Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | ARAÚJO BARROS | ||
Descritores: | SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA | ||
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Nº do Documento: | SJ200301230041737 | ||
Data do Acordão: | 01/23/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 10888/01 | ||
Data: | 04/30/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | AGRAVO. | ||
Área Temática: | DIR CIV - DIR OBG. DIR PROC CIV - PROC EXEC. | ||
Legislação Nacional: | CCIV66 ARTIGO 829-A N4. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 2001/04/19 IN RLJ ANO134 PAG43. ACÓRDÃO STJ DE 1997/06/05 IN BMJ N468 PAG315. | ||
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Sumário : | Não tendo sido requerida no pedido inicial de execução de sentença por quantia certa, a sanção pecuniária compulsória prevista no n. 4, do artigo 829º A, CPC não pode ser objecto de requerimento autónomo deduzido já depois da fase da penhora. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No 3º Juízo Cível do Tribunal de Lisboa, A e mulher B instauraram execução ordinária para pagamento de quantia certa contra C e mulher D, para cobrança da quantia de 6.000.000$00 que estes foram condenados a pagar-lhes, por sentença proferida no processo nº 1929 da 2ª secção daquele 3ª Juízo Cível. Citados os executados para pagarem ou nomearem bens à penhora, devolvido o direito de nomeação aos exequentes, prosseguiram os autos a sua tramitação com a penhora de diversos bens dos executados e o concurso de credores, atingindo-se, depois, a fase da venda executiva. Já nesta fase do processo, em 29 de Abril de 1999, encontrando-se penhorados bens móveis avaliados em 605.000$00, uma quota na sociedade "E, L.da", no valor de 10.000.000$00 e uma fracção autónoma avaliada em 6.500.000$00, requereram os exequentes (fls. 272 a 274), alegando que os executados, tendo para com eles uma dívida de 6.000.000$00 e respectivos juros, sendo que a dívida exequenda, capital e juros, é de 19.677.028$00, valor superior ao dos bens penhorados, a penhora em novos bens que identificaram: um meio de 3930/9840 de um prédio rústico sito em Sintra e um prédio rústico situado em Vila Nova de Gaia. Ordenada (fls. 278) e efectuada a penhora destes novos bens, apresentou-se na secretaria, em 27 de Janeiro de 2000, o executado marido, solicitando a passagem de guias para depósito da quantia de 7.000.000$00 (fls. 326), guias que lhe foram entregues e que pagou em 1 de Fevereiro (fls. 327), requerendo, em 25 do mesmo mês, considerando que na execução apenas foi peticionado o pagamento do montante de 6.000.000$00, a liquidação de toda a sua responsabilidade e a suspensão da execução (fls. 331). Em 7 de Fevereiro de 2000, foi entretanto proferido despacho do seguinte teor: "Atento o depósito que antecede, susto a execução. À conta" (fls. 329). Remetido o processo à conta, em 5 de Março de 2001, apresentaram os exequentes, em 28 de Março de 2001, um requerimento (fls. 349 a 351) no qual, invocando que a quantia de 7.000.000$00 depositada pelos executados não é suficiente para pagar a dívida e os juros de mora vencidos desde a data em que os executados foram condenados no seu pagamento, que, em Abril de 1999, já atingiam o montante de 19.677.028$00, e em 31 de Dezembro de 2000, totalizavam 20.367.028$00, solicitaram o prosseguimento da execução a fim de verem saldada a totalidade do seu crédito. Este requerimento foi indeferido por despacho de 14 de Maio de 2001 (fls. 356), com o fundamento de que, não tendo os executados sido condenados na sentença exequenda no pagamento de juros, carecem os exequentes de título executivo quanto aos juros pretendidos. De tal despacho interpuseram os exequentes recurso de agravo, devidamente recebido, vindo, na sequência, o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 30 de Abril de 2002 (fls. 402 a 404), a conceder provimento ao recurso, determinando o prosseguimento da execução para pagamento dos juros devidos nos termos do art. 829º-A do C.Civil. Agravaram, agora, da 2ª instância, os executados, pugnando pela revogação do acórdão recorrido, devendo manter-se, tal como fora proferida, a decisão da 1ª instância. Em contra-alegações defendem os agravados a bondade do acórdão impugnado, que deve ser confirmado. Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, colhidos os vistos, cumpre decidir. Os recorrentes formularam, nas alegações do recurso, as seguintes conclusões (por cujo teor, em princípio, se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 1. Os ora agravados não têm título executivo referente aos juros vencidos sobre a quantia de 6.000.0000$00 e desde a condenação, como resulta da sentença proferida em 1ª instância e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. 2. No requerimento inicial da acção executiva não reclamaram juros moratórios, respeitando os ora agravantes o decidido na sentença condenatória. 3. Apesar disso, os exequentes requereram o prosseguimento da execução para pagamento de juros de mora, até integral pagamento, que são, segundo o requerido, no montante de 14.367.028$00. 4. O despacho recorrido (da 1ª instância) indeferiu, e, bem fundamentado, o requerido prosseguimento da execução. 5. A fundamentação do recurso para o Tribunal da Relação, tal como vem delimitada pelos, nessa instância, agravantes, nunca foi objecto de qualquer despacho proferido pelo Tribunal da 1ª instância e não tem qualquer conexão com o despacho recorrido, que apreciou e decidiu o requerido pelos exequentes. 6. A sanção pecuniária compulsória legal prevista no art. 829º-A, nº 4, do C.Civil não pode ser decretada oficiosamente. 7. Os, antes, agravantes e ora agravados não a reclamaram no requerimento inicial da execução de sentença. 8. Na fase da execução e no recurso, ora agravado, também, os exequentes/agravados não podem reclamar a aplicação de tal sanção. 9. Da análise dos autos resulta que a sua tramitação não foi obstruída pelos executados, mas por vicissitudes processuais imputáveis aos exequentes, nomeadamente as sucessivas revogações ou renúncias aos mandatos dos profissionais forenses. 10. A mora é imputável aos exequentes. 11. O acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 45º, nº 1, e 829º-A, nº 4 do CPC, bem como o entendimento corrente e jurisprudência dominante dos Tribunais das Relações e deste Supremo Tribunal de Justiça, que a título exemplificativo supra se citaram. 12. Sendo que a decisão recorrida é "Na sequência do exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso interposto, devendo a execução prosseguir para pagamento dos juros devidos nos termos do art. 829º-A do C.Civil". 13. Matéria decidenda que jamais foi sujeita à apreciação do tribunal de 1ª instância e, por isso, não há lugar à imputação das custas pelos então agravados. Além dos factos que constam já do relatório acima elaborado, importa considerar, em ordem à apreciação do recurso, ainda em sede factual que: a) - na acção declarativa, na forma ordinária, que os aqui exequentes intentaram contra os executados (processo nº 1929 da 2ª secção do 3º Juízo Cível de Lisboa, apensado à execução) peticionaram aqueles que, nos termos do art. 830º do C.Civil, deve ser proferida sentença que decrete a compra e venda da quota pertencente ao autor pelo preço e nas condições do presente pedido; b) - nessa acção veio a ser proferida sentença, parcialmente revogada por acórdão da Relação de Lisboa, que afinal decidiu julgar procedente a acção e decretar a compra e venda da quota de A na "E", Lda", suprindo-se a declaração de vontade dos réus C e D, com as seguintes cláusulas: a) o réu A cede a C a sua quota na "E, Lda", mediante o pagamento de 6.000.000$00; b) esse pagamento será efectuado em 48 prestações mensais, sendo 47 do quantitativo de 15.000$00 cada e a 48ª do restante necessário para perfazer integralmente os 6.000.000$00; c) - no requerimento inicial da execução os exequentes atribuíram à execução o valor de 6.000.000$00, não peticionando o pagamento de juros, vencidos ou vincendos, nem de qualquer outra indemnização ou compensação. Estando em causa, neste recurso, essencialmente a aplicação da sanção pecuniária compulsória em processo executivo, pelo facto de tal ter sido decidido no acórdão em crise, a verdade é que esta questão terá que ser analisada nos vários aspectos de que se rodeia, designadamente quanto à natureza da sanção aplicada aos agravantes, quanto aos princípios de direito substantivo e adjectivo que regulam a aplicação de tal sanção, bem como relativamente à compatibilidade ou incompatibilidade da sua aplicação com as normas que disciplinam o processo executivo e a respectiva tramitação processual. E, antes de mais, há que tomar em consideração que na acção declarativa onde foi proferida a sentença dada à execução, não houve condenação dos ora executados nem no pagamento de juros moratórios, nem de sanção pecuniária compulsória, em derradeira análise porque tal não foi peticionado na petição inicial da acção. No entanto, da sentença ali proferida resulta que