Lei 5/2006”. 6. Notificado, nos termos do artigo 417º, número 2, do Código de Processo Penal, o arguido BBnada disse. 7. Na linha, aliás, do que já havia considerado a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta neste Tribunal (confira-se folhas 3.303 e seguintes), prevenindo a possibilidade de, sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus, haver lugar à requalificação jurídica dos factos integradores do crime de homicídio, a Relatora providenciou, nos termos do artigo 358º, número 3, do Código de Processo Penal, no sentido de serem notificados os arguidos disso, concedendo-se-lhes prazo para se pronunciarem a respeito. Veio, então, o arguido AA a reafirmar, em resumo, que deve apenas ser condenado pela prática de um crime homicídio simples, previsto e punido pelo artigo 131º, do Código Penal (sem a agravação prevista no artigo 86º, da Lei nº 5/2006, de 23.02), impondo-se, em consequência, também nesta parte, para além e sem prejuízo de todas as questões suscitadas em sede de motivação, a revogação do acórdão recorrido. 8. Colhidos os “vistos”, foi realizada a audiência de julgamento. No início desta, a Relatora enunciou as questões que, abordadas nas conclusões do recurso apresentadas pelo arguido AA, são merecedoras de exame por parte do Tribunal, nos termos do número 1 do artigo 423º do Código de Processo Penal. O Excelentíssimo Mandatário do arguido AA, nas alegações oralmente proferidas, reiterou, em suma, as posições defendidas na motivação que formulou e quando se pronunciou quanto à eventual alteração da qualificação jurídica dos factos configurativos do crime de homicídio voluntário. E a Excelentíssima Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se, em suma, no sentido da improcedência do recurso do arguido AA. 9. Tudo visto, cumpre decidir. * II. Fundamentação II.1 A matéria de facto apurada nas instâncias foi a seguinte: «1. Na manhã do dia 18 de Abril de 2012, a vítima GG, na companhia dos seus pais, ... e ..., deslocaram-se ao Café ..., sito em Viseu, a fim do primeiro ali se encontrar com o arguido AA e receber deste o pagamento do restante da dívida que este tinha assumido perante si relacionada com o tráfico de estupefacientes. 2. Como o arguido AA ali não comparecesse, o referido GG resolveu deslocar-se à residência daquele a fim de lhe exigir aquele pagamento. 3. Contudo, uma vez que desconhecia a morada do arguido AA, o referido GG contactou a testemunha HH, conhecido de ambos, solicitando-lhe que se encontrassem e lhe indicasse a casa do primeiro. 4. A testemunha HH concordou, encontrando-se com GG no Café ..., sito nas proximidades da casa do arguido AA. 5. Seguindo ambos no carro de HH, este acompanhou-o até à residência do arguido AA, indicando-lhe a mesma. 6. Atrás deles, noutra viatura, seguiram ... e ..., pais de GG , que o acompanhavam. 7. Após ter indicado a residência do arguido AA, a testemunha HH abandonou de imediato o local, ali ficando a vítima na companhia de seus pais. 8. GG foi então bater à porta dessa residência, tendo sido o arguido AA quem a abriu, o qual se mostrou desagradado pelo facto da vítima ali ter ido para cobrar aquela divida, sendo que ao tempo e desde há vários dias o arguido AA andava zangado com o GG por causa da constante exigência deste para lhe pagar o que restava dessa divida sob a repetida ameaça de que lhe infligiria qualquer mal. 9. Durante a conversa estabelecida entre os dois (AA e GG), o arguido AA mostrou-se exaltado pelo facto de GG ali ter aparecido. 10. Pouco depois, o arguido AA entregou ao GG a quantia de €90 (noventa euros) em notas do BCE, ficando combinado entre eles que ainda durante esse dia se encontrariam para o primeiro lhe pagar o resto da dívida. 11. Na sequência dessa visita inesperada de GG, o arguido AA, com ambição de vingança, congeminou a ideia de o matar, tendo a mesma alcançado consistência ao longo desse dia. 12. Após a visita de GG, o arguido AA, através do seu telemóvel com o nº ..., encetou diversos contactos com a testemunha HH para o telemóvel deste com o nº... e nº ..., dando-lhe conta que GG havia ido a sua casa cobrar-lhe dinheiro, mostrando-se o arguido bastante irritado e com vontade de matar a vítima. 13. Assim, entre as 11.44 horas e as 14.58 horas, ambos conversaram (voz móvel) e trocaram diversas mensagens (sms) conforme quadro infra:
14. Entre esses contactos, no sms que o arguido AA enviou às 13:00:52 horas para o HH, aquele pediu-lhe ajuda para pôr termo à vida da vítima GG, com o teor – “Ajudas-me a apaga-lo?” (fls.143 Apenso III e foto de fls.25), evidenciando o conteúdo dessa mensagem a intenção de matar. 15. Durante esse dia 18 de Abril prosseguiram-se vários outros contactos, pessoal e telefónicos, entre o arguido AA e HH, tendo aquele reiterado o pedido de ajuda a HH para matar GG, o que a testemunha HH sempre recusou fazer. 16. Na sequência dessa recusa, o arguido AA resolveu socorrer-se do arguido BB para juntos matarem a vítima, sendo que ao tempo e desde inícios de Março de 2012 ambos exploravam de facto com a “D. ...” o bar de alterne denominado ..., sito em ... – -.... 17. Assim, o arguido AA contactou o arguido BB, através do telemóvel deste nº ..., visando convencê-lo a matarem o GG. Nesse sentido o arguido AA comunicou-lhe, através do seu telemóvel ..., que a testemunha HH lhe tinha dito que um indivíduo canadiano conhecido de ambos, de nome II, contratara o GG para matar o BB e a sua filha. 18. Tal notícia deixou o arguido BB perturbado e estupefacto, posto que ficou convencido da veracidade da mesma. 19. Isto apesar do arguido AA, entretanto, ter mantido alguns contactos com a testemunha HH para o telemóvel deste nº..., de modo a persuadi-lo na execução de matar o GG, o que não conseguiu. 20. Assim, a partir das 18.57 horas, até cerca das 21h11m, antes do encontro agendado entre o arguido AA e o ofendido GG junto ao Palácio do Gelo, em Viseu, o arguido AA estabeleceu além do mais os seguintes contactos (voz móvel e sms) conforme quadro infra:
21. Antes do encontro agendado entre o arguido AA e o ofendido GG junto ao Palácio do Gelo, em Viseu, os arguidos encontraram-se para se deslocarem juntos para o bar “...”, sito em .... 22. Na ocasião, o arguido AA pediu ao arguido BB que o transportasse na viatura que este conduzia, o automóvel ligeiro (táxi), com a matrícula ...-DR-..., a casa do seu avô materno – ..., sita na Rua ..., para ir buscar uma arma que ali guardava, o que o arguido BB fez. 23. Ali chegados, o arguido AA recolheu o revólver de calibre.38 Smith & Wesson Especial (equivalente a 9 mm no sistema métrico), da marca Amadeo Rossi, e pelo menos cinco munições de calibre 9mm, tudo sua pertença, tendo adquirido esse revolver há cerca de “um mês e pouco”. 24. Na circunstância o arguido AA disse-lhe que GG havia ido a sua casa para lhe cobrar uma dívida relacionada com a venda de droga, mostrando-se irritado com o facto e com a circunstância deste insistir nesse pagamento sob a ameaça de lhe fazer mal, confidenciando-lhe a sua intenção de matar o GG. 25. Na mesma ocasião, para obter a adesão e colaboração do arguido BB ao seu plano criminoso, o arguido AA reiterou-lhe que o haviam informado que o II contratara o GG para matar BB e a sua filha, notícia que o deixou estupefacto. 26. Como o arguido BB tivesse concordado com o referido propósito, ambos decidiram em congregação de esforços e intentos matar o ofendido GG. 27. Por volta das 21h31m56s, quando se encontrava em ..., o arguido AA, através do seu cartão ..., contactou o ofendido GG para o cartão deste ..., no sentido de confirmar o encontro em Viseu. 28. GG retribuiu esse contacto através de chamadas telefónicas efectuadas a partir do número 232 612 230 (fls. 614), correspondente a uma cabine telefónica instalada no Largo do Couto - Mangualde. 29. Já munido do revólver que guardava na residência do seu avô – ..., o arguido AA juntamente com o arguido BB dirigiram-se para o Palácio do Gelo, onde se iriam encontrar com GG, a pretexto do arguido AA honrar o pagamento do restante valor em dívida. 30. Entretanto o arguido BB, determinado a confirmar a informação que o arguido AA lhe havia contado (de) que II contratara GG para o matar a si e à sua filha, através do número por si utilizado – ... – pelas 21h42m12s horas enviou uma mensagem a II (...). 31. No percurso para o Palácio do Gelo, os arguidos concertaram entre si convidar GG a acompanhá-los a Coimbra e no trajecto concretizariam os seus intentos, isto é, matavam o GG, recorrendo para o efeito à arma – revólver com que o arguido AA se havia munido momentos antes. 32. Pelas 21h55m00s (fls. 614) o arguido AA telefonou novamente a GG, quando já se encontrava junto ao Palácio do Gelo e visando localizá-lo. 33. Quando os arguidos AA e BB se encontraram com GG junto ao Palácio do Gelo, constataram que o mesmo se fazia acompanhar da testemunha ..., seu tio, razão pela qual decidiram não o transportar para Coimbra, dizendo o arguido AA ao ofendido que eventualmente lhe telefonaria, quando regressassem do bar “...”, para se encontrarem a fim de lhe pagar e entregar certa porção de cocaína. 34. Abandonando o local, os arguidos deslocaram-se então para o bar “...”, sito em ... – Coimbra, na mesma viatura conduzida pelo BB, sendo que na viagem este último recebeu da testemunha ...: 35. Entretanto, o arguido AA manteve contacto com o ofendido GG, o que este fez a partir da cabine telefónica nº ... instalada no Largo do Couto, em Mangualde, e do seu telemóvel ..., combinando encontrar-se mais tarde, em Penalva do Castelo, uma vez que GG pernoitava em casa dos pais: 36. Posteriormente, os arguidos iniciaram viagem de regresso, no mesmo no veículo automóvel (táxi) conduzido pelo arguido BB, com direcção a Penalva do Castelo, tendo o arguido BB enviado dois sms ao referido II: 37. Entretanto, pelas 4h18m30s ainda no percurso para Penalva do Castelo, já próximo de Mangualde, o arguido AA voltou a telefonar a GG, no sentido de se encontrarem, indicando-lhe o GG a localização da sua morada em Penalva do Castelo. 38. Quando circulavam já na Estrada Nacional 329-1, no sentido Mangualde – Penalva do Castelo, ao KM 3,3, a cerca de 30 m do entroncamento para a Quinta da , do lado direito da faixa de rodagem, o arguido AA indicou um local que ambos concordaram ser o ideal para matar o GG. 39. Para o efeito decidiram também os arguidos que iriam atrair GG até àquele local, dizendo-lhe ali ter escondido a cocaína para lhe entregar. 40. Tratava-se de um local com uma vegetação densa (acácias) e com declive relativamente ao plano da estrada que permitia facilmente esconder o corpo, desenvolvendo-se ali a estrada em recta, em ambos os sentidos de trânsito, que lhes permitia visualizar a aproximação de qualquer viatura. 41. Pouco depois, mais precisamente pelas 4h31m47s, o arguido AA mais uma vez através do nº ..., voltou a contactar GG para o nº ..., dando-lhe conta que já estava em Penalva do Castelo, tal como ele lhe havia indicado. 42. GG foi ao encontro dos arguidos AA e BB que o aguardavam no interior da viatura táxi, assumindo o arguido BB o lugar de condutor e o arguido AA o de passageiro (pendura) 43. Ali chegado, GG entrou na referida viatura, ocupando um lugar traseiro, dirigindo-se nesta para a caixa multibanco ATM instalada na Agência da CGD de Penalva do Castelo, onde o arguido AA, cerca das 4.39 horas, levantou a quantia de €100, da qual entregou a GG montante exacto não apurado para pagar o que lhe devia. 44. Para convencerem o GG a acompanhá-los àquele lugar ermo, o arguido AA disse-lhe que havia escondido a droga, que tinha para lhe entregar, a caminho de Penalva do Castelo, o que contribuiu para dissimular as reais intenções dos arguidos. 45. A vítima, tendo recebido aquele dinheiro e estando disposto a receber e a vender a droga que o arguido AA lhe tinha prometido, concordou em acompanhá-los. 46. Seguiram então no mencionado veículo, conduzido pelo arguido BB, ao longo da Estrada Nacional n.º329- 1, no sentido Penalva do Castelo – Mangualde, até às imediações do KM 3,3, local previamente combinado entre os arguidos como sendo o ideal para tirar a vida a GG. 47. Chegados àquele local, um pouco mais à frente da placa indicativa “Quinta da ”, o arguido BB inverteu a marcha, imobilizando a viatura poucos metros à frente, do lado direito da faixa de rodagem, atento o sentido Mangualde-Penalva do Castelo. 48. Saíram os três da viatura, o arguido AA com o dito revólver municiado com cinco munições de calibre 9mm, e dirigiram-se para a berma, fingindo os arguidos que procuravam a referida cocaína. 49. A dada altura o arguido BB regressou para o interior do veículo e colocou-se ao volante do mesmo, de forma a abandonarem rapidamente o local. 50. Foi então que, e após se ter certificado de que não se aproximava nenhuma viatura, encontrando-se o GG de frente para si, naquela berma, junto ao mencionado declive, o arguido AA, rapidamente, e sem que aquele se apercebesse ou tivesse oportunidade de se aperceber e de se desviar, empunhou, com a mão direita, aquele revólver. 51. Apontou-o, então, na direcção da vítima, quando esta se encontrava a cerca de meio metro a três metros de distância deste, pressionando o gatilho do revólver e efectuando um primeiro disparo que a atingiu. 52. O projéctil de 9 mm disparado por este tiro foi então embater no corpo daquele GG, penetrando no mesmo, tendo com a força do impacto e da penetração, e com as lesões de imediato provocadas, caído e deslizado de forma abrupta pelo mencionado declive, até se imobilizar entre as acácias. 53. O arguido AA, sempre de pé, seguiu-o, mantendo, com a mão direita, aquele revolver empunhado, e, com esta mão firme, estando aquele corpo prostrado, apontou novamente o revólver na direcção da vítima, quando se encontrava a cerca de meio metro a três metros deste, pressionando o gatilho e disparando consecutivamente quatro tiros de projécteis de 9 mm na direcção do corpo de GG. 54. Pelo menos dois do total de projécteis disparados penetraram no corpo de GG, os quais foram causa directa, necessária e adequada de: - Um orifício arredondado no diafragma esquerdo, região mais mediana, com 3,5 cm x 3, 5 cm; - Um orifício arredondado no bordo posterior do lobo inferior do pulmão esquerdo, com 1cmx1cm, em correspondência com o orifício observado entre a 2.ª e a 3.ª costela, verificando – se a presença de um daqueles projécteis alojado na região infra clavicular à esquerda, sendo que tal orifício apresentava um trajecto de baixo para cima, da frente muito ligeiramente para trás, de dentro para fora e da direita para a esquerda; - Um outro orifício arredondado na parte média anterior do lobo superior do pulmão esquerdo, com correspondência entre este orifício e um daqueles projécteis, alojado na transição da região torácica com a cervical lateral esquerda, sendo a trajectória deste orifício de baixo para cima e da frente para trás; - Fractura da 8ª vértebra. 55. Em consequência a vítima sofreu lesões traumáticas do hemitórax esquerdo que foram causa directa, necessária e adequada da morte daquele GG . 56. Imediatamente a seguir, o arguido AA abeirou-se do corpo de GG e, vasculhando a roupa que este vestia, retirou-lhe o dinheiro, que lhe havia entregue momentos antes, e o telemóvel. 57. Então, na posse do telemóvel de GG e do dinheiro, o arguido AA dirigiu-se para a viatura onde o arguido BB o aguardava, abandonando ambos aquele local, sendo que pelas 4h58m05s já se encontravam na freguesia e concelho de Mangualde e, pelas 5h12m55s na freguesia de Rio de Loba, concelho de Viseu, tendo desta feita regressado a Viseu pela A25. 58. O arguido BB foi deixar o arguido AA junto da sua residência, dirigindo-se depois para casa. 59. Na ocasião, o arguido AA manteve em seu poder o dito revolver, que guardou e escondeu, enterrando-o no quintal da sua residência, onde depois foi apreendido pela Policia Judiciária. 60. Sabiam os arguidos que o revólver era uma arma de fogo, que, uma vez municiada, podia ser utilizada como instrumento de agressão, podendo matar ou ferir gravemente, dado o seu poder de fogo e o carácter expansivo dos projécteis por ele disparados. 61. Sucede que na madrugada de 19 de Abril de 2012, às 4.40 horas, quando ainda se encontrava na companhia dos arguidos, a vítima GG, através do seu telemóvel ..., enviou um sms em branco para o telemóvel da sua mãe, ..., com o nº..., facto que a preocupou após ter constatado que ele havia saído pouco antes de casa para se encontrar com os arguidos. 62. Pressentindo que o seu filho estava em perigo, durante essa madrugada, ... telefonou bastas vezes para o arguido AA, fazendo-o através de uma cabine telefónica em Penalva do Castelo. 63. Confrontado sobre o paradeiro de GG, o arguido AA, que disso ia inteirando por telefone o arguido BB, alegou nada saber. 64. Contudo, na manhã do dia 19 de Abril de 2012, os pais de GG, acompanhados de ..., seu tio, ..., seu irmão e ..., sua companheira, suspeitando que os arguidos estavam envolvidos no súbito desaparecimento de GG, dirigiram-se à residência do arguido AA para saber do paradeiro deste. 65. Todavia, o arguido AA manteve nada saber, ocasião em que a mãe de GG, desconfiando que o mesmo não falava verdade, lhe retirou o telemóvel. 66. Deslocando-se depois à P.S.P. de Viseu, onde entregaram o telemóvel do arguido AA, os familiares de GG ali participaram o desaparecimento deste, indicando como suspeitos os arguidos. 