Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
138/2001.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO MENDES
Descritores: RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
TEORIA DA IMPREVISÃO
BOA FÉ
Data do Acordão: 11/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES/ CONTRATOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
Doutrina:
- Almeida Costa, Direito das obrigações, 5.ª edição, pp. 254, 265 a 271.
- Batista Machado, RLJ 117.º- 279.
- Dagmara Planutis “Le déséquilibre contratuel dû au changement imprévisible des circonstances e ses remèdes, Étude de Droit Compare: Espagne – Pologne – France” – Université Panthéon-Assas – Paris II.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa” Anotada, 3ª edição, pp. 164 e 152.
- Henry de Page, Traité Élémentaire de Droit Civil Belge.
- Maria Luísa Mayer Feitosa, comunicação publicada no Boletim da Faculdade de Direito UC, Volume LXXX, 2004.
- Oliveira Ascensão, “Onerosidade excessiva por alteração de circunstâncias”, in Revista da Ordem dos Advogados, Dezembro de 2005.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, 3ª edição, nota 1 ao artigo 437.º.
- Romano Martinez, Da cessação do contrato, 2ª edição, pp. 42 e ss., 158.
- Vaz Serra, nos comentários aos acórdãos do S.T.J., de 6/4/78, in RLJ n.º 111, p. 345 e seguintes, e de 17/2/1980, na RLJ nº 113, p. 306 e seguintes.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 405.º, 437.º, 566.º, N.º3, 790.º, N.º1, 1156.º, 1170.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 609.º, 661.º, N.º2.
Legislação Estrangeira:
COUR DE CASSATION FRANCESA (V. ARRÊT SOCIÉTÉ SEC, DE 29/6/2010).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18/1/1996, DE 16/4/2002 E DE 20/11/2012.
Sumário :
I - Da expressa menção ao fim contratual objectivo não pode retirar-se a conclusão que, por esse facto, se teve em vista ou se pretendeu a integração (por essa referida menção) de uma verdadeira cláusula resolutiva (condição potestativa) determinante de caducidade.

II - Todas aquelas situações (tal como aquela que concretamente aqui ocorre) que conduzem ao desaparecimento dos pressupostos que foram relevantes ou mesmo essenciais para a formação do contrato se enquadram e devem ser analisadas e decididas, mais precisamente e conforme as circunstâncias concretas de cada caso, nos regimes legais relativos à impossibilidade superveniente (art. 790.º n.º 1, do CC) ou à alteração de circunstâncias (art. 437.º CC), institutos à luz dos quais deve ser encontrada a solução para tais situações.

III - A resolução do contrato é, no nosso direito civil, que acolheu, no conteúdo da norma, o essencial da doutrina (alemã) da base negocial, admitida em termos propositadamente genéricos, para que, em cada caso, o tribunal possa, atendendo à boa fé e à base do negócio, conceder ou não a resolução (a constatação desta realidade normativa, que demonstra a capacidade de previsão futura do legislador do Código de 66, dispensa, na análise a efectuar, o recurso às teorias da frustration ou da imprevisão, cujos fundamentos estão em termos gerais cobertos pela extensão do conteúdo normativo daquela disposição legal).

IV - No quadro das relações contratuais concretas e especialmente das relações contratuais bilaterais a alteração de circunstâncias relevante para efeitos do art. 437.º CC têm que aparecer configurar um obstáculo imprevisto e anómalo ao normal desenvolvimento do quadro contratual previsto, obstáculo esse que tem de aparecer por facto exterior à vontade das partes, um facto por elas não controlável.

V - Assim, e fundamentalmente, os factos relevantes para darem lugar a uma quebra da base negocial efectiva não podem nunca decorrer de circunstâncias imputáveis à parte que se considera lesada, devendo para esse efeito os factos imprevistos escapar à capacidade de influência da parte.

VI - A autonomia privada traduzida na possibilidade de as pessoas singulares ou colectivas auto-regularem (definirem e alterarem) as suas relações jurídicas, os seus interesses, tem como contrapartida a exigência de actuação dentro do quadro da boa fé negocial, ou seja que se cumpram as obrigações assumidas em relação a terceiros em nome e em protecção da necessária segurança das relações jurídicas que induz à estabilidade dos contratos.
Decisão Texto Integral:

                                  
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
                       
I. AA, S.A. instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB, S.A., pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de Esc. 69.703.900$00, acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.
Alegou fundamentalmente[1] que na sua actividade de prestação de serviços de marketing, comunicação e imagem por todas as formas previstas na lei a A. se dedica está incluída a prestação de serviços como "Agência de Meios" ("CC") e que nessa actividade celebrou, em 29 de Julho de 1999 e pelo prazo de dois anos, com o DD (sendo o R. o Banco sucessor de todos os direitos e deveres do extinto DD, S.A., …[2]) um contrato de compra de espaços publicitários que lhe atribuía em exclusivo o papel de "agência de meios" do DD em exclusivo à A.
O contrato foi celebrado tendo em conta um investimento mínimo correspondente a dois milhões de contos de colocação de publicidade (Preço de Tabela) durante o referido período de 2 anos de vigência do contrato, montante esse que corresponderia, em termos de "Investimento DD" a Esc. 933.452.00$00.
De acordo com os factos que alega, em Abril de 2000 o DD deixou de solicitar-lhe as compras de espaço publicitário a que se obrigara nos termos do contrato e em 29 de Junho de 2000 escreveu à A carta na qual afirmava que partir de 1 de Julho de 2000, cessaria o contrato terminando, por consequência, as relações comerciais entre a AA e o DD"; nos termos da mesma carta fundava-se a referida cessação no processo de fusão do DD no BB com o inerente desaparecimento das instituições do Banco e da própria marca “DD”.
Alega ainda a A que nunca se conformou com o conteúdo da referida carta e jamais aceitou o descrito fundamento de uma cessação lícita do contrato, por declaração unilateral da contraparte, tendo respondido através de carta de 12.07.2000.
Alega também que só colocou para o DD um volume de publicidade do valor de Esc. 430.000.000$00 quando, se o contrato tivesse sido cumprido até final, haveria de ser colocada publicidade no valor de, pelo menos, Esc. 933.452.000$00, alegando em consequência a não realização de um lucro liquido de Esc. 37.758.900$00 (Esc. 37.758.900$00 de lucro bruto - Esc. 7500.000$00 de custos necessários para a execução do contrato).
Igualmente alega que ao não ver realizado o volume de publicidade que estava contratualmente previsto para o período entre a data de cessação e a data prevista para esta, a A., no processo global de rappel extraordinário relativo ao ano de 2000, viu diminuir o seu desconto em 1,5%, pelo que deixou de auferir a quantia de Esc. 14.445.000$00 (Esc. 936.000.000$00 x 1,5%) nesse processo de rappel extraordinário.
Alega por ultimo que afectada pela cessação do contrato, viu severamente prejudicada a sua capacidade no mercado, pelo que viu diminuir os seus lucros num montante que estima em Esc. 25.000.000$00.