estes foram condenados no pagamento de uma prestação pecuniária (claramente fungível) e não no cumprimento de qualquer prestação de facto ou de coisa (em que se poderia vislumbrar infungibilidade da prestação). Acerca da sanção pecuniária compulsória, dispõe o art. 829-A, do C.Civil, introduzido no código pelo Dec.lei nº 262/83, de 16 de Junho, que "nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso" (nº 1). Acrescentando, depois, que "quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar" (nº 4). A consagração das sanções compulsórias no art. 829-A constituiu, entre nós, autêntica inovação, inspirando-se a do nº 1 desse preceito no modelo francês das astreintes. "A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis. Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória - no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado) - poderá funcionar automaticamente. Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos, muito similar à presunção adoptada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico" (1). Parece, por conseguinte, que a sanção pecuniária compulsória, cujo "fim não é (nem, atenta a sua natureza de astreinte (2), o poderia ser), o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência" (3), constitui "um meio intimidativo, de pressão sobre o devedor, em ordem a provocar o cumprimento da obrigação, assegurando-se, ao mesmo tempo, o respeito e o acatamento das decisões judiciais e reforçando-se, assim, o prestígio da justiça" (4). Ou, dito de outro modo, "a sanção pecuniária compulsória é, por definição, um meio indirecto de pressão decretado pelo juiz, destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que está adstrito e a obedecer à injunção judicial" (5). A qual se analisa, "quanto à sua natureza jurídica, numa medida coercitiva, de carácter patrimonial, seguida de sanção pecuniária na hipótese de não ser eficaz na consecução das finalidades que prossegue" (6). Deve, no entanto, atender-se a que no nº 1 do art. 829º-A "o legislador confinou a sanção pecuniária compulsória às obrigações de carácter pessoal - obrigações de carácter intuitus personae, cuja realização requer a intervenção do próprio devedor, insubstituível por outrem - fazendo dela um processo subsidiário, aplicável onde a execução específica não tenha lugar" (7). Enquanto, em contrapartida, em incoerência com a intenção e disciplina visadas com o nº 1 do art. 829º-A, no seu nº 4 consagrou uma diferente sanção pecuniária (ainda aqui compulsória) para forçar o devedor ao cumprimento de obrigações pecuniárias, com a criação do adicional de juros à taxa de 5% ao ano, devidos desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado. Isto é, "o legislador, em vez de confiar à soberania do tribunal a ordenação (a requerimento do credor) da sanção pecuniária compulsória, disciplina-a, ele próprio, fixando o seu montante, ponto de partida (trânsito em julgado da sentença de condenação) e funcionamento automático. Por isso, porque prevista e disciplinada por lei, poderá qualificar-se como sanção pecuniária compulsória legal, enquanto aquela que é ordenada e fixada pelo juiz poderá chamar-se de sanção pecuniária compulsória judicial. O espírito de ambas, porém, é o mesmo: levar o devedor a encarar as coisas a sério e a não desprezar o interesse do credor e do tribunal" (8). Posto isto, trataremos agora da aplicabilidade ou não da sanção pecuniária compulsória no âmbito do processo executivo (9). É nosso entendimento que, sobretudo porque a "introdução da sanção pecuniária compulsória veio colmatar uma lacuna existente no processo executivo, a lacuna da incapacidade de actuar in natura a obrigação infungível constante de qualquer título executivo ... não faria sentido que o juiz em processo declaratório pudesse fazer seguir a sentença de condenação de sanção pecuniária compulsória e já não pudesse decretar esta em processo executivo" (10). Por isso, temos como certo, sufragando a orientação do citado Ac. STJ de 19/04/2001, que "a sanção pecuniária compulsória pode ser requerida na fase executiva da execução para prestação de facto infungível acordada em transacção homologada por sentença". E, se assim é, em caso de prestação de facto infungível, em que a sanção pecuniária compulsória só opera a requerimento do credor, a fortiori o mesmo há-de entender-se relativamente à actuação da sanção pecuniária compulsória do nº 4 do art. 829-A, que opera de forma automática, sendo devida desde o trânsito em julgado da sentença de condenação, e que, nessa