67. Como o arguido AA de tudo informasse o arguido BB, sabendo da suspeita dos familiares da vítima sobre os mesmos, ambos planearam, em comunhão de esforços e vontades, voltar ao local do crime para ocultar e destruir o cadáver, ateando-lhe fogo. 68. Porém, como não se quisessem fazer transportar para o mesmo local na mesma viatura “táxi” que o arguido BB conduzia, ambos resolveram pedir boleia a ... com o pretexto de que pretendiam ajudar um amigo do AA que ficara sem gasolina. 69. Nesse sentido, a partir das 23 horas, mancomunados entre si, os arguidos contactaram ... para saberem da disponibilidade do mesmo para os transportar para o referido local, trocando as seguintes comunicações designadamente chamada telefónica do BB, às 00:20:15 do dia 20.04.2012: 70. Após se encontrarem em Viseu, sob o pretexto anunciado pelo BB de que pretendiam ajudar um amigo que ficara sem gasolina, ... conduziu os arguidos, na viatura de matrícula ...-OZ, primeiro ao osto de abastecimento da BP – Via Sacra, onde..., com dinheiro entregue pelo arguido BB, abasteceu combustível e, por indicação e vontade dos arguidos, adquiriu três garrafas de plástico com 1,5L de água que depois foram utilizadas para transportar a gasolina que serviria de ignição para atear fogo ao cadáver. 71. Como no referido posto não lhes fosse autorizado meter gasolina nas ditas garrafas, os três dirigiram-se, alguns metros adiante, ao posto de abastecimento da REPSOL, em Viseu, onde o funcionário, sob o pretexto de que tinham de desenrascar um amigo, lhes encheu e vendeu a gasolina para aquelas três garrafas de 1,5L cada uma, tudo com dinheiro novamente entregue pelo arguido BB. 72. De imediato, a pedido dos arguidos, ... transportou-os na dita viatura ao local onde se encontrava o cadáver, iludido que ia desenrascar o amigo do AA que ficara sem combustível na viatura. 73. Chegados ao local, apenas o arguido AA se apeou da viatura e, munido com duas garrafas de gasolina, desceu o declive e aproximou-se do cadáver que se encontrava no meio da vegetação. 74. De imediato o arguido AA derramou a gasolina sobre o cadáver e ateou-lhe fogo, regressando de seguida à viatura e abandonando os três o local. 75. Em consequência o cadáver ficou carbonizado, com destruição de tecidos moles e músculos, sobretudo ao nível do tórax e abdómen e com exposição óssea ao nível dos cotovelos e joelhos. 76. Ao actuarem na forma descrita, os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e intentos, no modo sobredito, bem sabendo e querendo: a) nas sobreditas circunstâncias e modo, disparar e atingir com os projecteis do dito revolver, mediante a utilização desta arma de fogo cujas características conheciam, algum dos órgãos vitais da vítima e assim tirar-lhe a vida, o que quiseram e conseguiram; b) destruir o cadáver da vítima GG . 77. Os arguidos tinham conhecimento das características daquela arma de fogo e sabiam que a mesma depois de municiada e utilizada contra alguém, lhes podia causar a morte. 78. O arguido AA sabia que não tinha qualquer licença e uso porte daquela arma de fogo (revolver), que não se encontrava manifestada, nem registada, nem tinha qualquer licença para detenção da mesma no domicílio, e que, como tal desde logo a sua posse detenção e transporte lhe estava vedado por lei. 79. Em qualquer dos casos os arguidos estavam cientes de que todas as suas condutas, supra descritas, lhes acarretavam responsabilidade criminal. 80. De resto, já no dia 4.09.2010 tinham sido apreendidos ao arguido AA, no seu quarto da residência dos pais, um revolver de calibre 32, marca Smith & Wesson, municiado com seis munições, bem assim uma espingarda de calibre 9,45, sem qualquer munição, sendo que o arguido não tinha licença de uso e porte de arma. -- Das condições de vida e personalidade do arguido AA 81. O arguido AA não tem antecedentes criminais. 82. Cresceu integrado no agregado de origem, numa ambiente afectivo e investido na progressão académica da prole. A condição financeira equilibrada foi assegurada pela actividade profissional dos progenitores como Técnicos Superiores. 83. Na sequência da crescente desmotivação escolar, o AA concluiu o 10º ano. 84. Realizou igualmente um trajecto desportivo entre os 14 e os 18 anos de idade em desportos de combate de competição, em associação ao culturismo e musculação, com frequência de ginásios, nos quais estabeleceu novos relacionamentos, na sua maioria, com profissionais da área da segurança, determinantes pelo seu interesse naquelas funções e pela frequência de curso de segurança privado, administrado na cidade do Porto. 85. Exerceu funções profissionais naquela área de actividade em diversos espaços de diversão nocturna em diferentes localidades, contexto onde conheceu muita gente, estabeleceu múltiplos contactos e teve diversas oportunidades de trabalho, na área da segurança privada. Neste, rapidamente obteve proventos, assegurando a sua independência e conseguindo, com o suporte dos progenitores, integrar de facto com o arguido BB a exploração do bar de alterne “...”. 86. À data dos factos, o arguido AA vivia com os pais numa vivenda com condições de habitabilidade e conforto e exercia a sua actividade profissional naquele estabelecimento. 87. Mantinha ligação aos pares em idênticas circunstâncias de vida em harmonia de objectivos comuns. 88. Continua a deter o apoio e o suporte afectivo e material dos progenitores e irmão na concretização dos seus projectos de vida, que passam por integrar o agregado de origem e retomar o exercício profissional anterior. 89. Detido/preso preventivamente desde o dia 24.04.2012, o seu comportamento prisional foi alvo de dois sancionamentos disciplinares em Setembro e Novembro de 2012. 90. Sem comportamentos aditivos, centrado no exercício físico, não exerce qualquer actividade laboral. 91. Não se identifica com a acusação proferida nos presentes autos. Consegue definir alguns dos seus problemas gerando um número limitado de estratégias alternativas para os resolver no entanto, não apresenta sentido crítico de reprovação do agir criminal. Manifesta apreensão com a sua presente situação jurídica. 92. As relações de proximidade com os familiares decorrem reguladas por um regime de visitas frequente. 93. O arguido AA possui um funcionamento cognitivo muito superior à média esperada para a população normal, o que lhe permite boa capacidade para actuar, finalizadamente, pensar em termos racionais e proceder de forma eficaz em relação ao meio envolvente, revelando estratégias de resolução de problemas. 94. Revela propensão para reagir com níveis normais de ansiedade, sobretudo quando confrontado com situações de maior tensão, sendo resistente ao stress. 95. Apresenta traços normais de personalidade, sendo extrovertido e estável emocionalmente, não revelando sintomatologia, nem se encontrando deprimido. 96. Dispõe de estratégias para lidar com situações de ameaça, dano e desafio com que se depara e para as quais não tem respostas de rotina preparadas. -- Das condições de vida e personalidade do arguido BB 97. O arguido BB tem uma condenação em juízo por sentença de 15.03.2007, transitada em julgado, pela prática em 28.05.2006, de um crime de desobediência, tendo sido condenado em pena de multa que pagou. 98. Cresceu junto do seu agregado de origem constituído pelos progenitores e seu irmão germano. 99. Do ambiente familiar, ressaltam algumas disfuncionalidades associadas a atitudes hostis por parte do pai, que frequentemente se expressava de modo depreciativo para com a mãe, com quem era verbalmente agressivo. 100. Ainda que o agregado aparentasse inicialmente alguma coesão para o exterior/comunidade, a desunião familiar ficou patente na pré-adolescência do arguido, sendo do conhecimento geral o início de relação extraconjugal por parte do progenitor, que se veio a constituir como uma figura essencialmente ausente/distante dos descendentes, pautando as bases educacionais dos mesmos (quando presente) pela rigidez e severidade. 101. Neste contexto, mãe e filhos vieram a tornar-se afectivamente muito próximos, manifestando a tríade fortes laços de união/coesão, sendo ainda verbalizado pelos descendentes, sentimentos de protecção para com a progenitora, a quem descrevem como emocional e fisicamente frágil. 102. O agregado beneficiava de apoio por parte da família alargada, nomeadamente avós e tios, residentes próximos, sendo a família descrita como bastante religiosa – católica praticante, tradicionalista e conservadora. 103. No plano económico, a subsistência do agregado seria suficientemente assegurada pelo exercício da actividade laboral do progenitor, que desempenhava funções para o avô paterno do arguido, proprietário de uma empresa de táxis na região, e da progenitora, que exercia funções como empregada doméstica, não sendo referenciadas significativas dificuldades no domínio da satisfação das necessidades básicas familiares. 104. Iniciando o processo de escolarização em idade própria, o arguido completou o 12º ano com bom aproveitamento escolar, sendo descrito como um aluno empenhado e estudioso, que valorizava as aprendizagens e o contacto com os professores. 105. Do ponto de vista social, ainda que fosse algo introvertido, reservado e conservador, teria facilidade em estabelecer ligações interpessoais, mantendo relações de amizade normativas. 106. No domínio das suas características pessoais, o arguido é referenciado como algo ingénuo, crédulo e temeroso, apresentando desde cerca dos 13 anos de idade sintomatologia depressiva, que terá tido origem no conhecimento de relação paralela/extraconjugal por parte do progenitor e sentimentos de rejeição por parte daquele em detrimento da outra família, nomeadamente da irmã consanguínea mais nova, entretanto nascida. 107. Após conclusão da escolaridade e com vista à sua valorização, o arguido veio com cerca de 18 anos de idade a frequentar o curso universitário de contabilidade e auditoria, em Coimbra, vindo neste contexto a experienciar os primeiros momentos de uma adolescência tardiamente vivida, quer com o estabelecimento de relações de amizade com colegas, com quem iniciou convivialidade em contexto nocturno, quer no que diz respeito a relações afectivas com o sexo oposto. 108. Apesar das competências registadas, o arguido veio a manifestar dificuldades em gerir adequadamente o seu tempo de acordo com as actividades/prioridades, com implicações negativas nos anos que se seguiram, nomeadamente no percurso académico onde registou inúmeras reprovações, omitidas aos familiares. 109. Ao fim de cerca de seis anos de frequência universitária, os familiares do arguido vieram a ter conhecimento de que frequentava cadeiras do 2º ano, tendo disciplinas do 1º ano ainda por concluir, facto que deu origem à cessação do financiamento familiar e regresso do arguido à cidade natal - Viseu. 110. Neste contexto, veio a iniciar-se no mercado activo de trabalho, primeiramente numa empresa do ramo imobiliário onde exerceu actividade durante cerca de cinco meses, findos os quais iniciou funções como motorista de táxi para o avô e posteriormente para o tio paterno, ambos proprietários de empresas no ramo, vindo a partir de 2008 a trabalhar para o progenitor, na mesma área. 111. Nessa actividade era considerado como trabalhador, responsável e empreendedor, tendo conseguido efectuar várias contratualizações com seguradoras, empresas de transportes em viagem e acordos com a segurança social para transporte de doentes, com vista à ascensão da empresa. 112. Do ponto de vista social, o arguido valorizava saídas nocturnas a bares de alterne, dado conhecer muitas pessoas do meio, por questões de ordem profissional, tendo neste contexto conhecido o seu actual cônjuge - JJ 113. Na sequência da gravidez desta, contraiu matrimónio em 2009, sendo o relacionamento descrito como inicialmente gratificante. 114. A residirem primeiramente junto da progenitora do arguido, dado o pai ter entretanto abandonado o agregado e constituído união marital com a sua actual companheira (situação emocionalmente perturbadora para o arguido) o casal veio posteriormente a autonomizar-se, nos finais de 2011, sobretudo por influência de JJ. 115. No período que precedeu a presente situação jurídico-penal do arguido, este permanecia a residir com o cônjuge, sendo a dinâmica familiar referenciada pelo arguido como insatisfatória do ponto de vista emocional e afectivo, ainda que o relacionamento se configurasse como funcional. 116. Como pai, o arguido é descrito como atento e preocupado com o percurso psicoeducacional da descendente, actualmente com quatro anos de idade. 117. No domínio económico, o agregado nuclear subsistia medianamente dos rendimentos auferidos pelo vencimento de cerca de €900 do arguido, como motorista de táxi e de cerca de €450 do cônjuge, que desenvolvia funções como repositora em duas cadeias de supermercados. 118. "Insatisfeito" do ponto de vista afectivo, o arguido veio a procurar, em 2011, o convívio com indivíduos que conhecera através da sua profissão, frequentadores de bares de alterne, vindo com aqueles, nomeadamente com o co-arguido - AA, a frequentar aqueles espaços de diversão nocturna. Neste meio, conheceu uma cidadã de nacionalidade romena, residente em Coimbra, com quem manteve um relacionamento extraconjugal até à presente situação. 119. À data dos factos e desde inícios de Março de 2013, o arguido BB, a par da actividade de taxista que desempenhava em horário diurno em Viseu (onde residia e se movimentava quotidianamente), explorava de facto com o arguido AA o dito bar de alterne denominado Camélias, sito em Carquejo – Coimbra, mantendo desta forma e sem o conhecimento dos seus familiares, um estilo de vida paralelo. 120. Do ponto de vista da saúde, é referenciada significativa instabilidade psicológica, sobretudo associada a uma tonalidade depressiva ao nível do humor, hipocondria e ataques de pânico relacionados com o medo da morte, encontrando-se o arguido a ser seguido em consultas de psiquiatria desde 2008, com necessidade de recorrer a terapêutica farmacológica. 121. Das suas características, ressaltam, segundo as fontes, a facilidade em estabelecer relações interpessoais, aparentando manifestar alguma necessidade de ser aceite pelo "outro", a quem tenta agradar. 122. Ainda que sejam verbalizados episódios de maior nervosismo/stress por parte do arguido que tenderia a ser verbalmente mais impulsivo/agressivo para com os familiares mais próximos, não lhe são reconhecidos quaisquer comportamentos agressivos ou hostis. 123. Detido/preso preventivamente desde o dia 24.04.2012, o seu comportamento prisional revelou uma postura consentânea com as regras e normas vigentes, procurando valorizar-se, tendo efectuado um curso de empreendedorismo, avaliado pelos formadores de forma positiva. 124. No domínio da saúde encontra-se a ser acompanhado ao nível da psicologia e psiquiatria, mantendo terapêutica farmacológica. 125. Continua a beneficiar em termos afectivos, do apoio dos familiares e amigos, que se mostram incrédulos face à presente situação, que se veio a revelar positiva no sentido de uma reaproximação com o progenitor, companheira deste e irmã consanguínea, com quem aparenta actualmente maior coesão. 126. O presente processo teve um impacto significativamente negativo no domínio emocional do arguido e família nuclear, tendo o cônjuge e descendente necessidade de recorrer a acompanhamento psicológico, particularmente associado à situação de detenção do arguido. 127. No que concerne à actual situação jurídico-penal, o arguido não se revê na totalidade das circunstâncias subjacentes ao presente processo, ainda que verbalize censurabilidade face ao desvalor da conduta a ele associada. -- 128. O arguido BB apresenta em termos intelectuais, facilidade no raciocino que implica utilização de conceitos abstractos e consequentemente o raciocínio lógico dedutivo, apresentando um desenvolvimento intelectual acima da média, comparativamente ao seu grupo etário. 129. Neste sentido, manifesta capacidades de compreensão das causas e efeitos das situações sociais que o rodeiam, bem como dos significados morais e interditos socio-jurídicos, com consciencialização da licitude/ilicitude dos seus actos. 130. No domínio social, apresenta capacidades em estabelecer relações interpessoais positivas, manifestando um desejo de imprimir uma imagem favorável, no sentido da adequação pessoal, familiar e social, de acordo com os padrões morais, conservadores e religiosos com que foi educado, com o intuito de procurar a aprovação e afecto do "outro". 131. Apresenta necessidades de estimulação e de vivenciar experiências idealizadas, nomeadamente relacionadas com a afectividade e o lado estético e/ou artístico, que valoriza, e que caso sejam contrárias ao estereótipo da imagem social que pretende passar, tende a ocultar por vezes de forma manipulativa e/ou inibir/denegar. 132. Ao nível familiar, aparenta ter desenvolvido uma ligação de dependência afectiva com a progenitora, com quem se identifica, apresentando neste sentido um padrão de interesses de alguma feminilidade, sendo tendencialmente contemplativo, delicado, frágil, humanista e estético, pautando os seus padrões comportamentais essencialmente pela submissão e dependência, o que poderá constituir um factor de maior susceptibilidade à influência de terceiros. 