Citado, veio o Banco R contestar por impugnação e por excepção peremptória, apresentando uma contraversão dos mesmos factos e invocando causa extintiva do efeito jurídico derivado dos factos articulados pela A.
Diz em síntese que em Junho de 1999, o Grupo DD abriu um processo de consulta para selecção de Agência de Meios, para a realização de um investimento em publicidade de todas as marcas propriedade do DD, sendo certo que recebidas e analisadas várias propostas veio a seleccionar a A como "CC" exclusiva do DD, por um período de dois anos como consta de carta datada de 29 de Julho de 1999; a remuneração anual atribuída à A. nos termos do acordo-quadro regulador dos termos em que se processaria a prestação de serviços e quando solicitados era calculada como 1% do valor do investimento de meios após negociação)
Segundo o R, nos termos acordados entre A. e DD, aquela obrigava-se a repassar para este todos os montantes relativos a descontos, pelo que se a A viesse a obter outros descontos para além de "negociação", "desconto de Agência" e "rappel estimado", os mesmos deveriam ser repercutidos na íntegra na facturação da A. ao DD, independentemente o volume da facturação.
Partiu-se, para efeitos de comparabilidade das propostas, de uma previsão ou pressuposto de que o investimento do DD poderia atingir, a preço de tabela, um valor da ordem de grandeza dos 1.000.000.000$00 e desde a data da selecção da A. como Agência de Meios, que o DD passou a solicitar àquela a aquisição de espaço publicitário.
Em 10 de Janeiro de 2000, o BB adquiriu a maioria das acções representativas do capital do DD, tendo sido acordada a descontinuação da marca "DD" e na sequência de tal aquisição da maioria de capital foram iniciados vários procedimentos de integração e alterações estruturais que culminaram no facto de o DD ter sido incorporado por fusão ocorrida em 30 de Junho de 2000 no Banco R., mediante transferência global do seu património;
Em virtude do referido, o DD entrou em contacto com a A e expôs-lhe a inviabilização da continuação do acordo-quadro, tendo, por solicitação da A., acabado por aceitar a manutenção, até Junho de 2000, da relação decorrente do acordo-quadro existente ente o DD e a A cessando, consequentemente, por acordo, a partir dessa data, os efeitos do acordo-quadro.
Na sequência do acordo estabelecido entre a A. e o DD, o Banco R. continuou a adquirir espaço publicitário através daquela até Junho de 2000 e na sequência da fusão ocorrida entre o DD e o Banco R., a marca "DD" desapareceu pelo que deixou de fazer sentido publicitar a marca.
Foi a pedido da A. que o DD enviou a carta de 29 de Junho de 2000, tendo aquela solicitado a este que formalizasse por escrito o termo da relação contratual que até então tinha vigorado entre as partes, dizendo fazê-lo apenas para encerrar formalmente o dossier.
Alega que não é verdade que se o contrato tivesse sido cumprido pelo prazo de dois anos, o investimento total do DD e posteriormente do Banco R. fosse de Esc. 933.452.000$00, não existindo em parte alguma do acordo-quadro qualquer obrigação de colocação de valores mínimos de publicidade.
Alega que a A tinha conhecimento que a partir do segundo semestre de 2000, deixaria e efectuar quaisquer trabalhos para o DD ou para o Banco R., pelo que, atempadamente, teve possibilidade de reestruturar a sua estratégia comercial e que no âmbito da actividade prosseguida pela A., a realidade corrente é a de que as Agências de Meios perdem e ganham clientes dum momento para o outro, não afectando tal o prestígio ou a imagem da A. ou das entidades suas concorrentes, nem afectando a sua capacidade de negociação, designadamente, em termos de rappel.
Menciona também que pelo facto de a A ter deixado de realizar trabalhos para o DD ou para o Banco R conseguiu angariar um cliente como o EE, que, no ano de 2001, fez um investimento significativo em publicidade, o que não seria possível se em 2001 ainda se mantivesse uma qualquer relação com o DD ou com o Banco R.., uma vez que, o EE exerce uma actividade concorrente com a do Banco R.
Finalmente deduz reconvenção, alegando, no essencial, que a A. se apropriou de parte do montante dos descontos que deveriam ter sido repercutidos na facturação a emitir ao DD, no valor estimado de 32.250.000$00, a que acresce, ainda, a parcela de rappel extraordinário que não lhe foi devolvido.
Conclui pela improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, «condenando-se a Reconvinda a pagar à Reconvinte Ré o diferencial entre o montante total de descontos que a Reconvinda obteve e aquele que entregou ou de que fez beneficiar o DD (eventualmente deduzindo o rappel extraordinário que a Reconvinte beneficiou), montante esse que se estima ser de 32.250.000$00 (160.862,32 €), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos desde a data em que cada montante foi recebido, tudo a liquidar em execução de sentença».
A A. deduziu réplica, em que, no essencial, impugna a matéria da reconvenção, concluindo pela sua improcedência, e pedindo a condenação do Banco R., como litigante de má fé, em multa e indemnização.
II. Realizou-se audiência preliminar, no decurso da qual foi proferido despacho saneador tabelar e seleccionada a matéria de facto tida por pertinente, mediante elaboração dos Factos Assentes e organização da Base Instrutória, que não sofreram reclamação.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento na sequencia do qual foi proferida sentença na qual se decidiu condenar o R a indemnizar a A em montante a liquidar em execução de sentença, nos termos do artº 661° n° 2 do CPCivil e a pagar à A. indemnização pela diminuição de ganhos que esta sofreu em montante a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros a contar da citação, às taxas dos juros comerciais sucessivamente em vigor.
Absolveu a A do pedido reconvencional e absolveu o R do pedido de pagamento de indemnização como litigante de má fé.

III. O Banco R. interpôs recurso de apelação Instrutória na sequência do qual foi proferido acórdão que julgou improcedente a apelação; interposto recurso de revista veio a ser proferido acórdão (fls. 876-892) em que se decidiu anular o acórdão, para serem sanadas as contradições evidenciadas (dado que a resposta dada ao 38º quesito é contraditória com o que foi respondido aos quesitos 16º, 19º e 20º).
Na sequência do acórdão deste STJ foi pelo Tribunal da Relação de Lisboa proferido novo acórdão no qual se decidiu (transcreve-se) – “(A) em estrita obediência ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 876-892, sanar as contradições no mesmo Acórdão evidenciadas, mediante a alteração das respostas aos Quesitos 16º, 19º e 20º da Base Instrutória nos termos constantes do antecedente ponto II.2.2.;
(B) visto o âmbito de tal alteração e a anulação determinada no aludido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 876-892, julgar improcedente a apelação interposta pelo Banco R. da sentença, e confirmar, em consequência, aquela sentença recorrida.
Custas da Apelação a cargo do Banco Apelante.

IV. Deste acórdão foi interposto o presente recurso de revista.
Considerando a alegação da recorrente constante de fls. 1038 a 1073 dos autos (cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais) à qual respondeu a recorrida através da alegação constante de fls. 1163 a 1193 (que igualmente se dá por reproduzida) resultam colocadas as seguintes questões:
a) a questão da licitude (ou ilicitude) da cessação do contrato celebrado entre A e R;
b) subsidiariamente, a questão da eventual contradição entre factos provados e oposição entre eles e a decisão[3].

            V. Factos provados
1. Na actividade a que a Autora se dedica está incluída a prestação de serviços como “Agência de Meios”, ou, também, “CC” (alínea A) dos Factos Assentes).
2. O Réu é o Banco sucessor de todos os direitos e deveres do extinto DD, S.A., Sociedade Aberta, por cessão operada por efeito da fusão que envolveu os Bancos BBB, BFF e DD, sendo o banco Réu a entidade incorporante e registada junto da Conservatória do Registo Comercial em 30 de Junho de 2000 (alínea B) dos Factos Assentes).
3. O serviço de uma Agência de Meios, como a Autora, consiste na colocação, após solicitação do respectivo cliente, de publicidade deste nos meios de comunicação social no suporte pretendido (imprensa escrita, rádio, televisão, “outdoors” e, mais recentemente, “internet” e suportes análogos) e segundo a estratégia por si definida em conjunto (ou não) com a Agência de Meios, com maior ou menor intervenção desta última na parte técnica de elaboração de publicidade (alínea C) dos Factos Assentes).
4. Quando a natureza, o montante dos custos envolvidos, a regularidade de solicitação ou outros factores assim o determinem, as Agências de Meios, em vez de acordarem casuisticamente com o cliente as respectivas condições de actuação, celebram com este um contrato, normalmente denominado de contrato de compra de espaços publicitários, onde se estabelece o quadro negocial em que a Agência de meios actuará e aí se definindo o modo de remuneração da Agência de Meios pela sua tarefa de colocação de publicidade do cliente nos Meios (alínea D) dos Factos Assentes).
5. Por carta datada de 28/06/1999 e junta a fls. 143 e seguintes, o Grupo DD abriu um processo de consulta para selecção de Agência de Meios a diversas entidades entre as quais a Autora, para a realização de um investimento em publicidade de todas as marcas propriedade do DD (alínea E) dos Factos Assentes). ­
6. Tendo para o efeito remetido também o respectivo caderno de encargos (alínea F) dos Factos Assentes).
7. A Autora enviou em Julho – procedendo-se à rectificação do lapso material cometido com a indicação neste segmento do mês de Junho de 1999 (cfr. fls. 99) – ao Réu a sua proposta, a qual veio a ser seleccionada por carta datada de 29 de Julho de 1999 e remetida pelo Réu, passando a mesma a funcionar com Agência de Meios do DD em exclusivo (alínea G) dos Factos Assentes).
8. Foi acordado que a Autora trataria de colocar o material publicitário do DD nos Meios, negociando e contratando directamente com estes, embora formalizando a respectiva compra junto de outros intermediários que se encontram a montante nesta cadeia comercial denominados “Centrais de Compras” (alínea H) dos Factos Assentes).
9. No âmbito da proposta apresentada pela Autora foi apresentado o seguinte mapa relativo aos custos com os seguintes valores:

Share por meio60%12%     22%     6%                              100%
DescritivoTVRádioImprensaOutdoor ROutros      TOTAL
Preço de Tabela600.000.000120.000.000220.000.00060.000.000    1.000.000.000
Negociação249.000.00054.000.000  70.400.00021.000.000       394.400.000
Preço após Negociação351.000.00066.000.000149.600.00039.000.000       605.600.000
Desconto de Agência  52.650.0009.900.000  22.440.000  5.850.000         90.840.000
Preço líquido
(Net Net)
298.350.00056.100.000127.160.00033.150.000       514.760.000
Rappel estimado44.752.5006.171.000  16.530.800  3.315.000         70.769.300
Taxa de difusão (4%)14.040.0002.640.000         16.680.000
Transcrições
Remuneração   3.510.000660.000    1.496.000     390.000           6.056.000
Investimento Banco
DD
271.147.50053.229.000112.125.20030.225.000        466.726.700


(alínea I) dos Factos Assentes).
10. Em 29 de Junho de 2000, o DD escreveu à Autora a carta de fls. 100 onde refere: "Tendo em atenção o processo de fusão do DD no BB com o inerente desaparecimento das instituições do Banco e da própria marca “DD”, vimos informar V. Exas. que, por tal razão, cessará o contrato que ligava o DD a essa empresa, terminando, por consequência, as relações comerciais entre a AA - …, Lda. e este Banco, a partir do próximo dia 1 de Julho de 2000" (alínea J) dos Factos Assentes).
11. A Autora respondeu ao DD por carta de 12/07/00 – rectificando-se o lapso material cometido com a indicação neste segmento do ano de 2001 (cfr. fls. 101) – e junta a fls. 101, na qual refere que: "Não existe, assim, qualquer motivo ou fundamento legítimo para a cessação do presente contrato, ao contrário do que se retira da referida carta de V. Exas. O Referido contrato, nos termos que cremos sobejamente conhecidos de V. Exas., tem uma duração de dois anos, no que os seus efeitos estavam previstos cessar, apenas, em Julho de 2001" (alínea K) dos Factos Assentes).
12. A Autora consegue obter junto dos Meios os referidos descontos graças, entre outros factores, ao volume de publicidade que consegue colocar, sendo que quanto maior o volume de publicidade colocado maior o desconto obtido (alínea L) dos Factos Assentes).
13. A Autora só colocou, para o DD, um volume de publicidade do valor de € 2.144.830,96 (430.000.000$00) (alínea M) dos Factos Assentes).
14. Consta do ponto 2.5 do caderno de encargos do concurso o seguinte: "Cada proponente deverá indicar a remuneração desejada para oferecer o serviço adequado ao DD, e em que moldes propõe que ela seja estabelecida. As condições de pagamento/prazo médio de pagamento também deverão ser referidas. Deverá também mencionar a forma como garantirá com toda a transparência, a devolução ao DD de todos os ónus e rappels" (alínea N) dos Factos Assentes).
15. O mapa referido na alínea I) foi elaborado "partindo do seguinte pressuposto": "O objectivo de share of voice do DD para o 2° semestre de 1999 e 1 ° semestre é de 6%. Prevê-se que o sector bancário invista cerca de 16 milhões de contos" (alínea O) dos Factos Assentes).
DAS RESPOSTAS AOS QUESITOS DA BASE INSTRUTÓRIA:
16. Uma das formas de acordar a remuneração e que foi estipulada com o Réu consistiu no montante resultante da diferença entre o preço de que a Agência de Meios "beneficia" junto dos Meios ou Centrais de Compras para colocação de publicidade e do montante que contratualmente se obrigou a facturar ao Réu, aplicados os descontos sobre o preço de tabela que, nos termos do respectivo contrato, se comprometeu contratualmente a reverter a favor deste (resposta ao Quesito 1º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 11º da petição inicial).
17. Era a Autora que recebia e pagava a factura que lhe era apresentada pela respectiva Central de Compras e depois cobrava ao Réu o respectivo custo (resposta ao Quesito 2º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas nos artigos 18º e 19º da petição inicial).
18. Esse custo era apurado tendo em conta o mapa de fls. 98 (resposta ao Quesito 3º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 19º da petição inicial).
19. O "Custo" que a Autora cobrava ao Réu era o resultante apenas dos descontos de "Negociação", "Desconto de Agências" e "Rappel estimado" sobre o preço de tabela acrescido dos custos relativos à "Taxa de difusão", "Transcrições" e "Remuneração" (resposta ao Quesito 4º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 20º da petição inicial).
20. Os valores apostos no mapa descrito na alínea I) e referidos como "Investimento DD" eram sempre os mesmos, independentemente de a Autora beneficiar de outros tipos de descontos ou de os descontos na área de "Negociação", "Desconto de Agências" e "Rappel estimado" serem superiores aos aí indicados (resposta ao Quesito 5º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 21º da petição inicial).
21. Os valores do mapa descritos na alínea I) referem-se aos montantes para cada ano do Contrato (resposta ao Quesito 6º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 23º-A da petição inicial).
22. A última solicitação de publicidade pelo DD junto da Autora decorreu não antes do mês de Abril de 2000 (resposta ao Quesito 7º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas nos artigos 27º e 28º da petição inicial).
23. Tendo a partir daí recorrido a outras entidades para o efeito (resposta ao Quesito 8º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 29º da petição inicial).
24. O ganho da Autora consistia na diferença entre o montante de descontos que efectivamente conseguia daquele que, nos termos acordados, fazia beneficiar o cliente (resposta ao Quesito 9º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 37º da petição inicial).
25. A Autora tinha uma expectativa de colocação efectiva de um volume equivalente ao preço líquido indicado no mapa de fls. 98 dos autos, ou seja, de 514.760.000$00, durante cada um dos dois anos em que vigorasse o acordo com o Réu, pois era esse preço líquido o que efectivamente o Réu gastaria (resposta ao Quesito 10º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 52º da petição inicial).
26. Os descontos fixados ao DD pela Autora, pelos seus serviços, tiveram em conta a duração de dois anos do acordo (resposta ao Quesito 11º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 52º da petição inicial).
27. Enquanto que no primeiro ano a Autora até poderia perder dinheiro, era no segundo ano de execução do contrato que esta, agora beneficiando de outro valor de descontos muito maior, iria obter maiores ganhos (resposta ao Quesito 12º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 54º da petição inicial).
28. A Autora planeou a sua actividade no pressuposto da colocação daquele volume de publicidade, tendo gerido toda a sua abordagem junto dos Meios dentro dessa premissa (resposta ao Quesito 13º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 55º da petição inicial).
29. A Autora esperava auferir, a título de ganho, no último ano, cerca de 7,5% do valor da publicidade não colocada (resposta ao Quesito 14º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 61º da petição inicial).
30. Em virtude da cessação do acordo com o Réu, a Autora sofreu uma diminuição em percentagem não concretamente apurada, do desconto do “rappel” de que beneficiaria, aplicável ao ano de 2000, caso o volume da facturação se tivesse mantido (resposta ao Quesito 16º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 69º da petição inicial).
31. Com a cessação do “contrato” com o Réu, a Autora ficou afectada na sua capacidade negocial, por não ter atingido os montantes de colocação de publicidade no mercado que havia anunciado como previsíveis, e teve uma diminuição da percentagem do chamado “desconto de negociação” (resposta ao Quesito 19º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas nos artigos 78º, 79º e 80º da petição inicial).
32. Devido aos factos atrás descritos, mormente a diminuição dos descontos que deixou de auferir, a Autora teve uma diminuição de ganhos de montante não concretamente apurado (resposta ao Quesito 20º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas nos artigos 84º e 88º da petição inicial).
33. O Réu comprometeu-se perante o Grupo DD a não renovar, junto do Instituto da Propriedade Industrial, as marcas anteriormente detidas pelo DD (resposta ao Quesito 25º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 39º da contestação).
34. O Réu já tinha adquirido espaço publicitário a uma Agência de Meios concorrente da Autora (resposta ao Quesito 26º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 43º da contestação).
35. O Banco DD entrou em contacto com a Autora e expôs-lhe a inviabilização da continuação do acordo quadro (resposta ao Quesito 27º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 44º da contestação).
36. O DD afirmou à Autora que manteria, até Junho de 2000, o acordo quadro existente entre o DD e a Autora (resposta ao Quesito 28º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 45º da contestação).
37. Na sequência da fusão ocorrida entre o DD e o Réu, a marca “DD” desapareceu, pelo que deixou de fazer sentido publicitar a marca DD ou de proceder a qualquer investimento em publicidade relativamente a esta (resposta ao Quesito 31º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas nos artigos 53º e 54º da contestação).
38. A Autora solicitou ao DD que formalizasse por escrito o fim do acordo (resposta ao Quesito 32º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 57º, 58º e 59º da contestação).
39. Na percentagem de descontos, além do volume da publicidade a colocar nos Meios, a identidade do cliente, o sector de actividade deste e a central de compras utilizada são também relevantes (resposta ao Quesito 34º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas nos artigos 85º e 86º da contestação).
40. Relativamente ao Desconto de Agência, tal consiste num desconto de 15% que é automaticamente concedido a todas as entidades (resposta ao Quesito 35º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 92º da contestação).
41. Todos os outros descontos e rappel que venham a ser concedidos são calculados com base nos preços de tabela menos os referidos 15% (resposta ao Quesito 36º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 93º da contestação).
42. A Autora tinha conhecimento que a partir do segundo semestre de 2000 deixaria de efectuar quaisquer trabalhos para o DD ou para o Réu (resposta ao Quesito 37º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas no artigo 127º da contestação).
43. O facto de a Autora ter deixado de realizar trabalhos permitiu-lhe angariar um cliente como o EE que, no ano de 2001, fez um investimento significativo em publicidade o que não seria possível se ainda se mantivesse uma qualquer relação com o Réu (resposta ao Quesito 38º da Base Instrutória, baseado nas afirmações vertidas nos artigos 135º e 136º da contestação).
No acórdão recorrido procedeu-se a alteração da decisão sobre a matéria de facto nos termos seguintes: Quesito 16º: Provado apenas que, em virtude da cessação do acordo com o Réu, a Autora sofreu uma diminuição em percentagem não concretamente apurada, do desconto do “rappel” de que beneficiaria, aplicável ao ano de 2000, caso o volume da facturação se tivesse mantido, apesar da angariação, como cliente, do EE referida na resposta ao Quesito 38º.
Quesito 19º: Provado apenas que, com a cessação do "contrato" com o Réu, a Autora ficou afectada na sua capacidade negocial, por não ter atingido os montantes de colocação de publicidade no mercado que havia anunciado como previsíveis, apesar da angariação, como cliente, do EE, a que alude a resposta ao Quesito 38º, e teve uma diminuição da percentagem do chamado "desconto de negociação".
- Quesito 20º: Provado apenas que, devido aos factos atrás descritos, mormente a diminuição dos descontos que deixou de auferir, a Autora teve uma diminuição de ganhos de montante não concretamente apurado, sem prejuízo da angariação, como cliente, do EE referida na resposta ao Quesito 38º.