medida, se pode ter como consequência imediata - resultado necessário - da sentença que constitui o título executivo em que se fundamenta a execução (11). Cremos, pois, que, à partida, nada impediria que a sanção pecuniária compulsória, não constando é certo (nem devendo constar) da sentença de condenação no pagamento de uma quantia pecuniária, poderia ser exigida no âmbito do processo de execução. Não obstante - e este é um dos argumentos utilizados por aqueles que defendem a impossibilidade de decretação da sanção pecuniária compulsória no processo executivo (que, aliás, não deixa de ser razoável em termos de pragmatismo processual) - "a acção executiva, pela sua própria natureza, não permite uma discussão alargada da causa, de onde possam resultar todos os vectores a que se deve atender para a fixação das sanções pecuniárias compulsórias". Além disso, " a sanção pecuniária compulsória implica uma ponderação de fundo que só em sede declarativa, com todas as garantias de igualdade entre as partes e de contraditório, pode ser assegurada" (12). "Pela sua própria natureza e configuração, a acção executiva não comporta o reconhecimento de direitos, tanto mais que não possibilita às partes os meios adequados ao seu debate. De facto, ela não só não se destina a certificar ou a verificar a existência de qualquer direito, como não se encontra apta a definir ou a impor a conduta exigível de quem o violou. Considerado em si mesmo, o processo de execução é inidóneo, tanto no aspecto estrutural como sob o ponto de vista funcional, para a actividade declaratória dos direitos e das correlativas obrigações das partes" (13). Esta argumentação, se não afasta, a nosso ver, a possibilidade de ser exigida e declarada no processo executivo a sanção pecuniária compulsória, justifica, no mínimo, que se não permita que, por tal facto, ocorra a subversão dos princípios que regem o processo executivo e disciplinam a respectiva tramitação. Posto isto, retomemos a situação concreta dos presentes autos, nesta altura para repetir, realçando devidamente, que: a) - na acção declarativa intentada contra os executados / recorrentes não foi peticionada a condenação dos réus no pagamento de juros ou de sanção pecuniária compulsória; b) nessa medida, na sentença ali proferida foram os réus condenados apenas no pagamento da quantia de 6.000.000$00, em 48 prestações mensais; c) no requerimento da execução limitaram-se os exequentes a peticionar o pagamento coercivo daquela quantia (omitiram qualquer referência a juros ou à sanção pecuniária compulsória); d) mais tarde, muito mais tarde, já na fase da venda dos bens penhorados, invocaram aqueles exequentes, em ordem a nomearem mais bens à penhora, que os executados têm para com eles uma dívida de 6.000.000$00 e respectivos juros, sendo que a dívida exequenda, capital e juros, é de 19.677.028$00; e) já depois de os executados terem procedido ao depósito da quantia de 7.000.000$00, requerendo a liquidação de toda a sua responsabilidade e depois da suspensão da execução e remessa dos autos à conta, vieram de novo os exequentes solicitar o prosseguimento da execução, alegando que a quantia depositada não é suficiente para pagar a dívida e os juros de mora, que já totalizam, em 31 de Dezembro de 2000, o montante de 20.367.028$00; f) indeferida esta pretensão, nas alegações do agravo interposto do respectivo despacho, vieram então, em inesperada reviravolta, afirmar que o que pretendiam quanto indicaram os juros da quantia exequenda era obter uma compensação pelos cerca de 16 anos em que os executados retiveram o dinheiro deles, compensação essa a arbitrar em termos de sanção pecuniária compulsória (aludem expressamente ao art. 829-A do C.Civil). Ora, a acção executiva, cujos limites e fins são determinados pelo título que, necessariamente, lhe serve de base, é aquela "em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado" (arts. 4º, nº 3 e 45º, nº 1 do C.Proc.Civil). "O objecto da acção executiva é uma pretensão, pelo que esta acção é um instrumento concedido pela ordem jurídica para obter a realização efectiva das pretensões materiais que se encontram incorporadas num título executivo" (14). Na verdade, o processo executivo tem a configuração geral de toda a acção, no que diz respeito à sua dependência de um pedido que assinará os limites do poder do juiz e o âmbito da sua actividade (15), está também subordinado ao princípio do dispositivo (art. 3º do C.Proc.Civil), pelo que ao tribunal, relegado, em certa medida, para árbitro do conflito, apenas