133. Demonstra uma hipersensibilidade ao que o rodeia e a tudo o que possa pôr em causa a sua imagem e o seu ego, fragilmente estruturado, o que a par da necessidade de estimulação e interesses contrários aos enaltecidos socialmente vieram a precipitar no arguido o desenvolvimento de traços depressivos, psicasténicos, hipocondríacos e paranóides, que se manifestam essencialmente em situações de stresse, com as quais não consegue lidar, (apresentando dificuldades na resolução de problemas) através de sintomas de ansiedade extrema - ataques de pânico e medo da morte, sintomas somáticos, distúrbios de sono, sentimentos de desrealização e medo de perda do controlo e do equilíbrio mental. 134. Registou um processo de socialização marcado pela valorização de regras sociomorais normativas que a par do apoio afectivo de que beneficiou por parte dos familiares de origem, sobretudo por parte da progenitora e irmão, terão permitido a aquisição de competências pessoais. 135. A existência de um contexto familiar sentido como disfuncional, associado à postura distante e rígida por parte do progenitor e relação extraconjugal por parte do mesmo (contrárias aos valores incutidos), aparentam contudo ter tido implicações no domínio emocional do arguido, que a par do desenvolvimento de uma relação de dependência com a progenitora, com quem se identifica, terá tido efeitos na estruturação da sua personalidade, apresentando-se como um indivíduo hipersensível/emocionalmente frágil e dependente, considerando-se a si próprio como especial, possuidor de sentimentos delicados e altruístas. 136. Ao nível social, ainda que detenha de capacidades de relacionamento interpessoal, sendo sociável, trabalhador e responsável, estas configuram-se sob a necessidade de manter uma imagem favorável, quase que perfeita de si próprio, de forma a garantir o afecto e aprovação dos outros, numa tentativa de obtenção de gratificações necessárias à regulação da sua auto-estima. 137. Em termos intrapsíquicos, o arguido apresenta-se como um sujeito inteligente, com raciocínio conceptual, lógico dedutivo, revelando consciência da realidade social que o envolve. 138. Privado de liberdade e de acordo com as suas características pessoais, tem revelado adaptabilidade comportamental ao sistema normativo e valorativo institucional, manifestando porém agudização de sintomatologia ansiogénica com o desenrolar e aproximar do desfecho do presente processo, encontrando-se a ser acompanhado em consultas de psicologia e psiquiatria e a manter medicação psicofarmacológica. 139. Ao nível familiar e no que diz respeito à família de origem, dispõe de um enquadramento estável, vindo a presente privação de liberdade a revelar-se positiva no sentido da reaproximação do arguido com o progenitor, companheira deste e irmã consanguínea, com quem apresenta actualmente laços de maior coesão e afecto. Com o cônjuge, manifesta presentemente um relacionamento algo distante, fruto do conhecimento da relação extraconjugal mantida pelo arguido em data anterior à presente situação, ainda que continue a beneficiar do seu apoio. 140. O arguido, a par de um estilo de vida normativo e conservador que valoriza em contexto familiar e social, parece manifestar alguma necessidade em experienciar emoções novas, num padrão vivencial paralelo. Aspecto que em caso de condenação, corroborado pelas suas características de dependência, submissão e anuência reveladas em contexto de convivialidade com indivíduos com comportamentos associais e pelas dificuldades manifestadas na resolução de problemas em situações de stresse, se configuram como relevantes factores de risco. 141. Carece de apoio psicoterapêutico estruturado e regular, que lhe permita desenvolver mecanismos de defesa mais adaptativos e vivências internas mais equilibradas e elaboradas, que contribuam para o seu equilíbrio psicoafectivo. -- Do pedido indemnização civil 142. No que momento que recebeu o impacto do primeiro projéctil, a vítima sofreu dor intensa que só cessou com a morte. 143. A vítima faleceu com 35 anos. 144. À data dos factos a vítima vivia com o seu agregado familiar em casa dos respectivos progenitores em Penalva do Castelo, todos de etnia cigana. 145. Deixou a companheira, aqui assistente CC, com quem vivia maritalmente desde há 14 anos de acordo com os costumes da sua etnia, e três filhos do casal: DD, nascido em ....97, EE nascido em ....2000, e FF, nascido em ....2010. 146. Ao tempo dos factos a vítima era saudável, sendo dedicado à família. 147. Trabalhava com os pais nas feiras como vendedor ambulante e dedicava-se ao tráfico de estupefacientes, actividades que lhe proporcionavam proveitos de montante variável não concretamente apurado que também destinava ao sustento da família. 148. A assistente CC entretanto teve conhecimento da forma e meios utilizados na morte e destruição do cadáver da vítima, sofrendo elevada perturbação e desgosto até aos dias de hoje, recordando amiúde com tormento, desde então e no futuro, a trágica perda do seu companheiro. 149. Em consequência da actuação dos arguidos e perda do companheiro, a assistente ficou em estado depressivo, abalada, com enorme tristeza, vivendo angustiada e receosa com o sustento da própria e dos filhos. 150. Todos os filhos da vítima tinham uma relação afectuosa com o pai, sofrendo ao longo da sua vida a ausência deste, não podendo beneficiar do acompanhamento e amparo do mesmo.» -- Por seu lado, estes os factos não provados (transcrição): «De resto não se provaram outros factos com relevância para a boa decisão da causa nomeadamente os da acusação que estejam em contradição com os provados e que: 1. no dia 18, a caminho do Palácio do Gelo, os arguidos combinaram aliciar o ofendido GG com a entrega de cocaína na deslocação a Coimbra; 2. no local do homicídio o passeio a pé, pela berma, não se fazia ou só muito raramente e fortuitamente aconteceria; 3. os arguidos escolheram ser aquele o local do homicídio por lhes permitir abandoná-lo rapidamente, demorando 3 a 5 minutos para alcançar a A25; 4. no momento que antecedeu a morte, a vítima sofreu angustiante tormento psicológico; 5. ao tempo dos factos a vítima era negociante de sucata e tinha juntamente com a sua companheira uma vida alegre, formando um casal que se dava bem, sem atritos nem incompreensões; 6. a assistente tinha uma expectativa de vida de casada e de felicidade com o seu companheiro por muitos e bons anos, era alegre, feliz, divertida, cheia de energia e moral, vivia quase exclusivamente para o mesmo e seus filhos; 7. a vítima era o único sustento do seu agregado familiar;8. a vítima auferia um rendimento médio mensal de €1.500; 9. em consequência da actuação dos arguidos, a assistente ficou num estado sorumbático; 10. em consequência da morte do pai os resultados escolares dos menores EE e DD tem vindo a degradar-se; 11. a morte do pai provocará nefastos reflexos no normal equilíbrio e desenvolvimento dos filhos; 12. a assistente despendeu qualquer quantia com o funeral da vítima». * II.2 – De Direito 2.1 Face às motivações e conclusões formuladas pelos recorrentes [que, salvo as questões de conhecimento oficioso, são, como se sabe, as que definem e delimitam o objecto do recurso (número 1 do artigo 412º do Código de Processo Penal)], constata-se que são as seguintes as questões suscitadas por: 2.1.1 – AA A - Nulidade do acórdão recorrido, por: A.1 – Valoração de prova nula; A.2 – Omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade; A.3 - Insuficiente fundamentação da decisão; B – Inconstitucionalidade das normas dos artigos 363º e 328º, número 6, do Código de Processo Penal, por violação das normas dos artigos 2º, 18º, número 3, 32º, números 1, 5 e 9, 102º, número 3, 266º, número 2, e 280º, número 4, da Constituição da República; C – Vícios das alíneas a) e c) do número 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal e violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo; D – Qualificação jurídica dos factos configurativos do crime de homicídio qualificado; E – Escolha e determinação das penas parcelares e da pena conjunta, que deverão, entre o mais, ser objecto de redução por aplicação dos artigos 9º, 40º, 70º, 71º a 73º e 77º do Código Penal e artigo 4º, do Decreto-Lei nº 401/82, de 23.09; 2.1.2 – BB A – Nulidade do acórdão recorrido, por: A.1 – Valoração de prova nula; A.2 – Omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade; A.3 – Falta de exame crítico das provas; B – Vício da alínea b) do número 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal; C - Qualificação jurídica dos factos, que configuram o crime de homicídio voluntário simples, cometido na forma de cumplicidade. 2.2 2.2.1 – Recurso do arguido AA: 2.2.1.1 – Questão Prévia: Da admissibilidade do recurso Do que se acabou de referir, decorre que, no recurso que interpôs para este Tribunal, o arguido AA insurge-se contra a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que confirmou o acórdão de tribunal de 1ª instância, entre o mais, na parte em que manteve as penas de 2 anos e 6 meses de prisão e 18 meses de prisão que lhe foram aplicadas pelos crimes de detenção de arma proibida e de profanação de cadáver. 1. De acordo com a jurisprudência deste Tribunal, do Supremo Tribunal de Justiça, a recorribilidade para este Tribunal de decisões penais encontra-se prevista, específica e autonomamente, no artigo 432º do Código de Processo Penal, sendo de uma forma directa nas alíneas a), c) e d) do número 1 e de um modo indirecto na alínea b), decorrente da não irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, nos termos do artigo 400º, número 1, do Código de Processo Penal. E, de harmonia com o estatuído na alínea f) do número 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos de prisão. De que decorre que constituem pressupostos de irrecorribilidade: i) o acórdão da Relação confirmar a decisão prolatada em primeira instância; ii) a pena aplicada na Relação não ultrapassar 8 anos de prisão. Trata-se, em suma, da consagração do princípio da denominada dupla conforme, em resultado do qual o legislador ordinário, movido pelo objectivo de restringir os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, reservando-os para os casos mais complexos, considera definitivos os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem as decisões condenatórias, proferidas em primeira instância, que hajam aplicado penas que não ultrapassem determinado limite, no caso penas de medida não superior a 8 anos de prisão, como resulta do disposto na referenciada na alínea f) do número 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. De onde que o que releva para o efeito é, pois, a pena aplicada por cada crime conexo, por princípio objecto de um processo individualizado e cuja competência para o conhecimento de todos foi determinada pela conexão, nos termos dos artigos 24º e 25º do Código de Processo Penal. Posição que, sendo já defendida no domínio da lei anterior à reforma feita ao Código de Processo Penal pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, tem sido adoptada por este Supremo Tribunal, pese embora tenha sido eliminada a expressão mesmo em caso de concurso de infracções, que existia na redacção anterior. É que, como tem sido enfatizado em vários arestos, resultaria, efectivamente, incompreensível, em face do indiscutível desígnio de restringir o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que o legislador, ao aludir à pena aplicada em concreto, em vez de pena aplicável, pretendesse que este Tribunal conhecesse de todos os crimes que porventura integrem o concurso, ainda que os referidos crimes correspondam à chamada “criminalidade bagatelar” ou que, não se tratando propriamente de tal tipo de criminalidade, tendo sido sujeitos à apreciação da Relação, viram confirmadas as respectivas condenações, contanto que a gravidade de que se revestem não atinja uma tal dimensão que reclame a sua revisão pelo Supremo Tribunal de Justiça[1]. Assim, em caso de concurso de crimes e verificada a dupla conforme, a terem sido aplicadas ao recorrente várias penas pelos crimes que, integrando o concurso, devem, por via do disposto no artigo 77º do Código Penal, ser unificadas numa única pena, sempre cabe apurar quais as penas de medida superior a 8 anos de prisão e apenas em relação aos crimes punidos com essas penas parcelares (de medida superior a 8 anos de prisão) ou à pena conjunta de medida superior a 8 anos de prisão resultará admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. O que significa que, com respeito a cada um dos crimes e penas em concurso, tudo se passa como se para cada qual tivesse sido instaurado um processo autónomo e nele houvesse sido imposta uma determinada pena[2]. Assim, como se observou no citado acórdão deste Supremo Tribunal de 11.07.2013, prolatado no Processo nº 631/06.5TAEPS.G1.S1 da 5ª Secção, a interpretação da citada norma da alínea f) do número 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, no sentido de que, havendo uma pena única de medida superior a 8 anos, não pode ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão, contém-se, ainda, no sentido possível das palavras usadas na lei, sem que isso comporte analogia proibida, e observa uma das declaradas finalidades do regime de recursos em processo penal, vigente a partir da Lei nº 59/98, de 25.08, de restrição do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Entendimento que, assumido pacificamente pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, não implica restrição inadmissível das garantias de defesa do arguido, em particular do direito ao recurso, consagrado no número 1 do artigo 32º da Constituição da República, na consideração de que, traduzindo-se o mesmo na reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto à matéria de direito quer quanto à matéria de facto[3], dele não decorre de todo em todo a possibilidade de uso irrestrito do direito ao recurso e, como consequência disso, um amplo acesso aos tribunais superiores. Daí que, reunido em plenário, o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 186/2013, de 04.04.2013, tivesse decidido não julgar inconstitucional a norma da alínea f) do número 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, na interpretação de que, havendo uma pena única superior a 8 anos de prisão, não pode ser objecto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão. 2. Em resultado do que se acabou de referir, e sem perder de vista que, não impondo as garantias de defesa do arguido o duplo grau de recurso, em caso de dupla conforme deve o recurso restringir-se às situações mais graves, e que esta interpretação sobre a norma da alínea f) do número 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal colhe o apoio do Tribunal Constitucional, impõe-se concluir que o recurso que o arguido AA interpôs para este Supremo Tribunal, não é admissível na parte relativa aos crimes e penas singulares aplicadas em medida não superior a 8 anos de prisão (no caso, os crimes de detenção de arma proibida e de profanação de cadáver e as penas de 2 anos e 6 meses de prisão e de 18 meses de prisão), face ao disposto na citada alínea f) do número 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal. Inadmissibilidade que, não comportando qualquer restrição, designadamente em função da matéria que constitui o objecto do recurso, na parte relativa aos mencionados crimes e penas singulares, impede que o Supremo Tribunal de Justiça conheça das questões que, com aquelas conexas, vêm colocadas pelo recorrente [como sejam as concernentes à medida das penas que, pela sua prática lhe foram impostas ou à alegada violação da norma de preferência do artigo 70º do Código Penal, por insuficiente fundamentação do decidido em sede de escolha e determinação das penas aplicadas por aqueles crimes, gerador de nulidade nos termos do artigo 379º, número 1, alínea a) do Código de Processo Penal]. Na realidade, com respeito à dimensão dos efeitos decorrentes da inadmissibilidade do recurso, o Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 659/2011, de 21.12.2011, Processo nº 670/11, decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 400º, nº 1, alínea f) do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não ser admissível o recurso de acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação, que confirme a decisão de 1ª instância e aplique pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo no caso de terem sido arguidas nulidades de tal acórdão”. Quer isto dizer que, por via da impossibilidade de recurso, as eventuais nulidades (v.g. por alegada insuficiência de fundamentação quanto à escolha e medida da pena) apenas podiam ter sido arguidas perante o tribunal recorrido antes de se verificar o trânsito em julgado da decisão[4]. Não havendo tal sucedido no caso em apreço, quando o recurso foi interposto já havia decorrido o prazo geral de 10 dias de que o recorrente dispunha para a mencionada arguição, o que tem como consequência que, encontrando-se transitada a decisão na parte relativa aos crimes de detenção de arma proibida e de profanação de cadáver, quaisquer nulidades porventura ocorridas, nessa parte, deixaram de ser invocáveis ou oficiosamente apreciadas, mesmo as denominadas nulidades insanáveis[5]. 