VI. Do mérito – enunciando em termos gerais o essencial da questão que vem colocada verificamos que no acórdão recorrido quando se analisou fundamental (porque decisiva para a procedência ou improcedência da acção) da licitude ou ilicitude da resolução/revogação unilateral do contrato de prestação de serviços por parte do DD (em cujos direitos e obrigações sucedeu o ora R recorrente) apesar de se reconhecer que na sequência da fusão ocorrida entre o DD e o R a marca “DD” desapareceu pelo que deixou de fazer sentido publicitá-la ou proceder a qualquer investimento em publicidade relativamente a ela, nomeadamente nos termos previstos no contrato de prestação de serviços em causa, entendeu-se, porém e apesar de tudo, que não se pode concluir que a alteração de circunstancias que determinou essa situação fosse imprevisível para o R uma vez que a mesma foi criada pelo próprio DD e pelo ora R BBB ao procederem voluntariamente, à fusão e ao porem (deliberadamente e por mutuo acordo) fim à marca “DD”.
Desta circunstancia se concluiu pelo não preenchimento do indispensável requisito do carácter anómalo da alteração de circunstâncias que, na tese sustentada no acórdão, impedia o DD de fazer uso do direito de resolver (ou modificar) o contrato pelo que, mais uma vez na perspectiva consagrada no acórdão, resulta demonstrada a ilegítima resolução unilateral do contrato por parte do DD (conforme igualmente se afirma, com uma quase total ausência de fundamentação, na sentença da 1ª Instância)[4].
Discordando da decisão e dos seus fundamentos afirma em traços gerais o recorrente na sua alegação que o contrato em causa integrava uma condição resolutiva potestativa ao especificar o fim específico desse mesmo contrato (acordo-quadro) e que caducou por verificação dessa mesma condição resolutiva; do mesmo modo, acrescenta, caducaria por impossibilidade decorrente da frustração do fim da prestação não por ele não ilicitamente provocada.
Argumenta também o recorrente que, mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria uma resolução do contrato válida e licita fundada em alteração das circunstâncias[5].
Defende, por sua vez, a recorrida, na posição que assume na contra alegação, que não se verificam os pressupostos da caducidade e que não estão preenchidos os requisitos que permitam a resolução fundada em alteração de circunstancias ou em impossibilidade superveniente.
Enunciados nestes termos os contornos da questão que nos vem colocada, e analisando a questão e sub-questões nucleares suscitadas pelo recorrente começaremos, no quadro da análise da respectiva sustentação jurídica, por referir que discordamos da sua posição (que em alguns aspectos se aproxima ou se sustenta na “teoria da pressuposição” formulada por Windscheid) quanto a dever considerar-se integrada no contrato/acordo-quadro uma condição resolutiva potestativa, concretizada (segundo a sua tese) na menção àquele que era o fim específico do contrato (publicidade das marcas propriedade do DD); segundo a argumentação do recorrente a verificação daquela condição resolutiva (no caso através de posterior impossibilidade subjectiva da finalidade contratual) determinaria a respectiva caducidade (lato sensu)[6].
A nossa discordância relativamente a esta respeitável e fundamentada argumentação do recorrente (contida expressamente nas alíneas D) a F) das conclusões da alegação) reside na circunstância de nos situarmos perante um contrato (atípico) de prestação de serviços no qual foi natural e obviamente inserido o objecto\fim do contrato; da expressa menção ao fim contratual objectivo não pode, na nossa perspectiva retirar-se a conclusão que por esse facto se teve em vista ou se pretendeu a integração (por essa referida menção) de uma verdadeira cláusula resolutiva (condição potestativa) determinante de caducidade, a qual estaria subordinada ao disposto nos artigos 270 e seguintes CC[7].
Diga-se ainda a este propósito, e tendo sempre em consideração o essencial da respeitável argumentação do recorrente que encontra apoio em alguma doutrina nacional e estrangeira, que sem embargo de no nosso Código Civil se consagrar o que se pode designar por um conceito amplo de caducidade onde relevam situações não só de desaparecimento do objecto como outras de verificação de eventos supervenientes aos quais possa ser atribuído efeito extintivo da relação contratual, vimos entendendo, reconhecendo embora a diferença formal e substancial entre os institutos em causa, que todas aquelas situações (tal como aquela que concretamente aqui ocorre) conduzem ao desaparecimento dos pressupostos que foram relevantes ou mesmo essenciais para a formação do contrato se enquadram e devem ser analisadas e decididas, mais precisamente e conforme as circunstancias concretas de cada caso, nos regimes legais relativos à impossibilidade superveniente (artigo 790 nº 1 CC) ou à alteração de circunstancias (artigo 437º CC)[8][9], institutos à luz dos quais deve ser encontrada a solução para tais situações[10].
Na sequencia do que vimos referindo e não deixando de repetir a chamada de atenção para o facto de estarmos perante um contrato de prestação de serviços (atípico) cujas cláusulas constam do acordo-quadro junto aos autos, devemos, igualmente como pressuposto essencial para a decisão a proferir, manter presente que a A fundamentou o direito de acção numa alegada responsabilidade civil contratual consequente a invocada resolução ilícita (ou verificação de uma impossibilidade de cumprimento) do contrato imputável ao contratante DD, em violação do disposto no nº 1 do artº. 406º CC (estaremos neste caso perante uma alegada situação de violação do princípio da estabilidade dos contratos na vertente da irrevogabilidade unilateral das obrigações assumidas)[11].
A esta posição da A contrapõe, no quadro da argumentação atrás referida, o Banco R (sucessor nos direitos e obrigações do contraente DD em consequência do processo de fusão cujos termos constam dos factos provados), que as circunstancias supervenientes que conduziram à por si alegada caducidade do contrato justificam aquela que foi a sua actuação (de forma mais concreta a tese do R consubstancia, como tivemos ocasião de referir, uma invocação de caducidade do contrato ou sua resolução por superveniencia de circunstâncias que constituem alteração anormal da base negocial objectiva, nos termos previstos nos artigos 437º e seguintes CC). Haverá desta forma, segundo invoca e independentemente do que consideramos ser alguma confusão conceptual entre impossibilidade superveniente e alteração de circunstancias (caducidade/resolução), justa causa justificativa da sua actuação em concreto, a qual se traduz nos moldes expressos e com a justificação constante da carta cujo teor consta do ponto 10 dos factos provados.
A partir daqui importa em primeiro lugar ter presente (no quadro dos fundamentos que alicerçam este concreto processo de tomada de decisão) que a razão de ser do regime estabelecido no art. 437 CC, cuja verificação de fundamentos de aplicação está nuclearmente em causa, se encontra na mudança das circunstâncias em que as partes se vincularam, mais precisamente, e como posteriormente analisaremos de forma mais concreta e reforçada, na verificação (ou não) de uma mudança de circunstâncias relativamente ás que existiam quando da celebração do contrato (como diz Romano Martinez - “Da cessação do contrato” 2ª edição, página 158 – a alteração anormal de circunstancias deve corresponder a uma modificação da base negocial fora do habitual) ou seja na verificação (ou não) de uma mudança que objectivamente possa tornar excessivamente oneroso ou difícil para uma ou outra parte o cumprimento daquilo a que se encontrava obrigado ou cuja ocorrência provoque um desequilíbrio acentuado entre as prestações correspectivas (quando se trate de contrato de execução sucessiva (e) ou prolongada e não de execução instantânea) de tal modo que coloque em causa princípios da boa fé negocial (em sentido objectivo).
Referem Pires de Lima e Antunes Varela em anotação àquela disposição legal (Código Civil Anotado, 3ª edição, nota 1 ao artigo 437º) que a resolução do contrato é no nosso direito civil, que acolheu no conteúdo da norma o essencial da doutrina (alemã[12]) da base negocial (v. obra citada nota 5 ao artigo 437ª), admitida em termos propositadamente genéricos para que, em cada caso, o tribunal possa, atendendo à boa fé e à base do negócio, conceder ou não a resolução (a constatação desta realidade normativa que demonstra a capacidade de previsão futura do legislador do Código de 66 dispensa na análise a efectuar o recurso às teorias da “frustration” ou da imprevisão cujos fundamentos estão em termos gerais cobertos pela extensão do conteúdo normativo daquela disposição legal).
A propósito desta formulação propositadamente genérica utilizada pelo legislador para assim permitir um papel acentuado do juiz na apreciação casuística das situações justificativas da resolução com aquele fundamento, entendemos vir a propósito referir (lembramos aqui uma excelente comunicação de Maria Luísa Mayer Feitosa publicada no Boletim da Faculdade de Direito UC, Volume LXXX, 2004) que no actual contexto global, particularmente no contexto do mercado ou da economia global, a via judiciária no complexo cumprimento da sua actuação na resolução de litígios cuja dificuldade acompanha e se reforça nos permanentes desafios da globalização tem que ter em conta, sempre no quadro em que a lei tal permite, a adequação do direito a essas novas realidades que, tanto no domínio do direito publico como no domínio do direito privado, são uma marca incontornável do tempo presente.
Na verdade e sem prejuízo da indispensável salvaguarda da segurança das relações jurídicas que induz à estabilidade dos contratos não pode hoje deixar de considerar-se e ter-se em conta que cada vez com mais frequência podem acontecer e acontecem mudanças profundas das circunstâncias em que as partes se vincularam que torne excessivamente oneroso ou difícil para uma delas ou mesmo para ambas o cumprimento daquilo a que se encontram obrigadas[13]; pode acontecer também que essa mudança de circunstancias possa provocar um desequilíbrio intoleravelmente acentuado entre as prestações correspectivas, originando-se assim situações em que uma sempre desejavelmente rigorosa aplicação do princípio da estabilidade deve ceder depois de uma avaliação concreta das circunstancias a um imperativo de justiça que reclame e imponha (especialmente por razões que tenham por base a boa fé contratual objectiva) a resolução ou modificação do contrato através da aplicação do disposto no artigo 437º (efectuada por via de uma interpretação actualista que o conteúdo da norma permita) e que poderá mesmo ser mesmo determinada por respeito e dever de aplicação concreta dos princípios constitucionais de justiça e de proporcionalidade, tendo em vista o alcance e finalidade destes princípios (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, páginas 164 e 152)[14].