compete proceder às diligências adequadas à reparação do direito violado, com o conteúdo concretamente indicado pelo exequente no pedido formulado. Para que possa instaurar-se uma execução é também, aliás, indispensável, que haja um título executivo, como se proclama no art. 45º, através do qual se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor, sendo certo que os limites dessa obrigação comandam os limites da execução. E só os títulos taxativamente enumerados no artigo 46º do mesmo Código - dentre os quais se contam as sentenças condenatórias - podem servir de base ao processo executivo. A inexistência de título executivo constitui, por conseguinte, um obstáculo intransponível à instauração de uma execução. Sendo certo ainda que o processo executivo se encontra estruturado por forma a que o tribunal tome as providências adequadas à satisfação material e efectiva do direito do exequente, entretanto violado, tal como se encontra definido pelo título. Por essa razão, o título, pressuposto indispensável da execução, não só possibilita o recurso imediato à acção executiva, como define o seu fim e fixa os seus limites. Estabelecendo o título os limites e o fim da execução, é manifesto não se poder utilizar um título executivo para realizar coactivamente outra obrigação que não seja aquela que o título comprova ou documenta. Vejamos, então. Desde logo, a sentença dada à execução não contém qualquer condenação dos réus/executados no pagamento de juros. E, certamente atidos ao teor dessa decisão, não vieram os exequentes peticionar, no requerimento executivo, a satisfação coerciva de quaisquer juros moratórios (juros que, a serem peticionados, obrigariam os exequentes a proceder à liquidação da quantia exequenda - art. 805º, nº 1, do C.Proc.Civil). Como, de igual modo, não peticionaram o pagamento de qualquer sanção pecuniária compulsória (que demandaria, também, atenta a necessidade de aplicação de uma taxa de 5%, a obrigação de liquidarem a quantia exequenda). Depararam, assim, ab initio, os executados com a desnecessidade de contestarem a liquidação, fim para o qual nem sequer foram (nem tinham que ser) citados - arts. 806º, nº 1 e 807º do C.Proc.Civil. Em consequência, não somente porque os juros não constavam do título executivo (sentença condenatória) (16), mas também, e sobretudo, porque não foram requeridos (como não foi a sanção pecuniária compulsória) ficou a instância estabilizada (art. 268º do Cód. Proc.Civil), prosseguindo a execução com a realização das diligências adequadas à satisfação coerciva do direito invocado pelos exequentes (crédito de 6.000.000$00). Donde, permitir-se que os exequentes, mais tarde e a destempo, aproveitando uma oportunidade para apresentarem um requerimento nos autos, viessem acrescentar à dívida exequenda determinado montante de juros de mora, alegadamente devidos, que nem sequer haviam sido mencionados no requerimento inicial, seria, na verdade, admitir a subversão das regras próprias da tramitação do processo executivo, além de traduzir o sancionamento de uma actuação processual violadora, quer do princípio do contraditório (exercitável em condições normais) quer do princípio da igualdade das partes na execução. Bem decidiu, por isso, o M.mo Juiz da 1ª instância quando indeferiu a pretensão nesse sentido deduzida pelos exequentes. É certo que o acórdão recorrido, aceitando a mudança de flanco dos agravantes, veio a considerar, de forma inaceitável, que, sendo a pretensão destes de que o M.mo Juiz a quo devia ter estipulado uma quantia a título de compensação, e porque não houve condenação em juros, seria, pelo menos, devido o adicional de 5%, "devendo a execução prosseguir para pagamento dos juros devidos nos termos do art. 829-A, do C.Civil" (sic). Antes de tudo, diremos que o acórdão decidiu de forma inaceitável porquanto olvidou todas as considerações atrás expostas e que, à partida, impediam a procedência da pretensão dos exequentes. Mas não só. Através de uma argumentação altamente discutível, confundiu o que é claro, tratando os juros e a sanção pecuniária compulsória como se tivessem a mesma natureza de indemnização, o que está perfeitamente em desacordo com o carácter subsidiário daquela sanção pecuniária compulsória, ainda quando fundada no nº 4 do art. 829º-A, do C.Civil (17). Por outro lado, aceitando (e sancionando) que nas alegações do agravo os exequentes dessem o dito por não dito, veio a interpretar o seu requerimento como tradutor da pretensão à fixação de sanção pecuniária compulsória (questão suscitada ex novo), sem qualquer elemento que nesse sentido apontasse, e apesar da oposição dos executados/agravados. Notar-se-á, por último, que o art. 829º-A, nº 1 é taxativo e muito claro "no sentido de que a sanção pecuniária compulsória só a pedido do credor pode (deve) ser decretada" (18). E, no que concerne ao caso do nº 4, quanto ao adicional de 5%, é inferível essa mesma característica, já que, não obstante ser a sanção automaticamente devida desde o trânsito em julgado da sentença condenatória de pagamento em dinheiro (que, por isso, normalmente não conterá a decretação dessa sanção pecuniária), não poderá ser judicialmente exigida se o credor o não requerer ao tribunal (normalmente na execução). Assim, mesmo aquela sanção pecuniária compulsória prevista no referido nº 4 não pode ser oficiosamente declarada e decretada. Donde, também neste aspecto, conheceu o acórdão recorrido da questão suscitada, em primeira mão, no agravo, quando tal conhecimento lhe estava vedado por se tratar de questão inteiramente nova, cujo conhecimento não era oficioso (19). Em consequência, por todas as razões apontadas, não pode deixar de se conceder provimento ao recurso, por forma a manter-se a decisão proferida pelo M.mo Juiz da 1ª instância, essa sim claramente de acordo com a correcta interpretação das normas e princípios aplicáveis ao caso. Termos em que se decide: a) - conceder provimento ao recurso de agravo interposto pelos executados C e mulher D; b) - revogar o acórdão recorrido, por forma a manter-se a decisão do M.mo Juiz da 1ª instância que indeferiu o requerimento apresentado a fls. 356 pelos exequentes; c) - condenar os agravados nas custas do recurso, bem como a suportarem as custas devidas na 2ª instância; Lisboa, 23 de Janeiro de 2003 Araújo Barros, Oliveira Barros, Miranda Gusmão. ______________ (1) Ver nº 5 do Preâmbulo do referido Dec. lei nº 262/83. (2) Meio de constrangimento indirecto criado pela jurisprudência francesa nos primórdios do séc. XIX, sem o apoio de texto legal, que consiste em o juiz fazer acompanhar a condenação principal do devedor no cumprimento da obrigação - especialmente da obrigação de facere ou de non facere - de uma "pena" pecuniária (astreinte) por cada período de tempo (dia, semana, mês ...) de atraso no cumprimento daquela ou por cada violação futura de obrigação negativa (João Calvão da Silva, in "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória", Coimbra, 1995, pág. 375). (3) Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", vol. II, 3ª edição, Coimbra, 1986, pág. 107. (4) Pinto Monteiro, in "Cláusula Penal e Indemnização", Coimbra, 1990, pág. 115. (5) Calvão da Silva, in "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória", Coimbra, 1995, pág. 393. (6) Calvão da Silva, in RLJ Ano 134º, pág. 50 (em anotação ao Ac. STJ de 19/04/2001 - relator Dionísio Correia). (7) Calvão da Silva, "Cumprimento e Sanção ...", pág. 450. (8) Calvão da Silva, ob. cit., pág. 456. Face à incoerência sistemática denunciada quanto ao nº 4 do art. 829º-A, já se entendeu que "a sanção do adicional de 5% se aplica apenas às cláusulas penais fixadas em dinheiro e às sanções penais compulsórias decretadas pelo tribunal, nos termos prescritos no nº 1 desta disposição" (Pires de Lima e Antunes Varela, "Código Civil Anotado", vol. II, pág. 108). (9) Para um mais aturado estudo acerca da questão, remete-se para a acima mencionada anotação de Calvão da Silva ao Ac. STJ de 19/04/2001, in RLJ Ano 134º, págs. 43 a 64. (10) Anotação citada, pág. 51. (11) Acs. STJ de 05/06/97, in BMJ nº 468, pág. 315 (relator Almeida e Silva); RL de 26/02/98, no Proc. 61682 (relator Fernando Casimiro); RP de 05/06/2000, no Proc. 557/00 da 1ª secção (relator Lázaro Faria); e RP de 13/03/2001, no Proc. 1157/00 da 5ª secção (relator Soares de Almeida). (12) Menezes Cordeiro, em Anotação ao Ac. STJ de 04/11/98, in ROA, 1998, pág. 1230. (13) Citado Ac. RL de 19/12/91. (14) Miguel Teixeira de Sousa, in "Acção Executiva Singular", Lisboa, 1998, pág. 21. (15) Artur Anselmo de Castro, in "A Acção Executiva Singular Comum e Especial", Coimbra, 1970, pág. 3. (16) Acs. STJ de 04/11/95, no Proc. 87069 da 2ª secção (relator Joaquim de Matos; de 04/11/97, in BMJ nº 471, pág. 293 (relator Fernandes Magalhães); e de 02/06/99, no Proc. 232/99 da 2ª secção (relator Abílio Vasconcelos). (17) Calvão da Silva, "Cumprimento e Sanção ...", pág. 454. (18) Calvão da Silva, cit., pág. 431. (19) Ac. STJ de 04/04/2002, no Proc. 729/02 da 7ª secção (relator Araújo Barros). |