3. Assim, considerando que o despacho que admitiu, sem restrições, o recurso interposto pelo arguido AA não vincula este Tribunal (artigo 414º, número 3, do Código de Processo Penal), decide-se rejeitá-lo naquele concreto segmento, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 432º, número 1, alínea b), 400º, número 1, alínea f), 414º, números 2 e 3, e 420º, número 1, alínea b), todos do mesmo Código de Processo Penal. Por via do que se acabou de referir, as questões a cuja apreciação se procederá a seguir terão por referência apenas o crime de homicídio e, naturalmente, a pena conjunta. * 2.2.1.2 A – Nulidade do acórdão recorrido por persistir em valorar prova alegadamente proibida [artigos 363º, número 1, 364º, 357º, número 1, alínea b), e 122º, número 1, todos do Código de Processo Penal] e por omissão diligências essenciais à descoberta da verdade (artigos 328º e 120º, número 2, do mesmo diploma) e inconstitucionalidade das normas dos artigos 363º e 328º, número 6, daquele diploma, por violação das normas dos artigos 2º, 18º, número 3, 32º, números 1, 5, e 9, 102º, número 3, 266º, número 2, 280º, número 4, e 282º, número 4, da Constituição da República: 1. Como bem refere o recorrente e melhor resulta de folhas 2.205 e seguintes, a questão reportada à deficiência de parte da gravação das declarações prestadas pelo co-arguido BB , na sessão de 07.02.2013 da audiência de julgamento, foi por si suscitada no recurso que, em 08.05.2013, interpôs da decisão proferida em 1ª instância, em 03.04.2013. E como também diz o recorrente AA, reconhecida que foi pelo tribunal a aludida deficiência, por despacho de 22.05.2013 (confira-se folhas 2.247), reaberta a audiência, em 21.06.2013, nesta o co-arguido BB, que optou pelo direito ao silêncio, não prestou declarações (confira-se folhas 2.283 a 2.286), vindo a ser proferido, em 08.07.2013, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, o acórdão de folhas 2.293 a 3.100, do qual o arguido AA tornou a interpor recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, ora suscitando (entre o mais) as questões atinentes àquelas nulidades da decisão e alegada inconstitucionalidade das normas dos artigos 363º e 328º, número 6, ambos do Código de Processo Penal, acima mencionadas. Ora, apreciando as ditas questões, resolveu-as (confira-se folhas 3.082 a 3.086) o tribunal recorrido nos seguintes moldes: 1.1– Relativamente à primeira das referidas questões, «Quanto a esta matéria, temos para nós que não assiste razão ao recorrente, porquanto o tribunal depois de ter verificado que efectivamente a primeira gravação continha algumas deficiências, ordenou a audição do co-arguido BB, designadamente para corrigir tal viciação, na qual o co-arguido BB referiu não pretender prestar quaisquer declarações. Pensamos que sendo um direito do arguido em recusar-se a prestar declarações não vemos como o tribunal não possa valorar os depoimentos anteriormente prestados pelo arguido BB, desde que perceptíveis, ou seja, o tribunal pode socorrer-se daquilo que o arguido dissera anteriormente, desde que audível, não violando qualquer norma, mormente a al. a) do art.º 379.º do Código de Processo Penal, já que o arguido continua a poder exercer os seus direitos na plenitude. Ora, no caso em apreço, o tribunal a quo valorou o referido pelo co-arguido na parte audível como se verifica de fls. 2320, e foi bem expresso no sentido de que apenas declarava a nulidade da parte inaudível das declarações, circunscrevendo a nulidade às que foram prestadas no dia 7/02/2013 (como o próprio recorrente refere na motivação durante cerca de uma hora). E se o fundamento da nulidade prevista no art.º 363.º do C.P. Penal é a falta de documentação/gravação, obviamente ela apenas se verifica em relação à parte das declarações que não foi documentada/gravada. Ora, se o tribunal ficasse impedido, como pretende o recorrente, em valorar tal parte audível, então era como se o co-arguido nunca tivesse prestado qualquer declaração, o que não corresponde à realidade. Assim, sem mais delongas, não vemos onde se verifica esta nulidade invocada pelo recorrente, sendo certo que também não se vislumbra violação do caso julgado, porque se circunscreveu a nulidade à parte inaudível e essa não foi efectivamente usada para fundamentar a convicção do tribunal». E, mais adiante: «…temos para nós que também não assiste razão ao recorrente porque o prazo de 30 dias referido no art.º 328.º, n.º 6, se reporta de sessão em sessão, ou seja, o que o preceito diz é que entre cada uma das sessões não poderão exceder 30 dias, sob pena de a prova não poder ser valorada. Ora, no caso em apreço, não podemos considerar que a audição que o tribunal iria fazer do co-arguido BB fosse uma sessão de julgamento no sentido a que o n.º 6 do art.º 328.º alude, mas seria apenas e tão-só uma audição para suprir partes não audíveis de depoimentos do co-arguido e assim o prazo dos 30 dias a que alude o n.º 6 do artigo citado não é aplicável nesta situação, sendo antes aplicável o disposto no art.º 122.º do C.P. Penal, que indica a forma de sanar nulidades. Aliás, quando é o tribunal de recurso a declarar a nulidade, obviamente que apenas ordena a repetição das partes viciadas de nulidade e não a repetição de todo o julgamento. Razão pela qual e ao contrário do que alega o recorrente, não operou aqui qualquer nulidade e por isso também nesta vertente a sua pretensão terá que ser votada ao insucesso. Também o tribunal a quo não violou qualquer norma constitucional pelas razões expostas, já que não tendo sido violado o n.º 6 do art.º 328.º do Código de Processo Penal também não foi violada qualquer norma constitucional»; 1.2– Com respeito à segunda questão, «Quanto a esta matéria e face ao referido a respeito da anterior nulidade invocada pelo recorrente, também aqui não lhe assiste razão. É verdade que as declarações prestadas oralmente em audiência são documentadas, princípio que também está consagrado no art.º 364.º do Código de Processo Penal. Ora, o tribunal cumpriu escrupulosamente os preceitos, tanto assim que teve o cuidado de referir que apenas aproveitava o referido pelo co-arguido desde que audível. Assim sendo, a documentação foi efectuada em acta, já que apenas foi aproveitada a parte perceptível e essa em nossa opinião pode ser valorada como o foi. Assim, não foram violados os art.ºs 363.º e 364.º do Código de Processo Penal. Também a interpretação que o tribunal deu aos preceitos não violou a Constituição, já que apenas foi aproveitada a parte audível e essa pode ser aproveitada, não violando qualquer direito do arguido (ouvindo as gravações podia o recorrente inteirar-se das declarações que efectivamente se encontram documentadas com a consequente possibilidade de exercer o direitos que com a documentação se pretendem acautelar) e, por consequência, qualquer norma constitucional. Assim, também nesta vertente improcede a pretensão do recorrente». 2. 2.1 Em face disto, entende-se que, no segmento relativo à matéria acabada de transcrever, o acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra, que sindicou o decidido pelo tribunal de 1ª instância, não é recorrível para este Supremo Tribunal. E isto na consideração de que, naquele segmento, trata-se de decisão que não pôs termo à causa e, como tal, insusceptível de recurso, nos termos da alínea c) do número 1 do artigo 400º, por referência à alínea b) do número 1 do artigo 432º, ambos do Código de Processo Penal. Com efeito, possuindo tais questões natureza interlocutória, não há-de ser a mera circunstância de as mesmas não terem sido objecto de recurso autónomo que lhes confere recorribilidade, fundada no facto de outras questões, que não estas, também suscitadas no recurso interposto da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra para este Supremo Tribunal, serem passíveis de recurso. Na verdade, se, como se decidiu no acórdão de fixação de jurisprudência nº 13/2014, prolatado em 03.07.2014, no Processo nº 419/11.1tafaf.g-A.S1, «A nulidade prevista no artigo 363º do Código de Processo Penal deve ser arguida perante o tribunal da 1ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão de documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse período pelo funcionário, nos termos do número 3 do artigo 101º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada», como se entendeu no acórdão deste Supremo Tribunal, de 22.09.2005, proferido no Processo nº 1752/05 da 5ª Secção, embora a questão interlocutória acompanhe a decisão final, pode e deve ser dela cindida, sendo que, no caso, sobre ela até já se formou dupla conforme. Entendimento que, como tem sido considerado[6], além de respeitar a garantia do duplo grau de jurisdição, afeiçoa-se ao regime de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, saído da reforma de 1998, e designadamente ao estatuído na alínea d), por referência às alíneas b) e c), do número 1 do artigo 432º do Código de Processo Penal. 2.2. Para além de que sempre importa ter presente que, concretizando-se no artigo 125º do Código de Processo Penal a regra da não taxatividade dos meios de prova admissíveis, entre os métodos proibidos de prova, elencados no artigo 126º do mesmo diploma, não encontra cabimento a deficiência de parte da gravação das declarações prestadas validamente em audiência pelo co-arguido do aqui recorrente. Acresce que (ao invés do que sucede com a omissão de documentação, em acta, das declarações prestadas oralmente em audiência, que configura a nulidade prevista no citado artigo 363º do Código de Processo Penal) a circunstância de alguns segmentos das referidas declarações não resultarem perceptíveis ou entendíveis só será geradora de nulidade se afectar de forma substancial o acto em si, de sorte que, fora disso, apenas integra uma mera irregularidade[7]. Ora, no caso em apreço, o tribunal considerou, como se viu, que apenas uma parte das declarações prestadas pelo co-arguido BB eram imperceptíveis na gravação, razão por que não seriam, nesse preciso segmento, valoráveis (diferentemente do que sucedia quanto às restantes declarações produzidas pelo mesmo arguido nessa sessão e nas demais, posto que, resultando audíveis, nada impedia que fossem valoradas) … o que bem se compreende em face do que acima se referiu e da audibilidade das mencionadas declarações, salvo na parte em que as instâncias, assentindo no sentido de não serem de valorar, entenderam que nada impedia que fossem na parte audível, sob pena de tudo se passar como se o arguido nunca houvesse prestado quaisquer declarações, o que não corresponde à verdade! Por outro lado, o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, quer quanto a esta concreta questão quer quanto aqueloutra atinente à invocada omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade, contempla, como se observou, um juízo explícito e fundamentado sobre a sua legalidade face à lei ordinária e constitucional, não reclamador de qualquer censura. Daí que, pelas razões aduzidas, não sendo recorrível a decisão ora sob impugnação relativamente aquelas concretas questões e às demais com elas conexionadas, se imponha rejeitar, nesta parte, o recurso [artigos 432º, número 1, alínea b), 410º, número 1 a contrario, 400º, número 1, alínea c), 420º, número 1, alínea b), 414º, números 2 e 3, todos do Código de Processo Penal]. * B – Nulidade da decisão, por violação do artigo 379º, número 1, alínea a), com referência ao número 2 do artigo 374º, ambos do Código de Processo Penal: 1. Assacando o aludido vício, não propriamente ao acórdão recorrido mas, antes, ao acórdão do tribunal de 1ª instância (confira-se conclusões 44ª a 50ª da motivação do recurso interposto para este Tribunal), pretende o recorrente que seja declarada a sua nulidade, uma vez que a fundamentação incompleta que o atinge não permite descortinar o iter cognitivo do julgador, designadamente no que concerne ao plano de vingança gizado para matar GG Rui Soares. Trata-se da questão que, suscitada em termos exactamente idênticos [confronte-se as mencionadas conclusões 44ª a 50ª da motivação do recurso interposto para este Supremo Tribunal (folhas 3.158) com as conclusões 88ª a 95ª da motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação (folhas 2.498 e 2.499), mereceu do tribunal recorrido a seguinte apreciação: «Quanto a esta matéria, não assiste qualquer razão ao recorrente, já que o tribunal, a fls. 2319 a 2345 não só indica a prova, mas faz abundantemente uma análise exaustiva da mesma, bem como um raciocínio crítico de toda ela, assentando nos pressupostos da sua convicção e fê-lo face ao teor da prova produzida em julgamento como espelha a fundamentação proferida no acórdão. Assim, não vemos onde tenha havido violação da al. a) do n.º 1 do art.º 379.º do Código de Processo Penal, pelo que também nesta vertente improcede o recurso apresentado». 2. E, nós também não descortinamos motivos para considerar que o tribunal recorrido - e é isso que ora interessa para o caso – haja incorrido em violação da aludida norma da alínea a) do número 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal, de resto imputada, como já dito, pelo recorrente ao acórdão prolatado pelo tribunal de 1ª instância. Porém, como se viu, pronunciando-se sobre a referida questão submetida à sua apreciação e concluindo do jeito como fez, a Relação de Coimbra cumpriu de forma suficiente o dever de fundamentação da decisão que lhe incumbia. É que, como se considerou no acórdão deste Supremo Tribunal de 05.12.2012, prolatado no Processo nº 704/10.0PULSB, da 3ª Secção, o recurso sobre matéria de facto, não constituindo um novo e segundo julgamento destinado à produção e apreciação da prova, antes traduz-se numa actividade de fiscalização e de controlo da decisão proferida pelo tribunal recorrido sobre matéria de facto que o recorrente considera ter sido julgada de forma errada e bem assim ao reexame das provas que fundamentam esse entendimento, como prescreve o artigo 412º, número 3, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal. De onde que, visando o recurso da decisão sobre matéria de facto, não a prolação de uma nova decisão de facto mas, tão-só a sindicação da decisão já proferida, ao tribunal de recurso incumbe apenas verificar se o tribunal de recorrido valorou e apreciou correctamente as provas, razão pela qual, se entender que a valoração e apreciação das provas se mostram correctas, pode limitar-se a aderir ao exame crítico realizado pelo tribunal recorrido. Ora, como mais para trás se constatou e adiante melhor se verá, o tribunal recorrido, aludindo ao labor desenvolvido pelo tribunal de 1ª instância (que, ao longo de 26 páginas, não só indicou a prova em que se alicerçou para formar a sua convicção quanto aos factos que deu por provados e não provados, como procedeu a uma exaustiva análise crítica da mesma, explicitando os pressupostos em que assentou aquela convicção), cumpriu, ainda que com sobriedade, o dever de fundamentação que lhe cabia observar como instância de recurso. Na verdade, como se decidiu no acórdão de 18.12.2013, Processo nº 137/08.8SWLSB.L1.S1, da 5ª Secção, o dever de fundamentação da decisão proferida, em sede de recurso, não assume a mesma extensão que possui, tratando-se de sentença ou de acórdão de um tribunal de 1ª instância. E isto porque, como se entendeu nesse mesmo aresto de 18.12.2013, proferido no Processo nº 137/08.8, não sendo as exigências de fundamentação da sentença, prescritas no número 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal, directamente aplicáveis aos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores mas, tão-só através de aplicação do artigo 379º, “ex vi” do artigo 425º, número 4, do mesmo diploma, aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para as sentenças proferidas em 1ª instância, o que bem se compreende se se tiver em conta que o seu objecto é a decisão recorrida, e já não a apreciação do objecto do processo. Daí que, sem necessidade de mais considerações, se imponha, então, concluir que, ao decidir do modo como fez, o Tribunal da Relação de Coimbra não incorreu em violação da referida norma do artigo 379º, número 1, alínea a), por referência ao número 2 do artigo 374º, todos do Código de Processo Penal e bem assim do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, visto o duplo grau de jurisdição ter sido suficientemente garantido. Improcede, em consequência, ainda nesta parte, o recurso interposto pelo arguido AA. * C – Vícios [alegadamente os das alíneas a) e c) do número 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal] da decisão sobre matéria de facto e violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo: Como se viu, o recorrente argui os vícios da decisão consistentes em insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada e erro notório na apreciação da prova. Matéria que, a seu tempo, foi objecto de recurso interposto para a Relação pelo arguido AA que, no essencial (confronte-se as conclusões 98ª a 106ª daquele com as conclusões 51ª a 62ª e 64ª da motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça), reproduziu neste as críticas que teceu perante o Tribunal da Relação de Coimbra. Significa isto que o recorrente limitou-se a devolver ao Supremo Tribunal de Justiça as questões que já havia colocado no recurso que interpôs para o Tribunal da Relação, a quem, em derradeiro termo, censura por, alegadamente, não ter verificado se a decisão de 1ª instância se mostrava ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum e bem assim por não haver fundamentado a não aplicação do princípio in dubio pro reo. C.1 1.1 Ora, relativamente a tais questões, vale a pena observar como o tribunal recorrido as enfrentou e o que discorreu a propósito. Assim, como bem flui de folhas 3.086 a 3.095, quanto à impugnação da matéria de facto feita pelo arguido AA, o Tribunal da Relação de Coimbra pronunciou-se do jeito que se segue: «Quanto à matéria de facto, ela é questionada pelo recorrente porque este entende que a mesma não pode ser a que o tribunal recorrido deu como assente, apresentando pois uma versão diferente de como os factos se passaram. Diga-se desde logo que não assiste razão ao recorrente, pois o mesmo limita-se a apresentar uma versão sem a fundamentar minimamente. Na verdade, o recorrente aprecia somente excertos de depoimentos, de modo isolado, parecendo que esses excertos sustentam a sua versão. Contudo não é assim. É que a prova tem que ser apreciada no seu aspecto global, sempre de acordo com o estipulado no art.