Voltando de novo, mesmo correndo o assumido risco de repetição argumentativa, ao quadro geral que serve de base à formação e tomada de decisão resulta da factualidade provada que, como tivemos ocasião de referir, estamos perante um contrato de prestação de serviços atípico cujo objecto consistia, na prática e em traços gerais, na disponibilização pela A de espaços publicitários destinados a publicidade da marca DD; esta disponibilização (a solicitação do Banco R) era como vimos e como indica a factualidade provada efectuada nos termos que constam do acordo quadro estabelecido entre as partes, durante um prazo previsto de dois anos, apresentando o vinculo contratual concreto, contido na proposta de abertura de concurso, na proposta da R e na correspondência posterior, características muito especificas das quais se destacava o facto de os serviços a prestar pela A á R serem efectuados a solicitação desta tendo a A uma expectativa de colocação de publicidade até ao limite indicado nesse acordo quadro.
Como referimos mas entendendo oportuna a insistência, o contrato em causa é (era) um contrato de prestação de serviço atípico ao qual nos termos e por remissão do artigo 1156º CC são aplicáveis as disposições legais relativas ao mandato (artigos 1170º e seguintes) com as adaptações que sejam determinadas não só pelo tipo contratual abstracto como, sobretudo, pelo vínculo contratual em concreto[15].
Colocada a questão relativa ao vinculo contratual concreto nestes indicados termos, característicos aliás da prestação de serviços atípica, sucedeu que em consequência da eminente fusão do DD no BB (efectuada por acordo accionista) que determinava, nos seus termos e por imposição do BBB, o fim da marca DD o Banco contratante estabeleceu conversações verbais com a AA no sentido de dar conhecimento da situação e manifestando pretender perante ela fazer cessar o contrato celebrado.
Foi precisamente na sequência destas conversações e por solicitação da A que o DD remeteu a 29 de Junho de 2000 a carta que consta do ponto 10 dos factos provados pela qual comunica que faz cessar o contrato[16], invocando precisamente “o desaparecimento das instituições do Banco e da própria marca DD”.
Na carta de resposta constante do ponto 11 dos factos provados a A limitou-se a referir a inexistência de motivos para a cessação do contrato que deveria vigorar até Junho de 2001 sendo precisamente com este fundamento que veio através da acção demandar o R (enquanto sucessor de todos os direitos e obrigações do DD) pela responsabilidade civil contratual consequente ao alegado incumprimento por cessação (ilícita) do contrato.
Não se podendo colocar em questão que estamos perante uma situação de revogação/resolução[17] unilateral do contrato é nosso entendimento que por apelo aos princípios da confiança e da boa-fé negocial e tendo em especial consideração o referido vínculo contratual da forma em que se apresenta em concreto, se deve afastar a possibilidade de se integrar aqui uma situação de revogação ad libitum (nº 1 do artigo 1170º) circunstancia que nos conduz, como aliás resulta da posição assumida pelo DD nomeadamente na carta de cessação, a situarmo-nos antes perante uma situação que no conteúdo e na forma se apresenta como uma revogação unilateral com invocação de justa causa[18]; sem dúvida que, nos termos provados, o Banco contraente invocou como fundamento para a cessação do contrato a circunstância ulterior e imprevista do desaparecimento da instituição e marca nos termos já sobejamente referidos, argumento que na forma como foi invocado, e como aliás o interpretaram as Instancias, se apresenta como uma situação de alteração (anormal) de circunstancias, abstractamente configurável na previsão legal do artigo 437º CC.
Perante todos estes contornos da situação exposta entendeu-se no acórdão recorrido (partindo como brevemente já acima referimos da mesma interpretação e enquadramento jurídico factual da situação em concreto) que obedecendo a aplicação do artigo 437º à verificação cumulativa das circunstancias que ali detalhadamente se mencionam, “não se pode concluir que fosse imprevisível para o R tal alteração, uma vez que é criada pelo próprio DD e pelo BBB ao procederem voluntariamente à fusão e ao porem fim à marca “DD” e o não preenchimento do assinalado requisito do carácter anómalo da alteração impede, necessariamente, o R. / Apelante de gozar do direito de resolver (ou modificar) o contrato”.
A interpretação contida no acórdão recorrido ao analisar a factualidade provada reconhece, naqueles termos, a existência de circunstâncias supervenientes que alteraram substancialmente a base negocial mas, apesar disso e ainda que daí tenha resultado um manifesto desequilíbrio das prestações (ou mesmo uma impossibilidade subjectiva do fim contratual), afasta a possibilidade de tais circunstancias factuais concretas permitirem a resolução nos termos da previsão normativa contida no artigo 437º pelo facto de as mesmas terem sido criadas através e como consequência directa e necessária do acordo contratual celebrado entre os dois bancos; não se defende no acórdão uma sobrevalorização do principio da estabilidade contratual traduzida em qualquer sobreposição efectiva da aplicação do principio da força obrigatória contido no brocardo latino “pacta sunt servanda” no confronto com a relevância da imprevisão contida no campo de previsão normativo daquela disposição legal por recepção do principio “rebus sic stantibus”, antes se reconhece que no circunstancialismo em que se verifica a alteração superveniente ela é consequência previsível e necessariamente prevista (como tal não anormal) de uma manifestação de autonomia concreta da vontade de uma das partes (no caso o DD) traduzida na aceitação da tomada de posição e posterior fusão por parte do BBB (com imposição do fim das marcas DD) pelo que é de afastar, segundo o acórdão recorrido, o tal carácter anómalo/imprevisto dessa mesma alteração.
Apesar de tanto objectivamente (por indesmentível alteração da realidade envolvente da situação contratual) como subjectivamente (pelas consequências dessa alteração na vontade das partes) ter havido essa superveniente e relevante alteração das circunstâncias existentes à data em que a A e o DD celebraram o contrato[19], alteração que é inquestionavelmente consubstanciada nas consequências que sobre a situação contratual anterior decorrem das obrigações estabelecidas na concretização do processo de tomada de posição accionista e posterior fusão daquele Banco no BB (saliente-se que todo este processo de alteração ocorreu como dissemos na sequência de uma tomada de posição accionista cujos contornos se mostram idênticos aos que ocorrem com imparável frequência (por via amigável ou hostil) no mercado global[20]), não poderá deixar de se tomar em conta que toda essa alteração decorre efectivamente do acordo contratual entre o DD e o BBB (que àquele sucede nos respectivos direitos e obrigações), não sendo de admitir que os órgãos de decisão das duas partes (particularmente as respectivas administrações e assembleias gerais) não tivessem previsto e avaliado as consequências jurídicas que desse negócio efectuado ocorreriam nas relações contratuais com terceiros, nomeadamente naquela que está aqui especificamente em causa.  
No caso concreto foi esse processo negocial que conduziu à fusão (incorporação) do DD no BBB e fez desaparecer quer a firma DD quer, por imposição do tomador de posição, a própria marca “DD”; de acordo com a factualidade provada a marca DD desapareceu por imposição do BBB que impôs a não renovação junto do Instituto da Propriedade Industrial das marcas detidas por aquele.
Ao proceder da forma que procedeu ao aceitar todas as obrigações decorrentes do contrato com o BBB, o DD (concretamente a sua administração e a sua Assembleia Geral) não podiam deixar de ter consciência que era resultado necessário da sua actuação a referida alteração de circunstancias e a consequente e fatal insubsistência superveniente do interesse dos serviços prestados pela A; a verificada alteração de circunstancias e a consequente (no caso inevitável) impossibilidade subjectiva da finalidade contratual que foi definida no contrato de prestação de serviços aqui em apreço são neste caso consequências previsíveis das opções negociais do DD e do BBB, formadas e livremente tomadas no âmbito do princípio da autonomia privada consagrado no art. 405.º CC intimamente ligado com a liberdade de contratar não se podendo concluir que o facto ocorrido fosse imprevisível para o R e que tão pouco se possa considerar como anómalo[21]. De acordo com o nosso entendimento, que segue no essencial o que vem sendo maioritariamente consagrado na jurisprudência deste STJ e igualmente nos Supremos Tribunais de Espanha e França[22], no quadro das relações contratuais concretas e especialmente das relações contratuais bilaterais a alteração de circunstancias relevante para efeitos do artigo 437º CC têm que aparecer configurar um obstáculo imprevisto e anómalo ao normal desenvolvimento do quadro contratual previsto, obstáculo esse que tem de aparecer por facto exterior à vontade das partes, um facto por elas não controlável[23]. Numa breve referencia à doutrina estrangeira é interessante lembrar que no pós-guerra, concretamente em 1948, Henry de Page (Traité Élémentaire de Droit Civil Belge) ao abordar a teoria da imprevisão referia que os factos relevantes para exonerar a parte das suas obrigações contratuais tinham que ser extraordinários, não previsíveis nem controláveis pela parte que os invocasse (tradução livre); também Larenz referia, por sua vez, que os factos relevantes para darem lugar a uma quebra da base negocial efectiva não podem nunca decorrer de circunstâncias imputáveis à parte que se considera lesada, mais concretamente os factos imprevistos devem escapar à capacidade de influência da parte.
As partes contratam se quiserem, com quem quiserem e têm liberdade de fixar o conteúdo do contrato como entenderem consistindo a autonomia privada na possibilidade atribuída e garantida de auto-regularem as suas relações jurídicas, os seus interesses, exigindo-se em contrapartida e dentro do quadro da boa fé negocial que cumpram as obrigações assumidas em relação a terceiros em nome e em protecção da necessária segurança das relações jurídicas que induz à estabilidade dos contratos.
Efectuada a análise de todas as circunstâncias de que resultou a invocada alteração de circunstâncias entendemos deverem prevalecer no caso concreto as vantagens de segurança imanentes ao princípio da estabilidade por se não verificar um relevante imperativo de justiça que fundamentasse e reclamasse a resolução (sobre esta matéria v. Almeida Costa - Direito das obrigações, 5. edição, página 254); a resolução unilateral do contrato por parte do DD ocorreu sem justa causa gerando dessa forma, e como foi entendimento das instâncias, responsabilidade civil contratual que agora recai na esfera jurídica do Banco R (aqui recorrente).
Por todo o exposto não merece, neste concreto segmento, censura a decisão recorrida.