º 127.º do Código de Processo Penal. E, ouvindo o que foi dito pelos arguidos, nomeadamente o que foi dito pelo arguido BB, que descreveu em pormenor o modo como os factos ocorreram, esclarecendo que foi o arguido AA que efectuou os disparos contra a vítima; e tendo em conta o que foi referido pela testemunha HH, que referiu que o AA lhe confessou ter dado os tiros ao GG e que um ou dois dias depois voltou ao local para queimar o cadáver; o depoimento da testemunha ... que presenciou o encontro, no Palácio do Gelo, entre os arguidos e o ofendido; o depoimento da testemunha ..., que disse que na véspera do dia 18/04/2012 o BB se apresentou no bar ... bastante abatido, dizendo que tinha sido ameaçado de morte por um cigano, o que lhe fora comunicado pelo AA, e que, já depois da meia-noite, saíram juntos daquele bar; e tendo também em conta os depoimentos dos inspectores da PJ, ... e ...s, que relataram as circunstâncias em que decorreram as reconstituições dos factos pelos arguidos e pela testemunha ..., e o depoimento do inspector ..., que relatou as circunstâncias em que decorreu a localização e apreensão do revólver utilizado na morte da vítima; bem como os depoimentos das testemunhas ... e ..., que descrevem pormenores em que narram a ligação dos arguidos com a vítima; e tendo ainda em conta o conteúdo dos documentos constantes dos autos, nomeadamente, o RDE de localização do cadáver pelo BB de fls.26-29, auto de apreensão do automóvel ligeiro (táxi), com a matrícula ...-DR-..., auto de busca e apreensão de 23.04.2012 de fls.46-7, relatório de inspecção do local com o cadáver de fls.48-52, identificação desse local com reportagem fotográfica do mesmo de fls.55-62, reportagem fotográfica da indicação da arma enterrada no quintal de fls.63-6, informação e relatório de autópsia de fls.155, 361-9, 851-2, 1382-6, certificado e assento de óbito do GG de fls.133 e 163, exame e reportagem fotográfica do automóvel (táxi) de matrícula 64–DR-51, de fls.156-161 e respectivo certificado de matricula de fls.475, exame pericial do cadáver de fls.310-7, relato de diligência externa e talões de registo de compra nos posto de combustível de fls.370-3, auto de apreensão do telemóvel do arguido AA de fls.386 e respectivo termo de entrega de fls.573, relatório de avaliação psicológica de fls.521-8 (ressalvada a descrição dos factos pelo arguido), auto de apreensão do telemóvel da testemunha ... de fls.533, autos de apreensão de telemóveis dos arguidos de fls.562-3 e respectivos exame directos de fls.593, exame balístico do revolver usado no cometimento do homicídio e dos projecteis alojados no cadáver de fls.576-9, extractos de comunicações de telemóvel de fls.606-649, fls.919-928 (GG) e fls.1805-6 (HH), relatório de exame do telemóvel usado pela testemunha ..., designadamente a agenda e conteúdo dos contactos voz e sms registados sobretudo ao tempo dos factos com o ... (arguido AA) de fls.659-710, informação da Ascendi de fls.831, informação de localização de cabines telefónicas de fls.1128 e 1809, auto de reconstituição de ... de fls.1073- 1101, auto de reconstituição de BB de fls.1141-1177, certificados de registo criminal de fls.1501-3, relatório social BB de fls.1672-8, boletim e assentos de nascimento de fls.1788-1792, informação da CGD – Penalva do Castelo de fls.1807-8, relatório sobre personalidade de BB de fls.1830-1844, informação da PJ – Centro sobre distancias de percurso localizações celulares/geográficas e mapas anexos de fls.1864-1873, e ainda Apenso de Tráfego de Comunicações: cronogramas e mapas anexos representativos no tempo e no espaço da dinâmica das comunicações ali analisadas; Apenso I: certidão de assento de nascimento do arguido AA de fls.249, auto de apreensão e correspondente auto de notícia do dia 4.09.2010, este exclusivamente quanto aos dados objectivos ali descritos como resultantes da percepção directa do autuante (fls.272-279); Apenso II: relatório de exame dos telemóveis usados pelo arguido BB (Nokia E 63 e Nokia 6288) designadamente a agenda e conteúdo dos contactos voz e sms registados sobretudo ao tempo dos factos; Apenso III: relatório de exame do telemóvel usado pela testemunha HH (Nokia N 8) designadamente a agenda e conteúdo dos contactos voz e sms registados sobretudo ao tempo dos factos com o ... (arguido AA). Não pode este Tribunal deixar de dar como definitivamente assentes os factos constantes do acórdão recorrido, sem prejuízo de se efectuarem concretos esclarecimentos em relação aos factos concretos impugnados. No respeitante aos factos constantes dos pontos 1, 8, 9 e 11, esclareça-se que da conjugação das declarações dos arguidos e das da testemunha HH resulta que foi no circunstancialismo fáctico descrito que o arguido AA decidiu por termo à vida do ofendido. No que respeita aos factos dos pontos 12, 14, 15, 16 e 17, que se encontram intimamente ligados, começa por resultar do depoimento da testemunha HH que o arguido AA lhe solicitou ajuda para pôr termo à vida do ofendido, tendo-se recusado, resultando depois dos depoimentos dos próprios arguidos que foi nessa sequência que o arguido AA solicitou ao arguido BB a sua colaboração nesse intento. Relativamente ao facto constante do ponto 19, tal resulta do exame das comunicações registadas no telemóvel do HH e provenientes do telemóvel do AA, tendo como pano de fundo tudo o que foi declarado a esse propósito e até as contradições em que nesse aspecto o arguido AA manifestou nas suas declarações, negando a existência das comunicações documentadas. Relativamente à matéria dos pontos 22 e 23, desde logo quando o recorrente diz que o arguido BB não disse que foram a casa do avô do AA buscar a arma, também nesta parte não assiste razão ao recorrente, porque ouvindo o depoimento do arguido BB não restam dúvidas de que o arguido AA se deslocou a casa do avô para trazer a arma que serviu de instrumento para causar a morte à vítima. Deve ter-se também em consideração que no momento em que os arguidos foram buscar a arma já havia um plano comum no sentido de pôr termo à vida do ofendido. Ora, com base nas regras da experiência obviamente se terá de concluir que o arguido BB sabia que o arguido AA ia buscar uma arma para executarem o crime que tinham planeado conjuntamente. E o arguido AA confirmou haver adquirido a arma, tal como consta do ponto 23. Relativamente aos factos constantes dos pontos 24, 25 e 26, a prova já anteriormente analisada oferece um fio condutor no sentido de que o arguido AA, pelas razões que estão mencionadas nos factos provados, decidiu matar o ofendido, e que pretendia a colaboração de uma outra pessoa, tendo solicitado primeiro colaboração da testemunha HH, e perante a recusa desta voltou-se para o arguido BB. Foram ambos os arguidos buscar a arma utilizada no cometimento do crime à casa do avô do arguido AA. Nas declarações que prestam, os arguidos tentam eximir-se à sua parte de responsabilidade, imputando a prática do homicídio ao co-arguido. Posteriormente à execução do crime de homicídio, também são ambos que tentam ocultar o cadáver. Tudo isto apenas adquire compreensão com base nas regras da experiência mediante a existência de um plano comum. E nem os arguidos, tendo prestado declarações, conseguiram dar outra explicação razoável que pudesse desmentir esta conclusão. Apenas se encaixando as declarações que prestam numa tentativa falhada de se eximirem criminalmente à sua responsabilidade. Relativamente aos factos constantes dos pontos 29 e 31, permitimo-nos acompanhar o que consignou o Ministério Público na sua Resposta mencionando que tal resulta indirectamente do depoimento da testemunha ..., tio do ofendido, que se encontrava na companhia deste no Palácio do Gelo. Relativamente à matéria dos factos 38 e 39, a mesma resulta das declarações do arguido BB em conjugação com a demais prova e nomeadamente as circunstâncias de tempo e lugar em que veio a ocorrer a morte do ofendido. Sobre esta matéria, para além das declarações do arguido BB, há a considerar os autos de reconstituição e as próprias declarações das testemunhas da PJ, ... e ..., que verificaram o local do crime. A matéria dos pontos 44, 45 e 46, igualmente resulta do que já foi declarado pelo arguido BB para além da constatação de que o crime ocorreu nesse local. A matéria dos pontos 48 e 49 está em conformidade com o que foi declarado pelo arguido AA. A matéria dos pontos 50, 51, 52 e 53 está em conformidade com a análise conjugada das declarações que os arguidos AA e BB prestaram a esse propósito. A matéria do ponto 56 resulta das declarações conjugadas dos arguidos. A matéria dos pontos 57 e 59 resulta das declarações conjugadas dos arguidos, sendo certo que o revólver foi encontrado por indicação do arguido AA no local mencionado e o tribunal a quo bem salienta como fez uso das regras da experiência para extrair das declarações dos arguidos estes factos, bem como outros sobre as circunstâncias do crime. Quanto à matéria do ponto 67, a mesma resulta da análise da prova já mencionada, nomeadamente, das declarações dos arguidos analisadas à luz das regras da experiência e em confronto com o estado em que foi encontrado o corpo do ofendido. No que respeita aos factos do ponto 68, na parte em que o recorrente diz que não foram ambos os arguidos a contactar o ... para os conduzir ao local do crime, mas apenas o BB, diga-se desde logo que tal é irrelevante, face ao pré-acordado entre os arguidos AA e BB. No respeitante aos factos do ponto 69, tal matéria tem suporte no que foi declarado pelos arguidos em confronto com as comunicações que constam da matéria de facto, bem como no depoimento da testemunha .... A matéria dos pontos 73 e 74 está em conformidade com o que foi declarado pela testemunha ..., em confronto com o que foi verificado posteriormente. Nos pontos 76, 78 e 79 da matéria de facto vêm vertidos os elementos subjectivos das condutas que antes se encontram objectivamente descritas. Neste domínio, salvo os casos de confissão integral e sem reservas vale com toda a plenitude o uso das regras da experiência, no sentido de que quem age objectivamente de uma determinada maneira quer o resultado a que essa conduta conduz. Salvo circunstâncias excepcionais, que no caso não existem, quem actua como os arguidos actuaram só pode ter querido pôr termo à vida do ofendido, e destruir o respectivo cadáver. Por outro lado, e relativamente à detenção da arma, o próprio arguido AA referiu não ser detentor de licença. Pelas razões expostas, não reconhecemos a existência de qualquer erro de julgamento da matéria de facto, encontrando-se, assim, plenamente justificada a prova positiva dos factos supra referidos, pelo que a decisão do tribunal recorrido deve ser mantida, a não ser que se verificasse a existência de qualquer um dos vícios a que se refere o art.º 410.º, n.º 2, do C.P. Penal. O arguido AA, na parte final do seu recurso, refere que o acórdão recorrido padece dos vícios das als. a) e c) do n.º 2 do art.º 410.º do C.P. Penal, sem, contudo, alegar em que se traduzem os mesmos, por reporte à decisão. A insuficiência a que se reporta a citada al. a) é um vício que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada. O vício previsto na al. c) – erro notório na apreciação da prova – existirá e será relevante quando o homem médio, perante o que consta da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência comum ou se baseou em critérios ilógicos, arbitrários ou, mesmo, contraditórios, na apreciação que fez das provas. Analisado o texto da decisão recorrida não resulta a existência de nenhum deles. E quanto à eventual violação do art.º 127.º do C.P.P. e do princípio do in dubio pro reo, que o recorrente diz que o tribunal não cumpriu, há que dizer o seguinte: Na verdade, o recorrente na impugnação da matéria de facto, mais não faz do que interpretá-la à sua maneira e tentar convencer-se da prova produzida no sentido do recurso. Ora, de acordo com o art.º 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada livremente, tendo por base as regras da experiência comum e o sentido lógico de que o tribunal se convenceu de como os factos se praticaram, ou seja, o tribunal para avaliar a prova deve fazê-lo no seu todo, como fez, e não apenas neste ou naquele excerto desta ou daquela testemunha como pareceu fazer o recorrente. O tribunal, em nossa opinião, valorou a prova pelo seu conjunto e da análise global da mesma, com base nas regras da experiência comum, se convenceu dos factos dados como provados. Aliás, o tribunal, na exposição que fez a respeito da matéria de facto, diz a prova onde assentou e descreve o raciocínio lógico que o levou à sua convicção e, por consequência, a dar tais factos como provados, ou seja, o tribunal fez uma interpretação correcta do art.º 127.º do Código de Processo Penal a respeito desta matéria. Assim, também o tribunal fundamentou devidamente o acórdão, pois como já dissemos seguiu uma linha de pensamento lógica, assentando nas regras da experiência comum, tendo por base a globalidade do que em julgamento se passou. Ora, também não vemos onde tenha sido violado o princípio in dubio pro reo, já que, para este existir, é necessário que do acórdão e da fundamentação do mesmo resulte que alguma dúvida assaltou o tribunal na sua convicção. Ora, da leitura do acórdão e da respectiva fundamentação não se vê que em algum momento se tivesse instalado a dúvida no tribunal, antes pelo contrário, o mesmo fez um raciocínio lógico e coerente de tudo o que se passou no julgamento, tendo chegado à conclusão a que chegou com base nos princípios das regras da experiência comum e da livre convicção, tudo de acordo com o art.º 127.º do Código de Processo Penal. Assim, não assiste razão ao recorrente sobre a matéria em causa. Pelo que também nesta vertente a sua pretensão será improcedente».
1.2 Como se reparou, pretende o recorrente AA que este Tribunal conheça a referida matéria que, como bem decorre do que se acabou de referir, foi sindicada em todas as perspectivas colocadas pelo mesmo. Acontece, porém, que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quando, como no caso, intervém como tribunal de revista, é exclusivamente de direito. Na realidade, como sistematicamente vem afirmando a jurisprudência deste Tribunal[8], pese embora no artigo 434º do Código de Processo Penal se faça menção ao disposto no artigo 410º, números 2 e 3 do citado diploma, certo é que o conhecimento dos referidos vícios acha-se subtraído à alegação do recorrente e, como tal, não pode constituir fundamento de recurso. Daí que o Supremo Tribunal de Justiça possa pronunciar-se sobre os mencionados vícios apenas oficiosamente, o que vale por dizer, por sua iniciativa, e se resultarem do próprio texto da decisão recorrida, como forma de obstar a que seja compelido a aplicar o direito aos factos que, porventura, se revelem manifestamente insuficientes, fundados em errónea apreciação ou assentes em pressupostos contraditórios[9]. Condicionalismo que, no caso sub juditio entende-se não ocorrer, já que, para aplicar o direito, dispõe este Supremo Tribunal da necessária base factual, que deverá ter-se como definitivamente assente. E isto na medida em que, não se detectando a verificação de um qualquer vício (designadamente os invocados pelo recorrente) de que cumpra oficiosamente conhecer, ela revela-se suficiente e adequada para aplicar o direito. C.2 E o mesmo acontece com respeito à alegada violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo. Efectivamente, insurgindo-se, entre o mais, contra a matéria de facto dada como assente pelas instâncias, sustenta o recorrente AA que, como forma de delimitação da discricionariedade do julgador, que lhe advém do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, incumbia ao tribunal recorrido verificar, o que não fez, se a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância se mostrava ilógica, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum e bem assim violadora do mencionado princípio do in dubio pro reo. 2.1 Ora, como bem decorre do transcrito em 1.1 e do concluído em 1.2, pronunciando-se, como se viu, expressa e fundamentadamente, sobre tal temática, o Tribunal da Relação de Coimbra: i) considerando, por um lado, que «… o tribunal, na exposição que fez a respeito da matéria de facto, diz a prova onde assentou e descreve o raciocínio lógico que o levou à sua convicção e, por consequência, a dar tais factos como provados, ou seja, o tribunal fez uma interpretação correcta do art.º 127.º do Código de Processo Penal a respeito desta matéria.»; ii) rematou, por outro lado, que «… da leitura do acórdão e da respectiva fundamentação não se vê que em algum momento se tivesse instalado a dúvida no tribunal, antes pelo contrário, o mesmo fez um raciocínio lógico e coerente de tudo o que se passou no julgamento, tendo chegado à conclusão a que chegou, com base nos princípios das regras da experiência comum e da livre convicção, tudo de acordo com o art.º 127.º do Código de Processo Penal.». 2.1 Como resulta por demais evidente, estas questões (atinentes à alegada violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo) encontram-se estreitamente relacionadas com a questão anterior, o que vale por dizer, com a pretensão da recorrente de fazer prevalecer o seu ponto de vista em relação ao formado pelos julgadores quanto à prova produzida. Porém, não é, seguramente, nisto que consiste a aplicação dos referidos princípios. Assim, no que concerne ao princípio da livre apreciação da prova, é bem verdade que, como ensina Figueiredo Dias[10], o princípio em causa “…não pode, de modo algum, querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida”, de modo que, embora a apreciação da prova seja discricionária, essa discricionariedade tem “os seus limites, que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo…” Quer isto dizer que, embora a convicção do julgador se trate de uma convicção pessoal, ela terá de ser objectivável e motivável, logo capaz de convencer e impor-se aos interessados. “Convicção que só existirá quando e só quando…o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”, isto é quando…o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável, isto é quando o tribunal “por uma via racionalizável, ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”. Por sua vez, com respeito ao princípio in dubio pro reo, valendo para a matéria de facto, que não para a matéria de direito, traduz-se ele, como diz Figueiredo Dias[11], em que «…a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido». E, conexionando-se com a matéria de facto, tal princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito - tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo -, quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais actualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena. Ora, de acordo com a jurisprudência constante e pacífica[12]deste Tribunal, o Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a aplicação do princípio in dubio pro reo, se da decisão resultar que o tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, perante esse estado de dúvida, decidiu contra o arguido. 2.2 No caso em apreciação e em face da facticidade dada como assente e respectiva fundamentação vertida, no aresto recorrido, pela Relação que, como visto, sufragando todo o decidido a respeito pelo tribunal de 1ª instância, realçou a forma meticulosa e minuciosa como este motivou, em moldes coerentes, verosímeis e credíveis, a versão que ficou plasmada nos mesmos factos, não se vislumbra que às instâncias tivesse ficado uma qualquer dúvida a propósito e que, perante esse estado de dúvida, houvessem resolvido contra o arguido. Bem, pelo contrário! O que tanto basta para concluir-se pela inverificação da alegada violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, com os quais o recorrente confunde a sua própria convicção acerca dos factos que, em sua opinião, deviam dar-se como provados e não provados e que, como já se disse, pretende fazer prevalecer à convicção formada pelas instâncias, que a fundamentaram em moldes de todo credíveis e coerentes, e, como tal, aceitáveis. Daí que, em conclusão, não sendo a decisão susceptível de recurso nesta parte e não se descortinando possibilidade de se verificarem os invocados vícios sobre matéria de facto, se rejeite, na mesma parte, o recurso [artigos 434º, 420º, número 1, alínea b), e 413º, todos do Código de Processo Penal]. * D − Qualificação jurídica dos factos (crime de homicídio): 1. Como se viu, no recurso que dirigiu a este Supremo Tribunal (aliás, à semelhança do que já havia feito no recurso que interpôs para a Relação), o arguido AA insurge-se contra a qualificação jurídica dos factos tidos pelas instâncias como configurativos do crime de homicídio, previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, números 1 e 2, alínea j), do Código Penal. E isto, em suma, porque, na opinião do recorrente AA, o revólver de calibre.38, Smith & Wesson Especial, utilizado para tirar a vida à vítima, não pode ser considerado meio particularmente perigoso, sendo, como tal, insusceptível de integrar o exemplo padrão em causa. Porém, ao invés do assim entendido pelo recorrente AA, as instâncias, designadamente o tribunal recorrido, consideraram que a qualificação do crime de homicídio nos termos da alínea j) do número 2 do artigo 132º do Código Penal advinha, não propriamente do instrumento usado pelo arguido para tirar a vida a GG mas, da frieza de ânimo com que o mesmo arguido e o seu co-arguido BB agiram. É o que claramente resulta do decidido pelo tribunal recorrido que, quanto a tal questão, discorreu assim: «No que concerne à qualificação jurídica, temos para nós que também aqui não assiste razão ao recorrente, pois dos factos provados não resta qualquer dúvida de que os arguidos agiram com frieza de ânimo, pois de uma forma planeada e fria levaram por diante os intentos de tirar o bem mais precioso ao ser humano que é a vida. Ora, existindo tal plano é evidente que os arguidos agiram de forma fria e premeditada em tirar a vida à vítima. Assim, bem andou o tribunal a quo em entender que o crime em causa é o homicídio qualificado, previsto e punido pelos arts.º 131° e 132º, nº 1 e nº 2, al. j), do Código Penal, e não o simples. Face ao exposto, também nesta parte razão não assiste ao recorrente». Feita que fica esta precisão, passemos então a apreciar a questão relativa ao enquadramento jurídico-penal dos factos integradores do crime de homicídio. 2. No que concerne à circunstância que, prevista na alínea j) do mencionado preceito, é susceptível de aportar acrescida censurabilidade ou perversidade à conduta do agente, por ter actuado com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou por ter persistido na intenção de matar por mais de 24 horas, como se disse no acórdão de 10.09.2014 e se reiterou no acórdão de 17.12.2014, ambos deste Supremo Tribunal, proferidos nos Processos nº 727/10.9GGSNT.L1.S3 e nº 937/12.4JAPRT.P1.S1, vem a doutrina considerando[14]que, naquela referida circunstância, se acolhem alguns dos entendimentos que diferentes ordenamentos jurídicos atribuem aquilo que tradicionalmente se designa de premeditação, de sorte que que, para além da premeditação propriamente dita (consubstanciada na persistência de intenção de matar por mais de 24 horas), nela encontram ainda cabimento a frieza de ânimo (traduzida numa actuação calculada, planeada, em que o agente toma a deliberação de matar e firma essa sua vontade de modo frio, pensado, evidenciando sangue frio, indiferença ou insensibilidade face à vitima[15]) e a reflexão sobre os meios empregados (consistente na escolha ponderada pelo agente dos meios de actuação que, por força do efeito letal que possuem, facilitem a execução do crime projectado ou proporcionem mais probabilidades de êxito[16]). 3.2 No caso vertente, as instâncias consideraram, como se viu, que os arguidos AA e BB, ao praticarem os factos dados como provados, designadamente nos pontos 11º a 62º e 76º e 77º, agiram com “frieza ânimo”. O que bem se compreende, atendendo à forma ostensivamente reflectida, calculada, pensada, como o arguido AA – concertado e em conjugação de esforços com o arguido BB, e movidos ambos pelo propósito comum de tirar a vida ao cidadão GG –, pela calada da noite, atraiu a vítima a um local ermo, previamente escolhido para o efeito, sob o pretexto de que queria entregar-lhe o dinheiro que lhe devia e bem assim cocaína, que ali ocultara. Modo de agir ponderado, desapiedado, cruel, revelador de notável sangue frio, indiferença e insensibilidade face à vítima. Bem patenteado, de resto, quer quando ambos os arguidos começaram por fingir que procuravam entre a vegetação a cocaína aí alegadamente ocultada, quer quando − depois de o arguido BB haver regressado ao veículo, onde os três se transportavam, e de se ter colocado ao volante do mesmo, a fim de abandonarem rapidamente aquele sítio − o arguido AA disparou, à distância de cerca de meio metro a três metros, na direcção da vítima, o dito revólver que, em companhia do arguido BB, a quem deu, previamente, conta desse seu propósito, veio a recolher em casa do seu avô materno. Insensibilidade e indiferença ainda evidenciadas quando, encontrando-se a vítima prostrada no chão, para onde caíra na sequência do primeiro tiro efectuado pelo arguido AA, este disparou, na direcção dela, mais quatro tiros, dos quais dois, pelo menos, atingiram-na no corpo. Insensibilidade e indiferença igualmente reveladas quando, após isso e antes de reunir-se ao arguido BB que o aguardava no veículo, o arguido AA, abeirando-se do corpo da vítima e remexendo a roupa que aquela vestia, retirou-lhe o dinheiro que lhe entregara momentos antes e bem assim o telemóvel. Na verdade, a dinâmica dos acontecimentos (nomeadamente, a escolha prévia do local para a prática do crime e do instrumento utilizado para tal fim, o ardil de que se serviram para atrair a vítima, os múltiplos contactos efectuados, por telemóvel, com a mesma e o número de tiros disparados quando ela já se encontrava prostrada no solo) demonstra quão arreigada e inquebrantável era a vontade criminosa que animava os arguidos, já porque, dispondo de tempo suficiente para avaliarem a gravidade do acto ilícito que iam praticar e de oportunidade para não prosseguirem no seu propósito, nada os demoveu. Efectivamente, ao contrário do que pretende fazer crer o recorrente AA , a decisão de matar o infeliz GG, não tendo sido tomada “no calor do momento”, foi amadurecida e mantida durante várias horas do dia 18.04.2012, vindo a ser concretizada às primeiras horas do dia 19.04.2012, aproximadamente às 5 horas. É o que resulta da matéria de facto dada como provada, designadamente nos pontos 11º a 53º. Profunda e enraizada vontade criminosa que, manifestada pelos arguidos, em particular pelo arguido AA (posto que, como visto, antes de se ter concertado com o arguido BB , intentou fazê-lo com a testemunha HH, a quem perguntou, referindo-se à vítima, «Ajudas-me a apagá-lo?»), dando conta da especial censurabilidade, e até perversidade, que reclama a sua conduta, mostra-se adequada a preencher o “exemplo padrão” previsto na alínea j) do número 2 do artigo 132º do Código Penal, como consideraram as instâncias. Improcede, pois, nesta parte, o recurso do arguido AA. * 4. 4.1 Com respeito à qualificação do crime nos termos do número 3 do artigo 86º do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23.02, na redacção da Lei nº 12/2011, de 27.04, sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus: No caso vertente, de harmonia com a matéria de facto dada como provada, o arguido AA , que não dispunha de licença de uso e porte de arma, munido do já mencionado revólver de calibre.38, Smith & Wesson Especial que, tendo adquirido à volta de um mês e que não estando manifestado nem registado, foi recolher a casa do seu avô materno, onde se deslocou em companhia do arguido BB, deteve-o, transportou-o e, depois de usá-lo para tirar a vida de GG , escondeu-o, enterrando-o no quintal da sua residência, onde veio a ser apreendido, mais tarde, pela Polícia Judiciária. Por via do acabado de referir, as instâncias, que deram como assente (confira-se ponto 78 dos factos provados) que “[o] arguido AA sabia que não tinha qualquer licença e uso porte daquela arma de fogo (revólver), que não se encontrava manifestada, nem registada, nem tinha qualquer licença para detenção da mesma no domicílio, e que, como tal desde logo a sua posse detenção e transporte lhe estava vedado por lei”, vieram a condenar o mesmo arguido pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, número 1, alínea c), com referência ao artigo 2º, número 1, alínea aad), e 3º, números 1 e 3, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23.02, na redacção da Lei nº 12/2011, de 27.04, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. Não reclamando censura o decidido, cabe, porém, reparar que, de harmonia com o disposto no mencionado artigo 86º, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23.02, na redacção da Lei nº 12/2011, de 27.04: - “As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma” (número 3); - “Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do nº 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente” (número 4). A arma em questão (revólver.38) integra-se no grupo de armas de fogo a que se reporta a alínea c) do número 1 do mesmo artigo 86º, por referência ao artigo 2º, número 1, alínea aad), e números 1 e 3 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, que define como “[r]evólver a arma de fogo curta, de repetição, com depósito constituído por tambor contendo várias câmaras”. Assim, não se verificando, na situação em apreço, nenhuma das excepções previstas na parte final do mencionado número 3 do citado artigo 86º [já porque o uso e porte de arma não é elemento do crime de homicídio, cujo tipo fundamental encontra-se previsto no artigo 131º do Código Penal, já porque a circunstância prevista na alínea h) do número 2 do artigo 132º desse diploma não agrava o crime], a pena aplicável, pelo crime de homicídio cometido com a aludida arma de fogo, havia de ter sido agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, termos do disposto no número 4, sem poder exceder o limite máximo de 25 anos de prisão, conforme prescreve o número 5 do mesmo normativo. Na verdade, tratando-se de uma situação [não de concurso de circunstâncias qualificativas especiais dentro do mesmo tipo legal, como sucederia se ocorressem duas ou mais circunstâncias que, previstas no número 2 do artigo 132º do Código Penal, pressupõem um tipo agravado de culpa do agente, decorrente da especial censurabilidade ou perversidade que caracteriza a sua conduta] em que a verificação de uma circunstância qualificativa de carácter geral (ditada por razões de prevenção geral, que têm a ver com a necessidade de reprimir o uso de armas no cometimento de crimes, logo que, não sendo privativa do crime de homicídio mas transversal a todos os crimes perpetrados nessas condições, aporta um acréscimo à ilicitude da conduta) determina a agravação da pena aplicável ao crime, nada obsta à sua dupla agravação, nos termos da alínea j) do número 2 do artigo 132º do Código Penal e do número 3 do artigo 86º do Regime Jurídico das Armas e suas Munições[17]. Agravação que, no caso vertente, atenta a decidida e confirmada qualificação, pelas instâncias, do aludido crime de homicídio, nos termos da alínea j) do número 2 do artigo 132º do Código Penal, determinaria que a moldura abstracta passasse a ser de 16 anos (12 anos+1/3) a 25 anos de prisão. Aspecto em que não se atentou. Assim, sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus, entende-se proceder à requalificação jurídica dos factos configurativos do crime de homicídio voluntário, que passará a ser nos termos dos artigos 131º e 132º, números 1 e 2, alínea j), do Código Penal, agravado pelo artigo 86º, números 3, 4, e 5 do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23.02, na redacção da Lei nº 12/2011, de 27.04. * E − Pena: Insurge-se, por fim, o arguido AA (como, de resto, já fizera aquando do recurso interposto para a Relação) contra a medida das penas parcelares e unitária em que veio a ser condenado pelas instâncias e que considera excessiva, já porque, contando 20 anos de idade à data dos factos, não lhe foi aplicado o regime penal especial para jovens delinquentes, previsto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23.09, com a consequente atenuação especial da pena, já porque não se teve em devida conta (entre o mais) o estado emocional em que se encontrava e decorrente da ameaça que a vítima fizera de agir contra a sua pessoa e família, o que lhe diminui substancialmente a culpa. Vejamos então se assim é… E.1 1.1 Estatui o artigo 9º do Código Penal que “[a]os maiores de 16 anos e menores de 21 anos de idade são aplicáveis normas fixadas em legislação especial”. Daí que, dando concretização àquele imperativo anunciado pelo artigo 9º do Código Penal, o Decreto-Lei nº 401/82, de 23.09, veio instituir o regime especial aplicável, em matéria penal, aos jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos de idade. E, de acordo com o que prescreve o artigo 4º do referenciado Decreto-Lei nº 401/82, de 23.09, “[s]e for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando tiver razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”. Subjazendo, então, como decorre do preâmbulo do Decreto-Lei nº 401/82, de 23.09, aos objectivos do regime especial instituído por aquele diploma, interesses públicos de justiça e de política criminal, entre tais objectivos avultam os de prevenção especial que, ligados à reinserção social do agente, sobrepondo-se à protecção dos bens jurídicos e de defesa social, impõem que, independentemente da culpa do jovem delinquente ou até mesmo da ilicitude do facto, o julgador accione o mecanismo de atenuação especial da pena sempre que tiver razões para acreditar que dela resultarão vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Razões que, como se disse no acórdão deste Tribunal de 12.03.2009, Processo nº 3773/08, da 5ª Secção, “…residem, por um lado, em saber se a criminalidade que envolveu o jovem radica, de algum modo (e de algum modo a explicam), naquela fase especialmente difícil que é o trânsito da fase juvenil para a fase adulta e, por outro, não tolher, de forma irremediável (devido à especial protecção de que carece), a reinserção social do jovem condenado com a aplicação de penas que nele fazem repercutir de forma especialmente nefasta os efeitos criminógenos da prisão e obstaculizam o seu regresso à vida social, com quebra dos laços de sociabilidade, em cujo fortalecimento se enraíza um crescimento sadio”. 