Perante isto somos necessariamente conduzidos à análise e decisão sobre a questão subsidiariamente colocada pelo recorrente que tem a ver com a invocada contradição nas respostas aos quesitos 16º, 19º, 20º e 38º que na perspectiva apresentada tornaria a decisão nula por contradição com os seus fundamentos[24].
 Esta questão já tinha sido suscitada em anterior recurso de revista tendo sido na sequência da mesma proferido o acórdão de fls. 876-892 em que se decidiu anular o acórdão da Relação, para serem sanadas as contradições evidenciadas (dado que a resposta dada ao 38º quesito é contraditória com o que foi respondido aos quesitos 16º, 19º e 20º).
Precisamente quanto a esta questão e em obediência a esta decisão deste STJ decidiu-se no acórdão ora recorrido alterar as respostas dadas a estes quesitos fazendo-o da forma seguinte: Quesito 16º: Provado apenas que, em virtude da cessação do acordo com o Réu, a Autora sofreu uma diminuição em percentagem não concretamente apurada, do desconto do “rappel” de que beneficiaria, aplicável ao ano de 2000, caso o volume da facturação se tivesse mantido, apesar da angariação, como cliente, do EE referida na resposta ao Quesito 38º.

Quesito 19º: Provado apenas que, com a cessação do "contrato" com o Réu, a Autora ficou afectada na sua capacidade negocial, por não ter atingido os montantes de colocação de publicidade no mercado que havia anunciado como previsíveis, apesar da angariação, como cliente, do EE, a que alude a resposta ao Quesito 38º, e teve uma diminuição da percentagem do chamado "desconto de negociação".
- Quesito 20º: Provado apenas que, devido aos factos atrás descritos, mormente a diminuição dos descontos que deixou de auferir, a Autora teve uma diminuição de ganhos de montante não concretamente apurado, sem prejuízo da angariação, como cliente, do EE referida na resposta ao Quesito 38º.
Como se evidencia a alteração efectuada pelo Tribunal da Relação limitou-se a sanar qualquer contradição entre as respostas aos citados quesitos 16º, 19º e 20º e a resposta ao quesito 38º; estando-nos vedado proferir qualquer de valor sobre a bondade intrínseca da decisão de facto e limitando-nos a responder à questão colocada pelo recorrente diremos que não existe fundamento na posição que assume.
Com efeito o que agora consta da resposta àqueles quesitos traduz-se de forma geral em ter ficado provado que apesar de depois da cessação unilateral do contrato a A recorrida ter podido angariar um novo cliente (EE) que fez em 2001 um importante investimento em publicidade, angariação que só foi possível em resultado daquela cessação contratual (ponto 43 dos factos provados) mesmo assim, apesar disso, a A teve uma diminuição de ganhos em montante não concretamente apurado (resposta actual ao quesito 20º), diminuição que tem como causa os factos constantes das novas respostas aos quesitos 16º e 19º. Perante as respostas actuais a estes quesitos verificamos podemos concluir, sem que qualquer contradição se verifique, que independentemente da angariação do novo cliente possibilidade pela cessação do contrato com o DD mesmo assim a A teve dano que se traduziu numa diminuição de ganhos.
Ficaram obviamente provados os pressupostos da responsabilidade civil (contratual) – Facto; Ilicitude; Imputação do facto ao lesante; Dano; nexo de casualidade entre o facto e o dano.
Provados os pressupostos da responsabilidade civil contratual, provada a existência de danos mas não o seu quantum decidiu-se (ter-se-á entendido não se poder recorrer, desde logo, à equidade e fixá-los – art. 566º, nº3 CC) relegar o seu apuramento para momento ulterior – art. 661º, nº2 CPC (actual artigo 609º).
Sem qualquer censura a fazer à decisão recorrida resta apenas precisar que a ulterior liquidação está obviamente condicionada pelo nº desta mesma disposição legal.
Também neste segmento do recurso não assiste razão ao recorrente.