1.2 1. Na situação aqui em apreço, o tribunal de 1ª instância, sem deixar de ponderar que, à data da prática dos crimes, o arguido AA contava 20 anos de idade, considerou, em suma, que “…atenta a gravidade da ilicitude e culpa dos factos por si praticados, a personalidade neles evidenciada e conhecida do arguido, sem qualquer ressonância crítica quanto ao carácter ilícito dos mesmos, dada a sua postura em julgamento, querendo imputar ao arguido BB a execução material dos actos que ele próprio praticou, é de afastar um juízo favorável no tocante às exigências de prevenção de futura delinquência. Assim, aceita-se que no caso não ocorrem sérias razões no sentido de que a atenuação especial da pena de prisão facilitará a adequada defesa da sociedade e a prevenção da criminalidade por parte do arguido AA”. Por sua vez, a Relação, face à mesma problemática, pronunciou-se assim: “Quanto à aplicabilidade do Regime dos Jovens Delinquentes e por consequência a atenuação especial a que alude o DL 401/82, de 23/09, temos para nós que não se verifica o condicionalismo factual que possibilita tal aplicação, já que para tanto não basta a idade, mas é necessário que haja uma prognose favorável à reinserção social do arguido face ao preceituado no art.º 4.º do citado diploma. Ora, dos factos provados não vemos que possa haver uma prognose de reinserção social, desde logo tendo presente a forma como os factos ocorreram e mais do que isso a forma como o recorrente participou nos mesmos. Como bem é dito no acórdão recorrido, não se vê dos autos que haja a prognose favorável à reinserção social”. 2. Ponderando, pois, tudo isto, não se vislumbram razões sérias para crer que da atenuação especial da pena a impor ao arguido AA resultem vantagens para a sua reinserção social. Na verdade, não há dúvida que as razões de prevenção especial são particularmente fortes. Razões por demais evidentes, de resto, na matéria de facto provada. Desde logo, na matéria de facto atinente ao circunstancialismo marcadamente violento, traiçoeiro, calculado, reflectido, determinado, fora do comum em pessoas da faixa etária do arguido, em que este cometeu o crime de homicídio e que, em nada tendo abrandado após a produção de tal evento, porventura aumentou de intensidade. E, depois, no que concerne à personalidade e seu relacionamento com o facto típico, com especial enfoque para a ausência de juízo crítico e de consciência quanto ao enorme desvalor do ilícito que, pelas suas características, escapa à tradicional delinquência juvenil. Condicionalismo que revela bem a existência de uma personalidade alheada dos padrões comuns e normais (daí a qualificação do crime), a reclamar um exigente esforço de ressocialização do agente, não coadunável com a atenuação especial da pena, nos termos do artigo 4º, do Decreto-Lei nº 401/82, de 23.09. Sendo que, na formulação deste juízo de prognose, caberá levar em linha de conta, para lá da ausência de arrependimento sincero e de confissão livre e espontânea dos factos, a circunstância de, em meio prisional, o arguido, que não dispõe de qualquer ocupação laboral, já ter sido alvo de duas sanções disciplinares…o que, mais uma vez, patenteia quão carecido de reinserção social se encontra o mesmo. De onde que, ponderando tudo isto, se entenda que não merece censura o resolvido pelo tribunal recorrido quanto à não aplicação da atenuação especial da pena a impor ao arguido AA. * E.2 Em face do que se acabou de referir, escusado será dizer que a medida concreta da pena parcelar pelo crime de homicídio qualificado há-de ser determinada no âmbito da moldura penal normal, decorrente da previsão dos artigos 131º e 132º, números 1 e 2, alínea j) do Código Penal e do artigo 86º, número 3, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23.02, na redacção da Lei nº 12/2011, de 27.04, sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus. Ora, quanto a esta questão, reportada à medida concreta da pena, alega o arguido AA que, para além de contar 20 anos de idade aquando dos factos, não ter antecedentes criminais e dispor de apoio e suporte da família e dos amigos, o estado emocional em que se encontrava e resultado da ameaça de um mal dirigido contra si e família, que a vítima fizera antes, diminuem substancialmente a culpa com que agiu e as necessidades de prevenção geral e especial, com reflexo na medida da pena. Aspectos que, na opinião do recorrente, as instâncias não tiveram em devida conta, em sede de determinação da medida concreta da pena, como impõe o artigo 71º, do Código Penal. Será assim? É o que passamos já a ver… 1. Como é sabido, as finalidades das penas são, como claramente decorre do disposto no artigo 40º, número 1, do Código Penal, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Assim, porque toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, com a prevenção geral positiva ou de integração visa-se alcançar a tutela dos bens jurídicos, o que vale por dizer a confiança dos cidadãos na validade das normas jurídicas e bem assim restabelecer a paz jurídica afectada com a prática do crime. Sendo que, dentro dos limites da prevenção geral positiva ou de integração, hão-de actuar as necessidades de prevenção especial de socialização, cabendo a estas, como refere Figueiredo Dias[18] determinar em último termo a medida da pena, que deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade. E sendo que, “[e]m caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, como prescreve o número 2 do artigo 40º do Código Penal, o limite a partir do qual aquela não pode ultrapassar esta serve de barreira intransponível às considerações preventivas. Para efeitos de determinação da medida concreta da pena, a efectuar dentro dos limites da respectiva moldura, a lei manda atender, no artigo 71º do Código Penal, a determinados factores, que relevam tanto pela culpa como pela prevenção. Ora, relativamente a esses factores, elencados de forma não exaustiva, cabe referir que, para além da já efectuada, que se dá aqui por reproduzida, não reclama maior caracterização a atinente à gravidade intrínseca de que se revestem os factos integradores do crime de homicídio, ou a reportada ao comportamento anterior e ulterior ao seu cometimento [e onde, ao invés do que pretende fazer crer o recorrente, o destemor e o espirito de vingança com que actuou não se compatibilizam de todo em todo com o alegado estado emocional em que se encontrava, e ocasionado pela verbalizada ameaça]. Diversamente, porém, importa destacar o dolo directo e intenso com que agiu o arguido AA que, tendo formado o propósito de tirar a vida a GG, pela ideia de vingança que o dominava, concretizou-o com determinação, reflexão e notável sangue frio, não se coibindo, para tanto, de procurar obter a colaboração, primeiro, e sem êxito, da testemunha HH, e, depois, com sucesso, do seu co-arguido BB. Por outro lado, se do ponto de vista da prevenção especial, as considerações que se fizeram em E.1 dispensam maior esforço de densificação, no que tange à prevenção geral positiva, as exigências da comunidade na repressão dos crimes de homicídio, para mais com os contornos do tratado nos autos, são consabidamente muito elevadas. A par do aduzido, e conquanto não assumam o relevo que o arguido lhes atribui, as circunstâncias respeitantes à sua juventude e à ausência de antecedentes criminais são, ainda assim, de ter em conta. Sobreleva a tudo isto a necessidade de não retardar, de forma intolerável, o regresso do arguido à vida social. Por via de todo o referido, julga-se adequada a pena de 16 anos de prisão que, aplicada pelas instâncias, se mantém, assim se respeitando o princípio da proibição da reformatio in pejus.
* E.3 Com a pena de 16 (dezasseis) anos de prisão, imposta pelo crime de homicídio qualificado, terão de ser cumuladas as penas parcelares de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e de 18 (dezoito) meses de prisão que as instâncias aplicaram ao mesmo arguido, pelos crimes de detenção de arma proibida e de profanação de cadáver, respectivamente, visto encontrarem-‑se numa relação de concurso (artigo 77º do Código Penal). 1. Ora, no que concerne à pena conjunta, estabelece o artigo 77º do Código Penal, que “[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.” (número 1). Depois, quanto ao modo de pôr em prática os mencionados critérios definidos no número 1 do artigo 77º do Código Penal, diz Figueiredo Dias[19]: «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)». Por sua vez, dispõe o número 2 do artigo 77º do Código Penal que “[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”. Quer isto dizer que a medida concreta da pena do concurso (dentro da moldura abstracta aplicável, que é calculada a partir das penas aplicadas aos diversos crimes que integram o mesmo concurso) é determinada, tal qual sucede com a medida das penas parcelares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71º, número 1, do Código Penal), que é o critério geral, e a que acresce, tratando-se de concurso (quer do artigo 77º quer do artigo 78º do Código Penal), o critério específico, consistente, como visto, na necessidade de ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente. Porém, como adverte Figueiredo Dias[20], tratando-se de determinar a medida da pena do concurso, os factores de determinação da medida das penas parcelares, por via do princípio da proibição da dupla valoração, funcionam ora apenas como guia, a menos que se refiram, não a um dos concretos e específicos factos ilícitos singulares mas, ao conjunto deles. No caso vertente, a moldura abstracta do concurso tem, como limite mínimo 16 (dezasseis) anos de prisão (a mais elevada das penas parcelares impostas) e como limite máximo 20 (vinte) anos de prisão (a soma das três penas parcelares aplicadas). 2. Recuperando, então, o que se disse em 1, cabe, ora, atentar na imagem global dos factos ilícitos da responsabilidade do arguido, que, como já se reparou, representa-se muito desvaliosa, tendo em conta a extrema gravidade de que os mesmos factos se revestem, em especial os configurativos dos crimes de homicídio e de profanação de cadáver, e o forte juízo de censura e repúdio que quer um quer o outro merecem à comunidade, consabidamente muito sensível ao supremo bem jurídico, que é a vida humana, e assaz crítica a actuações que desrespeitem os seus mortos. Fazendo o balanço de tudo isto, julga-se que a pena conjunta de 17 (dezassete) anos e 4 (quatro) meses de prisão, mostrando-se adequada a garantir a protecção dos bens jurídicos -tutelados pelas normas violadas e proporcional à culpa do arguido, cuja reintegração social não fica com ela comprometida, cumpre satisfatoriamente os critérios definidos pelo artigo 77º do Código Penal. Por via do aduzido, improcede, ainda neste segmento, o recurso do arguido AA. * Como se viu, na conclusão 117ª, que entendeu extrair da sua motivação, peticiona o recorrente AA que, a procederem as questões que suscita em matéria criminal, sejam retiradas as devidas consequências jurídico-civis, assim se cumprindo o disposto no artigo 403º, número 1, do Código de Processo Penal. Por via do que para trás se disse quanto às questões suscitadas pelo recorrente relativamente à parte criminal da decisão sob impugnação, fica claro que, para além das consequências jurídicas que se retiraram, não há outras, maxime em matéria cível, a extrair. Razão por que nada mais se tenha a acrescentar no que concerne a esta pretensão formulada pelo arguido AA. *** 2.2.2 – Recurso do arguido BB : A – Nulidade do acórdão recorrido, por valoração de prova nula (artigos 363º, 364º, número 1, e 122º do Código Penal), por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade (artigo 120º, número 2, alínea d), do mesmo diploma legal, e por falta de exame crítico das provas (artigo 379º do Código de Processo Penal): 1. Como bem decorre das conclusões 1ª a 25ª da motivação do recurso que o arguido BB interpôs para este Supremo Tribunal, as duas primeiras questões encontram-se relacionadas com a problemática atinente à deficiência da gravação de parte das declarações prestadas pelo recorrente na sessão de 07.02.2013 da audiência de julgamento. Acontece, porém, que tais questões, tal como a reportada à alegada falta de exame crítico das provas, jamais foram suscitadas pelo arguido BB nos recursos que, a seu tempo, interpôs para o Tribunal da Relação de Coimbra, quer do primeiro do acórdão, proferido em 03.04.2013 (confira-se folhas 1924 a 2003), quer do segundo acórdão, prolatado em 08.07.2013 (confira-se folhas 2.293 a 2.370), pelo Tribunal Judicial de Mangualde. Efectivamente, como resulta das conclusões extraídas das motivações dos aludidos recursos que o arguido BB interpôs para a Relação de Coimbra (confira-se, respectivamente, folhas 2066 a 2077 verso, e folhas 2526 verso a 2.537 verso), em ambas as oportunidades tais questões não foram colocadas pelo recorrente, que se limitou a impugnar a matéria de facto, a qualificação jurídica dos factos tidos pelas instâncias como configurativos do crime de homicídio qualificado e a forma que revestiu a sua participação nos mesmos. Quer isto dizer que as referidas questões, ora suscitadas pelo arguido BB no recurso que interpõe para este Tribunal, são “novas”. Ora, de acordo com o disposto no número 1 do artigo 410º do Código de Processo Penal, os recursos dirigidos a um tribunal superior, maxime ao Supremo Tribunal de Justiça, não se destinando a apreciar questões novas, não visam resolver, em primeira linha, questões que não hajam sido suscitadas e apreciadas nas instâncias. Na verdade, esse meio de impugnação das decisões judiciais, que é o recurso, tem por escopo reexaminar, reapreciar, sindicar, as questões que já foram objecto de análise e de decisão por parte do tribunal recorrido ou que, podendo e devendo ter sido por ele conhecidas, não foram, com vista à detecção e correcção de vícios, omissões ou à escolha da solução jurídica mais adequada ao caso concreto. O que bem se compreende já que, a não ser assim, o recurso interposto, ao invés de representar um meio de impugnação e de sindicação das decisões judiciais, constituiria uma forma de vinculação do tribunal de recurso à decisão de questões novas que não foram objecto de apreciação por parte do tribunal recorrido. Daí que, como se considerou no acórdão de 02.12.2013, prolatado no Processo nº 237/12.0GDSTB.E1.S1, da 5ª Secção, sob pena de violação dos princípios constitucionais relativos ao recurso, designadamente do princípio do duplo grau de jurisdição, não incumba, de facto, ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, conhecer de questões que não tenham sido já apreciadas pelo tribunal de jurisdição inferior. Tudo isto para dizer que, não tendo, como se referiu, o recorrente suscitado aquelas questões perante o Tribunal da Relação de Coimbra aquando dos recursos que para ele interpôs, ao Supremo Tribunal de Justiça sempre estaria vedado o seu conhecimento, se outra razão não houvesse para tal. É que, por idêntica ordem de razões à que se enunciou quando se apreciou o recurso do arguido do arguido AA, que suscitou as mesmas questões, sempre o recurso do arguido BB resultaria legalmente inadmissível, por, nesse segmento, a decisão não ser recorrível. De onde que, relativamente às mencionadas questões e às que com elas se conexionam, seja de rejeitar o recurso [artigos 432º, número 1, alínea b), 410º, número 1 a contrario, 400º, número 1, alínea c), 420º, número 1, alínea b), 414º, números 2 e 3, todos do Código de Processo Penal]. * B – Vício (alegadamente o da alínea b) do número 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal) da decisão sobre matéria de facto: 1. Tal qual sucedido com as anteriores, trata-se de questão nova, uma vez que, como se observou, o arguido BB não a suscitou quando recorreu para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, neste conspecto, corroborando o decidido pelo tribunal de 1ª instância, considerou que reparo algum havia a fazer, consignando o seguinte: “Nesta vertente não mais iremos referir do que já dissemos aquando da análise desta matéria no que concerne ao recurso do arguido AA, já que sobre a mesma nada há a acrescentar ao atrás aludido. Com efeito, tal como já dissemos, o tribunal valorou a prova na sua globalidade, tendo sempre em linha de conta o princípio da livre convicção, as regras da experiência comum e o silogismo da conclusão assente nas premissas”. Na verdade, tendo embora, quando recorreu para a Relação de Coimbra, impugnado a matéria de facto, o arguido BB nunca aludiu à existência de qualquer contradição entre os factos 18 e 30, dados como assentes pelas instâncias. Aliás, referência alguma fez concretamente a esses factos. Assim, se outra razão não existisse, pelos motivos que, alinhados em A de 2.2.2, aqui se dão por reproduzidos, não haveria que conhecer desta questão. 