Sumário:

1. Da expressa menção ao fim contratual objectivo não pode retirar-se a conclusão que por esse facto se teve em vista ou se pretendeu a integração (por essa referida menção) de uma verdadeira cláusula resolutiva (condição potestativa) determinante de caducidade;
2. Todas aquelas situações (tal como aquela que concretamente aqui ocorre) que conduzem ao desaparecimento dos pressupostos que foram relevantes ou mesmo essenciais para a formação do contrato se enquadram e devem ser analisadas e decididas, mais precisamente e conforme as circunstancias concretas de cada caso, nos regimes legais relativos à impossibilidade superveniente (artigo 790 nº 1 CC) ou à alteração de circunstancias (artigo 437º CC), institutos à luz dos quais deve ser encontrada a solução para tais situações;
3. A resolução do contrato é no nosso direito civil, que acolheu no conteúdo da norma o essencial da doutrina (alemã) da base negocial (v. obra citada nota 5 ao artigo 437ª), admitida em termos propositadamente genéricos para que, em cada caso, o tribunal possa, atendendo à boa fé e à base do negócio, conceder ou não a resolução (a constatação desta realidade normativa que demonstra a capacidade de previsão futura do legislador do Código de 66 dispensa na análise a efectuar o recurso às teorias da “frustration” ou da imprevisão cujos fundamentos estão em termos gerais cobertos pela extensão do conteúdo normativo daquela disposição legal);
4. No quadro das relações contratuais concretas e especialmente das relações contratuais bilaterais a alteração de circunstancias relevante para efeitos do artigo 437º CC têm que aparecer configurar um obstáculo imprevisto e anómalo ao normal desenvolvimento do quadro contratual previsto, obstáculo esse que tem de aparecer por facto exterior à vontade das partes, um facto por elas não controlável;
5. Assim, e fundamentalmente, os factos relevantes para darem lugar a uma quebra da base negocial efectiva não podem nunca decorrer de circunstâncias imputáveis à parte que se considera lesada, devendo para esse efeito os factos imprevistos escapar à capacidade de influência da parte.
6. A autonomia privada traduzida na possibilidade de as pessoas singulares ou colectivas auto-regularem (definirem e alterarem) as suas relações jurídicas, os seus interesses, tem como contrapartida a exigência de actuação dentro do quadro da boa fé negocial, ou seja que se cumpram as obrigações assumidas em relação a terceiros em nome e em protecção da necessária segurança das relações jurídicas que induz à estabilidade dos contratos.