2. Porém, a isto acresce a circunstância não despicienda que, já mencionada em 1.2 de C do recurso do arguido AA, se prende com os poderes de cognição deste Supremo Tribunal, tratando-se de matéria de facto impugnada pelo recorrente, sob a alegação de a mesma estar inquinada dos vícios a que aludem as alíneas a) a c) do número 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal. O que, como então se teve oportunidade de salientar, não obsta a que o Supremo Tribunal de Justiça, oficiosamente, se pronuncie sobre a eventual verificação desses vícios, o que vale por dizer, por sua iniciativa e se eles resultarem do próprio texto de decisão recorrida, como forma de obstar a que seja compelido a aplicar o direito aos factos que se revelem manifestamente insuficientes, fundados em errónea apreciação ou assentes em pressupostos contraditórios – este último o que, em opinião do recorrente, ocorre em face dos factos provados em 18 e 30. Condicionalismo que, no caso sub judice, entende-se não ocorrer, já que contradição alguma se vislumbra ocorrer entre os mencionados factos. Efectivamente, como é bom de ver, a circunstância de o arguido BB ter ficado perturbado e estupefacto, quanto à notícia que lhe deu o co-arguido AA, posto que ficou convencido da veracidade da mesma, de que, segundo o HH, o II havia contratado a vítima GG para o matar e bem assim à sua filha (factos 17 e 18 dados como provados), em nada contraria o facto 30, que, também dado como provado, respeita à diligência feita pelo mesmo arguido BB no sentido de confirmar, junto do tal II, aquela informação que lhe dera o arguido AA. Daí que, em conclusão e sem necessidade de mais considerações, se entenda que o recurso do arguido BB seja de rejeitar, também nesta parte [artigos 410º, número 1 a contrario, 434º, 420º, número 1, alínea b), e 413º, todos do Código de Processo Penal]. * C – Qualificação jurídica dos factos: Como se reparou, no recurso que dirigiu a este Tribunal (à semelhança, de resto, do que já havia sucedido no recurso que interpôs para a Relação de Coimbra), o arguido BB pretende, por um lado, que o crime por que foi condenado não seja qualificado pela agravante frieza de ânimo, prevista na alínea j) do número 2 do artigo 132º do Código Penal, e, por outro lado, que a imputação do referenciado ilícito à sua pessoa se faça a título, não de co-autoria mas, de cumplicidade. Diversamente, porém, entenderam as instâncias, nomeadamente o Tribunal da Relação de Coimbra que, a este propósito, pronunciou-se nos seguintes moldes: “Quanto à Qualificação Jurídica Ao contrário do que o recorrente refere e pelas razões atrás aludidas, verifica-se a agravante “frieza de ânimo”, e por isso o crime em causa não é o de homicídio simples como pugna o recorrente, mas, sim, o crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artºs. 131° e 132º, nº 1 e nº 2, al. j), do Código Penal. Quanto à Cumplicidade Face aos factos provados, não restam quaisquer dúvidas de que existe co-autoria e não cumplicidade, desde logo por se ter provado que os arguidos agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, animados de dolo directo em consonância com o plano e o modo de execução estabelecidos, o que caracteriza a co-autoria face ao art.º 26.º do Código Penal, e nunca a cumplicidade a que alude o art.º 27.º do mesmo diploma”. C.1 1. Começando, então, por razões de ordem metodológica, pela questão reportada à forma de participação (cumplicidade versus autoria) do arguido BB nos factos configurativos do crime de homicídio, importa, antes de mais, atentar que, de acordo com o disposto no artigo 26º, do Código Penal é autor “quem executar o facto, por si mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução, por acordo ou conjuntamente com outro ou outros, e ainda quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução”. Por sua vez, como estabelece o número 1 do artigo 27º do mesmo diploma, é cúmplice “quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”. Assim, como tem considerado a doutrina também a jurisprudência, designadamente deste Tribunal, a co-autoria define-se pela existência de um acordo prévio, expresso ou implícito, entre os agentes em ordem à realização de um facto ilícito típico, em que, embora não sendo imprescindível que cada co-autor tome parte activa e decisiva em todos os actos de execução, exige-se que aquele ou aqueles actos em que participe se mostrem essenciais para a obtenção do resultado visado e querido. E, como também se tem entendido, o que distingue, afinal, a co-autoria da cumplicidade é a circunstância de, ao contrário do que sucede com aquela (a co-autoria), que importa uma decisão conjunta e uma execução igualmente conjunta, nesta (na cumplicidade), a actuação do agente não passa de um mero auxílio (moral ou material) que o mesmo, dolosamente, presta à prática, por outro (o autor) de um facto típico doloso. Quer isto dizer que, ao invés do que acontece com o cúmplice [que, ficando fora do facto ilícito, não executa o facto, por si ou por intermédio de outrem, não toma parte directa na sua execução nem determina outrem à prática do facto, de sorte que a sua participação não é essencial para a consumação do mesmo facto já que sempre teria lugar, ainda que em outras condições], o autor tem, juntamente com os demais co-autores, o domínio funcional do facto, de jeito que a sua actuação há-de, no desenrolar da execução tendente à obtenção do resultado ilícito típico, revelar-se imprescindível para o fim em vista. 2. No caso sub judice, resulta claramente definida a participação, em co-autoria, dos arguidos BB e AA na prática do crime de homicídio qualificado por que foram condenados. Na verdade, exigindo-se, para se falar de co-autoria, uma decisão conjunta e uma execução igualmente conjunta, decorre da matéria de facto dada como assente, a existência de um acordo de vontades firmado entre os arguidos para matar o cidadão GG: o arguido AA a jeito de vingança, por a vítima vir insistindo no sentido de pagar-lhe a parte restante de uma dívida que, relacionada com o tráfico de estupefacientes, contraíra para com ela, sob a ameaça de infligir um qualquer mal (factos provados em 1º e 8º); o arguido BB por, em consequência do que lhe informara o arguido AA, ter ficado convencido que a vítima havia sido contratada para o matar e bem assim à sua filha por um tal II, pese embora este o tivesse negado quando o interpelou a propósito (factos provados em 17º, 18º, 25º, e 30º e em 34º, com referência ao cronograma dos contactos havidos, por telemóvel, entre o arguido BB e o tal II, nos dia 18.04.2012, às 22,43 e 22,44 horas, designadamente). Por outro lado, exigindo-se que o co-autor participe, se não em todos, pelo menos em alguns dos actos que se mostrem essenciais para a obtenção do resultado ilícito típico, visado e querido pelos agentes, deflui da matéria de facto provada que o arguido BB quis e participou directa, activa e decisivamente em todos os actos adequados a consumar o intento, conjuntamente gizado com o arguido AA, de tirar a vida ao referido GG. Se não, vejamos: - Foi o arguido BB quem, depois de ter sido abordado pelo arguido AA para, juntos, matarem a vítima, o transportou, no veículo automóvel ligeiro (táxi) que conduzia, a casa do avô materno do seu co-arguido a fim de, aí, este recolher o revólver e as munições que seriam utilizados consumar o projecto forjado entre ambos; - Foi com o arguido BB que o arguido AA (após ter contactado GG para, sob o pretexto de querer entregar-lhe a quantia em dívida, encontrarem-se em Viseu) se concertou no sentido de convidarem a vítima a acompanhá-los a Coimbra, ocasião em que, com a aludida arma de fogo, o mataria; - Foi conjuntamente com o arguido BB que o arguido AA (depois de haver apartado essa ideia por GG estar acompanhado de um tio e de ter tornado a combinar, com a vítima, um novo encontro, em outro sítio) decidiu que iriam atrair o mesmo GG a um local, que ambos concordaram ser o ideal para matá-lo; - Foi, na viatura táxi, tripulada pelo arguido BB e onde, ao seu lado, se transportava o arguido AA, que ambos e GG se dirigiram à caixa multibanco, onde o segundo, com o falso pretexto de pagar o que lhe devia, levantou e entregou determinada quantia em dinheiro ao último, que, caindo na cilada montada pelos arguidos, acedeu acompanhá-los até ao local onde o arguido AA dizia ter ocultado a droga que queria entregar-lhe; - Foi aí que o arguido BB veio a juntar-se ao arguido AA e a GG, fingindo que procurava o mencionado estupefaciente, para, depois, regressando à viatura e colocando-se ao volante da mesma a fim de, rapidamente, poderem abandonar o local, aguardou o regresso do seu co-arguido que, empunhando o dito revólver e, sem que disso se apercebesse a vítima, disparou na sua direcção um projéctil, que a atingiu, e ao qual se seguiram outros quatro, dos quais dois, pelo menos, também a atingiram, causando-lhe a morte; - Foi ao arguido BB, que o aguardava no veículo, que o arguido AA se juntou, depois de ter retirado do corpo da vítima o telemóvel e o dinheiro que pouco antes lhe entregara, e, abandonando ambos o local, o primeiro transportou o segundo a casa; - Foi, finalmente, com o arguido BB, a quem deu conta das suspeitas que os familiares da vítima tinham a seu respeito, que o arguido AA planeou voltar ao local do crime para, aí, conjugando os seus esforços e vontades com os do seu co-arguido, ocultar e destruir o cadáver, o que fizeram, ateando-lhe fogo, com a gasolina que, a pedido do último e com o dinheiro que entregou, .-- adquiriu. É, na realidade, o que linearmente decorre da matéria de facto provada, nomeadamente, nos pontos 16º, 17º, 22º e 23º, 29º, 31º, 33º, 38º a 53º, 56º a 58º, 67º, 70º a 74º. 3. Em face de tudo isto, não subsistem dúvidas de que o arguido BB , juntamente com o seu co-arguido AA, teve o completo domínio funcional do facto, de sorte que os actos que ele próprio praticou, com vista a ser executado o projecto comum gizado, foram preponderantes, essenciais para a obtenção do resultado ilícito típico, procurado e querido por ambos: a morte do malogrado GG ! Daí que, tendo a actuação do arguido BB obedecido a uma decisão conjunta e a uma execução igualmente conjunta, por claro tem-se que o mesmo agiu como co-autor material, e não como mero cúmplice. Improcede, em consequência, o recurso ainda nesta parte. * C.2 Passando, ora, a apreciar a questão atinente à qualificação jurídica dos factos, configurativos do crime de homicídio, tido pelas instâncias por previsto e punido pelos artigos 131º e 132º, números 1 e 2, alínea j), todos do Código Penal, restará tão-só dizer que, por via do que acima se aduziu quanto à forma de participação (em co-autoria) do arguido BB na prática dos mencionados factos e bem assim do que se anotou em D. do recurso do arguido AA, relativamente à mesma questão, julgamos não reclamar qualquer censura o decidido pelas instâncias. Efectivamente, por força de tudo quanto ali se referiu e que ora se dá por reproduzido, julgamos não subsistirem dúvidas quanto à especial censurabilidade e até perversidade de que se caracteriza a conduta do arguido BB que, para além dos aspectos antes realçados a propósito de igual questão suscitada pelo arguido AA, há ainda a assinalar a grande reprovabilidade de que se reveste a sua actuação, já pela circunstância de a recusa do aludido HH em participar nos factos tendentes a pôr termo à vida de GG não o ter impedido de dar, para o efeito, a sua anuência e comparticipar em todos os actos essenciais para a consumação do crime projectado, já pelo facto de que, sendo bem mais velho que o recorrente AA e, naturalmente mais experiente, não só não o haver aconselhado a desistir do projecto criminoso gizado, como até por ter contribuído, decisivamente, para que o resultado típico, visado e querido por ambos, fosse alcançado. Daí que, ponderando tudo isto e o demais que antes se assinalou, se julgue acertada a qualificação do crime de homicídio pela circunstância da alínea j) do número 2 do artigo 132º do Código Penal, por cuja prática o recorrente foi condenado. Improcede, em consequência, o recurso, neste segmento. * C.3 Porém, por idêntica ordem de razões às que se alinharam em D.4 do recurso do arguido AA, a propósito da qualificação jurídica dos factos integradores do crime de homicídio, a pena aplicada ao arguido BB, pela prática do mesmo crime, havia de ter sido agravada nos termos do artigo 86º, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23.02, na redacção da Lei nº 12/2011, de 27.04, sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus (artigo 409º, número 1, do Código de Processo Penal). E isto na exacta medida em que, como ali se deu nota, para efeitos da qualificação do crime, basta que qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta, prevista nas alíneas a) a d) do número 1 do citado artigo 86º [número 4 do mesmo normativo], o que, como se viu, sucedeu no caso em apreciação, no que diz respeito à pessoa do arguido BB. Em face disso, a pena a impor ao mesmo arguido, pela prática do referenciado crime de homicídio, havia de ter-se situado, tal qual sucedido com o arguido AA , entre 16 anos e 25 anos de prisão. Acontece que, tendo o recorrente BB sido condenado pelas instâncias na pena de 13 anos de prisão, pela prática do crime de homicídio voluntário, sob pena de ser desrespeitado o princípio da proibição da reformatio in pejus, tal pena, que não foi objecto de impugnação por quem com legitimidade para tanto, não poderá ultrapassar aquela medida, aliás não posta em causa pelo mesmo arguido BB , que também não impugnou a medida da pena conjunta, fixada em 13 anos e 4 meses de prisão. Razão por que, neste conspecto, nada haja a decidir. *** III. Decisão Termos em que acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Rejeitar o recurso do arguido AA, por inadmissibilidade legal, na parte relativa aos crimes de detenção de arma proibida e de profanação de cadáver, e questões com eles conexas; 2. Rejeitar os recursos dos arguidos AA e BB , por inadmissibilidade legal, quanto às arguidas nulidades da decisão, por valoração de prova alegadamente proibida, por omissão de diligências essenciais à descoberta da verdade e invocada inconstitucionalidade das normas dos artigos 363º e 328º, número 6, do Código de Processo Penal; 3. Rejeitar os recursos dos arguidos AA e BB , por inadmissibilidade legal, quanto à impugnação da decisão sobre matéria de facto, quer em termos amplos, quer por referência aos vícios do número 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, e alegada violação dos princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo; 4. Julgar improcedente o recurso do arguido AA na parte atinente à invocada nulidade da decisão por violação do artigo 379º, número 1, alínea a), com referência ao número 2 do artigo 374º, ambos do Código de Processo Penal; 5. Julgar improcedentes os recursos dos arguidos AA e BBquanto à qualificação jurídica dos factos configurativos do crime de homicídio voluntário, por cuja prática ambos foram condenados, e quanto à forma de participação do arguido BBno cometimento dos mesmos factos; 6. Proceder à requalificação jurídica dos factos configurativos do crime de homicídio voluntário, que passará a ser nos termos das disposições conjugadas dos artigos 131º e 132º, números 1 e 2, alínea j), do Código Penal, agravado de acordo com disposto no artigo 86º, números 3, 4 e 5, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006, de 23.02, na redacção da Lei nº 12/2011, de 27.04, e por cuja prática vão condenados, em co-‑autoria, os arguidos AA e BB ; 7. Manter as penas parcelares de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, de 16 (dezasseis) anos de prisão e de 18 (dezoito) meses de prisão e bem assim a pena conjunta de 17 (dezassete) anos e 4 (quatro) meses de prisão impostas ao arguido AA; 8. Manter as penas parcelares de 13 (treze) anos de prisão e de 12 (doze) meses de prisão, e bem assim a pena conjunta de 13 anos e 4 meses de prisão impostas ao arguido BB ; 9. Confirmar a decisão recorrida no demais, designadamente quanto à indemnização cível a que os arguidos e demandados AA e BBforam condenados a pagar, solidariamente, aos demandantes; 10. No cumprimento das referidas penas conjuntas de 17 (dezassete) anos e 4 (quatro) meses de prisão e de 13 anos e 4 meses de prisão em que vão condenados, respectivamente, os arguidos AA e BB , hão-de descontar-se, por inteiro, os períodos de privação da liberdade que os mesmos tenham sofrido (artigo 80º, número 1 do Código Penal). Custas pelos recorrentes AA e BB , fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (artigo 514º, número 1, do Código de Processo Penal, e Tabela III, anexa ao Regulamento das Custas Processuais). Lisboa, 23 de Abril de 2015 Os Juízes Conselheiros Isabel São Marcos (Relatora) Manuel Braz
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