V. Decisão - nos termos e com os fundamentos expostos acorda-se em negar a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 13 de Novembro de 2014

Mário Mendes (Relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves

___________________________
[1] Segue-se em grande parte o relatório do acórdão recorrido onde se expõem com pormenor os fundamentos da posição da A.
[2] - O R. é o Banco sucessor de todos os direitos e deveres do extinto DD, S.A., Sociedade Aberta, por cessão operada por efeito da fusão que envolveu os Bancos BCP, BPA e DD, sendo o banco Réu a entidade incorporante, e registada junto da Conservatória do Registo Comercial com data de 30 de Junho de 2000.
[3] Estão fundamentalmente em questão os factos dados como provados nas respostas aos quesitos 16º, 19º, 20º e 38º.
[4] Apesar de se verificar uma situação de dupla conforme o recurso de revista é admissível nos termos do disposto no artigo 7º nº 1 da Lei nº 41/2013.
[5] A tese sustentada pelo recorrente apoia-se na verificação de uma condição resolutiva tácita (artigo 432º nº 1 parte final CC), em alternativa na verificação de uma impossibilidade superveniente (artigos 790º e seguintes) ou ainda na verificação de uma situação de alteração de circunstâncias fundamentadora da resolução.
[6] A admitir-se esta interpretação do recorrente estaríamos a admitir a possibilidade absurda de todos os contratos serem condicionais; a condição estaria presente em todos eles como elemento natural do negócio.
[7] Integração no contrato de uma condição resolutiva subordinada à verificação de determinados acontecimentos futuros e incertos (sobre este assunto, mais precisamente sobre a condição potestativa, v. Batista Machado, RLJ 117º- 279).
[8] Romano Martinez (Da Cessação do Contrato, 2ª edição, páginas 42 e seguintes)\
[9] Esta questão relativa à caducidade/impossibilidade de cumprimento/alteração de circunstancias vem integrando no essencial a teoria da “frustration” no direito inglês – “a contract may be discharged on the ground of frustration when something onus after the formation of the contract which renders it physically or commercially impossible to fulfil the contract or transforms the obligation to perform into a radically different obligation from that undertaken at the moment of the entry into the contract.”.
No direito europeu continental tem-se procurado mitigar a rigidez do velho principio “pacta sunt servanda” por via da doutrina da imprevisão que indo mais longe do que se alcança pela clausula “rebus sic stantibus” permite a resolução do vinculo contratual quando comprovada a imprevisibilidade ou excepcionalidade de circunstancias que tornem impossível ou intoleravelmente onerosa a subsistência do vinculo contratual. Esta teoria, acolhida no artigo 478º do actual Código Civil Brasileiro e inspiradora da alteração ao paragrafo 275. 2 BGB, foi acolhida em decisões da jurisprudência da Cour de Cassation francesa (v. Arrêt Société SEC, de 29/6/2010) e vem merecendo acolhimento nos trabalhos relativos ao direito europeu dos contratos.
[10] No nosso entendimento esta situação não configura, diga-se, uma qualquer hipótese de impossibilidade objectiva (artigo 790º CC), de impossibilidade de concretização do fim contratual objectivo (como já referia Publius Iuventius Celsus Titus Aufidius Hoenius Severianus (67 – 130 AD) – D. 50,17,185 – “impossibilium nulla obligatio est”) mas antes e na tese do recorrente uma circunstância em que frustração do fim ocorreu por alteração superveniente de circunstancias, que alteram e inutilizam o fim contratual subjectivo tido em vista com a celebração do contrato (v. Prof. Vaz Serra no comentário ao acórdão deste STJ, de 6/4/78 (RLJ, 111, paginas 345 e seguintes).
[11]  Ao ocupar-se do mandato (e reflexamente das modalidades do contrato de prestação de serviço não reguladas em especial), a lei fala em revogação, que não resolução. Consideramos no entanto irrelevante na apreciação a fazer esta diferença de qualificação jurídica, de âmbito fundamentalmente terminológico.
[12] A alteração das circunstâncias foi codificada no BGB, na sequência de uma proposta da comissão de 1991. O § 313 estipula que “Quando uma modificação do contrato não seja possível ou surja inexigível para uma das partes, pode a parte prejudicada resolver o contrato…”.
[13] Como refere Oliveira Ascensão “Onerosidade excessiva por alteração de circunstâncias” – Revista da AO, Dezembro de 2005 – “os pactos devem ser observados (principio fundamental da autonomia) rebus sic stantibus (principio fundamental de justiça e de respeito da vinculação realmente assumida.
[14] V. Acórdão deste STJ de 18/1/1996 – relator Conselheiro Miranda Gusmão.
[15] A propósito do vínculo contratual concreto refira-se que base negocial, subjectiva ou objectiva, é constituída por circunstâncias essenciais para que o contrato possa desenvolver-se com regularidade, permitindo às partes atingir os objectivos que tinham em vista – v. Acórdão deste STJ, de 16/4/2002, relator Conselheiro Pinto Monteiro.
[16] A declaração de resolução possui, nos termos do art. 224.º, n.º 1, 1.ª parte, a característica de unilateralidade recipienda, mas conforme afirma Brandão Proença “a desnecessidade da anuência (ou assentimento) da contraparte pode, contudo, projectar-se judicialmente numa discordância quanto à existência dos pressupostos resolutivos (ou à correcção do exercício do direito) …”
[17] Com referimos a lei fala em revogação apesar de os seus efeitos e pressupostos se aproximarem da resolução.
[18] No domínio do Direito das Obrigações, o conceito de justa causa, como escreveu o Prof. Baptista Machado, «é um conceito indeterminado cuja aplicação exige necessariamente uma aplicação valorativa do caso concreto. Será uma «justa causa» ou um «fundamento importante» qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento do dever de correcção e lealdade (ou ao dever de fidelidade na relação associativa). A «justa causa» representará, em regra uma violação dos deveres contratuais (e, portanto, um incumprimento): será aquela violação contratual que dificulta, torna insuportável ou inexigível para a parte não inadimplente a continuação da relação contratual».
[19]     Segundo Almeida e Costa (in Direito das Obrigações; pág. 265 a 271), para que o lesado possa valer-se de algum dos direitos previstos no art.º 437.º do C.Civil, é necessário que a alteração a ter por relevante diga respeito a circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar e é necessário que essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal.
[20] Sem necessidade de relembramos outras situações idênticas de fusão que no final do século XX e principio do século XXI ocorreram no nosso sistema bancário apenas chamamos a atenção para o facto de em situações idênticas e com grande proximidade temporal terem sido fundidos no BBB os bancos FF e GG.
[21] Ainda que, ao contrário do que acontece no CCivil italiano, o nosso CC não indique a imprevisibilidade como requisito para a resolução por alteração de circunstâncias deve considerar-se que tal requisito está implicitamente contido no requisito de anormalidade, entendido como superveniencia de um facto ou acontecimento anormal porque não previsto (v. comentário do Prof. Vaz Serra ao acórdão deste STJ de 17/2/1980, RLJ nº 113, paginas 306 e seguintes)
[22] V. Dagmara Planutis “Le déséquilibre contratuel dû au changement imprévisible des circonstances e ses remèdes, Étude de Droit Compare: Espagne – Pologne – France” – Université Panthéon-Assas – Paris II.
[23] Já no Código de Hamurabi (ano 1780 AC) se aludia às consequências da tempestade nas obrigações daquele que plantava o grão “ele lavará com água sua tábua de divida e não pagará aluguer nesse ano”.
[24] Como se refere no acórdão deste STJ, de 20/11/2012 (relator Conselheiro Fonseca Ramos) “há contradição entre os fundamentos e a decisão, quando estes dois aspectos cruciais da sentença, na sua sustentação, enfermam de um vício lógico insanável, através do qual se evidencie que a concreta fundamentação utilizada pelo julgador, seja ancorada na matéria de facto ou na matéria de direito, jamais poderia ter conduzido ao resultado alcançado que, assim, não pode ser considerado inteligível e coerente desfecho por estar inquinado de um vício no raciocínio lógico-dedutivo; ou seja, o caminho trilhado na via da fundamentação nunca poderia, de uma maneira lógica e razoável, desaguar naquele concreto resultado plasmado na sentença”.